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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 13

EM 25 DE JANEIRO DE 1907

Presidencia do exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta.-expediente.- O Digno Par Sr. Francisco Beirão propõe que seja dispensado o regimento a fim de entrar desde logo em discussão o projecto de lei auctorizando o Governo a mandar fundir por conta do Estado a estatua do bispo de Viseu. Consultada a camara, resolve affirmativamente. O Digno Par Sr. Telles Vasconcellos propõe que o projecto votado por acclamação. O Sr. Ministro da Marinha, por parte do governo, e os Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa, José de Alpoim, Bandeira coelho e Teixeira de Vasconcellos associam-se á ideia do projecto. O Digno Par Sr. Beirão agradece as adhesões da camara. O projecto é approvado por acclamação.- O Sr. Ministro da Marinha responde ás considerações que sobre assuntos coloniaes fizera o digno par o Sr. Teixeira de Sousa.- O Digno Par Sr. Pedro de Araujo requer um documento pelo Ministerio da Fazenda.- O Digno par Sr. Francisco Machado insta pela satisfação de um requerimento que apresenta na sessão de 5 de junho de 1906.

Ordem ao dia - Continuação da discussão sobre o projecto de lei, parecer n.° 18, que estabelece as bases para a reforma de contabilidade publica.- O Sr. Presidente diz que tem sido substituido no seu logar, quando se entra na discussão do projecto em ordem do dia; mas hoje, como faltasse o Digno Par supplente á Presidencia, pergunta á Camara se consente que continue presidindo, por isso que não tornará a tomar parte na discussão. A Camara manifesta-se por apoiados geraes. O Digno Par Sr. Moraes Carvalho replica á resposta que lhe dera o Digno Par relator, e este Digno Par usa em seguida da palavra.- O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa apresenta um telegramma da Camara Municipal de Valpaços, relativo á questão vinicola. O Sr. Ministro da Fazenda declara que dará conhecimento d'esse facto ao seu collega das Obras Publicas.- É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 22 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Justiça, satisfazendo um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. José de Alpoim.

Officio do Ministerio do Reino, satisfazendo um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Officio do Sr. Leopoldo Wagner, remettendo 150 folhetos sobre o commercio de vinhos com a Allemanha.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, com a proposição de lei, ali approvada por acclamação, auctorizando o Governo a mandar fundir nos estabelecimentos do Estado a estatua, que se projecta levantar na cidade de Viseu, para perpetuar a memoria de D. Antonio Alves Martins.

O Sr. Francisco Beirão: - Sr. Presidente : a Camara, decerto se recorda de que ha tempo apresentei uma representação que me fora enviada da cidade de Vizeu, cidade que por tantos annos tive a honra de representar em Côrtes.

Pedia-se n'essa representação a cooperação d'esta Camara para o mesmo fim a que visa a proposição de lei que acaba de ser lida na mesa, isto é, facilitar a erecção de um monumento a Antonio Alves Martins, que foi Bispo d'aquella diocese.

Sr. Presidente: passa o centenario d'esse illustre varão no proximo mez de fevereiro, e d'ahi vê a Camara a razão por que pedi a palavra para negocio urgente, porquanto convem que no proximo mez de fevereiro esteja resolvido o assumpto de que se trata. Dito isto, Sr. Presidente, permitta-me V. Exa. e a Camara que faça algumas considerações em referencia ao assumpto.

A minha proposta é para que, dispensado o Regimento, entre desde já em discussão a proposta de lei que acaba de ser lida na mesa, á semelhança do que se fez com ella na Camara dos Senhores Deputados, e ainda do que se fez na Camara dos Pares em relação á estatua a erigir, perto de Esposende, a. Antonio Rodrigues Sampaio.

Sr. Presidente: eu sou já dos raros representantes d'essa forte, illustre e generosa mocidade, que constituiu o fundo do partido reformista, e que em tempo, foi designada pelos "rapazes do Bispo".

Sob a direcção d'esse benemerito homem de Estado entrei na politica; e se fui o ultimo d'essa grey ao tempo, quero ao menos ser o primeiro, na Camara dos Dignos Pares do Reino, a prestar a homenagem da minha consideração e da minha saudade á memoria d'aquelle meu querido e antigo chefe.

O Bispo de Viseu não foi um triumphador; foi um vencido, mas as suas ideias ficaram e teem tido sempre representantes no paiz.

Não é porem só sob o aspecto politico que se impõe ao nosso respeito a memoria d'esse preclaro varão. O tempo passou, o Bispo morreu ha largos annos. Chegou a hora da justiça para elle, como tem chegado para muitos outros, e adversarios e amigos podem hoje prestar a homenagem devida a um homem que na Igreja representou a virtude da caridade no seu aspecto mais modesto e affavel (Apoiados), que na vida publica, foi modelo da mais exraordinaria

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isenção (Apoiados), e que foi sobretudo na vida particular um bom e um forte. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: posto de parte todo o intuito politico, que não me domina n'este momento, e que aliás poderia tornar-me suspeito, pois nas minhas palavras podia transparecer a saudade para com o meu velho e antigo chefe, todos se podem reunir e prestar ao homem, que em vida foi sempre modesto, a modesta homenagem que como urgente tenho a honra de propor á Camara, e dar assim uma prova de consideração áquelle que foi outr'ora membro d'esta casa.

Dos seus antigos partidarios não vejo presente senão o meu amigo Sr. Vasconcellos Gusmão, que decerto me acompanhará, bem como toda a camara, n'esta justa homenagem. (Muitos apoiados).

O Sr. Presidente : - O Digno Par Sr. Beirão pede que, dispensando-se o regimento, entre desde já em discussão a proposição de lei que auctoriza o Governo a mandar fundir por conta do Estado a estatua que a cidade de Viseu deseja erigir á memoria de D. Antonio Alves Martins.

Os Dignos Pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

(Pausa).

Está approvada.

Vae ler-se o projecto de lei.

Leu se na mesa e é do teor seguinte:

PROJECT0 DE LEI

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a mandar fundir á custa do Thesouro, nos estabelecimentos do Estado, a estatua que se projecta levantar na cidade de Viseu em memoria do egrégio Prelado d'aquella diocese D. Antonio Alves Martins.

Art. 2.° Fica revogoda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 10 de janeiro do 1907. = Os Deputados, Manoel Fratel = José Maria Pereira de Lima = Antonio Tavares Festas = Augusto Patricio Prazeres = Carlos Augusto Pereira = Antonio José Teixeira de Abreu.

O Sr. Telles de Vasconcellos: - Proponho que este projecto seja votado por acclamação, pois não creio que nenhum dos Dignos Pares inscriptos deseje impugnal-o. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Se um incommodo de saude não impedisse o Sr. Presidente do Conselho de estar hoje n'esta casa, com certeza seria S. Exa. que em nome do Governo não só se associaria á proposta do Digno Par Sr. Beirão, mas tambem que pela sua palavra eloquente e persuasiva diria com quanta convicção o Governo approva o projecto, justa homenagem ao homem que por uma forma tão inconfundivel deixou marcada a sua passagem pela politica portuguesa.

Não estando S. Exa. presente, eu, como membro do Governo e ao mesmo tempo membro d'esta Camara, pedi a palavra para declarar quão gostosamente nos associamos, eu e todos os meus collegas no Gabinete, ao projecto que está sobre a mesa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não está presente o chefe do meu partido, mas conheço os sentimentos que o animam no que diz respeito a prestar-se a homenagem, que consta do projecto, á memoria do fallecido Bispo de Viseu.

Portanto, como eu conheço o modo de pensar e sentir do meu illustre chefe e amigo, declaro, interpretando os seus sentimentos e o de todos os meus correligionarios politicos n'esta Camara, que o projecto de que se trata tem a nossa adhesão e o nosso voto.

Sr. Presidente: individualmente posso dizer que impera no meu animo ainda uma circumstancia singular.

O Bispo de Viseu, D. Antonio Alves Martins, não era meu correligionario politico, não pertencia ao partido em que milito; bem pelo contrario, foi honra e gloria do partido progressista, e sendo natural do concelho de Alijó que representei dois annos em Côrtes, sustentou ali um papel politico inteiramente adverso ao partido em que eu e familia minha militavamos e militamos convictamente.

Sendo grandes e profundas as divergencias que nos separavam do Bispo de Viseu, por vezes chegou a lauta ao maior extremo que podem attingir as luctas entre homens de bem.

Sr. Presidente : esta mesma circumstancia me dá a isenção necessaria para conceder o meu voto ao projecto, não por condescendencia para com o Digno Par Sr. Beirão, mas por um acto de justiça que devo á memoria d'aquelle distincto cidadão, que foi um grande e respeitabilissimo homem de bem; (Apoiados), que serviu o seu paiz com as melhores intenções (Apoiados); e que, se não fez mais, foi porque as circumstancias politicas não o permittiram.

Prestada esta sincera e merecida homenagem á sua memoria, repito a declaração de que os meus correligionarios e eu approvamos o projecto.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente : O Digno Par Sr. Conselheiro Beirão, meu nobre e illustre amigo, referiu-se com palavras de ternura e encarecimento á memoria do Bispo de Viseu.

Disse S. Exa. que viera do partido reformista, pertencendo a esse grupo chamado dos "rapazes do Bispo".

Desenhou, em firmes traços, a figura de D. Antonio Alves Martins como politico liberal; e, como sacerdote, referiu-se o Sr. Beirão á sua caridade, fazendo-o com palavras impregnadas de tocante saudade e eloquentissimas.

O Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa associou-se ás expressões de sentida commemoração para com o Bispo de Viseu.

As suas palavras foram nobres e elevadas, porque o Bispo de Viseu sempre andara travado em lutas politicas, na sua terra natal, com a familia d'este nosso distincto collega.

E, em Trás-os-Montes, os combates partidarios são apaixonados e fervorosos como em nenhuma outra região.

As palavras do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa mais põem em relevo, pela sua feição especial, o que houve de grande na bella e alta figura, moral e politica, do Bispo de Viseu.

Eu, Sr. Presidente, não podia deixar de associar-me á proposta do Sr. Beirão e ás suas palavras.

Na minha familia, o nome do Bispo de Viseu inspirava uma adoração. Eu proprio conservo uma recordação profundissima- d'aquellas recordações de infancia que jamais se apagam - do Bispo de Viseu.

Meu pae, que era um correligionario e um amigo pessoal do Bispo de Viseu, apresentara-me áquelle santo prelado, n'uma das vezes que estivera em Espinho.

Tinha, eu então onze ou doze annos.

O Bispo, rapidamente, afagara me no rosto e na cabeça - tão rudemente que me lembro de que me atirou quasi o chapéu ao chão - e disse-me-"Estude... e seja honrado".

Parece-me que o vejo ainda com o seu largo chapéu, um grosso pau aldeão, a que se encostava, com os seus habitos entre ecclesiasticos e seculares, com a sua figura austera e forte.

Alem das recordações de infancia, e do amor pela tradição da minha familia tão dedicada ao Bispo de Viseu, outra razão de affecto me liga á memoria do grande morto.

O Bispo de Viseu era meu patricio.

Nascera, como eu, na provincia de Trás-os-Montes. em remota aldeia, em uma, como diz o grande romancista portuguez, humilde povoa concavada nas fragosas serranias transmontanas. Veio do povo: e, em toda a sua existencia, foi sempre um filho do povo, em as rudezas e sinceridades das classes populares, e com aquella ingenua

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e doce bondade que a tantos consolou e fez bem, e que se escondia dentro de um aspecto carregado e sombrio como dentro das toscas e negras fragas das suas montanhas se esconde a agua generosa e criadora. (Apoiados).

No seu coração existia essa cousa divina chamada - piedade.

A sua figura, como pastor de almas, chega a ser de uma doçura e enternecimento que lembram a do santo e pie doso Arcebispo de Braga.

No seu paço de Fontello occorreram factos que lembram a tocante humildade e a infinita caridade de frei Bartholomeu dos Martyres.

Quando morreu, o povo da Beira, que em enorme multidão affluiu a vel-o no seu caixão, beijava lhe os ,pés como os de um santo.

A sua memoria é hoje honrada e venerada ali não pelas qualidades de politico combatente e destemido, mas pela ineffavel caridade do seu coração de onde emanava, na phrase do grande tragico, o leite da humana ternura. (Apoiados).

Como prelado, olhando sempre aos seus deveres episcopaes, o Bispo de Viseu foi um catholico - mas um liberal, um Bispo do seu paiz.

Amava firmemente a sua fé, mas não tinha os olhos somente postos em Roma, nunca occultou a verdade ao Vaticano, e defendeu sempre os direitos da Igreja Portugueza.

Faz-me lembrar, em varias feições do seu caracter, a figura do famoso Abbé Grégoire, que, ardente democrata, jamais renegou da sua fé e foi sempre á Convenção com os seus habitos ecclesiasticos : não renegou o amor á sua religião como não renegou o seu amor á liberdade.

O Bispo de Viseu deu, em toda a vida, como Bispo, um grande e nobre exemplo do sacerdote e de prelado portuguez. (Apoiados).

Dirigiu na politica portugueza, como monarchico, o grupo mais liberal e avançado.

Os seus adversarios chamavam ironicamente, ao Bispo e aos seus amigos, os pés-frescos. A sua. doutrina era a de um liberal fervoroso que entendia, como entendem os dissidentes progressistas, que, querendo-o a Corôa e os homens de Estado, cabem dentro da Monarchia as mais largas reivindicações liberaes.

Elle queria a verdadeira democracia real e, n'este sentido, sempre aconselhou o Rei e lhe falou verdade, como sempre aconselhou o povo e verdade lhe falou. Ficaram na tradição popular, são rememoradas, sobretudo nos recantos das provincias que tanto o amavam, as palavras de leal conselho e rude verdade dirigidas ao Soberano. D'elle se pode dizer o que um nosso grande poeta escreveu de alguem que não podia habituar-se aos palacianisinos dos antigos cortesãos do Paço, em tempos do absolutismo:

Homem d'um só parecer,
D'um só rosto, uma só fé,
D'antes quebrar que torcer,
Elle tudo pode ser,
Mas de Côrte homem não é.

Os progressistas dissidentes, que occupam dentro da Monarchia o mais avançado logar, que defendem ideias radicaes sob o ponto de vista liberal e social, que protestam contra o modo de ser politico dos tempos de hoje e dos ultimos annos da politica portugueza, teem um culto pela grande memoria, honrada e democratica, tão honesta e tão liberal do Bispo de Viseu.

Associam-se, pois, á proposta do Sr. Beirão, relativa á sua estatua.

Essa estatua vae ser de bronze - e bem está - porque de bronze foi a sua alma austera, rude e grande alma de plebeu. Mas, se. tivesse de syrnbolizar-se pela côr a sua alma candida e heroica, a sua figura devia ser entalhada em marmore branco, como na antiguidade eram, em marmore alvissimo, talhadas as estatuas dos deuses e dos heroes.

Vozes:- Muito bem.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Luiz de Mello Bandeira Coelho: - Não é meu intuito tomar tempo á Camara. Mas sendo natural do bispado de Viseu, e tendo vindo para a politica pela mão de D. Antonio Alves Martins, que sempre manteve commigo e com a minha familia as mais affectuosas relações, ficaria mal commigo mesmo se n'este momento aqui não testemunhasse o preito da minha homenagem e saudade.

O Bispo de Viseu era um espirito eminentemente liberal e tolerante.

Nunca abusou da posição para influir no seu clero a favor da sua orientação politica. (Apoiados).

Descendo por vezes da cadeira episcopal para a cadeira do magisterio no Seminario de Viseu, prendia a attenção dos discipulos com as suas sapientissimas prelecções, e creava um amigo dedicado em cada um; porque sob aquelle aspecto rude os tratava com a maior affabilidade.

Ainda hoje elles derramam lagrimas de saudade pelo seu virtuoso Prelado.

A cidade de Viseu, querendo pagar uma divida em aberto, solicitou dos poderes publicos o auxilio constante da proposição de lei em discussão.

A Camara, enaltecendo as qualidades do Bispo de Viseu, pela voz mais auctorizada dos seus tribunos e votando o projecto pela forma que o faz, procede nobre e dignamente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Em meu nome e no dos meus amigos politicos associo-me á manifestação prestada pela Camara á memoria do grande vulto que representou na historia portugueza um papel que ainda hoje se recorda com saudade e respeito.

Saido do povo, nunca o trahiu; aproximado do Rei, foi-lhe leal e dedicado; o seu nobre papel consistiu, pois, em querer conciliar os interesses do Throno com os da Nação.

Como sacerdote, serviu de modelo a todos, porque n'elle se consubstanciava o amor do próximo, a pratica da caridade e a defesa da causa dos pobres.

Como disse o Digno Par Sr. Beirão, foi um vencido nas luctas da politica, mas quem perdeu não foi elle, foi a causa nacional.

Incomprehendido, a corrente desviou-o da senda que elle havia traçado para o levantamento da sua patria, e ao terminar a existencia o seu espolio era bem mesquinho.

Não é necessario ser muito conhecedor da historia politica para se avaliar quanto a sua altissima figura se impõe á nossa admiração como exemplo digno de ser imitado.

Deus queira que todos aquelles que tomem a responsabilidade de gerir os destinos do nosso paiz, ao morrer, possam levar para a sepultura, como elle, a satisfação de terem cumprido o seu dever civico com tanta energia, nobreza e escrupulo.

É com o maior enthusiasmo que eu e os meus amigos politicos nos associamos a esta manifestação em homenagem á memoria de D. Antonio Alves Martins.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Francisco Beirão:- Sr. Presidente : em primeiro logar devo dizer a V. Exa. que, referindo-me aos sobreviventes do partido reformista, deixei de mencionar o nosso secretario Sr. Bandeira Coelho, o que para todos os effeitos rectifico. Mas não foi só para isso que eu pedi a palavra, pedi a para agradecer a todos os meus collegas que tomaram parte n'esta manifestação as palavras de justiça para com o Bispo de Viseu, congratulando-me com a homenagem que foi prestada a este grande vulto, por todos os lados da Camara, demonstrando-se mais uma vez, felizmente, que acima de todas as dissenções politicas ainda ha uma cousa a que se presta preito incondicional: a honra immaculada.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Em
vista da manifestação

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da Camara, considera-se approvado o projecto por acclamação. (Apoiados geraes).

Está approvado.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Sr. Presidente: sinto-me á vontade na questão do caminho de ferro do Lobito, porque nos colloca sempre bem o não termos que mudar ou modificar a propria opinião acêrca de um assumpto de tanta importancia.

Um dos maiores obstaculos a esse emprehendimento foram os interesses do Cabo e da Chartered; o testamento de Alfred Beit veiu destruil-o; por outro lado e quasi na mesma epoca o acordo com o Rei dos Belgas, que estivera dependente da questão do enclave de Lado, tornou se tambem uma realidade.

E, assim, estando garantida não só a prolongação do caminho de ferro do Lobito á Catanga, mas a sua ligação com a linha Cabo-Cairo, isso equivale a affirmar que o primeiro grande transversal africano ha de ter os seus terminus nas duas costas africanas em portos portugueses.

O que isto representa de importancia politica, de solidificação do nosso dominio ultramarino, de acrescimo para o nosso valor mundial, é escusado encarecel-o perante uma Camara tão esclarecida e illustrada e á qual eu por tantos titulos muito me honro de pertencer. (Apoiados). E isso significa ainda que nada o Governo fará para contrariar tamanho emprehendimento. (Apoiados).

Pelo contrario, tudo quanto- o Governo possa fazer para contribuir no avanço rapido d'essa linha ferrea, fal o-ha, como ainda hoje eu tive occasião de o fazer chamando a attenção do Sr. governador geral de Angola para esse objectivo e para o fornecimento de indigenas, talvez o problema mais instante para a construcção rapida do caminho de ferro.

Chegou-se a pensar no recrutamento na outra costa, mas as circumstancias actuaes do problema da mão de obra no sul de Africa não permittem introduzir ahi mais um factor estranho.

Por ultimo vamos ás obras do porto e á colonização do planalto.

Já foi publicada no Boletim da provincia de Angola uma portaria, encarregando uma commissão technica dos estudos das obras a construir no porto do Lobito e igualmente do plano para o estabelecimento do grande emporio que será a cidade do Lobito, de cujo desenvolvimento dará por certo pallida ideia o dos outros portos sul-africanos que eu conheço.

Pelos prazos de construcção ultimamente definidos, o caminho de ferro deve estar em Caconda ou no planalto em 31 de outubro de 1808. Se até lá eu tiver vida e saude ministerial, pode o Digno Par ter a certeza de que n'essa epoca estará estudado o estabelecimento ali da colonização portuguesa.

Resta-me falar no caminho de ferro de Mossamedes. E desde já devo dizer com franqueza que talvez se não decidisse no seu começo qual deveria ser o seu fim. Eu me explico. Desde que uma linha ferrea africana sae da costa para o interior, uma de duas: ou é uma linha de trafego e exploração local ou é uma linha de penetração que hoje deve ter por terminus a ligação com o grande central africano.

Ora nas linhas da l.ª categoria é admissivel a bitola de Om,60; nas outras, digo o francamente, não pode deixar de ser a bitola geral das linhas sul-africanas e d'esse grande central, isto é, a bitola de 1 metro.

E no meu modo de ver o caminho de ferro de Mossamedes, partindo de um porto tão bom e efficaz abrigo, atravessando uma região como o planalto da Huilla, onde já ha milhares de colonos portuguezes e que não pode deixar de ser o nucleo de uma das maiores sedes da raça portugueza de alem-mar; tendo que ir, para ter utilidade pratica a nossa penetração, pelo menos como primeiro objectivo até ao Humbe, esse caminho de ferro é a todos es titulos uma das grandes vias de penetração africanas e deve portanto ter a bitola de 1 metro.

Nas duas costas de Africa ta exemplos que favorecem a minha asserção: na costa occidental a linha Memou de Swakopmund a Windhrek; na costa oriental o antigo caminho de ferro da Beira e as linhas de 0,60 a 0,66 a ultima.

Mas a primeira é uma linha de trafego local, pois apesar da sua extensão de centos de kilometros não se pode por certo atravessar o deserto para ir ao grande centro africano. E estão na memoria de todos as difficuldades que para o abastecimento das tropas para essa região encontraram tanto Sent-wein come Trotha.

Do caminho de ferro da Bei rã posso testemunhar por experiencia propria o que vi quando em 1896 tive a honra de ser encarregado de acompanhar as tropas britannicas que iam combater a revolta dos Matabeles. E a companhia da Beira Railway viu se obrigada a mudar uma linha de 360 kilometros de 0,66 n'uma de 320 kilometros, de 1 metro, que é a que hoje estabelece a ligação da Beira com Mutali e Salisbury.

O que tem acontecido ao caminho de ferro de Mossamedes? Devo dizer, porque é a verdade, que não tem sido feliz: as travessas são curtas, os carris fracos, o tubular das machinas defeituoso e, como tudo se sacrificou a principio á rapidez, o assentamento não foi solido e as difficuldades tornearam-se com desvies.

Achou se porem, a maneira de vencer o degrau do planalto da Montipa ao Lubango 8 os estudos effectuados dão a garantia de que com esse projecto se pode passar com a bitola de 1 metro.

É tenção do Governo fazer continuar os estudos sempre com essa bitola e preparar a mudança da parte já construida para essa mesma largura.

Como não ha ainda obras de arte como o assentamento foi rapido em demasia, o traçado será mais depressa melhorado e não haverá despesa de maior. Nem mesmo com respeito ao material.

São já diversos os pedidos de alguns nucleos importantes de população e commercio para ramaes a ligar com a via ferrea de Ambaca: ahi está a forma de empregar esse material.

Tudo isto, como a Camara vê, é a orientação actual, restando para a transformar em execução que o estudo da parte financeira d'este e dos outros problemas da costa occidental esteja completo e terminado.

Creio, com. estas considerações, ter concluido o que tinha a dizer em resposta ás observações do Digno Par Teixeira de Sousa.

(S. Exa. não reviu o seu discurso, nem este extracto).

O Sr. Pedra de Araujo: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Roqueiro que, pela repartição competente do Ministerio da Fazenda, me seja fornecida, com a possivel urgencia, uma nota da receita cobrada nas alfandegas do reino, pelo trigo importado na vigencia da lei de 14 de julho de 1899, especificando as quantias relativas a cada anno cerealifero e a taxa aduaneira applicavel.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, 25 de janeiro de 1907.= Pedro de Araujo."

Mandou-se expedir.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: insto por que seja satisfeito o requerimento que fiz em 5 de junho de 1906, pelo Ministerio da Reino.

O Sr. Presidente: - Farei a instancia que V. Exa. deseja.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei (parecer n.° 18) que estabelece as bases cara a reforma de contabilidade publica.

O Sr. Presidente :- A Camara deve ter notado que tenho sido substituido

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neste logar quando se entra na discussão do projecto em ordem do dia.

Succede hoje que o Digno Par Sr. Poças Falcão está doente e não me pode substituir.

Não tencionando eu voltar á discussão do projecto, consulto a Camara sobre se posso continuar na presidencia durante este debate. (Apoiados geraes).

O Sr. Moraes Carvalho:- Eu não tencionava e não desejava voltar a usar da palavra na discussão do projecto, porque já tinha exposto á camara largamente as minhas opiniões sobre elle.

Não podia estranhar que essas minha opiniões fossem combatidas, mas tencionava deixar ao alto criterio da Camara o julgamento do pleito, sem voltar ao assumpto.

O illustre relator, Sr. Mello e Sousa, não se limitou, porem, a combater as opiniões que eu apresentara; S. Exa., logo no começo do seu discurso, fez uma afirmação que me obrigou a pedir de novo a palavra.

No Summario e na parte correspondente ao primeiro discurso que o Sr. Mello e Sousa proferiu sobre esta questão, lê-se o seguinte:

"O Digno Par Sr. Moraes Carvalho...

É certo que o Digno Par não poz aberta e claramente a nota politica; mas não é menos certo que, consultando livros, para d'elles tirar argumentos contra o projecto, muitas vezes se esqueceu de voltar a pagina.

Acceitando, pois, a questão nos termos em que S. Exa. a collocou, e consultando os mesmos livros, vae voltar essas paginas e demonstrar assim que o projecto apresentado pelo Governo não é tão mau como se diz".

Estas palavras são aggravadas com o que se diz no orgão officioso do Governo.

Um jornal que se publica n'esta cidade, e muito bem redigido, dizia, poucos dias depois do Sr. Mello e Sousa ter pronunciado o seu discurso, que a accusação por S. Exa. feita era grave; e, na verdade, se ella representasse uma exactidão, provaria da minha parte ou falta de probidade intellectual ou leviandade indesculpavel.

Eu não podia, pois, ficar silencioso perante tal accusação.

Ha muitos annos que faço parte do poder legislativo, tenho pronunciado dezenas de discursos n'uma e n'outra casa do Parlamento, e nunca até agora tinha sido accusado de illudir o Parlamento. (Apoiados).

Accusações d'estas devem ser acompanhadas de uma demonstração. Essa demonstração aguardei-a eu dos labios do Digno Par até o fim do seu discurso; porem debalde o fiz. S. Exa. citou nenhum texto que eu tivesse referido incompleto, nem indicou palavras que faltassem e que, se tivessem sido lidas, alterariam ou modificariam o sentido do restante.

Se no meu espirito pudesse abrigar-se qualquer sentimento de vaidade, eu teria, agora o direito de me envaidecer. Para que o Digno Par Sr. Mello e Sousa, com todo o seu talento, toda a vastidão dos seus conhecimentos, e toda a sua habilidade parlamentar, na primeira vez em que falava no Parlamento e dirigindo se a um collega de quem nunca recebera o menor aggravo, precisasse recorrer a esse meio para tirar o effeito do meu discurso, é porque este calara fundo na Camara e na opinião. (Apoiados).

Uma unica vez tentou o Digno Par dar uma apparencia de justificação á accusação que fizera: foi quando citou um auctor que eu tinha tambem citado, para, com a opinião d'esse auctor, combater a minha opinião.

S. Exa. porem, citou-o para defender uma outra opinião, não aquella que eu tinha desenvolvido.

Esperei que o Sr. Mello e Sousa demonstrasse o que affirmara.

Em balde esperei, porque o Sr. Mello e Sousa limitou-se a affirmar sem demonstração.

Posto isto, passarei a demonstrar á Camara que todas as citações que fiz foram escrupulosas e "voltarei as paginas" de varios auctores mencionados para provar a sem razão das affirmações do Sr. Mello e Sousa quanto á fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas em varios paizes, para mostrar que foi S. Exa. que se enganou e que se esqueceu de voltar a pagina, o que mostraria o contrario das suas affirmações. O illustre relator do projecto, para defender o visto do director geral de contabilidade publica, disse que elle estava adoptado n'outros paizes.

Vou ler alguns documentos para combater a affirmação do Sr. relator do projecto e provar que a unica vez que procurou encontrar-me em contradicção com os auctores que citei ainda ahi estavam confirmadas as opiniões que apresentadas á Camara. (Apoiados).

(O orador leu diversos trechos em algumas obras).

Com respeito á questão da unidade orçamental não pareça á Camara que essa questão não tem effeitos práticos. A este respeito o Sr. Ministro da Fazenda citou a opinião do Poincaré, que tinha feito um discurso no Senado Francez no qual se affirmavam doutrinas contrarias ás que eu expuz.

Poincaré é um dos homens mais intelligentes da França, um dos advogados mais distinctos do foro francez, um dos oradores mais brilhantes d'aquelle
paiz; por mais de uma vez tem recebido a missão de organizar situações ministeriaes, mas elle proprio confessa que não é uma autoridade em assumptos financeiros, só os acasos da vida politica o levaram a estudar taes questões.

Léon Say é que é uma auctoridade incontestavel e foi o mais distincto Ministro da Fazenda que tem tido a terceira Republica Franceza; e eu posso invocar a opinião de Léon Say a favor das minhas ideias.

(Leu).

Leroy Beaulieu, que é outra auctoridade em assumptos financeiros, segue a mesma opinião.

Thiers, no tempo do Imperio, combateu os orçamentos extraordinarios, mas, chegado ao poder, estabeleceu-os sob a designação de contas de liquidação.

Será tudo isto uma questão meramente theorica, sem nenhuma applicação ou vantagens praticas? Pelo contrario. É absolutamente preciso e indispensavel que nas contas publicas haja todos os elementos que permittam conhecer á simples vista, ou com a menor difficuldade, qual a verdadeira situação do Thesouro, isto é, se as finanças do paiz se encontram em bom ou mau estado; que baste olhar para o orçamento ordinario para se saber, pelo saldo ou deficit que elle apresenta, qual a situação financeira.

Quer a Camara conhecer a applicação pratica da doutrina do projecto em ordem do dia?

Compulsando o relatorio do orçamento para o anno corrente, onde se encontram confundidas as receitas e as despesas ordinarias com as receitas e despesas extraordinarias, apura-se um deficit de 2:505 coutos de réis, quando afinal esse deficit se eleva á quantia de 4:196 contos de réis.

É muito difficil o apuramento da verdade segundo a formula da nova contabilidade.

Desde que se chama aos emprestimos receitas ordinarias era facil apresentar o orçamento equilibrado.

O auctor de um tratado de economia politica, ultimamente publicado, manifesta-se effectivamente partidario da unidade orçamental, mas applica-lhe taes restricções que mais. pode dizer-se advogado das ideias que eu tenho expendido.

O Digno Par Sr. Mello e Sousa citou a opinião de Jese, para mostrar que o accordo estava feito quanto ao principio da unidade orçamental.

Eu, se fosse francez, não teria duvida em adherir a esse accordo, porque se trata de circunstancias especiaes.

Depois da guerra de 1870, a França teve que pagar á Allemanha uma in-

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122 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

demnização monstruosa, isto alem de despesas occasionadas pelo sustento de tropas, e outras. Para occorrer a esses gastos enormissimos a França recorreu ao credito.

Poucos annos depois, numa noite do mez de janeiro de 1877, reuniram-se alguns homens dos mais illustres da França, entre outros Léon Say e Gam-betta, e concertaram entre si um larguissimo plano de melhoramentos materiaes, como caminhos de ferro, canaes, portos: plano gigantesco e accommodado aos interesses e apetites das diversas localidades. Esse plano foi levado ao Parlamento largamente exagerado, e tanto que, tendo sido orçado preliminarmente em tres milhares de milhões de francos, elevou-se a oito milhares de milhões, quantia muito superior á indemnização que foi paga á Allemanha, e quantia que se apurou por meio de emprestimos.

Chegou, porem, mais tarde o momento em que os homens publicos da França reconheceram a necessidade de se não aventurar a novos melhoramentos materiaes; mas a verdade é que os mais importantes e os mais indispensaveis estavam já realizados. Foi então que Rouvier julgou de conveniencia passar ao orçamento ordinario do Estado um grande numero de despesas que estavam no orçamento extraordinario. Rouvier entendeu que era chegada a occasião de cessar com o recurso ao credito, e que era, pelo contrario, preciso dotar largamente as amortizações.

E se a nossa situação igualasse a da França, se nós já tivéssemos completado a nossa rede ferro-viaria, se tivéssemos estradas e portos, se tivéssemos de posse de todos os melhoramentos materiaes, ainda se admittiria o principio da unidade orçamental; mas como ainda infelizmente carecemos de todas essas fontes de progresso e vitalidade, o dilemma é fatal.

Ou havemos de ter o orçamento ordinario equilibrado por meio de emprestimos, e assim está aberta a porta a todos os abusos, ou havemos de ter orçamentos com deficits permanentes. Tambem o Digno Par Sr. Mello e Sousa se referiu á questão dos caminhos de ferro.

Eu desejava tratar largamente d'este ponto, mas já porque não quero deixar de concluir hoje as minhas considerações, já porque o Digno Par Sr. Pereira de Miranda pediu a palavra- para alludir ao assumpto, limitar-me-hei tão somente a rectificar uma affirmação do digno relator do projecto em debate; e respeitante aos caminhos de ferro suissos.

Vou ler alguns documentos dos quaes se apura que aquelles caminhos de ferro pagam todos os encargos da conta do capital, e ainda deixam um pequeno excedente.

(Leu).

Sr. Presidente: no meu primeiro discurso mostrei a conveniencia de se inscrever no orçamento um fundo de reserva.

O Sr. Ministro da Fazenda replicou-me, dizendo que não comprehendia como se pudesse inscrever um fundo de reserva num orçamento com deficit. Pois é exactamente para o orçamento ser a expressão da verdade, e não indicar deficits inferiores á realidade, que é necessario é fundo de reserva.

Tambem eu me referi aos creditos extraordinarios, e alludindo a estes credit s mostrei a facilidade com que d'aqui para o futuro a elles se poderia recorrer, desde que os chamados casos imprevistos não implicam qualquer restricção.

N'uma das minhas propostas preceituo que nunca poderá considerar-se caso imprevisto, para o effeito da abertura de creditos extraordinarios, a não approvação pelo Parlamento, nos prazos legaes, das leis annuaes de receita e despesa.

Diz o Digno Par Sr. Mello e Sousa que, n'um regime constitucional, tal principio não pode admittir se.

Replicarei a S. Exa. 1 dizendo-lhe que o proprio Acto Addicional de 1896 prevê a não approvação do orçamento no prazo legal; é um caso legalmente previsto.

A minha proposta, pois, destina se a tirar aos Governos a faculdade de sophismar o que está preceituado, desde que haja a faculdade de se recorrer aos creditos extraordinarios.

Pelo que respeita ao orçamento rectificado, disse o Digno Par a quem respondo que a apresentação d'esse diploma acarretará grandes inconvenientes.

É exacto, e nem eu propuz o restabelecimento do orçamento rectificado. O que propuz foi uma lei de rectificação do orçamento, o que é cousa completameate diversa.

Em rigor os creditos extraordinarios são uma rectificação a uma parte do orçamento; mas se assim é, e se o poder executivo fica com a faculdade de alterar as previsões orçamentaes, para que são e para que servem todas as cautelas em relação ao visto do director geral de contabilidade publica?

É evidente que as fiscalizações servem para impedir que os Governos excedam as autorizações que lhes foram concedidas; mas se elles teem o direito de recorrer aos creditos extraordinarios, é absolutamente inutil e completamente inefficaz essa fiscalização que consta do projecto.

Todos os oradores que teem tomado parte no debate se referiram a uma disposição da proposta ministerial, que restringe as attribuições do poder legislativo.

Limito-me a dizer que as minhas ponderações a este respeito ficaram de pé, e não soffreram a mais pequena objecção de valor.

Supponhamos que se conserva na lei a disposição que se projecta. Se ámanhã as futuras Camaras a não quizerem reconhecer como constitucional, o que succede?

São ou não são leis do Estado as alterações que o Parlamento introduzir no orçamento ?

Ficam, evidentemente, constituindo leis do Estado, e, por conseguinte, é completamente inutil o que pelo projecto se estabelece.

Passo agora a tratar da administração por gerencia e por exercicio.

Pergunta o Digno Par Sr. Mello e Sousa por que é que a Inglaterra pode ter a administração por gerencia e nós não a podemos imitar.

Afigura-se-me facil a resposta. E que uma planta exotica nem sempre cria facilmente raizes no terreno para onde é transplantada.

O povo inglez tem por divisa a pontualidade, e nós, em razão das nossas tradições, dos nossos costumes, nem sempre obedecemos a determinados limites que nos são impostos.

Está na memoria de todos que o Soberano da Inglaterra ainda não ha muito se arriscou a uma viagem penosa, e não isenta de perigos, para não deixar de aportar a Lisboa á hora que precisamente havia sido fixada.

Em 1896, Villaverde, no Parlamento Hespanhol, mostrou tambem que os processos e as condições da administração d'aquelle paiz tornavam impossivel a imitação do systema inglez.

Não concordou o digno relator do projecto com o que eu disse em relação ás contas do patrimonio.

As allegações do Digno Par a este respeito afiguraram-se-me inacceitaveis, visto que o artigo 5.° do projecto dispõe que essas contas, que descrevem os valores activos e passivos do Estado, mobiliarios e immobiliarios, fazem parte da conta geral do Estado.

Comprehendo que o assumpto é arido, e que a Camara deve estar fatigada. Vou por isso terminar dizendo parecer-me que o projecto em ordem do dia não remedeia os males de que enferma a nossa contabilidade.

Quanto ao abuso dos creditos extraordinarios, o projecto em nada melhora, antes peora a situação actual. Pelo que toca á criação de despesas sem auctorização, tudo o que se encontra no projecto é meramente platónico. A complicação das contas de gerencia e de exercicio é aggravada com

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SESSÃO N.° 13 DE 25 DE JANEIRO DE 1907 123

o facto de passarem os saldos de uns annos para os outros.

A publicação e o apuramento das contas excederão em lentidão os processos actualmente em vigor, visto que uma nova formula, a do exame da commissão de contas, vem sobrepor-se ás que já existiam.

Fomos copiar á Inglaterra o que, em materia de contabilidade, ali existe de peor.

Fomos copiar á Italia o que por mau à Italia já tinha renegado.

E o projecto em nada aperfeiçoa o que existe. Bom seria que o Sr. Ministro da Fazenda, aproveitando-se das circunstancias excepcionaes em que se encontra, e utilizando esta especie de tréguas que, por parte dos diversos partidos, se tem estabelecido em volta do assumpto submettido á consideração da Camara, acceite a collaboração que todos lhe offerecem. Poderá assina ligar o seu nome a uma obra meritoria. Se, porem, S. Exa., por espirito de intransigencia, se limitar a acceitar pequenas modificações, ou se obstinadamente se recusar a acceitar todas as que lhe são offerecidas, logrará os votos dos seus partidarios, mas fique na certeza de que produzirá uma obra ephemera, cuja duração não ultrapassará a vida da actual situação politica.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares.)

(O orador não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso) .

O Sr. Mello e Sousa: - Sr. Presidente: o Digno Par que me antecedeu no uso da palavra queixou-se de que eu, da primeira vez que tive a honra de falar, o accusara de improbidade intellectual.

Eu seria incapaz de uma tal accusação, já porque tributo aos talentos de S. Exa., á nobreza do seu caracter, á sua excepcional competencia no assumpto de que se trata, muita consideração, mas ainda porque me honro de manter com o Digno Par as melhores relações de amizade.

Não foi, pois, meu intuito faltar á consideração que a S. Exa. é devida, e se effectivainente disse que o Digno Par se esquecera de voltar a pagina de alguns livros que citou, foi exactamente para accentuar que não somos obrigados a sustentar ou a defender todas as opiniões d'um escriptor.

Se o Summario das sessões me attribue, por uma confusão, aliás natural, n'uma das passagens do meu discurso, o adverbio erradamente, eu apenas pretendi dizer que visava o auctor por S. Exa. citado, e não o Digno Par.

Disse o Sr. Moraes Carvalho que não sabia onde eu tinha ido encontrar a opinião de Jese.

Direi a S. Exa. que encontrei essa opinião na Revista de Legislação Financeira, correspondente a dezembro do anno proximo findo.

Passando a outro facto, porque só de factos quero tratar, direi que tenho a impressão de que, se continuar a administração dos caminhos de ferro na Suissa pela forma por que está ali sendo exercida, muitos viajantes deixarão de lá ir.

Não é impunemente que se faz o que, por exemplo, me succedeu a mim, que, tendo tomado 2 bilhetes de primeira classe, no comboio directo de Paris-Zurick, me vi obrigado a transitar numa carruagem de terceira classe, separado de minha mulher, porque não encontrei outro logar devoluto.

Serviu-me a lição.

No anno passado já soube comprar bilhetes de segunda ou terceira classe e viajar em primeira.

Como já estava prevenido de que, não encontrando dois logares em que pudéssemos ir, tinhamos direito a viajar em classe superior, passavamos pelos vagons de corredor até chegarmos á 1.ª classe.

Ainda mais.

Nos caminhos de ferro da Suissa não é permittido transportar no compartimento da carruagem em que se viaja o numero de malas que em qualquer outro paiz se permitte.

Desde o momento em que se leve mais de um d'esses volumes, tomam-os da mão do passageiro, levam os para o fourgon e só lh'os entregam na estação a que se destina, mediante o pagamento da respectiva taxa.

Aqui tem V. Exa. o que é a administração dos caminhos de ferro do Estado na Suissa.

Estas queixas que eu faço a respeito de transporte de passageiros tambem as faz um economista suisso, que escreveu um artigo sobre a administração d'aquelles caminhos de ferro.

Quanto ás reclamações sobre transporte de mercadorias, a administração recebe-as e nem resposta dá.

Pelo que diz respeito á commissão de contas publicas na Inglaterra, disse eu que sobre o parecer d'essas commissões não recae votação. Teem seguimento esses pareceres, sim, mas não por meio de votos.

Affirmou o Digno Par que em Inglaterra nenhum Ministro tem sido condemnado em virtude do relatorio da commissão de contas.

Responderei a S. Exa. que nem em Inglaterra, nem em parte alguma. É este o ponto fraco de todas as fiscalizações.

Em vista de determinadas razões, de conhecidas circumstancias, todas as leis fallecem.

O Sr. Presidente: - Está a dar a hora. Não sei se o Digno Par quererá ficar com a palavra reservada.

O Orador : - Prefiro concluir já. Pouco mais direi.

Restava-me tratar da censura da Camara; mas d'esta mesma se procurou fugir, como succede em França.

A meu juizo, o assumpto está sufficientemente discutido.

Dispenso-me por agora de mais largas explanações, não por menos consideração para com o Digno Par, mas porque, estando ainda inscriptos varios oradores, natural é que tenha de voltar ao debate.

(O Digno Par não reviu o seu discurso, nem este extracto).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, mas eu lembro a S. Exa. a ultima deliberação da Camara sobre o uso da palavra n'esta altura da sessão.

O Sr. Teixeira de Sousa : - Sr. Presidente : eu pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, no momento em que recebi o seguinte telegramma :

"Valpaços, 25.- A Camara Municipal de Valpaços, reunida em sessão extraordinaria com grande parte dos seus municipes, protesta energicamente contra a emenda apresentada pelo Deputado Julio Vasques para a exclusão d'este concelho da região duriense. Estão aqui representadas todas as facções politicas.

Peço que envidem todos os esforços para conservar Valpaços na região duriense. = O Presidente da Camara, Luiz Coutinho.= Representantes do partido regenerador, Miguel Machado, Teixeira de Mello e Paulo Costa.= Representante do partido progressista, José de Castro Lopo".

Sr. Presidente: sem querer por forma nenhuma intervir nas discussões da outra casa do Parlamento, declaro todavia que concordo inteiramente com a reclamação que consta do telegramma que li á Camara, telegramma em que figuram os representantes de todos os partidos politicos d'aquelle concelho. Peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes o favor de communicar ao seu collega das Obras Publicas que eu recebi este telegramma, pelo qual se vê a gravissima injustiça que representa o facto de se querer excluir

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da região duriense aquelle concelho, o que seria tornal-o duplamente desgraçado.

Agradeço a V. Exa. a fineza de me ter dado a palavra e requeiro que este telegramma seja publicado no Summario das sessões.

(O Digno Par não reviu).

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Schrõter): - Pedi a palavra simplesmente para dizer ao Digno Par que hoje mesmo será informado o Sr. Ministro das Obras Publicas das considerações que S. Exa. acaba de fazer relativamente ao telegramma que leu á Camara, e que certamente aquelle meu collega tomará na devida conta.

O Sr. Presidente : - A proxima sessão é amanhã, 26, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje e mais o projecto de resposta ao Discurso da Corôa.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 40 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 25 de janeiro de 1906

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Sousa Holstein; Condes: do Arnoso, de Figueiró, de Margaride. de Paraty, de Villar Seco; Visconde de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Ayres de Ornellas, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Ernesto Hintze Ribeira, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, D. João de Alarcão, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José Luis Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena. Pessoa de Amorim, Bandeira Coelho e Pedro de Araujo.

O Redactor,
ALBERTO PIMENTEL.

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