152 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O sr. Conde de Thomar: - Cortar, é facil.
O Orador: - É facil?! Toma conta da referencia do digno par, do seu áparte. Não era e não é facil emquanto os homens publicos d'este paiz se prenderem com syndicatos.
Mas sel-o-ha logo que haja um governo que tenha força, que se haja elevado pelo impulso da opinião e que faça ver que acima de tudo está o credito do paiz.
Comprehende-se que haja um orçamento de 55:000 contos de réis; o que se não deve consentir é que se ponha o paiz em leilão, a ver quem mais dá. O que se não deve permittir é que passo um orçamento falso, que é uma vergonha, não só em face do estrangeiro, mas de todos quantos conhecem as nossas circumstancias.
Quando ha pouco elle, orador, veiu a esta casa e se encontrou a fazer opposição ao governo presidido pelo sr. Hintze Ribeiro, viu desertas as cadeiras dos membros, da camara que apoiam a situação actual, e isso quando se discutiam as questões mais importantes; não estavam então no parlamento, nem o sr. José Luciano, nem os amigos da actual situação.
Pois s. exa. já aqui declarara, dirigindo-se ao sr. Hintze Ribeiro, que não poderia ter governado melhor do que elle. E, comtudo, o sr. José Luciano e os seus amigos politicos abandonaram o parlamento e foram para a praça publica, saindo de lá tambem ante a ironia e a indifferença do paiz, porque não tinham sympathias nem popularidade.
Quando se deu a crise subiram ao poder, não se sabe em nome de que principio constitucional.
(Interrupção que se não percebeu.)
Não havia parlamento! Havia o mesmo solar que ha agora.
A camara sabe que ha uma lei eleitoral que dá a todos os governos a maioria de que elles precisarem para as suas votações.
A camara dos pares era a mesma, mas a lei...
O sr. Vaz Preto: - Mas qual era a lei da camara dos pares?
O Orador: - Pergunte s. exa. ao sr. presidente do conselho qual é a camara dos- pares que s. exa. deseja, porque s. exa., respondendo ao sr. conde de Thomar, disse que ainda não sabia o que desejava.
A elle, orador, parece-lhe que melhor seria s. exa. não fazer cousa nenhuma.
Mas, continuando na sua ordem de considerações, deve declarar que não sabia já se era ou não ministerial, tão extraordinarios corriam todos os successos.
Mais tarde viu o que diziam os projectos do governo, viu as referencias que o sr. presidente do conselho fez com respeito á ordem publica, e depois ouviu a affirmação, lá fora, de que o governo tinha declarado ser seu proposito firme fazer passar todas as medidas de fazenda que quizesse sem discussão, e que o orçamento havia ou não de ser discutido, tambem como elle quizesse.
Vozes: - Ninguem disse isso. Não é verdade.
O sr. Pereira Dias: - Talvez seja confusão. O lado contrario é que diz que não ha de passar nenhuma das medidas do governo.
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - V. exa. não póde fazer tal affirmação.
O Orador: - Lá fóra é o que se diz.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - V. exa. dá licença? Eu declaro, por parte do governo, que nunca se disse similhante cousa, nem se podia dizer.
O Orador: - Ora, aqui está! Já o illustre presidente do conselho o veiu fazer governamental.
O governo compromette-se a não fazer passar de afogadilho as medidas de fazenda, garante que ellas hão de ser discutidas com largueza em ambas as casas do parlamento; e de certo não quererá tambem auctorisações parlamentares, concessão que desauctorisa os parlamentos.
Bom seria que s. exa. dissesse tambem que não quer e não pede auctorisações.
Não deseja cansar a camara. Só dirá que talvez a condescendencia d'elle, orador, possa chegar a ser governamental, comtanto que o governo mude de idéas, e adopte as mais adequadas e consentaneas com os interesses do paiz.
N'este ponto de vista, elle, orador, logo que o governo entre no bom caminho, vae estar associado, não só com o sr. presidente do conselho, mas tambem com alguns outros dignos pares.
Sente não ver presente o seu illustre e velho amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme, cujo talento, independencia, honradez e amor pelo systema constitucional tanto admira, o homem que mais tenazmente tem pugnado n'esta casa pelo systema das incompatibilidades, que o governo já não quer.
Elle, orador, não saberá quaes eram as idéas do sr. ministro da fazenda, mas quando soube quaes eram, ficou espantado.
Sabia, sim, quaes eram as idéas do illustre correligionario politico do sr. presidente do conselho, o sr. Espregueira, que estão publicadas n'um livro e que são perfeitamente acceitaveis. Porque foi que o sr. José Luciano não convidou o sr. Espregueira para ministro da fazenda? Pois convide-o agora, e se elle praticar no governo aquillo que proclamou na imprensa, não duvida dizer que estará ao lado de s. exa.
Tambem poderia associar-se com o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que declarou, ainda não ha muitos annos, que na Italia o sr. Sella fazia grandes economias, o que he parecia então muito bem, e digno de applauso.
Mas o caso é que as boas idéas ficam fóra do governo, e que a desgraça está em que se fazem leis que não são precisas ou que não são verdadeiras.
Foi a liberdade do voto uma das causas dos nossos males actuaes. Essa lei não era precisa. O orçamento é uma grande mentira, e por não ser a expressão da verdade, não quizeram durante muitos annos que fosse discutido, com receio de que se chegasse a apurar o verdadeiro estado da nossa situação financeira.
Voltando ao projecto em discussão, dirá ainda que para satisfazer ás exigencias, nem sempre justas e justificadas, do ultramar, temos sacrificado as mais urgentes necessidades da metropole.
Vamos completar caminhos de ferro em Africa e temol-os na metropole incompletos.
Ao mesmo passo que por um lado queremos dar facilidades ao ultramar, por outro lado somos nós mesmos que levantámos Já graves difficuldades. Pois não é injusto e perigoso o augmentar o imposto da palhota, que torna os pretos menos doceis do que os brancos da metropole?!
Sabe que o nosso exercito é fiel, e que se póde amordaçar a imprensa. Mas vae mal o sr. presidente do conselho quando amordaça hoje a imprensa com que se colligou hontem anti-constitucionalmente.
Que lhe poderão responder? Boas palavras tem ouvido muitas. Bons factos é que se quer. Vida nova, vida nova é que é preciso.
Uma voz: - O que é a vida nova?
O Orador: - Já aqui uma vez pediu a todos os ministros que comparecessem para lhes dizer qual é a vida nova que deseja. Está prompto a dizel-o, o caso é que executem o que disser. Vida nova, vida nova.
O sr. Conde de Macedo: - Cada um de nós, já vejo, tem a sua maneira de se manifestar a sua resolução ou disposição para ser governamental; eu patenteio-as limitando-me a desempenhar n'este momento o papel modesto de ser o relator d'este projecto...