118 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Aqui está n’uma das suas feições a propaganda que se pretende combater pek repressão.
Dizer que a sociedade actual tem defeitos, que tem um regimen que póde ou deve soffrer qualquer modificação no sentido em que os bens da terra sejam mais igualmente repartidos, é propaganda socialista, inteiramente differente da anarchista.
Socialista poderia até chamar-se Bismark, o grande estadista da Allemanha, e até nós temos feito socialismo para attender as necessidades mais ou menos imperiosas, a reclamações mais ou menos attendiveis das classes operarias.
Ha, é certo, quem chame aos anarchistas socialistas apressados mas o socialismo collectivista, que é o mais preconisado, tende a reduzir a humanidade ao viver de Sparta, onde os individuos eram absorvidos inteiramente pelo estado, e o anarchista aspira ao individualismo absoluto, á liberdade desenfreada do homem primitivo, immerso ainda na penumbra da animalidade.
Referiu se o digno par á differença que na incriminação se estabelece, quando ha ou não publicidade. Esta distincção tem precedentes no codigo penal, e erro injustificavel seria não fazer aquella distincção, quando é sabido que os manejos do anarchismo se fazem mais clandestinamente, do que abertamente, sendo, como diz o escriptor citado, a propaganda ás claras um meio de dissimulação da propaganda secreta, isto é, sem publicidade.
O processo adoptado pelos anarchistas e aconselhado pelos chefes da seita, resume-se no seguinte: fazer uma propaganda aberta, quanto possivel, vaga e indeterminada para assim illudir a acção da justiça, attrahindo sobre os conferentes a attenção, emquanto outros, operando clandestinamente, ganham adhesões e preparam os animos para a pratica de attentados determinados, ou não, mas tendentes á propaganda, ou para vingarem os companheiros caídos sob a acção da lei.
É evidente, pois, a necessidade do artigo 2.° do projecto.
Relativamente ao jury, tambem s. exa. approvou a disposição do projecto.
A instituição do jury obedece a um pensamento elevado, e assim a devemos considerar, embora reconheçâmos que tem errado muitas vezes; todavia, em crimes d’esta natureza, havia muita difficuldade em conseguir que os tribunaes se constituissem devidamente, porque os membros do jury, sob a pressão do terror, só muito constrangidos iriam occupar o seu logar, como lá fóra tem acontecido.
Demais o jury, estando dominado por preoccupações, poderia não attender serena e imparcialmente aos interesses sociaes, absolvendo sem fundamento, ou condemnando com iniquidade, desattendendo assim os interesses legitimos dos réus.
Tratou o digno par, por ultimo, do artigo que se refere á imprensa, e desejou que eu de a este respeito explicações categoricas.
Eu já tive a honra de dizer na outra casa do parlamento, que isto não é uma lei de imprensa; isto é, que as disposições contidas n’esta lei não querem de modo nenhum coarctar as liberdades da imprensa.
Em relação ao artigo 1.°, já declarei que as theorias sobre a anarchia podiam sem delicto ser objecto da apreciação dos altos espiritos que d’ellas se quizessem especulativamente occupar; mas o que por esta lei se pretende é que a imprensa não concorra, embora sem tal intenção, para o desenvolvimento do anarchismo, tratando de factos que com elle se relacionem, e principalmente de narrativas de attentados que tão perniciosa influencia têem nos espiritos debeis.
E a rasão d’isto é muito simples: é porque essas narrativas têem ordinariamente uma feição dramatica e por isso mais penetrante no espirito publico.
Se ellas cáem sob os olhos de pessoas reflectidas, não deixam impressões deleterias. Se, porém, caem nas vistas de espiritos menos cultos, e sobretudo (é este o maior perigo) d’aquelles que são mais ou menos nevropathas, d’aquelles que têem tendencias para o fanatismo, dos que são facilmente suggestionaveis, essas narrativas de crimes e os debates nos tribunaes, que os anarchistas têem transformado em tribuna para a propagação de suas idéas, essas narrativas, repito, podem ter uma influencia funestissima, incitando outros individuos á pratica de actos similhantes.
Se os jornaes fossem lidos unicamente pelas pessoas esclarecidas, não havia perigo; mas infelizmente nós vemos que o que se explora mais é a avidez popular de leituras de sensação.
N’este ponto devo dizer ainda ao digno par sr. Marçal Pacheco e á camara, que os jornaes ficam sob a vigilancia da auctoridade policial, mas com a garantia de que uma auctoridade independente resolverá se a apprehensão dos jornaes é ou não regular e justificada.
Resta-me responder ao ultimo ponto que no seu discurso tratou o digno par. Refiro-me á retroactividade d’esta lei.
O pensamento da proposta do governo era que a retroactividade só abrangesse os factos puniveis mais recentes, não podendo em caso algum ir alem do periodo marcado para a prescripção na legislação commum.
Os acontecimentos ultimos, que tamanha sensação causaram, determinaram a proposta.
Seria faltar aos deveres que o governo tem de assegurar a ordem publica e a tranquillidade dos cidadãos deixar que, por um nimio escrupulo de principios, a lei não fosse applicavel com effeito retroactivo nos termos expostos.
Creio que com esta declaração terei satisfeito completamente o digno par.
Termino, dizendo que esta lei se caracterisa, não tanto como lei de repressão, como pela circumstancia de que por ella se adoptam medidas preventivas especiaes, consentaneas com a indole particularissima e excepcional dos factos sobre que se legisla.
Até agora tinha-se considerado que entre nós o anarchismo não produzia funestas consequencias, que era apenas a manifestação de um ideal nebuloso das massas populares, que aspiram a condições differentes d’aquellas em que vivem, sonhando venturas e gosos obtidos sem as luctas do trabalho e as competencias do combate pela existencia.
Entretanto, as ultimas occorrencias vieram demonstrar-nos que o perigo que se manifestara n’outros paizes tambem entre nós está latente. O que o governo pretende é oppor-se, é rebater e supprimir uma propaganda de doutrinas que tem por fito a destruição completa do estado e do principio da auctoridade em todas as suas manifestações, quer seja na esphera governativa, quer na esphera da familia, tratando de aniquilar tudo quanto serve de fundamento á existencia da ordem social, e quanto constitue a grandeza e esplendor da civilisação moderna.
Tenho dito.
O sr. Conde de Thomar: — Antes de entrar na materia, permitta v. exa., sr. presidente, que eu dê uma explicação e rectifique uma asserção que apresentei na occasião em que se discutiu aqui o bill de indemnidade. Referi-me á eleição de um deputado por um districto do Alemtejo, em que se apontara a coincidencia notavel de ter esse deputado, que se dizia da opposição, sido eleito com o mesmo numero de votos que o sr. ministro da guerra.
Pessoa competentissima, um nosso dignissimo collega, affirmou-me que essa asserção não era exacta; por consequencia, vê-se que ha um deputado pela opposição que não teve o mesmo numero de votos que o sr. ministro da guerra, pelo que felicito o deputado eleito. Vejo, portanto, que o jornal que dera a noticia estava mal informado.
A verdade antes de tudo. Está, pois, explicado o engano.
Sr. presidente, estou completamente de accordo com as