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SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 119

palavras do digno par que me precedeu, o sr. Marçal Pacheco. O assumpto que se debate não é politico.

Na discussão d’este projecto não póde haver nem maioria, nem opposição, nem partido regenerador, nem partido progressista. N’esta discussão não ha senão homens de ordem, cada um dos quaes vem trazer-lhe o seu subsidio e tratar de a esclarecer o melhor que póde para se chegar a uma solução que seja conciliadora.

Eu tinha tomado varios apontamentos e desejava fazer largas considerações sobre a materia do projecto; mas, depois de haverem tomado a palavra dois criminalistas tão distinctos, eu, que sou o menos competente para me envolver em taes questões, prescindiria de fallar n’este momento se não fosse a impressão que me deixou a leitura do projecto.

Recebi-o hontem á noite, já tarde, e só esta manhã póde lel-o. Não vou tomar muito tempo á camara.

Tendo ouvido o nobre ministro da justiça, que realmente me captivou pela maneira clara como explicou o projecto do governo, formulei a seguinte moção de ordem.

(Leu.)

Se fosse só a minha opinião na questão que se debate não teria ella de certo grande valor para fazer peso na questão; mas, sr. presidente, eu vi que na outra casa do parlamento distinctos estadistas, e de grande valor, discutiram este assumpto, tendo duvidas sobre a interpretação e applicação do projecto.

Vejo igualmente n’esta casa um distincto parlamentar, como o digno par o sr. Marçal Pacheco, fazer ponderosas considerações no sentido das que se apresentaram na camara dos senhores deputados.

Por conseguinte o que devo eu concluir d’este facto? É que a redacção do projecto não é precisamente clara, que deixa duvidas não só no meu animo, como no animo de todos que se occuparem da questão, e por isso parece-me que a minha moção tem rasão de ser.

Sr. presidente, antes de continuar não posso deixar de fazer uma pergunta ao governo, visto que elle não importa já segredo de acção policial.

É ou não verdade que foram descobertos os auctores do ultimo attentado?

Se é verdade, peço ao governo que a confirme, se não ha n’isso o menor inconveniente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Eu vou responder á pergunta do digno par.

É certo que se acham descobertos os auctores do attentado recentemente praticado na casa do sub-delegado de saude o sr. dr. Joyce.

Os criminosos não só confessaram o crime, como o proprio auctor indicou a maneira por que elle foi commettido, indo hoje acompanhado da policia á casa onde foi lançado o explosivo.

Por consequencia, o crime está averiguado, confessado, n’elle estão implicados nove individuos e posso acrescentar que estes nove individuos estavam até agora empregados em obras do estado.

É o que posso dizer a v. exa.

O sr. Conde de Thomar: — Agradeço as declarações claras, precisas e categoricas, que sobre o assumpto acaba de fazer o nobre presidente do conselho, e que tanto nos preoccupava.

Depois de ouvidas as explicações do governo, permitta-me v. exa. que mais desassombradamente eu entre na discussão do projecto.

Rasões havia que faziam que fosse muito cauteloso; mas depois dos factos que já são conhecidos aqui e lá fóra, posso mais afoitamente dizel-as, pois que, com isso, não vou crear embaraços, nem difficuldades á acção da justiça.

Sr. presidente, dizia eu aqui ha dias que pela ultima lei da policia, os magistrados policiaes estavam armados, não só com os meios necessarios para quaesquer indagações; mas davam-lhes tal força, que ia até ao ponto de poder metter na cadeia meia Lisboa!

Pergunto agora ao nobre presidente do conselho se depois dos factos que elle acaba de communicar á camara, ainda ha urgencia na approvação deste projecto, se é tão imperiosa a sua approvação que não possa adiar a discussão d’elle, fazendo-lhe modificações que sejam justas e rasoaveis.

Eu bem sei que este projecto não trata só de tomar providencias com relação aos anarchistas, envolve tambem a creação de um grande numero de agentes policiaes, com o fundamento, ao que parece, de que a policia actual é insufficiente para as necessidades creadas pela nova area de Lisboa, e por se reconhecer que a actual policia é insufficiente.

Sr. presidente, a prova de que não é insuficiente está em que o crime .foi descoberto apenas com a policia existente e com os meios de que póde dispor, e por este facto não vejo que houvesse grande necessidade de, segundo diz o projecto, augmentar desde já o quadro do corpo de policia de segurança de Lisboa, e muito menos a apresentação tumultuaria do projecto em discussão.

A commissão de administração foi ouvida, desejava, portanto, que algum dos seus membros me dissesse quaes os considerandos apresentados pelo governo para justificar o augmento d’este corpo de policia, o que trará grande despeza e agravamento de impostos.

Sr. presidente, sobre o projecto em discussão as minhas idéas são conhecidas, e ninguem dirá que venho defender o anarchismo. Todo o rigor da lei para o anarchismo pratico; mas com respeito ás doutrinas do projecto, confesso que ha pontos com os quaes não posso concordar.

No artigo 1.°, por exemplo, que eu não leio para não cançar a attenção da camara, parecia-me conveniente que se eliminassem as palavras «e cumprida esta, será entregue ao governo, que lhe dará o destino a que se refere o artigo 10.° da lei de 21 de abril de 1892».

Esta é a sentença; depois de julgado pelo tribunal, é entregue ao governo que, naturalmente, não lhe dá casa no campo, mas, como muito bem disse o sr. Marçal Pacheco, o manda passeiar até á Africa. Francamente, não me parece justo que haja duas penas, quando existem os tribunaes para julgar. Se as disposições do codigo penal são insufficientes, então viesse o sr. ministro da justiça pedir ao parlamento a alteração d’este ou d’aquelle artigo.

E, sr. presidente, sobre este ponto permitta-me v. exa. que eu conte o que ouvi a um antigo chefe da policia, que já morreu, para mostrar a v. exa. até onde vae a paixão politica.

Um liberal foi denunciar que tinha feito pacto com o demonio. Instaurou-se um processo, intimaram-se testemunhas, que depozeram em pleno tribunal que tinham visto á meia noite esse homem conversar com o demonio que, trazendo umas azas, voava.

Esse processo deve existir n’um cartorio, em Villa Franca.

O sr. Thomás Ribeiro: — Tambem se deu o mesmo aso na Beira Baixa.

O Orador: — Pois talvez v. exa. não acredite que houve um juiz tão faccioso que, acceitando o depoimento das testemunhas, condemnou o réu; isto prova que a paixão cega os homens, e que um projecto que dá attribuições tão latas póde dar logar a grandes abusos.

Diz o digno par o sr. Thomás Ribeiro, que facto similhante se deu num tribunal na Beira.

As paixões politicas são de todos os tempos, e não ha rasão para que hoje se não dêem iguaes aberrações do bom senso. É esse o meu receio.

Eu, francamente, retiraria tão ampla auctorisação a quem d’ella póde abusar. Não está no meu animo tal au-