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SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 115

a ordem social; logo deve ser-lhe applicada a pena de seis mezes de cadeia, com um passeio ás terras de Africa... E comtudo a carta constitucional preceitua que ninguem póde ser perseguido por motivos de religião!

Quem, por exemplo, defender ou sustentar que o codigo civil, estabelecendo a simples separação de pessoa e bens, devia ir mais longe e estabelecer o divorcio, ou quem provocar más vontades contra o patrio poder exercido sobre a pessoa dos filhos, até aos vinte e um annos, como estabelece o codigo civil, e applaudir, por exemplo, que a auctoridade paternal deve terminar aos dezoito, dezesete ou dezeseis annos, é evidente que atacará a constituição da familia; logo, deve ser-lhe applicada a pena de seis mezes de cadeia e um passeio ás regiões africanas, porque atacou, uma das columnas da ordem social, posto que theoricamente apenas.

Quem, por exemplo, aconselhar a suppressão do direito de testar, como aliás abalisadissimos jurisconsultos e distinctos publicistas tem oconselhado em numerosos livros de direito publico, quem defender ou applaudir a doutrina de que os terrenos particulares, não cultivados durante dez annos, devem reverter para o estado, é claro que atacará o direito de propriedade. Ora, como a propriedade é uma das columnas da ordem social, ficará quem tal defender ou aconselhar sujeito á pena de seis mezes de cadeia e um passeio á Africa, até que o governo quizer...

Quem, por exemplo, instado por uma urgente necessidade publica fizer dictadura, e, até sem essa urgencia, accumular decretos sobre decretos dictatoriaes, obrigando á sua obediencia os cidadãos, que aliás a não devem senão ás leis emanadas das côrtes, com a sancção do rei, evidentemente não obedecerá á lei, e como o principio da obediencia á lei é uma das columnas sobre que assenta o edificio da ordem social: logo, seis mezes de cadeia para os dictadores, e um passeio á Africa... menos demorado, é verdade, porque durará sómente em quanto o governo quizer...

Ora, isto francamente não póde ser, é absurdo, é monstruoso, mas é o que está no projecto!

E comtudo, seria facilimo inserir na lei principios de justiça e de equidade, e satisfazer ao mesmo tempo, os desejos de todos os bons espiritos conservadores que não querem ver alluidos pela base os fundamentos da sociedade, e que procuram manter o respeito e a consideração devidos aos principios e ás crenças geraes, em que assenta a organisação social. Bastaria para isso que a lei incriminasse e punisse sómente a defeza, o applauso, o conselho e a provocação de actos de violencia material, subversivos da ordem da sociedade.

Estas duas palavras apenas, e desappareceria em grande parte, na maxima parte, a monstruosidade e os absurdos que se encontram no projecte. Actos de violencia material, de violencia physica, para esses, sim, para esses estaria bem a incriminação de que se trata. Mas fazel-a incidir sobre meras palavras que não exprimem nem a defeza, nem o applauso, nem o conselho, nem a provocação de actos ou factos que perturbem violenta e materialmente a existencia da ordem social, é de uma severidade draconiana, que nenhum espirito justo póde acceitar, e que se não compadece com o espirito evolutivo dos tempos modernos.

Analogas considerações se podem fazer sobre a incrimição e punição da simples profissão thearica de idéas anarchistas. O que entende o sr. ministro da justiça por idéas anarchistas? O que é o anarchismo? O anarchismo, entendido fora da interpretação grosseira que lhe póde dar o vulgus sine nomine, fóra da interpretação brutal que lhe podem attribuir os espiritos desvairados, é una systema social, philosophico e politico, em que se defende e preconisa a suppressão da auctoridade. An, archos, de onde se deriva a palavra anarchia, significam sem auctoridade, assim como mono, archos, de onde se deriva a palavra monarchia, significam auctoridade de um só. V. exa. comprehende, e a camara, muitissimo illustrada, comprehende tambem que na progressão ascencional dos espiritos não repugna á rasão admittir um estado de intellectualidade e de perfeição taes que o homem não precise de ser compellido pela força da auctoridade á pratica dos seus deveres. Nem esta possibilidade deixará de ser admittida por parte de todos aquelles que crêem na doutrina do progresso. Tal possibilidade contem-se na propria noção de progresso. E n'esse esta: do, em que todos cumprissem os seus deveres, em que todos fossem honestos, bons e honrados, para que serviria então a auctoridade? Para nada.

Todos seriam justos. Tudo seria livre. E ahi está o ideal do anarchismo. E um ideal chimerico, impossivel de realisar-se? É um sonho? Talvez.

Mas não repugna á rasão humana comprehendel-o como possivel, e é uma crueldade monstruosa incriminar o pensamento do espirito ou a crença da alma que se fixarem e acreditarem n'esta felicidade ideal. Crueldade monstruosa, sobretudo, se o espirito que pensa e o coração que crê, são os de um de tantos d'esses desgraçados que succumbem nas luctas cruentas da nossa idade de ferro, um d'esses infelizes a quem falta em casa o fogo no lar, a luz sob o tecto, o alimento para os filhos, o pão para a mesa! Porque se não ha de deixar a esses espiritos e a esses corações, atormentados, esmagados, nas terriveis engrenagens da vida, que procurem consolar-se nas esperanças suaves d'essa idealidade longiqua?!

Aquece-lhes isso o coração? Deixae-os acalentar-se nessa crença! É uma chimera? E um sonho? Deixae-os sonhar, emquanto a chimera e o sonho não tomarem a fórma real de uma violencia contra a sociedade! Então, sim, mas antes disso para que incriminal-os? para que é esta barbaridade terrivel, esta crueldade monstruosa?

E comtudo, não bastaria para a defeza da sociedade incriminar apenas a profissão destas idéas quando n'ellas se contivesse qualquer incitamento a violencias materiaes, ou quando ellas pregoassem essas violencias como meio de se tornarem triumphantes e triumphadoras? Penso que sim.

Passemos ao artigo 2.° do projecto.

N'este artigo são tambem incriminados e punidos os actos a que se refere o artigo 1.°, embora não haja publicidade, de modo que esta incriminação e punição ainda se torna mais grave. A doutrina d'este artigo tem com effeito, causado muitos reparos e censuras, porque bem se comprehende que se taes actos, sendo publicos, não merecem a punição que lhes é applicavel no artigo 1.°, muito menos a devem merecer quando a publicidade não existe. Comtudo, devo dizel-o em homenagem á verdade, é certo que o facto de não serem publicos não tira aos actos criminosos a sua carecteristica. A publicidade não é elemento essencial da criminalidade. Desde que o pensamento do projecto é incriminar e punir a propaganda das idéas anarchistas é lógico e é coherente incriminai-a e punil-a tambem, embora não haja n'ella publicidade.

A propaganda não se exerce só com publicidade, exerce-se e faz-se tambem por meios particulares. De resto, esta distincção já existe nas nossas leis a proposito de outros crimes. A camara sabe, por exemplo, que os crimes por injuria, e por diffamação, estão sujeitos, segundo o artigo 407.° e seguintes do codigo penal, a uma pena maior quando ha publicidade, mas nem por isso deixam de ser puniveis quando essa publicidade não existe, como se vê do artigo 412.° do mesmo codigo. O disposto n'este artigo 2.° do projecto é, pois, uma consequencia derivada do disposto no artigo 1.° O seu capital defeito não procede da falta de publicidade dos actos n'elle incriminados, provem dos defeitos da doutrina consignada no artigo anterior.

Vejâmos o artigo 3.°

N'este artigo estabelece-se a fórma do processo e supprime-se o jury para o julgamento dos actos incriminados