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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

algibeira de miseraveis, esfarrapados e sordidos, se encontrara abundante dinheiro Quem o deu? Que se apura a este respeito Era, essa gente recrutada para o crime, instrumento de quem, por especulações politicas, queria aggravar a perturbação nos espiritos, provocar repressões e violencias?

Assim, estamos ambos de acordo, ei e o Sr. Alpoim.

Não se explore pois este incidente insinuando que eu injuriei o povo e Digno Par o defendeu.

Estou convencido que os perturbadores da ordem nos dias 6 e 7 de abri fugiram e que isso conseguiram tara bem os que puseram em perigo a vida dos estudantes de Coimbra. Seriam o mesmos? É muito provavel.

E porque affirmo eu que fugiram e não foram presos?

Os factos e documentos officiaes o demonstram.

Prenderam-se nos tumultos do principio de abril centenares de pessoas e apesar d'isso, não se averiguou quem fosse o pagante d'essas proezas.

Como era isso possivel, se os assalariados houvessem sido presos, em tão grande quantidade?

A policia fez rusgas, mas os verdadeiros culpados escaparam-se.

Agora, e sobre os alludidos acontecimentos com os academicos de Coimbra, diz o relatorio da policia:

Alguns estudantes de Lisboa, já fora da gare e no pavimento superior, onde se fazem os despachos de bagagens, fizeram uma manifestação hostil, não deixando a policia que ella tivesse maior desenvolvimento.

Confronte-se o que eu acabo de lei com o que disse nesta Camara o Digno Par Sr. Garrett, e veja-se se é verdadeira ou não a minha conclusão.

Onde estão, no relatorio da policia, referencias ás garrafas atiradas, aos escarros, aos gestos indecentes?

Não disse á Camara aquelle illustre collega que a policia não tinha intervindo nessa occasião?

Isso tudo demonstra que essa turbamulta a que me referi não foi presa nem em 6 e 7 de abril, nem agora. Continua á solta.

Estou, pois, muito á vontade, porque nunca poderá suppor se que das palavras que proferi, ou tenha ainda de proferir, haja aggravo para os que estão sob a acção da justiça.

Dizem-me que foram presos estudantes e tambem homens com officios. Não posso acreditar que verdadeiros estudantes fizessem o que só faz a escumalha.

Esses são o futuro escol da sociedade, os que serão um dia advogados, engenheiros, medicos, deputados e ministros. Seriam estudantes fingidos.

Tambem não é licito suppor que homens com modo de vida, que passam o dia a trabalhar, praticassem os actos revoltantes que foram referidos á Camara.

A manifestação hostil que, segundo o relatorio da policia, esta não deixou - que tivesse maior- desenvolvimento, não podia ser a de atirar garrafas ás cabeças. Se assim fosse ella difficilmente poderia ter maior desenvolvimento.

Quanto á palavra que eu usei, nunca a vi empregada para indicar os que teem fome. Esses são os "famintos".

E os que teem fome e sede de justiça chamam-se bem-aventurados.

Mal-aventurados chamo eu aos que teem fome de poderio e sede de grandeza, e espero em Deus que elles nunca no meu país sejam fartos.

Sei que no Minho e na Beira aquelle termo se usa sem affronta, para designar crianças, mas nunca ouvi que elle tivesse a accepção de faminto. Ouço-o agora. E arreceio-me de que no estrangeiro, onde todos se estão mordendo de inveja de nós, se supponha que essa turba multa é de anthropophagos principiem por lá a comer gente, só pelo gostinho de nos imitarem.

Por isso e porque, sejam quem forem os que andam a soldo, teem uma responsabilidade muito menor do que a teem os que lhes pagam, retiro o termo, que desejaria reservar com o epiteto de "dourada", para esses que dão dinheiro a discolos, a fim de promoverem tumultos, collocando-se ao abrigo de toda a responsabilidade.

Esses, sim, que são dourados, prateados ou acobreados, conforme o metal com que pagam as tropelias. Canalhas de ouro, de prata ou de cobre. Villões, e da peor especie. Porque se não descobre essa gente para a apresentar á execração publica?

Desejaria reservar o termo para esses, mas até para elles tenho duvida em applicá-lo e vou dizer porquê.

A este respeito falei com alguem muito entendido em direito moderno, que desconheço, porque estudei o antigo, o direito do meu tempo, que chamava os crimes pelos seus nomes, e vim no conhecimento do seguinte:

Na apreciação das responsabilidades é preciso distinguir sempre se o crime é feito com intenção politica, ou não.

Se, por exemplo, o mandante de uma turba-multa mandar assaltar os estabelecimentos da Baixa, com mera intenção de roubar ou matar, é claro que é sem duvida "capitão de salteadores" ; mas se o seu empenho for de especulação politica, então é apenas "um exalado" e não deixa de ser "um cavalheiro".

Se um homem insultar senhoras honestas sem intenção politica, não ha marido, pae, irmão ou filho que se não offenda; mas, se isso se fizer por exploração politica, então esses mesmos parentes das offendidas podem mui dignamente contentar-se em dizer: - Que immenso talento!

Muitos exemplos d'estes me convenceram de que para me não mostrar 1 ignorante dos modernos principios e ser 1 acoimado de reacionario, o melhor era chamar a todos... "cavalheiros", aos que escarram na cara dos outros, aos que fazem gestos indecentes, aos que assaltam e mandam assaltar, a todos, a todos!

Nasci no Porto, famoso nas campanhas da liberdade, pertenço a uma familia que naquella cidade é certamente ainda conhecida pelo muito que soffreu, pelo seu amor ao systema que nos rege, que ella auxiliou a implantar. Comtudo, passou-me pela ideia uma fantasia: ser rei absoluto, com um grande erario ás minhas ordens.

Imagina talvez a Camara que o meu empenho seria atulhar prisões, levantar forcas, accender fogueiras?

Nada d'isso, nem mesmo que se tratasse de pessoas parecidas com os judeus crucificadores de Christo.

A minha fantasia era toda de paz. Supponho que ha de um dia perceber-se que todos estes disturbios, todo este mal-estar, provem de um novo sebastianismo que por ahi anda a pregar-se, inventando um novo quinto imperio, em que se não pagarão contribuições, e toda a gente ha de ter dez tostões por dia, que é a taxa a que se pôde, por emquanto, chegar.

Pois bem! Se eu fosse o tal rei, expropriava uma villa ou uma cidade perto do mar, mandava para lá toda essa gente, que anda a soldo do a cavalheiro mor", e este iria governá-los, até que chegasse o Encoberto numa manhã de nevoeiro.

Nessa terra haveria uma lagoa onde se pescasse nas aguas turvas e um riacho de onde saissem trutas, colhidas a bragas enxutas. . .

Quanto aos estudantes, se alguns louve que não tiveram pejo de se confundir com a gente paga, limitar-me-hia a mandá-los dg vez em quando num passeio a essa cidade ou villa, para aprenderem sociologia, direito publico e tudo mais que o novo quinto imperio por lá tivesse digno de estudo.. .

Faço votos por que o juizo de insrucção criminal - e notem que me refiro ao juizo e não ao juiz - descubra os empresarios de selvajarias, que estão tornando a cidade de Lisboa incapaz de nella se habitar, e espero que elle proceda por forma que lhe não possa ser applicada a seguinte anecdota com que rematarei o meu discurso, para desenfastiar a Camara,, cuja benevolencia muito agradeço.

Um caçador notavel fez-se um dia socio da Associação Protectora da