124 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
gumas das disposições da lei a applicação que ellas podem ter, mas o que é facto é que póde vir outro ministro e proceder de modo contrario.
Sr. presidente, pelo artigo 6.° do projecto em discussão, é o governo auctorisado a augmentar o corpo de policia civil.
Para que é preciso o augmento da policia?
Este augmento do corpo de policia é agora proposto em consequencia dos ultimos acontecimentos?
É por isso que se augmenta a policia?
Não é ella sufficiente para vigiar a casa dos cidadãos, quando seja necessario?
Parece que não.
Sabe-se que o sr. juiz Veiga foi avisado tres dias antes da explosão da granada, e o que é facto é que a policia não tomou providencias nenhumas.
Foi por que não tinha alguns guardas de que podesse dispor?
Creio que não, e por isso é grande a sua responsabilidade.
Se a casa do sr. sub-delegado de saude estivesse bem vigiada, de certo que o crime não se teria praticado.
Sr. presidente, muito mais teria a dizer em assumpto tão importante, mas não quero abusar da attenção da camara, e por isso termino, deixando lavrado o meu protesto.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Começa per dizer que estando adiantada a sessão, não desejava alongar o debate, mas., por outro lado, não queria que houvesse ambiguidades no entendimento das doutrinas do projecto que se discutia, nem a menor suspeita de que o governo se furtava a dar todos os esclarecimentos pedidos.
Era preciso que se soubesse o que se votava, e por que se votava.
O digno par que acabava de fallar pronunciara-se contra o projecto de lei em discussão, porque no seu entender elle não reprime, nem previne.
S. exa. entendia que n’este complexo de disposições não ha preceito algum novo que estabeleça penalidades para os crimes de anarchia.
O orador reputa erronea esta intelligencia do projecto, mas n’este momento não quer tirar partido das palavras que o digno par pronunciara.
Qual o motivo por que este projecto tem sido impugnado?
Esta lei tem um caracter perfeitamente especial; visa a um fim preciso: qual é a repressão do anarchisnio.
Contém preceitos novos, e differentes dos do direito commum.
Perguntára o digno par qual a penalidade applicavel ao auctor do attentado da rua do Duque de Bragança.
Era a que estava comminada no artigo 15.° da lei de 21 de abril de 1892.
Não tem nada de novo a legislação que se propõe, mesmo n’esta parte? Tem. Tem a fórma do julgamento e, mais ainda; embora se não trate do lançamento eu emprego de explosivos, nem de attentados contra as pessoas, desde que se empreguem meios de propaganda das doutrinas do anarchisnio, provocadores do emprego d’aquellas violencias, essa fórma de julgamento é applicavel.
Isto é que não estava na legislação commum, nem podia estar, porque só tem cabimento n’uma lei especial.
Essa propaganda, que póde levar á pratica de actos attentatorios da vida e propriedade dos cidadãos, faz-se por palavras ou escriptos, com ou sem publicidade; para ella designou o projecto a penalidade applicavel.
Esta penalidade não está, porém, nos tres ou seis mezes de prisão; mas sim naquillo que o digno par combateu.
Não haja illusões; a penalidade está ha sequestração dos individuos que professam as doutrinas do anarchisnio, e em serem depois postos á disposição do governo e mandados para uma provincia ultramarina.
O digno par estranhára que alguns ou todos os cumplices do attentado recente estivessem empregados nas obras do estado, e censurou por isso o governo.
Ora, os attentados d’esta natureza são recentes; e, desde que se deram, o governo não hesitou um momento em trazer á camara a lei reclamada pela conjunctura.
Até ha pouco, porém, a policia só tratava de evitar que e dissesse que a miseria d’estes homens era o pretexto justificativo dos seus actos, era a rasão do crime.
Emquanto não havia o anarchismo revelado em actos externos, emquanto não havia um desvairamento ou mesmo um fanatismo, traduzido em factos, não se podia censurar a policia por que dava trabalho a esses homens, para que se não dissesse que uma vida de desgraças os levava a praticar o crime.
Mas agora, apesar da solicitude, que se lhes dispensava, como desgraçados e não como anarchistas, vieram affirmar as suas doutrinas em attitude contraria á sociedade, contraria á segurança da propriedade e das pessoas; o caminho, pois, a seguir, é o da repressão, e o governo seria então o verdadeiro culpado se não tomasse por elle.
A impressão que o orador sentiu ao ter conhecimento da confissão do crime, feita d’aquella fórma pelo auctor da explosão, foi igual á que lhe deixam todos os attentados anarchistas em que os seus auctores vêem um titulo de gloria, um motivo de vaidade.
A confissão de um crime d’esta ordem não entra como causa attenuante para ser attendida na applicação da pena; é um symptoma da convicção e do fanatismo que os levou á execução do attentado, e que por isso mesmo obriga a sociedade a defender-se com firmeza e serenidade.
O orador não crê que a camara negue ao governo 300 policias; uma questão d’esta ordem não é discutida com estatisticas faceis, desde que surgem factos d’esta ordem, que têem similhantes no estrangeiro, que carecem de repressão mais difficil, de arguição mais rigorosa; o governo entende necessario augmentar o numero de policias para cumprir o seu dever, e certamente ninguem o negará.
A questão está agora muito nitida e clara.
Desde que o anarchismo entre nós deixou de poder considerar-se como um simples desvario mais ou menos apaixonado; desde que se manifestou por factos d’esta natureza, por factos que vieram, a publico, e que os seus auctores apresentam como titulos e padrão de gloria; desde que em Portugual o anarchismo se revestiu de um caracter tão grave, que obriga a uma repressão efficaz, como na Franca, na Hespanha, na Allemanha, o orador vem dizel-o á camara com todo o desassombro e inteira hombridade.
Póde haver duvidas ou hesitações n’isto?
Póde algum dos dignos pares ter escrupulos na sua consciencia para votar este projecto?
Trata-se de uma lei de excepção, trata-se de uma lei unica e exclusivamente destinada a reprimir os crimes anarchistas, destinada a prevenil-os, destinada a punil-os. Não é uma modificação da lei de imprensa, não é uma modificação da lei commum, é uma lei de excepção que representa a defeza da sociedade portugueza.
O orador passou a ler alguns trechos da obra de Jean Grave sobre as intenções do anarchismo com respeito ás instituições que caracterisam a civilisação, para mostrar o que para os anarchistas vale a auctoridade, a religião, a familia, a patria e a propriedade.
Nada havia mais claro.
Perante doutrinas d’aquella natureza, perante meios de acção tão violentos que vão até ao crime, que vão até ás maiores atrocidades, que escrupulo póde haver em votar um projecto em que se reprime a propaganda e se punem os attentados?