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N.º 13

SESSÃO DE 5 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa

Conde de Bertiandos

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O digno par Telles de Vasconcellos propõe que a mesa fique auctorisada a conceder pensões ás viuvas dos empregados da camara. Sobre esta proposta usam da palavra diversos oradores.- A pedido do sr. presidente, o digno par Telles de Vasconcellos retira a proposta, que é em seguida adoptada pelo digno par Pereira Dias, e approvada por unanimidade.- O digno par E. E. Hintze Ribeiro requer documentos. - Entre o digno par visconde de Chancelleiros e o sr. ministro da marinha trocam-se explicações sobre um telegramma que, tendo sido expedido por ordem deste ministro para a casa Andersen, do Porto, se julgava descaminhado.

Ordem do dia.- Projecto de lei que approva os contratos celebrados entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro através da Africa, e que tem por fim a elevação das tarifas da linha ferrea de Loanda a Ambaca e a construcção do prolongamento desta linha até Malange. - Tomam parte na discussão os dignos pares visconde de Chancelleiros, conde de Macedo, E. E. Hintze Ribeiro e o sr. ministro da marinha. - Foi approvado o projecto. - Entre o digno par Pimentel Pinto e o sr. ministro da marinha trocam-se explicações ácerca da legislação penal militar, que está em vigor nas provincias ultramarinas. - O sr. presidente do conselho responde a uma pergunta que ao governo dirigira o digno par visconde de Chancelleiros. - O digno par Agostinho de Ornellas apresenta um requerimento relativo ao processo dos traidores condemnados em Moçambique. Sobre este assumpto usam da palavra, alem ddo digno par requerente, o digno par Pimentel Pinto e o sr. ministro da marinha. - É levantada a sessão.

As duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

(Estava presente o sr. ministro da marinha. Entrou durante a sessão o sr. presidente do conselho de ministros.)

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão Anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, datado de 27 de julho do corrente anno, remettendo uma nota em que o sr. ministro de Inglaterra nesta côrte agradece, por ordem de Sua Magestade Britannica, a mensagem votada nesta camara por occasião do jubileu daquella soberana

Para o archivo.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento de Maria Carolina da Silva, viuva de Felisardo José d Silva, empregado menor desta camara, pedindo que lhe seja concedida uma pequena pensão de 6$000 réis, que era distribuida a outra pensionista, já fallecida.

Faço acompanhar este requerimento de uma proposta que passo a ler.

"Proponho que a pretensão de Maria Carolina da Silva e outras quaesquer, da mesma natureza, sejam resolvidas pela mesa, como esta entender que é de justiça.

"Sala das sessões, 5 de agosto de 1897.= 0 par do rei no, Telles de Vasconcellos,

Julio Carlos de Abreu e Sousa Conde de Bertiandos

Estou que esta proposta é de natureza tal, que ninguem e opporá á sua approvação, pois toda a camara tem a mais absoluta confiança na mesa, não só pelo passado do eu illustre presidente e dos srs. secretarios, cuja probidade e distinção de caracter é de todos respeitada e conhecida, mas ainda porque estou convencido de que aos membros da mesa, e quando muito com a commissão administrativa da casa, para salvar todos os escrupulos, compete resolver esta ou outra qualquer pretenção que se presente neste sentido. Tanto mais que já ha precedentes, pois que nenhuma providencia regimental determina contrario, nem justifica qualquer procedimento em sendo opposto quando o tenha havido.

Portanto, abstenho-me de fazer quaesquer considerações mais sobre o assumpto e peço a urgência da proposta.

Leu-se na mesa a proposta do digno par Telles de Vasconcellos.

O sr. Presidente: - Os dignos, pares que dispensam regimento para que esta proposta entre desde já em discussão, tenham a bondade de se levantar.

O sr. Thomaz Ribeiro: - Eu desejo saber do que se trata, para poder dar o meu voto.

O digno par o sr. Telles de Vasconcellos disse que se devia dar a v. exa. auctorisação plena para decidir uma pretensão. Eu tambem, da melhor vontade, darei a v. exa. qualquer auctorisação, mas, francamente, não sei do que se trata.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Eu mando outra vez ler a proposta do digno par o sr. Telles de Vasconcellos.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - Como esclarecimento, devo declarar a v. exa. que ha precedentes no sentido da mesa deferir requerimentos desta natureza, como os ha tambem no sentido de serem resolvidos pela camara. A mesa actual entende ser da competencia da camara deliberar sobre estas pretensões.

O sr. Thomaz Ribeiro. - Agradeço a v. exa. a explicação, que teve a bondade de me dar.

Declaro que não tenho a menor duvida em conceder a auctorisação pedida pelo digno par e meu amigo o sr. Telles de Vasconcellos. O que desejo é que não haja deficiencia para uns e benevolencia para outros.

(O digno par não reviu.)

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, se bem me recordo, foi por iniciativa minha que se deram algumas das pensões anteriores. Parece-me que o requerimento apresentado pelo digno par o sr. Telles de Vasconcellos tem por fim fazer com que a pensão concedida a uma viuva, que já falleceu, passe para a requerente. Quer dizer que a viuva que faz o requerimento accumulara duas pensões. Sr. presidente, eu daria os 12$000 réis e daria muito mais, mas ha ou póde haver outras viuvas de empregados superiores desta camara, que ficarão talvez em circumstancias precarias, e que virão a receber pensão inferior á da viuva do correio. Pergunto se isto é justo? Por isso chamo a attenção de v. exa. e a da camara

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para este assumpto, que não é tão simples como parece.

Foram tres ou quatro as viuvas contempladas no anno passado, as quaes não tinham subsidio algum d'esta camara.

Se a viuva a que se refere a proposta do digno par sr. Telles de Vasconcellos fica era condições superiores áquellas, cujos maridos eram empregados superiores d'esta camara, não me parece que este seja um acto de justiça.

Comtudo, v. exa. e a mesa na sua alta sabedoria decidirá como entender. O que me parece é que a medida deve ser equitativa para todos.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, duas palavras apenas.

Eu estava convencido de que a minha proposta era de per si tão simples e de natureza tão clara e tão acceitavel, que nenhum digno par se levantaria para fazer qualquer reparo, e, sem duvida, estranho muito que o sr. conde de Thomar viesse dizer, que eu propunha a duplicação de uma pensão, quando isto não é exacto, e só por muita distracção do digno par é que similhante affirmarão elle podia lazer.

O que eu propuz foi que a pretensão da requerente e quaesquer, outras da mesma natureza sejam resolvidas pela mesa, segundo a justiça que as caracterisar, e sustentarei, que, a meu ver, negocios taes, á mesa pertence resolvel-os como administradora d'esta camara.

Assim, já vê o digno par que se enganou nas affirmações que fez, filhas, por certo, de uma precipitação que lhe perturbou o animo para affirmar o que eu nem disse nem propuz. Propuz, sim, que a mesa resolva, como administradora, que é, dos fundos votados para as despezas d'esta camara, estes pequenos negocios, como ella entender de justiça.

O sr. Fernando Larcher: - Eu desejava que v. exa. me dissesse se já se passou á ordem do dia.

O sr. Presidente: - Não, senhor. Trata-se de um incidente a proposito de uma proposta que o digno par o sr. Telles de Vasconcellos mandou para a mesa.

O sr. Fernando Larcher: - N'esse caso, peço a v. exa. que me inscreva para antes da ordem do dia.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, vou referir-me estrictamente ao assumpto que n'este momento se está discutindo, a proposta apresentada ha pouco pelo digno par sr. Telles de Vasconcellos. V. exa. sabe que é muita a consideração que eu tributo á presidencia e aos dignos pares que estão ao lado de v. exa.

É muita a confiança que tenho em v. exa. e nos seus collegas quanto ao desempenho das suas funcções n'essa casa, politica áparte.

Por consequencia, se se pozer á votação a proposta do digno par sr. Telles de Vasconcellos, não me animo a votar contra, por uma rasão, mas só por uma rasão, e é porque não desejo que o meu voto se considere como uma falta de confiança em v. exa. e nos seus collegas da mesa.

Devo, porém, ponderar a v. exa. que me parece que farei a v. exa. um bom serviço lembrando quanto seria preferivel que assumptos d'esta natureza fossem resolvidos pela camara.

A praxe ultimamente seguida tem sido que quando se apresenta algum requerimento pedindo pensão, esse requerimento é enviado á commissão de petições, para que esta formule o seu parecer, que depois é apreciado, discutido e resolvido pela camara.

E v. exa. comprehende que para si, para a responsabilidade inherente ao desempenho do seu cargo, este processo é certamente o melhor, porque livra a mesa de hesitações, embaraços e difficuldades.

Desde que tem sido aquella a praxe seguida, parece-me bom imantei-a.

Assim, n'estes assumptos, em que ha por vezes interesses diversos, em que uns se confrontam com outros, e de
que se podem tirar illações differentes, deixar á camara que resolva, parece-me ser o melhor caminho.

Portanto, acharia conveniente que o assumpto fosse á commissão de petições, que daria parecer: nós o apreciariamos e votariamos como entendessemos.

Todavia, apesar d'estas observações, que faço, se v. exa. pozer á votação a proposta, eu voto-a, porque não quero dar uma prova de desconfiança para com a maneira como v. exa. desempenha esse logar.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, eu já disse qual era a minha opinião, e devo acrescentar, em resposta ao meu collega o sr. Hintze Ribeiro, que a commissão de petições, eleita pela camara, não é para tratar de assumptos d'esta ordem, que mais pertencem á mesa, por serem de administração interna d'esta casa.

A commissão do petições é para dar parecer sobre negocios que tenham de seguir para a outra casa do parlamento ou para o governo, se a commissão entender que não pertence ás camaras o tomar conhecimento d'esses negocios, mas sim ao executivo.

Ha. um aphorismo que diz - dos inimigos o conselho... mas d'este momento não me parece que o conselho dado a v. exa. seja acceitavel. Póde suscitar melindres, em um caracter levantado e nobre como é o de v. exa., e nos membros da mesa; porém acima de quaesquer susceptibilidades está, por certo, a consciencia de cada um, e de todos.

O sr. Presidente: - Eu peço ao digno par sr. Telles e Vasconcellos o favor de retirar a sua proposta, e vou dizei as rasões que me movem a fazer-lhe este pedido. Eu já disse ha pouco que sobre concessão de pensões encontrei precedentes do serem os requerimentos deferidos pela camara, ou sómente pela mesa.

N'estas circumstancias entendeu a mesa que devia entregar á camara a resolução d'estes assumptos.

A mesa estimava não ser obrigada a apreciar assumptos d'esta, ordem, que trazem sempre responsabilidades muito melindrosas.

Agradecendo em meu nome e dos srs. secretarios, cujos sentimentos interpreto, as palavras amaveis com que alguns dignos pares se dirigiram á mesa, asseguro á camara que ella não se julga desconsiderada em que o digno par sr. Telles de Vasconcellos retire a sua proposta; pelo contraria, tomará isso como um alto favor.

O sr. Telles de Vasconcellos: - V. exa. colloca-me n'uma posição muito extraordinaria e muito excepcional. Tanto mais que com a minha proposta não fiz senão inteira justiça ao caracter de v. exa. e de toda a mesa. E accentuei por fórma que não teve replica que o assumpto de que se trata é da competencia da mesa, como administradora, e que não ha lei nem regulamento que o mande submetter a nenhuma das commissões eleitas por esta camara.

Escusado é eu estar a repetir o que já disse, e licito será o perguntar eu que destino tem o requerimento, desci o que eu acceda ao convite que v. exa. acaba de fazer-me, com muita estranheza minha.

O sr. Presidente: - Consultando os precedentes, vê-se que ha só um requerimento d'esta natureza resolvido por uma das mesas transactas, e quatro ou cinco requerimentos analogos que foram enviados á commissão de petições, resolvendo depois a camara sobre o parecer da mesma commissão.

A pratica mais seguida tem sido esta.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Não me consta que venha essa disposição em nenhum regimento d'esta casa. Gosto muito de acceitar todas as praticas, mas é quando ellas são boas, e quando tenham por bases principios certas e determinados, e estejam sanccionadas por consenso unanime.

Que uma vez ou outra se tenha seguido por differente

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fórma, não quer dizer que sempre se; ha de seguir pelo mesmo caminho, quando nenhuma lei ou regulamento determina que se proceda assim.

Não me quero convencer de que a mesa, por conveniencia propria, não queira decidir estes negocios que são aliás da sua competencia, quando é justamente a mesa que está no caso de obter as mais completas informações sobre assumptos d'esta ordem e de os decidir com mais justiça.

Francamente, o que eu menos podia esperar era que v. exa. me dirigisse um pedido, a que hei de acceder por força; mas faço-o por um acto de consideração para com v. exa.; faço-o e não peço a v. exa., como era do meu direito, que submetta á votação a proposta que apresentei. Eu preferia que ella fosse rejeitada a que v. exa. me pedisse que eu a retirasse, nas condições em que foi mandada para a mesa.

Ainda mesmo quando eu a retire, por acceder ao pedido de v. exa., a camara póde querer votal-a, e será esse o meu desejo.

Não calaram no meu animo nem os argumentos, nem as rasões que foram adduzidas pelos meus dignos collegas n'esta casa; calaram só no espirito de v. exa., por melindres de certo muito respeitaveis em tão distincto caracter, e nunca para poder isentar-se da responsabilidade de colher todas as informações sobre o assumpto, e decidil-o pelo seu alto criterio e respeito á justiça. Podia ser que a mesa entendesse não dever dar pensão nenhuma á requerente; e estava no seu pleno direito.

O que entendo é que não se deve mandar o requerimento a uma commissão aonde não deve ir e que a mesa não póde demittir de si a responsabilidade de resolver sobre negocios que são da sua exclusiva competencia. Mas o que é tambem certo é que da minha parte haveria uma pretensão injustificada, se eu agora dissesse d'este logar a v. exa. que a minha proposta fosse votada pela camara.

Não commetto, porém, este acto, que, feito por mim, podia ser taxado de descortezia. Não o faço, não o quero nem devo fazer... mas fico perfeitamente inteirado e prevenido para todos os effeitos, sem que possa de fórma nenhuma demover-me da minha opinião o acto que vou praticar, retirando a proposta.

Fique, pois, bem assente, bem definido, que eu a retiro unica e simplesmente porque v. exa. a isso me convida, e porque quero praticar para com v. exa. um acto de mera cortezia.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Parece-me que não fui bastante explicito nas declarações que fiz, e por isso torno a dizer ao digno par o sr. Telles de Vasconcellos, que em materia de pensões ha um só precedente no sentido de serem concedidas pela mesa, e quatro ou cinco, de terem sido essas pensões ciadas pela camara, com previo parecer da commissão de petições.

Já vê o digno par que esta tem sido a pratica mais seguida, e fundada talvez na disposição do artigo 32.° do regimento, que manda remetter todos os requerimentos á commissão de petições para sobre elles apresentar á camara um relatorio com o seu parecer.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Eu sou mais velho que v. exa. e parece-me poder dizer que os precedentes indicam o contrario.

O sr. Presidente (continuando): - Peço licença a v. exa. para lhe dizer que o que acabo de declarar é a expressão da verdade, e nas condições expostas é natural o desejo que a mesa tem de que não lhe sejam conferidas novas attribuições, sobre tudo quando ellas vem impôr-lhe graves responsabilidades.

Aqui tem v. exa. as rasões do pedido que lhe dirigi, para que se dignasse retirar a sua proposta.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, com franqueza não me agrada esta questão.

O digno par sr. Telles de Vasconcellos apresentou um requerimento; e a sua proposta reduz-se a um voto de confiança, que outra cousa não é, a auctorisação dada á mesa para ser ella que decida sobre quaesquer requerimentos do mesmo genero. (Apoiados.)

Parece ao digno par que deve ser assim, e a mim não me parece. No que estou de accordo com a opinião de v. exa., visto haver uma commissão de petições; e mesmo porque sendo como o digno par diz, desnecessaria era a sua proposta.

Eu devo declarar que tenho inteira e especial confiança no sr. presidente. Mas, com franqueza, se eu estivesse naquella cadeira (indicando a da presidencia), talvez, dados os precedentes que se têem dado, me collocasse na attitude em que o sr. presidente se collocou.

Entretanto, para tirar uma certa feição desagradavel a esta questão, eu pediria que se não retirasse a proposta e que ella fosse votada.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Já a retirei.

O Orador: - Nesse caso, eu faço minha a proposta.

(O digno par não reviu.)

O sr. Conde de Thomar:- Sr. presidente, eu não esperava que as poucas palavras que proferi dessem logar a esta discussão.

Disse eu que me parecia um mau precedente que as pensões concedidas a viuvas de empregados d'esta camara podessem passar para outras pessoas.

Se a pensão dada á requerente é julgada insufficiente para a sustentação da viuva, proponho que a mesa seja auctorisada a propor á camara o augmento d'essa pensão, mas não se admitte o principio da accumulação das pensões que foram concedidas a viuvas ou filhos de empregados d'esta camara, e essa accumulação seria um pessimo precedente.

Eu devo dizer a v. exa. que essa pensão foi concedida por proposta que tive a honra de mandar para a mesa, e de que foi relator o digno par conde de Bertiandos, e que essa proposta foi enviada á commissão de petições e que só depois de dado o parecer a camara resolveu concedel-a. Parece-me que este é o caminho mais proprio a seguir; mas desde que ha uma proposta que dá a v. exa. a inteira liberdade de resolver, eu associo-me a essa proposta.

Eu não posso duvidar um instante, não só de v. exa. mas de todos os presidentes d'esta camara. Acho mesmo desnecessaria tal declaração.

Faço tambem minha a proposta que o digno par, o sr. Telles de Vasconcellos, mandou para a mesa, e que s. exa. retirou e foi adoptada pelo digno par o sr. Pereira Dias.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o digno par, o sr. Telles de Vasconcellos retire a sua proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi retirada a proposta.

O sr. Presidente: - Creio que o digno par, o sr. Pereira Dias, adoptou a proposta do digno par o sr. Telles de Vasconcellos.

Vae pois, ler-se a proposta para se votar.

Leu-se na mesa a proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Thomaz Ribeiro: -Peço a v. exa. que se digne mandar lançar na acta d'esta sessão que a proposta que acaba de ser votada foi approvada por unanimidade.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, eu desejava que v. exa. me dissesse se alguns dos documentos que eu requeri já se acham sobre a mesa.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Mandei ver á secretaria e depois informarei o digno par.

O Orador (continuando): - Eu vou mandar para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo ministerio da fazenda, e, como não está presente o sr. ministro

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da fazenda, peço a alguns dos srs. ministros presentes explique a s. exa. o que eu vou dizer ácerca d'este assumpto.

O meu requerimento é o seguinte:

"Requeiro que, pelo ministerio, da fazenda, me seja enviado, com a maior urgencia, o seguinte:

"Conta precisa e detalhada, demonstrativa de qual o producto liquido do fabrico e venda de tabacos a que se refere o artigo 5.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, nos exercicios (nos annos economicos assim designados pela companhia dos tabacos) de 1891-1892, successivamente, até 1896-1897, inclusive:

"Conta precisa e detalhada da divisão e applicação d'esse producto liquido, nos termos do n.° 1.° do referido artigo 5.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891.

"Sala das sessões, em 5 de agosto de 1891. = Hintze Ribeiro."

As observações que desejo fazer são muito singelas. Não peço documentos relativos á administração da companhia dos tabacos senão na parto em que essa administração se liga a interesses do estado.

Não me basta que o sr. ministro da fazenda me mande os relatorios da companhia dos annos ou dos exercicios a que eu me refiro, porque estes tenho eu, o que desejo e que o governo ou d'esses relatorios, se os julgar devidamente explicitos, ou por esclarecimentos colhidos da escripturação da companhia, me mando as contas que peço, referentes ao producto liquido do fabrico e venda de tabacos, conforme a lei de 23 de março de 1891, que preceitua que apurado o producto liquido do fabrico e venda de tabacos se separem 5:150 contos de réis, depois 10 por cento para fundo de reserva, o do saldo, se os lucros forem superiores, 60 por cento para o estado.

Desejo saber qual foi o producto liquido d'esses exercicios e applicação que teve.

Se o governo entender, que dos relatorios da companhia póde extrahir as contas que peço, mande-as sob sua responsabilidade, e eu fico satisfeito; se pelo contrario, entender que dos relatorios se não podem extrahir contas precisas, como eu desejo, exija da companhia os esclarecimentos necessarios para as formular.

Em todo o caso, o que eu preciso, é ter essas conta sob a responsabilidade do governo, pois que é com o governo que eu tenho de as discutir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Ainda na presente sessão.

O Orador: - Ainda na presente sessão e com a maxima urgencia, e vou dar a rasão do meu pedido.

Não basta só a conta do producto liquido da venda e do fabrico de tabaco, preciso de mais alguma cousa, insisto pela applicação e pela divisão desse producto liquido, conforme preceitua a lei. Tenho tanta mais rasão para pedir estas contas quanto é certo que o governo tem por lei direito a uma parte dos lucros alem de determinados limites.

Peço a v. exa. a maxima urgencia na requisição d'estes esclarecimentos, porque preciso d'elles, não só para avaliar a administração da companhia, no que interessa ao estado, mas para poder apreciar a proposta que o governo trouxe á camara, relativa ao exclusivo dos tabacos, pois nossa proposta se toma como ponto de partida o producto liquido do fabrico e venda, alem de uma certa quantia, e sobre elle se estabeleceu uma nova divisão dos lucros; preciso por isso da base, que é saber qual é esse producto liquido.

Ao governo corre o dever de me informar, sob sua responsabilidade, do que lhe pergunto, desde que eu lhe peço informações sobre a applicação da lei, para entrar na apreciação da proposta que trouxe ao parlamento.

N'este sentido mando para a mesa o meu requerimento.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Tenho a informar o digno par o sr. Hintze Ribeiro, de que na sessão passada foi lido um officio do ministerio da marinha, communicando que, posteriormente a 6 de fevereiro ultimo, foi ordenada a suspensão de despezas na importancia annual de 17:836$020 réis. Por emquanto, nenhuns outros documentos vieram.

Foi lido na mesa o requerimento e mandado expedir.

O sr. Presidente: - Como já passou o tempo destinado ás discussões antes da ordem do dia, só posso conceder a palavra aos dignos pares inscriptos, se a camara o permittir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu apenas tenho a dizer duas palavras.

Consultada a camara, permittiu que o digno par usasse da palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Chegando a Lisboa, soubera por um jornal que, a respeito de um concurso aberto para o transporte da expedição a Lourenço Marques, a casa Andersen, do Porto, não recebera um telegramma sobre aclarações do mesmo concurso, que por ordem do sr. ministro da marinha devia ter sido expedido áquella casa.

Desejava saber o que nisto havia de verdade.

Parece-lhe que a camara vae occupar-se de um projecto relativo ao prolongamento do caminho de ferro de Ambaca a Malange e, pois que está com a palavra, lembrará á camara, rapidamente, que já gastámos com os caminhos de ferro em Africa, só em garantias de juro, cerca de 1:000 contos de réis, sendo descurados identicos interesses na metropole.

Tanto assim 6, que o governo ainda não obrigou a companhia real a construir o ramal de Dois Portos á Mercearia, construcção a que ella aliás é obrigada.

Pois ha um meio muito simples de o conseguir: é exigir á companhia o pagamento da contribuição de registo, que é importante, e que nunca foi satisfeito.

Isto tem certamente opportunidade,, visto que se trata ou vae tratar de um caminho de ferro em Africa. Pergunta se effectivamente é esse assumpto o que está dado para ordem do dia.

O sr. Presidente: - Sim, senhor. É o parecer n.° 5, que está dado para ordem do dia.

O Orador (continuando): - Mas como a attitude da camara é serena e despreoccupada, fará ainda mais algumas considerações.

Veiu a Lisboa sob a impressão de que estavamos a braços com uma grande perturbação da ordem publica. Era o que se dizia e se ha nos jornaes. Sendo assim, vinha occupar o seu posto, tomar parte nos trabalhos parlamentaras, concorrer, quanto em si coubesse, para a tranquillisação do paiz.

Mas fôra enganado, ainda bem. Os boatos eram exagerados. A camara estava pouco concorrida; as galerias quasi desertas.

Viera, pois, a Lisboa sob áquella impressão e aquelle intuito. E já agora, se a sua saude o permittir, acompanhará os trabalhos parlamentares até o fim da sessão.

Tanto mais que, segundo ouvira ou lera, o governo tinha declarado que faria passar as propostas de fazenda que muito bem quizesse, e até, se lhe fosse preciso, prescindiria da discussão do orçamento.

Quanto á questão da ordem publica, viera ao engano; mas já agora, tomaria parte nos trabalhos parlamentares, e veria de perto o que fosse acontecendo.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Sr. presidente, eu folgo de que o digno par, e meu illustre amigo, me interrogasse sobre uns boatos que têem corrido na imprensa e ácerca dos quaes eu hoje posso dar o mais cabal desmentido.

A casa Andersen não telegraphou, mas sim communicou

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por carta de representasse por um dos seus chefes que nutria desejo de comparecer no concurso e mostrando que a sua presença já em outra occasião tinha servido para baratear notavelmente o preço dos transportes da expedição para Africa; sendo portanto, seu desejo concorrer agora para que se obtivessem iguaes beneficios para o thesouro, pedia para ser prevenido com tempo, no caso do concurso se effectuar.

Já eu tinha approvado as bases do concurso, por isso encarreguei logo uma pessoa de confiança, que não é da secretaria da marinha - o meu ajudante de ordens, um official dignissimo, incapaz de deixar de cumprir as ordens do ministro - de telegraphar dizendo que o programma do concurso tinha sido publicado n'esse mesmo dia.

Vindo o sr. Andersen a Lisboa, perguntei-lhe se tinha recebido o telegramma.

Respondeu-me negativamente. Houve a natural surpreza e espanto de ambos.

Attribue o facto a esquecimento da parte do meu ajudante de ordens, esquecimento proveniente de ordem mal ou pouco explicitamente dada por mim; não attribui o facto a outra cousa, porque os brios daquelle official estão acima de toda a suspeita, e porque, de mais a mais, o tenente Pereira é pessoa de minha inteira confiança e meu amigo particular.

Telegraphei ao tenente Pereira, que se acha em Leiria, perguntando o que houvera a este- respeito; e immediatamentos recebi o texto do telegramma que elle tinha expedido:

"Bases concurso publicadas hoje no Diario do governo."

Tendo eu mandado ao telegrapho perguntar se lá existia o telegramma, e tendo-se-me respondido que não, confesso que tive um momento de surpreza.

Depois de ter mandado investigar, talvez se esteja investigando ainda n'este momento se não foi recebida ordem em contrario, onde se encontraria o telegramma, e de ter interrogado os serventes que poderiam tel-o levado ao telegrapho, entrou muito preoccupado no meu gabinete o sr. Andersen dizendo que o telegramma estivera retido no seu escriptorio desde longos dias!

Todas as supposições dos jornaes não têem base de qualidade alguma que possa por qualquer fórma pôr em duvida a seriedade e probidade da funccionarios da secretaria de marinha.

Aqui tem v. exa. o que posso dizer com respeito á primeira parte do discurso do digno par a que respondo.

Com respeito á segunda, nada posso responder porque ignoro, não as condições do contrato, mas até que ponto possa ser obrigatoria a construcção do ramal a que s. exa. alludiu; o que posso é isso farei é communicar ao sr. ministro das obras publicas que o digno par levantou esta questão, a fim de que s. exa. a examine e proceda de accordo com a lei.

Com respeito ao caminho de ferro de Ambaca, terá occasião de responder o illustre relator e meu amigo, o sr. conde de Macedo que, já pelo estudo que fez do assumpto, já pela superior illustração que toda a camara reconhece e respeita, é muito proprio para esclarecer por completo o assumpto.

Direi a s. exa. que os esclarecimentos que pede me levam a acreditar que s. exa. fez uma apreciação demasiadamente rapida d'este projecto, apreciação que me parece não ser verdadeira, quando suppõe que d'elle possam resultar encargos para o thesouro.

(S. exa. não reviu).

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, que consta em primeiro logar da discussão do projecto de lei a que diz respeito o parecer n.° 5.

Depois darei a palavra, antes de encerrar a sessão, aos dignos pares que estão inscriptos.

Vae ler-se o parecer.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte;

PARECER N.° 51

Senhores. - O projecto de lei que sob o n.° 20 foi submettido ás vossas commissões do ultramar e de fazenda foi approvado pela camara dos senhores deputados na sua sessão de 2 do corrente e tem origem na proposta apresentada pelo governo áquella casa do parlamento com data de 30 de junho proximo passado. Submette esta proposta á approvação das côrtes os contratos celebrados em 11 de março ultimo entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro através da Africa para a elevação das tarifas da linha ferrea de Loanda a Ambaca e prolongamento d'esta linha até Malange.

Tem, pois, este projecto como fim principal a prompta prolongação da, referida linha ferrea até Malange; como meio de realisação, - sem acrescentamento de outro qualquer subsidio, - a elevação dos maxima de tarifas de algumas mercadorias consentidos no primitivo contrato de 25 de setembro de 1885 e 20 de outubro de 1894.

O objectivo essencial do projecto mal carece, póde affirmar-se, de justificação.

Estava elle já, - é bem notorio e publico o facto, - na mente do illustre ministro que iniciou este grande instrumento de fomento colonial, como tambem no animo da companhia que logo se organisou para o realisar. E as rasões então apenas indicadas, previstas como meras probabilidades, pelos que dedicavam todas as energias do seu espirito ao estudo aturado dos nossos problemas coloniaes, são hoje factos indiscutiveis que nos obrigam a prolongar sem demora para leste, ao menos até Malange, e o mais promptamente possivel até ao Quango, a linha ferrea de Loanda a Ambaca, se quizermos evitar ainda que uma e importantissima parte do commercio do interior da provincia de Angola, por buscar o mais commodo e barato caminho, se desvie irremediavelmente d'aquelle que, sendo o mais natural e, para nós, tão valiosamente proveitoso, não for por nós preparado a tempo, e aproveitado.

Os factos recentes a que me refiro são a realisação e o estado de adiantamento do caminho de ferro emprehendido pelo Estado Independente do Congo, e as tristes consequencias que no grau de prosperidade da nossa provincia de Angola já começam de perceber-se como fatal e manifesto resultado palpavel e immediato d'esse ainda incompleto emprehendimento.

O meio adoptado pelo projecto de lei para a realisação do inadiavel melhoramento que é seu objectivo capital é na sua essencia inteiramente opportuno e perfeitamente justo. Opportuno por adequado ás desgraçadas circumstancias financeiras do momento. Justo porque faz recair o encargo do melhoramento emprehendido exactamente sobre a região colonial, e dentro d'esta sobre aquellas classes sociaes d'ella que mais directa e immediatamente, e sempre nas maiores proporções, hão de aproveitar-lhe os incontestaveis beneficios.

Resta, pois e apenas, para mais cabal justificação do projecto inquirir se nos seus pormenores e minucias o meio nelle adoptado é sufficientemente adequado á realisação material do melhoramento emprehendido, sem que aliás constitua obstaculo ou impedimento á manutenção e ainda ao sensivel alargamento do quantum actual das transacções commerciaes da provincia.

A estes dois quesitos essenciaes respondem desenvolvida, fundada e sempre affirmativamente as representações e calculos da propria companhia outorgante, o relatorio de uma commissão especial composta na sua maioria, de negociantes especialmente conhecedores do commercio de Angola, como tambem os pareceres concordes de quantas auctoridades geraes e instancias especiaes da provin-

1 Vão feitas as principaes correcções typographicas indicadas pelo digno par relator.

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150 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cia interessada o governo ouviu e consultou antes de firmar os contratos e portaria que são parte integrante do projecto de lei referido.

Examinando com mais minuciosa attenção o primeiro d'esses contratos tal como elle resultou, modificado de accordo com o governo pelo voto da camara dos senhores deputados (artigo 1.°, § 2.° - alinea 5), encontra-se n'elle uma clausula, que sem constituir objectivo essencial do projecto de lei, tende, não só a assegurar a possibilidade da immediata construcção dos poucos kilometros que constituem a ultima secção da linha ferrea de Loanda a Ambaca, senão a prevenir devida e cautelosamente quaesquer eventuaes e possiveis difficuldades e instancias que tenham por base a situação da companhia, em presença das suas invariaveis obrigações em relação a terceiro e do estado do nosso mercado cambial. E é esta, no parecer da vossa commissão, uma tambem notavel, bem que subsidiaria, vantagem do projecto. Em vista d'estas rasões e de muitas outras que não adduzimos por obvias ou por já desenvolvidamente referidas perante o parlamento, a vossa commissão de ultramar é de parecer que approveis o seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São approvados os contratos celebrados em 11 de marco de 1897, entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro atravez da Africa e que tem a fim a elevação das tarifas na linha ferrea de Loanda Ambaca, e a construcção do prolongamento d'esta linha até Malange, com as seguintes modificações no primeiro do dois contratos:

No § 2.° do artigo e 1.° deverá substituir-se as alineas a) e b) pelo seguinte:

a) A garantir, antes de tudo, o pagamento integral da responsabilidades da companhia para com o thesouro por encontro nas deducções, que para esse fim têem de sei feitas nas subvenções a liquidar a favor da mesma companhia.

b) A completar, sob a fiscalisação do governo, a satisfação dos encargos da construcção e exploração da linha ferrea de Loanda a Ambaca, de qualquer natureza que sejam, e os provenientes do pagamento em oiro do juro e amortisação das obrigações da companhia, em virtude da execução dos contratos de 25 de setembro de 1885 e 20 de outubro de 1894.

c) A occorrer em tudo o que exceder á applicação da alinea antecedente aos encargos da construcção e exploração do prolongamento da linha de Ambaca até Malange, conforme o contrato que para esse effeito e na presente data se celebra entre o governo e a companhia.

O artigo 3.° será substituido na fórma seguinte:

No caso da companhia perder a posse da concessão por qualquer motivo, o producto da elevação de tarifas continuará obrigado ao reembolso integral das responsabilidades da companhia para com o thesouro, podendo, todavia, a referida elevação ser substituida, se se julgar conveniente, por um imposto especial de transito.

Art. 2. Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão do ultramar, em 28 de julho de 1897. = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Lagoaça = José Baptista de Andrade = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = Ornellas = Antonio Candido = Visconde de Athouguia = Conde de Macedo, relator.

A vossa commissão de fazenda concorda, pelo que lhe diz respeito com o parecer da commissão do ultramar sobre o projecto n.° 20.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 28 de julho de 1897. = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Lagoaça = Dr. Pereira Dias = A. A. Pereira de Miranda = Antonio Candido - Moraes Carvalho (com declarações) = Antonio Telles de Pereira Vasconcellos Pimentel = Conde de Macedo, relator.

Projecto de lei n.° 20

Artigo 1.° São approvados os contratos celebrados em 11 de março de 1897, entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro através da Africa, e que tem por fim a elevação das tarifas na linha ferrea de Loanda a Ambaca, e a construcção do prolongamento d'esta linha até Malange, com as seguintes modificações no primeiro dos dois contratos:

No § 2.° do artigo 1.° deverá substituir-se as alineas (a e b) pelo seguinte:

a) A garantir, antes de tudo, o pagamento integral das responsabilidades da companhia para com o thesouro por encontro nas deducções, que para esse fim têem de ser feitas nas subvenções a liquidar a favor da mesma companhia.

b) A completar, sob a fiscalisação do governo, a satisfação dos encargos da. construcção e exploração da linha ferrea de Loanda a Ambaca, de qualquer natureza que sejam, e os provenientes do pagamento em oiro do juro e amortisação das obrigações da companhia, em virtude da execução dos contratos de 25 de setembro de 1885 e 20 de outubro do 1894.

c) A occorrer em tudo o que exceder á applicação da alinea antecedente aos encargos da construcção e exploração do prolongamento da linha de Ambaca até Malange, conforme o contrato que para esse effeito e na presente data se celebra entre o governo e a companhia.

O artigo 3.° será substituido na forma seguinte:

No caso da companhia perder a posse da concessão por qualquer motivo, o producto da elevação de tarifas continuará obrigado ao reembolso integral das responsabilidades da companhia para com o thesouro, podendo, todavia, a referida elevação ser substituida, se se julgar conveniente, por um imposto especial de transito.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 26 de julho de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexadnrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade.

O sr. Conde de Macedo: - Sr. presidente, não vou mandar qualquer emenda para a mesa, como poderia suppor-se pelo facto de ser o relator do projecto o primeiro a usar da palavra.

O meu fim é apenas pedir desculpa á camara dos numerosissimos erros de imprensa, de que o parecer está crivado, alguns dos quaes transtornam o sentido do texto. Eu revi as provas typographicas apenas uma vez, a minha letra não é facilmente legivel, de fórma que têem plena desculpa os srs. typographos, se apesar do parecer ter sido revisto por mim, escaparam tantos erros.

Faço esta declaração para obstar a qualquer condemnação, embora tacita, que porventura alguns dos membros d'esta camara me impozessem no seu animo ou na sua consciencia.

Mencionarei apenas os erros principaes.

(Leu.)

E pedirei que sejam corrigidos quando no Diario das nossas sessões haja de reproduzir-se o parecer conjunctamente com o projecto.

Não quero cansar mais a attenção da camara.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto sobre a discussão d'este parecer.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Estranha que não haja ninguem inscripto. Seria esquisito que o projecto passasse sem que alguem usasse da palavra, alem do sr. relator, para fazer notar uns erros typographicos, cuja correcção não importa muito como esclarecimento ao assumpto. Deve dizer com franqueza que só tivera tempo, agora, para rapidamente passar pela vista os artigos do projecto. Toma em mão a asserção do sr, ministro da marinha,

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de que este caminho de ferro não custa cousa alguma ao paiz. Mas deseja fazer uma pergunta: ha ou não ha garantia de juro?

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Eu desejava dar unias explicações a s. exa.; se m'o consente.

O Orador (continuando): - Ordinariamente, quando um ministro diz que uma concessão não importa augmento de despeza, os factos encarregam-se de demonstrar o contrario. Mas sempre deseja ouvir a resposta do sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Em primeiro logar eu explico ao digno par uma circumstancia que me parece motivar as suas apprehensões.

O digno par, que se occupa de importantissimos trabalhos agricolas na exploração das suas terras, não estará talvez ao facto das circumstancias especiaes que explicam a apresentação d'este projecto.

A proposta governativa representa a continuação, por parte do governo actual, de trabalhos que estavam muito adiantados por parte do ministerio passado; quer dizer, n'esta proposta está envolvida a responsabilidade de dois governos, e o sr. Hintze Ribeiro, que muito particularmente tratou d'este assumpto, poderá, querendo, confirmar as minhas palavras. N'esta proposta está a opinião e os pensamentos dos dois governos. Repito, vou dizer a v. exa. do que se trata.

Sr. presidente, no projecto que se discute não ha augmento de despeza para o estado.

A situação financeira da companhia de Ambaca tornára-se delicada.

Os encargos extraordinarios, provenientes do cambio e outras despezas influiram principalmente sobre essa sua situação, que se tornára periclitante. Alem d'isso, a companhia carecia, a pedido de todo o commercio de Angola, de contratar a construcção do caminho de ferro de Ambaca até Malange, um caminho de ferro propriamente de penetração, e nem o governo passado nem o presente, attendendo ás precarias circumstancias do thesouro, podiam, ir em soccorro da companhia, directamente, ou por meio de subvenção, garantia de juro, ou por meio do emprestimo directo, ou fosse por que meio fosse, porque tudo isso representava uma responsabilidade para o thesouro, que não podia nem devia assumil-a.

N'estas condições, o governo actual entendeu, porém, que podia acudir á situação financeira da companhia, resalvando interesses do estado de ordem politica a mais elevada, auctorisando-a a elevar notavelmente as suas tarifas, tanto de mercadorias como de passageiros, e com este pensamento concordou o governo actual.

Nós entendemos que o augmento de receitas assim elevado salvaria os compromissos da companhia e iria satisfazer tambem os desejos do commercio de Angola, permittindo o prolongamento da linha de Ambaca até Malange.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - O que motivou a minha pergunta foi o que se lê no artigo 3.°

O Orador: - Eu tenho a dizer ao digno par que os governos se têem preoccupado de um modo especial com a situação da companhia, e a prova disto é que tem custado ao thesouro grandes sacrificios.

O governo, não podendo soccorrer a companhia directamente, como já disse, resolveu auctorisar que ella podesse augmentar as suas tarifas, assegurando com a manutenção da linha de Ambaca em mãos portuguezas a soberania da nossa provincia de Angola.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apesar de ser parlamentar antigo, deseja saber se o regimento ainda permitte que possa usar novamente da palavra. Tem-se mudado tudo!

O sr. Presidente: - V. exa. póde fallar o tempo que quizer.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - E quantas vezes quizer?

O sr. Presidente: - Duas vezes sómente sobre o mesmo assumpto.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradece a explicação do sr. presidente.

A resposta do sr. ministro da marinha não o satisfez, especialmente pelo que respeitei aos encargos da construcção e exploração, o á respectiva fiscalisação por parte do governo.

Toda a gente sabe como é fiscalisada a exploração dos caminhos de ferro no continente, quanto mais no ultramar!

Mas não insistirá no assumpto.

Estranha que o sr. ministro da marinha não respondesse uma unica palavra a respeito de ordem publica.

O governo mostra-se tão despreoccupado, que apenas trata da construcção de caminhos de ferro em Africa.

Elle, orador, conhece toda a historia do prolongamento até Malange; é uma historia que tem mysterios.

Mas não basta prolongar a linha de Ambaca. Os interesses da provincia de Angola exigem mais, requerem um conjuncto de providencias innadiaveis. Aquella rica provincia da nossa Africa occidental está sendo victimada pela pauta de 1892.

O orador refere-se largamente ás taxas pautaes relativas aos tecidos de algodão e ao alcool.

A questão das pautas é essencial, é vital para a provincia de Angola. O commercio, outr'ora florescente, está ali esmagado.

Mas no que parece pensar-se é apenas em reformas politicas, que preoccupam ainda o espirito do sr. presidente do conselho.

Foi pelas reformas politicas, que elle orador combateu á entrance, que nós chegámos ás desgraçadas condições em que nos encontrâmos.

Desde que ellas foram approvadas, e se lançou sobre o pariato heredictario o estigma de que a elle se devia o estado miseravel da nossa politica, resolveu abandonar a camara.

Mas depois de isso aggravaram-se as crises por todos os modos e todos os dias. Chegou uma crise terrivel, e appareceu na presidencia do conselho um homem respeitabilissimo, um velho liberal, que se não acobardou perante as difficuldades com que tinha a luctar.

Então, elle orador, envergonhado do seu egoismo, pegou na penna para escrever a esse homem honrado, que sente já não ver presente, mas que está ainda ali dignamente representado na pessoa de seu illustre filho, primeiro secretario da mesa.

Escreveu-lhe uma carta em que declarava que entendia commetter uma infracção politica, se não lhe d'esse, e aos seus collegas do ministerio todo o seu apoio.

O sr. Antonio Candido: - Apoiado.

O Orador (continuando): - E testemunha d'esse facto o sr. Antonio Candido.

Mas esse regresso á vida politica custou-lhe o ter que, fazer parte, em janeiro de 1891, de um ministerio nas condições difficeis em que elle foi constituido.

Entre os homens que formaram aquella situação, figurou um nome auctorisadissimo para nós, que tanto illustra a nossa historia litteraria e politica, e que tão esquecido vae, que ninguem se lembrou de o citar no meio d'essas propostas de reformas recentemente apresentadas com o intuito de dar á agricultura o fomento ou a fomentarão que ella não pede.

Quando um homem associa a sua responsabilidade a um governo que teve a coragem de cortar fundo nas despezas publicas, não dirá se com justiça ou injustiça, porque não está fazendo a critica dos actos d'esse governo; quando houve a coragem de cortar nas despezas publicas cerca de 9:000 contos de reis.

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O sr. Conde de Thomar: - Cortar, é facil.

O Orador: - É facil?! Toma conta da referencia do digno par, do seu áparte. Não era e não é facil emquanto os homens publicos d'este paiz se prenderem com syndicatos.

Mas sel-o-ha logo que haja um governo que tenha força, que se haja elevado pelo impulso da opinião e que faça ver que acima de tudo está o credito do paiz.

Comprehende-se que haja um orçamento de 55:000 contos de réis; o que se não deve consentir é que se ponha o paiz em leilão, a ver quem mais dá. O que se não deve permittir é que passo um orçamento falso, que é uma vergonha, não só em face do estrangeiro, mas de todos quantos conhecem as nossas circumstancias.

Quando ha pouco elle, orador, veiu a esta casa e se encontrou a fazer opposição ao governo presidido pelo sr. Hintze Ribeiro, viu desertas as cadeiras dos membros, da camara que apoiam a situação actual, e isso quando se discutiam as questões mais importantes; não estavam então no parlamento, nem o sr. José Luciano, nem os amigos da actual situação.

Pois s. exa. já aqui declarara, dirigindo-se ao sr. Hintze Ribeiro, que não poderia ter governado melhor do que elle. E, comtudo, o sr. José Luciano e os seus amigos politicos abandonaram o parlamento e foram para a praça publica, saindo de lá tambem ante a ironia e a indifferença do paiz, porque não tinham sympathias nem popularidade.

Quando se deu a crise subiram ao poder, não se sabe em nome de que principio constitucional.

(Interrupção que se não percebeu.)

Não havia parlamento! Havia o mesmo solar que ha agora.

A camara sabe que ha uma lei eleitoral que dá a todos os governos a maioria de que elles precisarem para as suas votações.

A camara dos pares era a mesma, mas a lei...

O sr. Vaz Preto: - Mas qual era a lei da camara dos pares?

O Orador: - Pergunte s. exa. ao sr. presidente do conselho qual é a camara dos- pares que s. exa. deseja, porque s. exa., respondendo ao sr. conde de Thomar, disse que ainda não sabia o que desejava.

A elle, orador, parece-lhe que melhor seria s. exa. não fazer cousa nenhuma.

Mas, continuando na sua ordem de considerações, deve declarar que não sabia já se era ou não ministerial, tão extraordinarios corriam todos os successos.

Mais tarde viu o que diziam os projectos do governo, viu as referencias que o sr. presidente do conselho fez com respeito á ordem publica, e depois ouviu a affirmação, lá fora, de que o governo tinha declarado ser seu proposito firme fazer passar todas as medidas de fazenda que quizesse sem discussão, e que o orçamento havia ou não de ser discutido, tambem como elle quizesse.

Vozes: - Ninguem disse isso. Não é verdade.

O sr. Pereira Dias: - Talvez seja confusão. O lado contrario é que diz que não ha de passar nenhuma das medidas do governo.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - V. exa. não póde fazer tal affirmação.

O Orador: - Lá fóra é o que se diz.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - V. exa. dá licença? Eu declaro, por parte do governo, que nunca se disse similhante cousa, nem se podia dizer.

O Orador: - Ora, aqui está! Já o illustre presidente do conselho o veiu fazer governamental.

O governo compromette-se a não fazer passar de afogadilho as medidas de fazenda, garante que ellas hão de ser discutidas com largueza em ambas as casas do parlamento; e de certo não quererá tambem auctorisações parlamentares, concessão que desauctorisa os parlamentos.

Bom seria que s. exa. dissesse tambem que não quer e não pede auctorisações.

Não deseja cansar a camara. Só dirá que talvez a condescendencia d'elle, orador, possa chegar a ser governamental, comtanto que o governo mude de idéas, e adopte as mais adequadas e consentaneas com os interesses do paiz.

N'este ponto de vista, elle, orador, logo que o governo entre no bom caminho, vae estar associado, não só com o sr. presidente do conselho, mas tambem com alguns outros dignos pares.

Sente não ver presente o seu illustre e velho amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme, cujo talento, independencia, honradez e amor pelo systema constitucional tanto admira, o homem que mais tenazmente tem pugnado n'esta casa pelo systema das incompatibilidades, que o governo já não quer.

Elle, orador, não saberá quaes eram as idéas do sr. ministro da fazenda, mas quando soube quaes eram, ficou espantado.

Sabia, sim, quaes eram as idéas do illustre correligionario politico do sr. presidente do conselho, o sr. Espregueira, que estão publicadas n'um livro e que são perfeitamente acceitaveis. Porque foi que o sr. José Luciano não convidou o sr. Espregueira para ministro da fazenda? Pois convide-o agora, e se elle praticar no governo aquillo que proclamou na imprensa, não duvida dizer que estará ao lado de s. exa.

Tambem poderia associar-se com o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que declarou, ainda não ha muitos annos, que na Italia o sr. Sella fazia grandes economias, o que he parecia então muito bem, e digno de applauso.

Mas o caso é que as boas idéas ficam fóra do governo, e que a desgraça está em que se fazem leis que não são precisas ou que não são verdadeiras.

Foi a liberdade do voto uma das causas dos nossos males actuaes. Essa lei não era precisa. O orçamento é uma grande mentira, e por não ser a expressão da verdade, não quizeram durante muitos annos que fosse discutido, com receio de que se chegasse a apurar o verdadeiro estado da nossa situação financeira.

Voltando ao projecto em discussão, dirá ainda que para satisfazer ás exigencias, nem sempre justas e justificadas, do ultramar, temos sacrificado as mais urgentes necessidades da metropole.

Vamos completar caminhos de ferro em Africa e temol-os na metropole incompletos.

Ao mesmo passo que por um lado queremos dar facilidades ao ultramar, por outro lado somos nós mesmos que levantámos Já graves difficuldades. Pois não é injusto e perigoso o augmentar o imposto da palhota, que torna os pretos menos doceis do que os brancos da metropole?!

Sabe que o nosso exercito é fiel, e que se póde amordaçar a imprensa. Mas vae mal o sr. presidente do conselho quando amordaça hoje a imprensa com que se colligou hontem anti-constitucionalmente.

Que lhe poderão responder? Boas palavras tem ouvido muitas. Bons factos é que se quer. Vida nova, vida nova é que é preciso.

Uma voz: - O que é a vida nova?

O Orador: - Já aqui uma vez pediu a todos os ministros que comparecessem para lhes dizer qual é a vida nova que deseja. Está prompto a dizel-o, o caso é que executem o que disser. Vida nova, vida nova.

O sr. Conde de Macedo: - Cada um de nós, já vejo, tem a sua maneira de se manifestar a sua resolução ou disposição para ser governamental; eu patenteio-as limitando-me a desempenhar n'este momento o papel modesto de ser o relator d'este projecto...

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O sr. Visconde de Chancelleiros: - Modesto! dil-o v. exa., que tem representado Portugal durante tantas situações!

O Orador: - Repito, as minhas disposições para ser governamental manifesto-as n'este momento aceitando o encargo de ser o relator d'este projecto e limitando-me a responder ás considerações do digno par, que tenham verdadeira e directa ligação com o assumpto em discussão.

Grande parte das considerações formuladas pelo digno par foram de ordem politica e geral, e seja dito sem nenhum animo de molestal-o, nem vinham por fórma alguma a proposito, nem provam cousa alguma pró ou contra a questão que se discute, que é pura e simplesmente se convem ou não concluir o caminho de ferro de Loanda e prolongal-o com urgencia até Malange, e se o meio proposto para realisar este importante emprehendimento é ou não adequado ás circumstancias e suficiente para realisar sem prejuizo tal objectivo. O digno par está plenamente no seu direito, que nem se quer discuto de usar e approveitar das larguezas e benevolencias que a presidencia e a camara concedem ao seu provado merito para se alongar em considerações de politica retrospectiva destinadas, na sua maior parte a justificarem os seus actos, como ministro, que ao menos no tocante ás intenções, não carecem para mim de justificação, por outra parte occupou-se em condemnar os actos de varias situações politicas que precederam ou succederam áquella em que s. exa. por pouco tempo occupou um logar proeminente.

Os actos do digno par como ministro, a validade e importancia dos serviços prestados então pelo digno par ou pela situação de que s. exa. fez parte, não me parece opportuno, nem vem a proposito discutil-os. Limito-me a affirmar, e estou seguro que traduzo a opinião de todos nós, que os moveis e intuitos, d'esses actos foram sempre elevados, nobres e honrados. (Apoiados.)

Pelo que diz respeito ás referencias e criticas mais ou menos acerbas feitas pelo digno par a variados actos de diversas situações transactas, repito, nem me parece o momento mais azado e opportuno para este trabalho de critica historica, politica; nem a essa discussão, ainda quando opportuna, reputo obrigado quem, como eu, teve apenas a subida honra de representar essas situações em assumptos de politica internacional, sem ter praticado acto ou dado voto que comprometesse ou sequer indicasse a sua opinião em objectos de politica interna.

De resto a minha situação e modo de ver pelo que diz respeito á politica interna nem a defini ainda perante esta camara ou noutro logar, nem creio que outro senão eu, e só eu, seja o legitimo juiz, do logar e conjuctura em que hei de definil-a, se alguma vez entender que vale a pena definil-a.

Cumpre-me pois apenas, e como simples e muito voluntario e convencido relator do projecto, contestar as poucas palavras pronunciadas no final do interessante discurso do digno par, que ao menos de uma maneira vaga e generica, pareciam referir-se ao assumpto em discussão. Parece deprehender-se d'essas palavras do digno par, se bem o ouvi e entendi, que s. exa. imaginava que não só o estado mas o thesouro da metropole dava uma garantia de juro para a construcção do caminho de ferro em questão. Ora se s. exa. tivesse tido o incommodo de ler, já não digo os relatorios que precedem o projecto, mas o proprio projecto, teria visto exactamente o contrario; e teria tambem facilmente comprehendido que a fixação da quantia de 22:500$000 réis como maximum de preço kilometrico, terá por unico e exclusivo objecto a possibilidade de calcular de futuro a justa e eventual partilha de quaesquer lucros da exploração entre a companhia concessionaria e o governo.

O sr. Visconde de Chancelleiros (interrompendo):- O que eu vejo é que se segue um caminho opposto da verdade. Pelo menos é o que se tem seguido até hoje.

Desejo apenas fazer uma observação para ser esclarecido; por parte do sr. ministro da marinha, por parte de qualquer dos seus collegas, ou ainda por parte de s. exa. o sr. relator, que tem bastante auctoridade para isso.

Nós damos 153 contos de réis ao cabo submarino para Loanda, e quando se apresentou o projecto, dizia a commissão e dizia o governo que essa despeza não ía alem de 63 contos de réis. No orçamento lá figuram os 153 contos de réis.

O Orador (continuando): - Ora, é justamente para evitar esses ou outros erros, que se inscreveram n'este projecto cuidadosas e apertadas clausulas de fiscalisação, mas se o digno par não se deu ao trabalho de ler o projecto...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não li, não li.

O Orador: - Pois se s. exa. se tivesse dado ao incommodo de o ler, veria que ali estão previstas e acauteladas todas as garantias necessarias para que não possa succeder agora o que tem succedido n'outras occasiões.

De resto, sr. presidente, a fórma de argumentar do digno par, seja-me licito dizel-o, não tem nenhuma especie de valor nem de procedencia. Porque uma ou outra vez um ministro se enganou, porque, num ou n'outro caso, uma commissão ou um relator caíu em erro, concluir sem mais rasão nem estudo que todos se enganam e hão de sempre e forçosamente errar?! Que especie de logica é esta?!

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Enganam se todos.

O Orador: - Repito, sr. presidente, essa fórma de argumentação não tem, nem póde ter, nenhuma especie de valor!

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

Sr. presidente, a discussão por esta forma não me parece que possa continuar com qualquer utilidade, nem para a camara, nem para levantar a gloria do digno par!

Se o digno par quer fallar, eu sento-me e fallarei do novo depois de s. exa., se o julgar necessario, mas emquanto tenho a palavra peco-lhe que deixo fallar por utilidade de todos!

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

(O sr. presidente agita a campainha.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Ha muito tempo que estava distanciado d'esse som!

O Orador: - É verdade que quando se discutiu n'esta camara a questão do cabo telegraphico para Angola, a commissão se enganou, que o governo enganou-se, e que o illustre relator da proposta respectiva tambem errou os seus calculos, e que por consequencia, ao cabo de um certo numero de annos a garantia teve de ser inserida no orçamento do estado na importancia indicada pelo digno par.

Mas, sr. presidente, segue-se por acaso que todos e outros quaesquer projectos e pareceres estejam forçosamente ou ainda provavelmente nas mesmas circumstancias?

Francamente, nem sei que possa contestar a este argumento do digno par! Affirmo-lhe mesmo que só pela muita consideração pessoal que lhe tributo, e por não haver outra materia a discutir hoje, é que continuo respondendo ás suas perguntas e extraordinarias interrupções.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

É uma questão de facto, nem eu contesto o facto a que se refere o digno par; mas que nenhuma relação tem com o projecto que se discute.

Sabe v. exa. a unica cousa que podemos concluir d'esse e de outros factos analogos?

Que é perfeitamente verdadeira esta velha e rebatida amostra da sabedoria das nações: Errare humanum est.

Ora, para affirmar mais uma vez esta velharia, não vale a pena continuar a gastar tempo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sapientis est
mutare consilium. Vida nova!

O Orador: - Para qualquer de nós não é facil, porque infelizmente nenhum de nós é novo.

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154 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Permitta-me v. exa., sr. presidente, que continue a dar ao digno par algumas explicações para supprir como possa e saiba a simples leitura que s. exa. não se dignou fazer do projecto.

Como já tive a honra de dizer ao digno par, não se dá á companhia concessionaria subvenção, subsidio ou garantia alguma pelo prolongamento da linha de Ambaca até Malange, que não seja o direito de augmentar em toda a linha as suas actuaes tarifas. Portanto as suas apprehensões devem desapparecer.

Um outro ponto a que s. exa. tambem se referiu, o da necessidade de uma apertada fiscalisação, tambem está nos contratos que fazem parte integrante do projecto bastantemente acautelado, e as prevenções de s. exa. teriam decerto desapparecido tambem antes da discussão se s. exa. tivesse lido as clausulas especiaes do contrato, relativamente á fiscalisação por parte do governo, porque teria encontrado que n'esse contrato essas condições são muitissimo mais apertadas do que noutros contratos similhantes, tanto no que diz respeito á fiscalisação da construcção, como á da exploração, e das operações financeiras da companhia.

Referiu-se tambem s. exa. á pauta de Angola.

É notorio, e por certo deve ter chegado ao conhecimento do digno par, que este assumpto tem sido e continua a ser, por ordem dos successivos governos, objecto de assiduo estudo das estações publicas competentes. De resto, n'algumas das auctorisações pedidas ao parlamento na lei de receita e despeza, já submettida ao parlamento, se revela claramente que o governo teve em mente uma proxima solução d'esta importantissima questão das pautas ultramarinas.

Não se póde dizer, pois, que esta questão não está sendo estudada.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não sei que alguma proposta fosse apresentada pelo governo com respeito a esta questão.

O Orador: - Mas ha trabalhos em andamento para se chegar a esse resultado; é quanto posso e me basta affirmar.

Acrescentarei, porém, que o digno par attribuiu exclusivamente á actual pauta de Angola a recente diminuição das receitas d'aquella provincia, receitas que aliás no curto periodo de tres annos, e só pelo facto da ainda incompleta construcção do caminho de ferro, triplicou.

Mas o sr. visconde de Chancelleiros, a quem estava respondendo, saiu da sala, e o projecto está por demais justificado; tenho demais respondido a todas as considerações formuladas por s. exa.;. portanto nada mais direi.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, confesso que não contava seguir-me no uso da, palavra ao digno par o sr. conde de Macedo.

Bem sei que é elle o relator do projecto que se discute, mas como o sr. visconde de Chancelleiros declarou que ao projecto em si não fazia opposição, pelo contrario, as largas considerações que s. exa. fez foram de caracter politico, eu julguei que para responder ao sr. visconde de Chancelleiros se erguesse o sr. presidente do conselho ou qualquer dos seus collegas. Mas que para responder a essas apreciações, em assumpto meramente politico, se levantasse o sr. conde de Macedo, como relator do projecto, causou-me estranheza.

Francamente, quando alguem, com uma larga vida politica, mantendo as tradições de familia e ao mesmo tempo com aquelles lampejos brilhantes da sua palavra, muitas vezes inflammavel, mas sempre conscienciosa, quando alguem como o sr. visconde de Chancelleiros crivava o governo de ataques mais ou menos fundos, mal se poderia esperar que o sr. presidente do conselho ou qualquer dos seus collegas, por deferencia, não tivessem uma palavra sequer para lhe responder.

Aqui tem v. exa. a rasão por que me surprehendi, seguindo-me no uso da palavra ao er. conde de Macedo. Mais ainda ahi tem v. exa. a rasão por que a discussão correu mais atropeladamente durante o tempo que fallou o sr. conde de Macedo.

Se qualquer dos srs. ministros se tivesse levantado para responder ao sr. visconde de Chancelleiros, estou convencido de que a discussão teria sido mais rapida e serena.

Mas o sr. presidente do conselho só teve voz para um áparte em resposta ao digno par o sr. visconde de Chancelleiros, quando s. exa. citava o dizer-se lá fóra que era proposito firme do governo fazer passar as medidas de fazenda que elle quizesse e que se não havia, de discutir o orçamento, se não quizesse.

Parecia-me que um aparte, que implicava uma declaração politica da parte do governo, e que era destinado a rebater falsos juizos que se faziam ácerca do procedimento do proprio governo, merecia mais do que duas palavras proferidas pelo sr. presidente do conselho sem se levantar, e emquanto fallava o sr. visconde de Chancelleiros.

Mas, emfim, as responsabilidades vão a quem tocam.

Eu não estranho que o sr. visconde de Chancelleiros se sentisse incommodado com o discurso do sr. conde de Macedo.

Deixo aos srs. ministros a responsabilidade de ouvirem sem uma palavra sequer de resposta, o que d'ella carecia. Pela minha parte não tenho desejo de proferir n'este momento um discurso politico, e outra cousa não tenho em vista senão definir o meu voto com relação ao projecto que se discute.

O meu voto é muito simples, e em poucas palavra, se expressa; dou-o, porque tenho obrigação de o dar, desde que assigno este parecer, embora com declarações; dou-o ainda, porque o sr. ministro da marinha invocou o meu testemunho em abono de uma afirmativa que fazia, quando, aliás, não precisava de confirmação a palavra de s. exa.

É certo que as negociações entaboladas para os dois contratos, que- hoje se acham submettidos á apreciação do parlamento, começaram com o governo a que tive a honra de presidir.

É certo que os trabalhos para esses contratos estavam muito adiantados, quando o sr. Barros Gomes foi investido na gerencia da pasta da marinha.

A rasão d'este projecto é muito simples. Ninguem discute a conveniencia do caminho de ferro de Ambaca; é uma necessidade que elle se conclua, é uma vantagem para a provincia de Angola que elle se prolongue até Malange.

A prova d'isto está nos pesados sacrificios de diversas ordens, que durante differentes administrações se têem feito para não se suspenderem os trabalhos d'este caminho de ferro e, por consequencia, não ir parar a mãos estranhas, inutilisando assim as esperanças que depositamos no futuro daquella provincia.

Na situação actual do thesouro, é impossivel assegurar o complemento d'este caminho de ferro, mediante qualquer subsidio dado pelo mesmo thesouro.

Desde que o complemento da linha até Ambaca e o seu prolongamento até Malange traziam utilidade para Angola, era de rasão que aos recursos doesta provincia se fosse buscar o indispensavel para o conseguir.

Foi este o pensamento do projecto que está em discussão.

Por isso que eu reconheço, não só a vantagem economica, mas, ainda mais, a necessidade politica - accentuo bem as minhas palavras - de que se conserve em mãos portuguezas o caminho de ferro até Ambaca o mesmo que se prolongue a linha de penetração até Malange, é que voto este projecto e não lhe faço opposição alguma.

As minhas declarações, comtudo, alguma cousa significam: é que eu me arreceio do que se envolve n'esta alinea b).

(Leu.)

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SESSÃO N.° 13 DE 5 DE AGOSTO DE 1897 155

Preferia que aqui não estivesse tal latitude de acção, que se dá ao governo, a qualquer governo, o que não obsta a que havendo agora o agio do oiro (o que não havia), se comprehenda a necessidade de tomar qualquer providencia.

Eis explicada a rasão por que eu assignei com declara coes.

Quanto ao mais, eu concordo com o projecto; desejo que se leve a effeito o prolongamento d’esta via ferroa, e faço votos para que a provincia de Angola fique dotada com este melhoramento.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae ler-se o projecto para se votar.

Leu-se. Posto á votação foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae- passar-se á segunda parte da ordem do dia, que é a eleição da commissão dos negocios ecclesiasticos.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): — Sr.
presidente, como o digno par, o sr. Pimentel Pinto, me fez constar que desejava saber qual a legislação de justiça militar que vigora no ultramar, parece-me que talvez não houvesse inconveniente em se aproveitar este resto de sessão, tratando d’esse assumpto, se v. exa. e a camara o permittem.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. Pimentel Pinto.

O sr. Pimentel Pinto: — Sr. presidente n’uma das ultimas sessões pedi ao illustre ministro da justiça a fineza de transmittir ao seu collega, o sr. ministro da marinha, uma pergunta que formulei precisamente nos seguintes termos:

Qual é o codigo de justica militar que está em vigor no ultramar?

Disse n’essa occasião que me abstinha de fazer quaesquer considerações sobre o assumpto por não estar presente o sr. ministro da marinha.

Se s. exa. quizer responder agora á minha pergunta e se v. exa., sr. presidente, me conceder depois a palavra, direi então as rasões da minha duvida.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): — Sr. presidente, o artigo 5.° do decreto dictatorial de 10 de fevereiro de 1895 estabelecia que ficava em vigor no ultramar o livro primeiro do codigo penal militar de 1895, e mais tarde, em 13 de maio de 1896, uma lei sanccionou o novo codigo penal, em grande parte igual ao de 1895 mas com algumas alterações, e estabelecia que o novo codigo vigoraria em Portugal e nos seus dominios.

Em 26 de maio veiu uma lei que declarava em vigor com restricções especiaes, para a sua applicação ao ultramar, os livros segundo, terceiro e restantes do codigo de 1890.

Portanto, parece-me que o livro primeiro do codigo penal de 1896 e os livros segundo e restantes do de 1895 é que deveria por lei estar em vigor no ultramar.

Já v. exa. vê que esta situação é um pouco extraordinaria.

E eu devo dizer ao digno par que ainda assim não posso affirmar o que está em vigor no ultramar. Eu supponho que de facto em toda a parte vigora o codigo de 1895.

Resulta, pois, de todo este facto anomalo que por lei deve estar em vigor o livro primeiro de 1896 e os restantes de 1890, e isto dá logar infelizmente a muitas das confusões que se dão com respeito á applicação da legislação militar do ultramar.

Um dos maiores trabalhos na actualidade para um ministro da marinha é saber qual a lei que está em vigor sobre um assumpto qualquer, porque são tantos os decretos e as leis promulgadas pelo acto constitucional em dictadura, ultimamente até pelos commissarios regios, publicados em
condições as mais extraordinarias, annullando leis promulgadas pelas côrtes, que, a primeira difficuldade para hoje governar é saber o que realmente vigora.

O que haveria a fazer seria reunir todos esses diplomas e remettel-os á junta consultiva do ultramar a fim de os melhorar e expurgar de tudo que não fosse necessario ou conveniente.

Esto é o systema que se devia seguir; mas onde encontro eu hoje, na junta consultiva, elementos sufficientes para poder elaborar um trabalho d’esta ordem, e n’este momento, com o pouco tempo que temos disponivel, impossivel seria colligir os elementos indispensaveis para formular uma nova legislação.

No assumpto particular de que tratamos o que está pois em vigor no ultramar é o codigo de 1895, e o que deveria estar seria o primeiro livro do codigo de 1896 e os restantes do codigo de 1895, o que é uma situação anormal e extraordinaria.

Creio com o que deixo dito ter respondido ás observações do digno par.

(Não foi revisto por s. exa.)

O sr. Presidente do. Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): — Como não é sobre este incidente que desejo fallar, peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois d’elle terminado.

O sr. Pimentel Pinto: — A resposta do illustre ministro da marinha foi muito alem do que eu esperava. Eu sabia muito bem- qual é a legislação que deve estar em vigor no ultramar, e sabia tambem que de facto não é esta a que ali se considera em vigor.

Sabia que por lei de 13 de maio do anno passado foi approvado para reger n’este reino e seus dominios o codigo de justiça militar que faz parte d’essa lei; e sabia que treze dias depois se tinha publicado a lei de 26 de maio, que mandava pôr em execução no ultramar os livros segundo, terceiro e quarto do codigo de justiça militar de 1895.

A origem d’esta anomalia facilmente se adivinha. O illustre antecessor do sr. ministro da marinha, entendendo que os livros segundo, terceiro e quarto do codigo de justiça militar, decretado em 1895, não podiam ser postos em vigor no ultramar, sem algumas modificações, trouxe á camara uma proposta n’esse sentido, relacionada com aquelle codigo, mas que só foi convertida em lei depois de publicado o de 1896. E como essa proposta não foi discutida, passou na camara tal como estava sem que nella se fizessem as alterações necessarias para a relacionar com este ultimo codigo.

Legalmente, permitta-me a camara que diga assim, está, pois, em vigor no ultramar o livro primeiro do codigo de justiça militar de 1896 e os livros segundo, terceiro e quarto do codigo de 1895.

De facto, está, porém, em vigor todo o codigo de 1895, porque essa é a opinião dos governadores e não sei se tambem a do ministerio da marinha.

D’este facto não resultou ainda, que eu saiba, nenhum inconveniente grave, a não ser que com elle esteja relacionado um conflicto de jurisdicção ou cousa parecida, de que hontem se fallou na camara dos senhores deputados, entre o commissario regio de Moçambique e os tribunaes do reino.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): — N’esse caso não produziu isso inconveniente algum.

O sr. Pimentel Pinto (continuando): — Ainda bem. Creio, pois, que do facto a que me estou referindo nenhum inconveniente grave resultou ainda; o que não admira porque o codigo de 1896 é o de 1895 com poucas alterações. Uma d’ellas, porém, é importantissima. Felizmente prevê hypothese muito rara, que ainda se não deu,

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mas que póde dar-se ámanhã e, n'esse caso, o tribunal que fizer applicação do codigo de 1895 incorrerá em grave responsabilidade e maior terá ainda o superior que ordenar a execução da sentença.

Por esta rasão queria eu chamar a attenção do illustre ministro da marinha para esse facto, suppondo que s. exa. não tinha d'elle conhecimento. O illustre ministro, depois de nos dizer qual é a lei que deve estar em vigor no ultramar, acrescentou, porém, textualmente as seguintes palavras: "Mas nada d'isto é verdade, porque o que está em vigor é o codigo de 1895!"

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Barres Gomes): - É o que é logico.

O Orador: - Não sei se isso é o que é lógico; o que sei é que não é legal. Legalmente o que está em vigor é um livro do codigo de 1896 e tres do codigo, de 1895. Concordo em que é melhor que esteja em vigor um só d'esses diplomas, mas para isso é necessaria lima lei que modifique ou a de 13 ou a de 26 de maio de 1896.

O sr. Conde de Lagoaça: - Lá está v. ex.3 com aã suas leis...

O Orador: - V. exa. d'esta vez engana-se. Tive já a honra de lhe dizer, e nada me custa repetir-lhe, que prefiro, como é natural, a legislação que referendei, áquella que a substituiu. Prefiro, pois, o codigo de 1895 ao de 1896; mas, n'este momento, não comparo os dois diplomas, não penso em qual d'elles é melhor ou é peior. Unicamente desejo que se saiba qual é a legislação que está, e que deve estar em vigor no ultramar, e mais nada.

Sr. presidente, não é minha intenção apensar o illustre ministro da marinha por um facto que provavelmente s. exa. ignorava, e do qual eu creio que só teve conhecimento depois da pergunta que lhe fiz, por intermedio do sr. ministro da justiça. Quiz apenas chamar a attenção de s. exa. para esse facto e mostrar-lhe a sua gravidade, a fim de que cesse a duvida que hoje existe ácerca da lei penal que está em vigor no ultramar.

Se a duvida sobre a lei que está em vigor é sempre má, qualquer que seja o assumpto de que se trata, a duvida sobre a lei penal vigente e sobre o correlativo codigo de processo, por nenhum modo se póde admittir n'um paiz civilisado, porque d'ella podem resultar prejuizos gravissimos para a sociedade ou para os accusados.

Repito: não accuso o illustre ministro da marinha por quaesquer irregularidades que até hoje se tenham commettido. Previno, porém, s. exa. de que será responsavel perante o paiz por qualquer acontecimento futuro, que possa resultar de uma duvida que s. exa. tem obrigação do não consentir que continue, desde que para ella se chamou a sua attenção.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, o digno par o sr. Hintze Ribeiro estranhou que por parte do governo ninguem respondesse ás considerações politicas do digno par o sr. visconde de Chancelleiros. Entendi eu, sr. presidente, que não era esta a occasião apropriada para tal debate; entendi que não devia enxertar n'uma discussão a respeito de um caminho de ferro ultramarino uma discussão politica, que podia prejudicar a votação do projecto que estava sujeito ao exame da camara. É claro que, se o digno par o sr. visconde de Chancelleiros, em qualquer outra occasião que s. exa. julgar mais apropositada, quizer levantar uma discussão politica, o governo não tem duvida alguma em entrar n'esse debate, nem o receia.

Mas o que s. exa. nem o digno par o sr. Hintze Ribeiro podem exigir, é que o governo, em todas as occasiões, acceite uma questão politica com prejuizo dos projectos em discussão e da regularidade dos trabalhos parlamentares.

De mais a mais o digno par sr. visconde de Chancelleiros não fez accusações fundamentadas. Referiu-se apenas a um boato, que attribuia ao governo a proposito de fazer passar algumas propostas de lei no parlamento, embora este não as quizesse votar.

Declarei logo que tal boato era inexacto, e pareceu-me que as observações de s. exa. ficaram, assim, completamente prejudicadas.

Não julguei, pois, ser necessario estar a repetir o que tinha dito da maneira a mais precisa e categorica, e mesmo porque não queria embaraçar a discussão do projecto que estava em ordem do dia.

De modo nenhum o meu silencio podia significar que eu não tenha pelo digno par sr. visconde de Chancelleiros uma verdadeira estima e a mais sincera e profunda consideração.

Somos amigos ha muitos annos, e por isso pareceu-me desnecessario dar a s. exa. um novo testemunho da meus sentimentos para com o digno par.

Quanto á situação parlamentar de s. exa., devo dizer que respeitei sempre as suas apreciações como filhas de uma intenção sincera.

Por consequencia, se não respondi a s. exa., não foi porque da minha parte houvesse idéa de o maguar.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, a proposito da discussão que acaba de ter logar entre o digno par sr. Pimentel Pinto e o sr. ministro da marinha, pareceu-me ouvir uma allusão a alguns individuos da classe civil, que foram condemnados em Moçambique por crime de traição.

Diz-se, julgo que com fundamento, que o supremo conselho de justiça militar avocou a si aquelle processo, que já tinha passado em julgado.

Ora, como os nossos desgraçadissimos costumes são de tal natureza que os mais infames criminosos encontram sempre quem os proteja, desejo saber com que fundamento se estende mão valedora a réus legalmente processados e condemnados e isto apesar de ter passado em julgado a sentença que os condemnou.

E de que crime foram accusados!?

De terem preparado uma emboscada em que devia perecer o homem que, nos ultimos tempos, maiores serviços tem prestado a Portugal, é com elle a flor dos nossos soldados de Africa, os que a voz unanime da opinião proclamou benemeritos da patria, os que têem restaurado no Oriente as nossas mais gloriosas tradições e feito acreditar o paiz na possibilidade de melhor futuro.

Sr. presidente, o paiz dos namarraes, em frente da pequena ilha onde está a capital da provincia de Moçambique, era um paiz vedado aos portuguezes, onde nunca o governo da provincia exercia a minima auctoridade, e cujos regulos, sempre inquietos e rebeldes, estavam habituados a cobrar das nossas auctoridades tributos disfarçados com o nome de soldos.

Todas as tentativas de penetrar naquellas vedadas espessuras tinham exito desastroso e na mesma praia fronteira, onde ha pouco fora roubado e insultado o prelado da colonia, era diariamente desacatada a nossa bandeira. Era mister, era urgente pôr termo a tal estado de cousas tornar effectiva a nossa soberania, abrir ao commercio do interior os portos da costa e submetter emfim meia duzia de regulos a quem só dava importancia a nossa fraqueza. Mas para começar a empreza faltavam todas as informações, todo o conhecimento do terreno, das forças do inimigo, dos seus meios de defeza, da verdadeira situação das suas povoações. Foi necessario emprehender um reconhecimento em força, tendo por objecto a residencia de Ibrahimo, o chefe principal da indigenas.

Para guiar a expedição só se offereceram ou só foram achados alguns mouros, que nenhuma confiança inspiravam, e logo ao começar a marcha despertaram fundadas suspeitas de traição. Em vez de guiar as tropas á residencia de Ibrahimo, conduziram-nas em direcção opposta,

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a uma clareira rodeada de densissimos matagaes, onde milhares de negros bem armados esperavam que os nossos, desembocando no espaço descoberto, offerecessem aos seus tiros um alvo, que não era facil errar.

Um fogo violentissimo assaltou a nossa força; só com prodigios de valor e disciplina se póde resistir ao inesperado ataque, e durante vinte horas, das dez da manhã ás oito horas do dia seguinte, a fuzilaria não cessou. Os nossos lanceiros tiveram de carregar através do mato, e sem a superioridade do nosso armamento e a incomparavel firmeza dos nossos soldados, nem um só, como lhes gritavam os negros, escaparia para dar noticia do desastre.

O futuro do nosso dominio em Moçambique esteve dependente do successo d'aquelle dia angustioso e a vida do commissario regio, escolhido para alvo dos melhores atiradores, foi salva por milagre, não sem que tivesse recebido duas feridas e visse tambem feridos os seus dois ajudantes.

Cartas interceptadas, indicios que depois foram confirmados nos debates do processo, apresentavam como promotores da cilada, como cumplices dos rebeldes, pessoas de importancia na colonia, homens que occupavam posições conspicuas; um d'elles é dos quarenta maiores contribuintes, outro era official da secretaria do governo, e todos são abastados e influentes, passando até então por serem os unicos intermediarios possiveis entre o governo da provincia e os indigenas da costa fronteira á capital. Estavam costumados a dominar a administração, a explorar as revoltas dos negros e a ter nas mãos o commercio illicito de armas de fogo e de escravos.

Não lhes convinha um governador resolvido a tornar effectivo o nosso dominio e a estabelecer um regimen energico, probo e protector do commercio licito. Por isso tinham machinado o exterminio da nossa força e a morte do governador, escolhido para alvo dos melhores atiradores, e que durante o combate não chegava a um ponto da linha de fogo sem que sobre elle caísse logo um chuveiro de balas.

Estas cousas não se sabem; ignora-as o publico, porque o relatorio official sobre o combate de Mugenga, que saíu de Moçambique em outubro, ainda não foi publicado!

Em nome da honra dos nossos militares, em nome da verdade deturpada por ignóbeis interesses, peço ao sr. ministro do ultramar que mande publicar esse documento e os relatorios officiaes das duas campanhas contra os namarraes, a narração fidedigna de tudo o que se passou. (Apoiados.)

É necessario que só publiquem o mais breve possivel; o paiz não sabe em que perigo estiveram os nossos soldados sustentando fogo durante vinte horas, padecendo séde debaixo do sol africano e rodeados de milhares de inimigos que ameaçavam exterminal-os. Só á inexcedivel firmeza d'esses valentes se deve o não ter havido um desastre irreparavel.

Quando se emprehendeu a campanha contra os namarraes, as poucas pessoas que conheciam a verdadeira situação na capital da colonia esperavam um desastre. Aqui em Lisboa dizia-se que os interesses ha muito creados e que eram incompativeis com um governo honesto e regular, tinham bastante força para frustrar todos os esforços de Mousinho e preparar-lhe uma derrota decisiva.

Os vicios, os abusos, os lucros-illicitos de uma administração colonial cheia de tenebrosos mysterios, não seriam estirpados sem lucta; e os que com elles lucravam empenharam todos os meios para supprimir o homem a quem não podiam corromper nem subornar.

Foram mettidos em processo os cumplices da rebellião, julgou-os e condemnou-os um conselho de guerra, porque o crime foi commettido em tempo de guerra. Da sentença d'este tribunal só havia recurso para o governador, que o codigo de justiça militar, em vigor no ultramar, reveste dos poderes e prerogativas que têem no reino os generaes
de divisão commandantes e o ministro da guerra. O governador geral, julgando em ultima instancia, confirmou a sentença, e esta passou em julgado.

Não póde já ser alterada, tem força de lei, é irrevogavel, irreformavel, é infallivel de facto.

É principio fundamental de ordem publica que as sentenças passadas em julgado não estão sujeitas a novos debates nem a novas investigações.

O sr. Pereira Dias: - E não foram fuzilados?

O Orador: - Creio que o codigo não applicava a pena de morte a este caso.

Entre nós não se castiga.

O sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - A unica rasão por que não tenho pena de que não fossem fuzilados é pôr serem indignos de morrer de uma bala.

O que é certo é que um dos d'este grupo dos antigos dominadores de Moçambique partiu para o reino munido de cartas de recommendação e de credito. Vinha precavido com todos os meios suasorios, e não trabalhou debalde. Na imprensa, no parlamento, acharam patronos solicitos e, o que é mais, affirma-se que existe um accordão do tribunal superior de guerra, que avoca a si o processo! Até á mais alta corporação militar chegou a sua influencia.

Ora, em que condições é que póde ser avocado um processo que passou em julgado? Os codigos de justiça militar, tanto os que deixaram de estar em vigor, como aquelles que se suppõe que vigoram ainda, estão todos de accordo n'este ponto: um processo que passou em julgado póde ser avocado nos seguintes casos: quando ha duas sentenças contradictorias, isto é, quando foram julgados differentes individuos e condemnados em diversas penas pelo mesmo crime; quando ha um processo de perjurio contra alguma das testemunhas ou quando é querellado por corrupto e prevaricador algum dos juizes; finalmente, quando existe viva uma pessoa por cujo homicidio alguem tenha sido condemnado. Estes casos são taxativamente indicados no codigo de justiça militar.

Verifica-se algum d'elles para que aquella alta corporação avoque a si este processo?

É isso o que eu desejo saber; e, para esse fim, mando para a mesa um requerimento pedindo copia do accordão. Não me parece que haja nisto segredo de justiça, porque se trata de um processo findo, de uma questão que passou em julgado.

Eu receio muito o terrivel effeito moral que ha de produzir na provincia de Moçambique, contra a auctoridade do commissario regio, o saber-se que ha em Portugal protectores para similhantes criminosos, e que esses protectores são homens na posição de membros do tribunal superior de justiça militar.

A tudo se tem recorrido para mover á compaixão o nosso publico impressionavel.

Os presos telegrapham que têem fome!

Talvez porque lhes não permittem mandar vir a comida das suas cozinhas apuradas. Vestem os trajos dos condemnados, são obrigados a trabalhar. Estou certo que se lhes applica o regulamento da prisão e são tratados como todos os condemnados. Querem ser privilegiados? O terem uma posição social relativamente elevada não attenua, aggrava a negrura do seu crime. Querem privilegios, querem, commodidades, exigem contemplações e favores!...

Isto n'um paiz o mais democratico do universo, num paiz onde ninguem tolera privilegios, nem distincções.

Na Allemanha, quando o arcebispo de Colonia foi condemnado, não por traidor á patria, mas por ser fiel á igreja, encerraram-no na prisão, sujeitaram-no ao regimen dos outros presos, vestiram-lhe o trajo dos criminosos comuns.

Ninguem lá se lembrou de metter empenhos com o

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principe de Bismark para que um prelado exemplar, mais tarde cardeal, não fosse tratado como um criminoso commum e privado até das vestes ecclesiasticas.

Era a lei; e as leis cumprem-se e não se torcem por considerações de uma compaixão morbida, symptoma deploravel de corrupção e relaxação moral.

Estou certo que o governador de Moçambique, esse valente militar que ainda ha pouco voltou ferido de um combate heroico, é incapaz de barbarie ou crueldade com presos, por mais indignos que elles sejam.

Pois, tem-se accusado aqui esse official, um dos mais distinctos do nosso exercito, de estar torturando aquelles desgraçados.

E, sr. presidente, receando fatigar a camara, termino, lendo o requerimento, que vou mandar para a mesa.

Requerimento

Requeiro que, pela repartição competente, sejam remettidas com urgencia a esta camara: copia do accordão do supremo tribunal de justiça militar que avocou o processo dos traidores condemnados em Moçambique; copia de qualquer promoção do respectivo agente do ministerio publico com relação ao mesmo processo.

camara dos pares, 5 de agosto de 1897.= O par do reino, Ornellas.

Foi lido na mesa o requerimento ao digno par, e mandado expedir.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Sr. presidente, não me admirei da profunda impressão que dominava o digno par ao referir-se ao assumpto de que acaba de ocuppar-se; porque todos nós sabemos que entre os que correram os perigos que s. exa. recordou, entre aquelles valentes que estiveram para ser victimas, encontrava-se um filho do digno par. Mas. sr. presidente, eu já hontem n'esta mesma sala, na sessão da camara dos senhores deputados, disse que a retirada resultante do facto que s. exa. mencionou, e tão energica e justamente verberou, valeu mais do que algumas victorias.

Foram admiraveis a ordem, a firmeza e o valor militar com que se conduziu aquelle punhado de heroes durante muitas horas e sempre debaixo de um fogo terrivel. Honra, pois, a esses bravos que em Africa têem pugnado pela gloria da nossa bandeira!

Attendamos, comtudo, sr. presidente, a que nós no parlamento não podemos discutir os actos dos tribunaes, o que seria attentar contra a sua independencia. Dirime-se uma questão de competencia, na qual ao governo não cumpra intervir.

Cumpre-lhe intervir, mas apenas n'um ponto, isto é, seja qual for a situação d'esses individuos que se acham presos, devem estar sujeitos ao regimen legal da prisão em que se acham. Ora n'esse ponto não ha de o governo permittir que deixe de se cumprir a lei.

Os trabalhos na cadeia só podem ser exercidos como compensação do alimento e do vestuario, e nós devemos cumprir essa lei.

A esse respeito eu mandei consultar a procuradoria geral da corôa, que ainda não deu o seu parecer; hei de insistir para que esse parecer venha o mais depressa possivel a fim de cumprir a lei, mas não intervindo em cousa nenhuma na questão de competencia que se tem levantado.

Eu devo dizer ao digno par que os governadores gera es do ultramar, pelo codigo de 1890, têem as attribuições dos commandantes de divisão e como taes cabem-lhes, em tempo de guerra, todas as attribuições do supremo tribunal de guerra, e marinha. Na hypothese presente, ao commissario regio competia, pois, resolver em ultima instancia qualquer recurso dos réus, e foi, segundo creio, ao abrigo da lei, que procedeu Mousinho de Albuquerque.

O artigo 300.° do codigo permitte, porém, a todo o tempo
ao conselho superior de justiça militar avocar qualquer processo que tenha passado em julgado, fazendo sustar a execução das sentenças, dadas certas condições.

O sr. Ornellas: - Sómente nos tres casos que eu apontei.

O Orador: - Parece-me, pois, que está dentro da esphera das attribuições do conselho superior de justiça militar avocar qualquer processo.

E a não devo, porém, discutir este ponto, porque tenho de respeitar a independencia do poder judicial e não posso intrometter-me nas altas attribuições da magistratura judicial.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vou conceder a palavra aos dignos pares que se inscreveram, mas lembro a s. exas. que já deu a hora.

Tem a palavra o digno par o sr. Ornellas.

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, agradeço ao meu antigo amigo, o sr. ministro da marinha, as palavras de louvor com que se referiu a meu filho; mas declaro a v. exa. que no momento em que fallei pensava unicamente nos soldados que arriscam a vida e em ninguem especialmente.

Enquanto á questão que nos occupa não ha duvida que os tribunaes são independentes; mas nós ternos o direito de apreciar os actos de todos os poderes publicos. Independente é tambem o poder executivo e nós tomamos-lhe contas. Não ha auctoridade sem responsabilidade, pelo manos, moral. Peco ao illustre ministro que attente bem nas circunstancias melindrosas da colonia de Moçambique. Entro os orientaes auctoridade que é censurada e cujos actos são desapprovados, é auctoridade desprestigiada.

Se por ordem do governo da metropole se der aos presos outro destino que não seja seguirem para o degredo a que estão condemnados e para onde já deviam ter partido, torna-se insustentavel a posição do governador do districto e talvez a do proprio commissario regio.

Está travada uma lucta a todo o transe entre estas auctoridades e os antigos dominadores e exploradores da colonia. Ha ali quem deseje a derrota das nossas tropas, quem mande para os jornaes de Lisboa noticias falsas e alarmantes, quem pretenda que se annunciam victorias mentidas e se occultam derrotas e desastres.

Pense o governo, antes de tomar partido por tal gente, contra Mousinho de Albuquerque. (Apoiados.)

Esta questão é grave, e esses, que, apesar de tudo e por todos os meios, ainda os mais perversos, não procuraram senão minar a auctoridade ao governo geral, parece incrivel que encontrassem echo ás suas queixas n'um tribunal composto de homens tão distinctos, como é o supremo conselho de justiça militar, que assim concorre para tirar força a quem representa e defendo os mais sagrados interesses da patria.

Lamento profundamente este facto, que me parece injustificavel, porque o supremo tribunal não póde avocar a si este processo, se não se der alguma das hypotheses que marca o codigo para poder ser suspensa uma sentença passada em julgado.

E isto que tinha a dizer e nada mais.

(O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares.)

O sr. Pimentel Finto: - Convidado quasi pelo illustre ministro da marinha a emittir o meu parecer no assumpto a que se referiu o digno par, o sr. Agostinho de Ornellas, não podia deixar de pedir a v. exa. a palavra.

Pouco direi, porém, porque nunca li o accordão do supremo conselho de justiça militar, que se discute; não sei qual é a sua doutrina, e, portanto, nenhuma opinião posso ter sobre o seu valor juridico.

O digno par o sr. Ornellas diz, que o tribunal exorbitou das suas attribuições. É possivel, Mas, para demons-

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SESSÃO N.° 13 DE 5 DE AGOSTO DE 1897 159

trar a sua affirmação, s. exa. disse-nos as attribuições do supremo tribunal de justiça nos processos militares, o não as do supremo conselho de justiça militar.

Assim, não ficou demonstrada a sua proposição.

Só nos casos indicados por s. exa., é com effeito permittido o recurso para o supremo tribunal de justiça; mas de todas as decisões dos conselhos de guerra que importem effeitos definitivos, cabe recurso em tempo de paz para o supremo conselho de justiça militar.

Não sei bem como se passaram em Moçambique os factos a que o sr. Ornellas se referiu.

Tenho, porem, a certeza de que nem o commissario regio, nem o conselho de guerra, postergaram voluntaria-riamente a lei.

Igual certeza tenho era relação ao supremo conselho de justiça militar; no seu accordão nem quiz postergar a lei, nem obedeceu, com certeza, a qualquer interesse que não possa altivamente confessar.

Sendo-lhe apresentada uma petição em que se dizia que o presidente de um conselho de guerra não consentia que se juntasse ao processo o recurso dos accusados, tomou uma qualquer deliberação, que eu não sei qual foi; que, sob o ponto de vista juridico, póde ser boa ou não o ser; mas que foi com certeza o que os juizes na sua consciencia julgaram melhor.

O sr. Agostinho de Ornellas: - O que me preoccupa é que o juiz de segunda instancia é o governador da provincia.

O Orador: - E a mim, n'este momento, nada me preoccupa senão a verdade. Não sei, nem me importa saber, quem tem rasão no conflicto de jurisdicção, ou cousa parecida, entre o commissario regio do Moçambique e o supremo conselho de justiça militar. Pretendo unicamente apreciar com justiça o procedimento de todos. Foi para esse fim que eu pedi a palavra. Pedi-a para affirmar á camara que é possivel que os accusados sejam ricos, muito ricos, e que tenham mandado para a metropole muito dinheiro, na esperança de que o seu processo seja annullado ou de que seja attenuada a pena em que foram condemnados (eu nem sequer sei o que elles pretendem), mas que, por muito dinheiro que para aqui maneiem, nada conseguirão do supremo conselho de justiça militar, se não tiverem rasão.

O que eu quero dizer á camara é que um tribunal presidido pelo general José Frederico Pereira da Costa, um dos caracteres mais respeitaveis que eu conheço, e no qual são juizes, alem d'elle, o sr. conselheiro Navarro do Paiva, que já fez parte desta camara, e os generaes os srs. Cunha Pinto, Luna e Antunes, todos honestissimos, póde errar, como erram todos os tribunaes, mas nem vende a justiça, nem profere decisão alguma que possa macular os nomes dos juizes.

O digno par sr. Ornellas foi muito apaixonado nas suas considerações. Comprehendo e não censuro a paixão com que fallou, porque, segundo creio, fez parte do conselho de guerra que julgou os accusados um filho de s. exa.

O sr. Agostinho de Ornellas:-Elle não tomou parte nenhuma n'estes actos, e se a tomou foi simplesmente para fazer observar as formas.

O Orador: - Qualquer que fosse a parte que o filho de s. exa. tomasse nos actos que discutimos, nunca poderia ser para elle desairosa, porque é, não só um official muito valente e distinctissimo, mas tambem um cavalheiro muito digno e muito brioso.

Se a paixão com que s. exa. fallou não provem do motivo que suppuz, mais facilmente s. exa. se convencerá de que foi menos justo nas suas apreciações, e é esse o meu desejo.

Repito, sr. presidente, não sei quem tem rasão no conflicto de jurisdicção que se levantou; mas na lei ha de haver o modo de a resolver. O que eu entendo é que devemos deixar a sua resolução a quem ella pertence por lei e que só depois de resolvido o conflicto deveremos apreciar a resolução que se adoptar; Por emquanto parece-me que nenhuma vantagem ha em discutir nesta assembléa uma questão que só pelos tribunaes póde ser decidida.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - A proxima sessão realisar-se-ha na segunda feira, 9, sendo a ordem do dia a mesma de hoje e mais os projectos a que se referem os pareceres n.ºs 7 e 8.

stá encerrada a sessão.

Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de agosto de 1897

Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho; Marino João Franzini; Marquez da Graciosa; Arcebispo do Evora; Condes, de Bertiandos, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar; Viscondes, de Athouguia, de Chancelleiros, da Silva Carvalho; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Telles de Vasconcellos, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, José Luciano de Castro, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Luiz Bivar, Pereira Dias, Vaz Preto, Mathias de Carvalho, Thomaz Ribeiro, Sebastião Calheiros, Ferreira Novaes.

O redactor = Alberto Pimentel.

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