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SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 117

rendo não é com violencias que a ordem social se argamassa, antes é com justiça e tino governativo que as instituições se amparam e robustecem. E em questões d’esta natureza, tão melindrosas e delicadas, tenha o governo sempre presente aquelle aphorismo de um dos mais brilhantes luzeiros da igreja, aphorismo que só de per si vale um systema politico e toda uma philosophia social:

In necessariis, unitas;

In dubiis, libertas;

In omnibus, caritas.

Nas violencias, que são, necessariamente, condemnaveis, seja o governo energico e forte. Nas doutrinas, que são materia de opinião, seja o governo tolerante e liberal. E em tudo, quer seja energico para punir, quer liberal para perdoar, seja o governo sempre justo e caridoso, porque a caridade e justiça foram no passado, são no presente e hão de ser amanhã e sempre, no mundo, os anjos tutelares da paz e da ordem.

Tenho dito.

Mando para a mesa a minha proposta.

Lida na mesa foi admittida e ficou em discussão, conjunctamente com o projecto.

O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco): — Sr. presidente, vou responder ao digno par o sr. Marçal Pacheco, dando algumas explicações sobre as disposições do projecto que, no dizer de s. exa., carece de ser esclarecido, para que não haja duvidas sobre a sua interpretação.

No fundo, s. exa. está de accordo com o projecto, segundo disse, acrescentando que estava ao lado do governo em questões de ordem publica, pois no seio das commissões ouvira a declaração de que o governo se não responsabilisava pela manutenção da ordem, se o projecto não fosse approvado.

Como s. exa. tambem declarou, não quiz o digno par significar com a sua attitude que obtemperava a influencias de politica partidaria, e eu não posso deixar de applaudir essa declaração.

A necessidade da lei que se discute prova-se por duas simples rasões: porque na nossa legislação penal não havia penalidades para os factos a que ella se refere e porque se não deviam deixar sem punição a pratica de actos e a propaganda de doutrinas perigosas e fataes para a sociedade.

Pela carta de lei de 21 de abril de 1892, sem que se fizesse referencia aos crimes dos anarchistas, tinham-se declarado incursos na pena mais grave da escala penal aquelles que usassem de explosivos para attentar contra as pessoas e as propriedades, mas é certo que póde haver cumplices n’estes attentados, sem que estejam comprehendidos nas disposições d’essa lei, por se não darem a seu respeito os requisitos de cumplicidade especificada na lei commum, e sem que de facto a cumplicidade deixe de existir.

Tambem se não podiam considerar como responsaveis criminalmente, e como taes punidos, os sectarios do anarchismo que, em grupos mais ou menos numerosos, se reunissem publica ou clandestinamente e se combinassem para praticar actos de criminalidade indeterminada, como meio de propaganda das suas doutrinas subversivas, como não havia, finalmente, disposições legaes que punissem aquelles que, quer por discursos, quer por escriptos, ou por qualquer meio de publicação, provocassem directa ou indirectamente a pratica de crimes com o caracter de anarchismo, e como meio de propaganda.

É, pois, evidente, a necessidade de se fazer um additamento á nossa legislação penal e é a isso que visa esta lei.

O digno par referiu-se a que, pelo projecto em discussão, se podia incriminar os individuos que combatessem a actual ordem social. Não é assim. O que se pretende incriminar é aquelles que não querem absolutamente nenhuma ordem social, sob qualquer regimen politico, porque o projecto refere-se aos inimigos da existencia da ordem social, que tem de firmar-se no principio da subordinação a poderes que constituam a auctoridade do estado, e os anarchistas nem admittem auctoridade, nem estado.

Devo dizer muito claramente que não se trata de condemnar as opiniões sobre fórmas de governo, ou as idéas de adversarios do regimen politico e social existente. Do que se trata é da propaganda perigosa e violenta de doutrinas e de factos que tendem á negação absoluta do principio da auctoridade, do direito da propriedade e dos demais direitos fundamentaes de qualquer o regimen social.

Não se incriminam as theorias de anarchia, como foram expostas por Proudhon e por outros publicistas, que não podem estar de modo algum comprehendidas nas disposições d’esta lei.

O digno par disse: o anarchismo combate o estado, a religião, a familia, o direito da propriedade, etc. Perfeitamente de accordo, mas ha uma distincção a fazer. Póde discutir-se o principio de auctoridade, a existencia do estado, o direito de propriedade, qualquer, emfim das instituições que são a base das sociedades, sem que com isto se incorra nas disposições d’esta lei, uma vez que se não saía para fóra da esphera especulativa, mas se para a realisação das theorias se empregarem meios violentos ou se aconselharem estes meios, como fórma de propaganda, ou se propaguem doutrinas que conduzam á pratica de actos subversivos, ou attentados, está claro que estes factos estão incursos nas disposições do artigo 1.° d’este projecto.

Se nem sempre foi livre a expressão do pensamento, se noutras epochas houve penas para as idéas, não é agora, no fim do seculo XIX, que haviamos de resuscitar essa penalidade contra o exercicio dos direitos do pensamento humano; mas o que nos incumbe a todos nós é defender a sociedade contra a influencia perigosa d’aquelles que a querem destruir por meio da diffusão de doutrinas subversivas e que já teem dado origem aos maiores attentados.

Para os anarchistas não ha patria, não ha estado, não ha religião, não ha familia, não ha auctoridade de qualquer especie. Cada um póde fazer o que lhe aprouver, e cada um se julga com direito ao goso egoista de todos os bens a que poder lançar mão.

Aspiram ás trevas do barbarismo estupido das tribus selvagens, que só não conduzirá á antropophagia, se a carne de outros animaes for mais saborosa e agradavel que a da especie humana.

Estas idéas, por mais absurdas, por mais incongruentes e estultas que sejam, são theorias que se combatem pela propaganda opposta, e, muitas vezes, pela acção salutar, branda e pacifica do bom senso e do tempo; mas toda a propaganda que possa originar attentados, toda a propaganda perigosa, deve ser reprimida e punida.

Creio ter dito o sufficiente para se comprehender qual o pensamento do governo; mas não deixarei ainda de me referir ao modo como se faz a perigosissima propaganda do anarchismo.

Um dos prophetas sinistros d’esta seita, refiro-me a Jean Grave, cujo evangelho anda já traduzido entre nós, segundo me consta, diz pouco mais ou menos, o seguinte: A propaganda ás claras deve servir unicamente para dissimular ou descobrir a propaganda secreta. É necessario que nos congreguemos e nos prestemos mutuo auxilio; é indispensavel, por meio da propaganda, lançar a semente a ver se encontrâmos quem realise os nossos desejos, afim de que as nossas doutrinas se tornem uma lição para a sociedade. O egoismo humano fez com que haja pouca gente que se disponha a sacrificar a vida pelo bem commum; todavia pode-se encontrar d’esses heroes, a questão é demonstrar ás massas que se trata de chegarmos a uma situação em que todos devem realisar os seus gosos e as suas necessidades.