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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 45

EM 1 DE JUNHO DE 1908

Presidencia do Exa. exmo. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. - É lida, e enviada á commissão competente, uma representação da camara Municipal de Coimbra, pedindo autorização para contrahir um emprestimo de 150:000$000 réis, destinados ao estabelecimento da viação pela tracção electrica. - Os Dignos Pares Pimentel Pinto, Marquês de Sousa Holstein, Francisco José Machado e Luciano Monteiro enviam para a mesa pareceres da commissão de verificação de poderes, favoraveis aos requerimentos em que, respectivamente, os Exmos. Srs. Carlos Roma du Bocage, Visconde de Balsemão, Visconde de Algés e Serpa Pimentel pedem que lhes seja permittido entrar n'esta Camara por direito de successão. Foram a imprimir. - Entre os Dignos Pares Conde de Bertiandos. Jacinto Candido e José Maria de Alpoim trocam-se explicações acêrca de umas palavras por este ultimo proferidas na sessão antecedente.

Ordem do dia, (Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa). - Usam da palavra os Dignos Pares Veiga Beirão e José de Azevedo Castello Branco. Este ultimo, não tendo podido concluir as suas considerações, pede que lhe seja permittido continuar na sessão seguinte - O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de apresentar opportunamente a Sua Majestade El-Rei alguns decretos das Côrtes Geraes. Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pélas 2 horas e 10 minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente : - Vae ler-se uma representação dirigida a esta Camara, e approvada num comicio que se realizou na cidade de Coimbra.

Esta representação pede que seja autorizada a camara Municipal de Coimbra a contratar um emprestimo de 150 contos de réis para municipalizar o serviço de viação pela tracção electrica.

(Leu-se na mesa).

Esta representação tem de ser entregue á commissão respectiva; mas em vista da importancia do assunto a que tal documento se refere, consulto a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do Governo.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Pimentel Pinto: - Pedi a palavra, por parte da commissão de verificação de poderes, para mandar para a mesa um parecer que incide num requerimento em que o Exmo. Sr. Carlos Roma du Bocage pede que lhe seja permittido entrar nesta camara por direito hereditario.

O Sr. Marquez de Sousa Holstein:- Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer sobre um requerimento em que o Sr. Visconde de Balsemão pede que lhe consintam a entrada nesta Camara, como successor de seu pae.

O Sr. Francisco José Machado: - Tambem pedi a palavra, por parte da commissão de verificação de poderes, para mandar para a mesa um parecer, referente a um requerimento do Sr. Visconde de Algés.

O signatario do requerimento deseja entrar nesta Camara, e prestar juramento, por direito hereditario.

O Sr. Luciano Monteiro: - Envio para a mesa, por parte da mesma commissão de verificação de poderes, um parecer que recaiu num requerimento em que o Sr. Serpa Pimentel pede a sua entrada nesta Camara.

O Sr. Presidente: - Todos estes pareceres vão a imprimir, para serem distribuidos pelos Dignos Pares.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Sr. Presidente: havendo eu falado na penultima sessão, a respeito dos acontecimentos que se deram á chegada a Lisboa dos estudantes da Universidade, fi-lo com muita indignação.

Falou depois o Digno Par Sr. Alpoim, com a mesma indignação, e porque eu em certa altura da oração de S. Exa. pedi a palavra, alguns jornaes avolumaram este facto e muita gente suppôs que eu me sentira aggravado e viria, quando a palavra me coubesse, pedir explicações, que aliás haviam sido dadas logo.

Ora, para isso, era necessario que houvesse motivo para eu me julgar visado. A camara comprehende bem que as carapuças não servem em todas as cabeças. (Muitos apoiados).

Dissera eu que os desacatos praticados na estação poderiam ter sido feitos pela mesma gentalha que andou pela cidade em 6 de abril e que o Digno Par Sr. Alpoim definiu no seu discurso de 12 de maio ultimo, nos termos seguintes:

Tumultuaram, pelas das da cidade, bandos que só de vê-los o espirito se confrangia. De onde sairam? De que antros? Sairam, não se sabe de onde, como as emanações pestilenciaes se exhalam das sargentas e dos esgotos. Assaltavam os cidadãos, injuriavam monarchicos e republicanos, atacavam os carros, aggrediam sacerdotes - e aquella policia, tão pronta em matar cidadãos inermes, olhava indifferente esse espectaculo e fazia quasi uma guarda de honra aos infectos bandos !

Porquê? Que estranho facto é este? Gazetas officiaes e não officiaes disseram que na

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algibeira de miseraveis, esfarrapados e sordidos, se encontrara abundante dinheiro Quem o deu? Que se apura a este respeito Era, essa gente recrutada para o crime, instrumento de quem, por especulações politicas, queria aggravar a perturbação nos espiritos, provocar repressões e violencias?

Assim, estamos ambos de acordo, ei e o Sr. Alpoim.

Não se explore pois este incidente insinuando que eu injuriei o povo e Digno Par o defendeu.

Estou convencido que os perturbadores da ordem nos dias 6 e 7 de abri fugiram e que isso conseguiram tara bem os que puseram em perigo a vida dos estudantes de Coimbra. Seriam o mesmos? É muito provavel.

E porque affirmo eu que fugiram e não foram presos?

Os factos e documentos officiaes o demonstram.

Prenderam-se nos tumultos do principio de abril centenares de pessoas e apesar d'isso, não se averiguou quem fosse o pagante d'essas proezas.

Como era isso possivel, se os assalariados houvessem sido presos, em tão grande quantidade?

A policia fez rusgas, mas os verdadeiros culpados escaparam-se.

Agora, e sobre os alludidos acontecimentos com os academicos de Coimbra, diz o relatorio da policia:

Alguns estudantes de Lisboa, já fora da gare e no pavimento superior, onde se fazem os despachos de bagagens, fizeram uma manifestação hostil, não deixando a policia que ella tivesse maior desenvolvimento.

Confronte-se o que eu acabo de lei com o que disse nesta Camara o Digno Par Sr. Garrett, e veja-se se é verdadeira ou não a minha conclusão.

Onde estão, no relatorio da policia, referencias ás garrafas atiradas, aos escarros, aos gestos indecentes?

Não disse á Camara aquelle illustre collega que a policia não tinha intervindo nessa occasião?

Isso tudo demonstra que essa turbamulta a que me referi não foi presa nem em 6 e 7 de abril, nem agora. Continua á solta.

Estou, pois, muito á vontade, porque nunca poderá suppor se que das palavras que proferi, ou tenha ainda de proferir, haja aggravo para os que estão sob a acção da justiça.

Dizem-me que foram presos estudantes e tambem homens com officios. Não posso acreditar que verdadeiros estudantes fizessem o que só faz a escumalha.

Esses são o futuro escol da sociedade, os que serão um dia advogados, engenheiros, medicos, deputados e ministros. Seriam estudantes fingidos.

Tambem não é licito suppor que homens com modo de vida, que passam o dia a trabalhar, praticassem os actos revoltantes que foram referidos á Camara.

A manifestação hostil que, segundo o relatorio da policia, esta não deixou - que tivesse maior- desenvolvimento, não podia ser a de atirar garrafas ás cabeças. Se assim fosse ella difficilmente poderia ter maior desenvolvimento.

Quanto á palavra que eu usei, nunca a vi empregada para indicar os que teem fome. Esses são os "famintos".

E os que teem fome e sede de justiça chamam-se bem-aventurados.

Mal-aventurados chamo eu aos que teem fome de poderio e sede de grandeza, e espero em Deus que elles nunca no meu país sejam fartos.

Sei que no Minho e na Beira aquelle termo se usa sem affronta, para designar crianças, mas nunca ouvi que elle tivesse a accepção de faminto. Ouço-o agora. E arreceio-me de que no estrangeiro, onde todos se estão mordendo de inveja de nós, se supponha que essa turba multa é de anthropophagos principiem por lá a comer gente, só pelo gostinho de nos imitarem.

Por isso e porque, sejam quem forem os que andam a soldo, teem uma responsabilidade muito menor do que a teem os que lhes pagam, retiro o termo, que desejaria reservar com o epiteto de "dourada", para esses que dão dinheiro a discolos, a fim de promoverem tumultos, collocando-se ao abrigo de toda a responsabilidade.

Esses, sim, que são dourados, prateados ou acobreados, conforme o metal com que pagam as tropelias. Canalhas de ouro, de prata ou de cobre. Villões, e da peor especie. Porque se não descobre essa gente para a apresentar á execração publica?

Desejaria reservar o termo para esses, mas até para elles tenho duvida em applicá-lo e vou dizer porquê.

A este respeito falei com alguem muito entendido em direito moderno, que desconheço, porque estudei o antigo, o direito do meu tempo, que chamava os crimes pelos seus nomes, e vim no conhecimento do seguinte:

Na apreciação das responsabilidades é preciso distinguir sempre se o crime é feito com intenção politica, ou não.

Se, por exemplo, o mandante de uma turba-multa mandar assaltar os estabelecimentos da Baixa, com mera intenção de roubar ou matar, é claro que é sem duvida "capitão de salteadores" ; mas se o seu empenho for de especulação politica, então é apenas "um exalado" e não deixa de ser "um cavalheiro".

Se um homem insultar senhoras honestas sem intenção politica, não ha marido, pae, irmão ou filho que se não offenda; mas, se isso se fizer por exploração politica, então esses mesmos parentes das offendidas podem mui dignamente contentar-se em dizer: - Que immenso talento!

Muitos exemplos d'estes me convenceram de que para me não mostrar 1 ignorante dos modernos principios e ser 1 acoimado de reacionario, o melhor era chamar a todos... "cavalheiros", aos que escarram na cara dos outros, aos que fazem gestos indecentes, aos que assaltam e mandam assaltar, a todos, a todos!

Nasci no Porto, famoso nas campanhas da liberdade, pertenço a uma familia que naquella cidade é certamente ainda conhecida pelo muito que soffreu, pelo seu amor ao systema que nos rege, que ella auxiliou a implantar. Comtudo, passou-me pela ideia uma fantasia: ser rei absoluto, com um grande erario ás minhas ordens.

Imagina talvez a Camara que o meu empenho seria atulhar prisões, levantar forcas, accender fogueiras?

Nada d'isso, nem mesmo que se tratasse de pessoas parecidas com os judeus crucificadores de Christo.

A minha fantasia era toda de paz. Supponho que ha de um dia perceber-se que todos estes disturbios, todo este mal-estar, provem de um novo sebastianismo que por ahi anda a pregar-se, inventando um novo quinto imperio, em que se não pagarão contribuições, e toda a gente ha de ter dez tostões por dia, que é a taxa a que se pôde, por emquanto, chegar.

Pois bem! Se eu fosse o tal rei, expropriava uma villa ou uma cidade perto do mar, mandava para lá toda essa gente, que anda a soldo do a cavalheiro mor", e este iria governá-los, até que chegasse o Encoberto numa manhã de nevoeiro.

Nessa terra haveria uma lagoa onde se pescasse nas aguas turvas e um riacho de onde saissem trutas, colhidas a bragas enxutas. . .

Quanto aos estudantes, se alguns louve que não tiveram pejo de se confundir com a gente paga, limitar-me-hia a mandá-los dg vez em quando num passeio a essa cidade ou villa, para aprenderem sociologia, direito publico e tudo mais que o novo quinto imperio por lá tivesse digno de estudo.. .

Faço votos por que o juizo de insrucção criminal - e notem que me refiro ao juizo e não ao juiz - descubra os empresarios de selvajarias, que estão tornando a cidade de Lisboa incapaz de nella se habitar, e espero que elle proceda por forma que lhe não possa ser applicada a seguinte anecdota com que rematarei o meu discurso, para desenfastiar a Camara,, cuja benevolencia muito agradeço.

Um caçador notavel fez-se um dia socio da Associação Protectora da

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Animaes, e declarou que tanto direito tinha a viver a caça como o caçador, e que portanto não tornava a caçar.

Não fazendo exercicio, engordava de mais e os medicos pediram a uma filha, que elle tinha e muito estimava, que resolvesse o pae a voltar aos seus antigos habitos.

De vez em quando a filha insistia:

- Meu pae, hoje ha de ir ás perdizes, está o dia muito proprio. Jura-me que atira ás que encontrar?

- Está bem, minha filha, juro.

O caçador, porem, pegava na arma e, ao passar pelo canil levava comsigo... um galgo.

Appareciam lebres, mas a essas não tinha o caçador promettido atirar.

E assim fazia sempre..

Quando se tratava de caçar lebres ou coelhos, levava o perdigueiro.

O Sr. Presidente: - Já é a hora de se passar á ordem do dia, e por isso não posso dar a palavra aos Dignos Pares que se inscreveram.

Vozes: - Falem, falem.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que entendem que deve continuar este incidente, teem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. José de Alpoim: - Longe estava eu de usar hoje da palavra. Imaginei, pelas frases pronunciadas pelo Sr. Presidente, na ultima sessão, e pela inanidade d'este debate, que elle estava perfeitamente liquidado. Não comprehendia que elle pudesse ou devesse prolongar-se, embora a imprensa dissesse que a questão iria tomar um aspecto bellico, porque alguns membros d'esta Camara, excitados por palavras minhas, viriam, com violencia, e aspereza, pedir-me a responsabilidade do que eu havia dito.

Recusar-me-hia terminantemente a quaesquer explicações, que me não fossem pedidas com placidez, calma e cortesia.

Não me affligiram nem preoccuparam essas palavras da imprensa, porque os seus excessos, ainda quando procede mal, são como as manchas do sol não empanam o brilho da luz solar. Por consequencia, repito, não me aggravaram as referencias da imprensa, e nem sequer usaria da palavra, se não fosse a consideração que tributo ao Digno Par Sr. Conde de Bertiandos.

Os Dignos Pares Srs. D. João de Alarcão, Conde de Bertiandos, Jacinto Candido e Almeida Garrett referiram-se, na penultima sessão, aos acontecimentos de Lisboa, por occasião da chegada aqui dos estudantes de Coimbra. Alguns fizeram essas referencias com grande paixão, porque estudantes, seus parentes, tinham sido envolvidos nos acontecimentos. S. Exas. censuraram acremente aquelles que fizeram a contra manifestação, pela forma violenta que adoptaram. Estavam os Dignos Pares nó seu direito, e eu concordei com S. Exas.

Sou monarchico e liberal. Como monarchico, congratulo-me com a manifestação ao Throno; como liberal, querendo que a liberdade seja para todos, condemno que se pratiquem actos de violencia para reprimir manifestações, sejam ellas monarchicas ou republicanas.

Acho muito sympathico e justo que se lamentem os filhos de ricos e poderosos que foram feridos em taes acontecimentos ; mas seria igualmente nobre e generoso que se erguesse voz piedosa e compadecida pelas crianças feridas tambem no 18 de junho, pois apenas os Dignos Pares Srs. Baracho, Arroyo e eu, a isso se referiram.

É isto que manda a nobre, a santa, e a bem entendida liberdade.

No incidente da penultima sessão, o Sr. Conde de Bretiandos pronunciou aqui uma palavra, que eu não quero dizer que seja destoante dos costumes parlamentares, porque S. Exa. era incapaz de faltar ao respeito e decoro d'esta Camara: foi a palavra - canalha.

Eu disse então que não a tinha por uma má palavra, mas já a vira, muitas vezes, empregada como demonstração de desprezo para com os que teem fome de justiça ou de pão; e que, nesse sentido, não queria que ella fosse pronunciada.

Nos campos de Aljubarrota e de Valverde e em 1640 foi a chamada, pelos poderosos, arraia meuda e villanagem, que mais defendeu a integridade da nossa patria. Era ella o que no nosso país existia de mais nobre, grande e sagrado.

Ao referir-me a tal palavra, não foi meu proposito aggravar ninguem.

A minha alma de liberal lembrou-se que, á sombra d'ella, muitas vezes se commetteram injustiças e crueldades; e então disse que, se existia nas das essa canalha sem instrucção, cheia de desgraça e miseria, havia tambem uma canalha dourada que, á sombra do poder, muitas vezes esmagava as liberdades, os direitos e a lei, procedendo com arbitrio e violencia.

Quem não sabe que isto é uma profunda verdade?

Falo em geral, e impessoalmente. Pertenço á raça dos homens que são incapazes de aggredir alguem de través; quando o pretendesse fazer, seria rosto a rosto.

Sinto uma paixão, cada vez mais profunda e ardente, pela liberdade. Se ella não viesse da minha educação scientifica e moral, bastava o que occorreu no país até o dia 1 de fevereiro ultimo para pôr na minha alma um amor profundo - que infinitamente se infiltra até no meu sangue - por essa liberdade e pela democracia, sem a qual, hoje, não podem viver as nações e não podem viver os réis.

{S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente: no Summario das nossas sessões, e relativamente á que se realizou no dia. 27 do corrente mês, que leio agora pela primeira vez, encontra-se o seguinte, que exprime o que eu então proferi:

Não ha razão alguma, no actual momento, para estabelecer distincções, fazendo-se crer que ha povo e não povo !

Houve, em epocas passadas, tres classes - clero, nobreza e povo; mas, hoje, qual é a individualidade caracteristica do povo?

Nenhuma!

Povo, são todos ! (Apoiados).

Respeita e considera a todos, sejam quaes forem as suas posições sociaes, seja qual for a sua boa ou má sorte que os favoreça, tanto aos que usufruem bens da riqueza, como aos embebidos na miseria ou indigencia ! Nunca faltou ao respeito, á consideração e á estima, ao apreço seja de quem for. Mas d'este seu modo de proceder, ao abdicar do direito que lhe assiste de não se colloear abaixo dos que se dizem povo, vae uma grande distancia, e não consentirá em tal!

É um anachronismo considerar ainda hoje a existencia dos tres estados que o novo regime aboliu. Todos somos povo: sou eu povo, é povo V. Exa., são povo os Dignos Pares, todos pertencemos a uma unica ordem social. Creio que estas palavras estão na mente e no espirito de todos.

Sendo isto o que eu disse, fiquei surprehendido quando o Digno Par Sr. Alpoim estabeleceu distincção entre canalha dourada e canalha não dourada, distincção com que S. Exa. pretendeu salientar as ultimas considerações do seu discurso. Disse S. Exa.:

Mas ha tambem a canalha dourada e farta, que offende a lei e que é tão merecedora de castigo como a outra.

Sr. Presidente: quando eu pedi a palavra na sessão a que se refere este Summario, lamentei que V. Exa., por motivos que acato, não m'a tivesse dado. Não posso deixar de lamentar que tal succedesse. porque teria posto cobro a tal incidente, que despertou no publico uma curiosidade insalubre, na frase do Sr. Baracho, e que conveniente é liquidar o mais rapidamente possivel.

Se eu tivesse tido a palavra nessa occasião, teria dito ao Digno Par, precisamente aquillo que vou agora dizer, afastando das minhas considerações tudo o que não seja a apreciação restricta, exacta e rigorosa do que se passou aqui, e está na lembrança de todos os que assistiram a essa sessão.

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Sr. Presidente: então, quando empreguei essa palavra, referindo-me aos discolos, aos arruaceiros, aos tumultuadores da rua, aos que praticaram esses actos que todos nós, una voce, condemnavamos, quis designar uma casta, ou uma classe social determinada?

Não. Fosse quem fosse, grande ou poderoso, pobre, das classes altas ou das baixas esferas, rico ou abastado - fosse quem fosse - merecia essa denominação. Não se trata de uma classe, esta é que é a questão. Quando digo : "É um canalha", refiro-me a um homem que praticou actos infames.

Pode ser um duque, ou um filho do povo, que merecerá a mesma palavra.

Não se queira estabelecer uma confusão, que só pode ter um alcance politico lá fora, onde o espirito simplista do publico, poderia suppor que nós, tinhamos vindo aqui dentro d'esta sala tratar de canalha o povo. e que S.Ex.a tinha levantado aqui essa frase.

O Sr. Alpoim (interrompendo): - O que eu disse é que havia a canalha dourada e a não dourada.

O Orador: - O que não posso é assumir a responsabilidade d'aquillo que não estava, nem nos meus propositos, nem nas minhas intenções, nem, sobretudo, no meu caracter, educação e feitio, porque ninguem me excede no respeito que me merecem a desgraça e a miseria.

A minha vida particular e publica de sobra justificam esta minha asserção. (Apoiados).

Quem duvidar d'isso, veja a maneira como procedo, ainda com os mais humildes.

São os principies moraes e a educação que recebi d'aquella que me deu o ser.

Presto aqui esta homenagem á memoria da santa, que foi minha mãe.

Por isso me offendeu o facto de, ás minhas palavras, se attribuirem propositos que eu nunca podia alimentar, e que a lealdade do meu caracter absolutamente repulsaria.

Em toda a minha vida, nas deferencias, nas attenções, na carinhosa forma de receber e acolher todos os que de mim se aproximam, ainda os mais humildes, tenho demonstrado que todos me merecem igual respeito.

Portanto, Sr. Presidente, fosse qual fosse a intenção do Digno Par - principalmente depois das suas declarações, tão terminantes - tenho obrigação de crer que não era seu proposito fazer uma especulação politica em relação a palavras que, num impulso de indignação pelos acontecimentos passados com a recepção dos estudantes de Coimbra, eu aqui proferi.

Lá fora tem-se comtudo especulado com o que se passou aqui. Protesto contra essa especulação.

O Digno Par combateu e fulminou, com o seu anathema, a canalha dourada.

Eu digo mais: digo que de toda a especie de canalha que possa existir na sociedade, desde a mais alta á mais baixa, é exactamente a canalha mais altamente collocada que eu verbero e anathemizo com a maior indignação.

O Sr. José de Alpoim: - Vejo que estamos todos de acordo.

O Orador: - Estamos aqui; mas lá fora, não!

O Sr. José de Alpoim: - O melhor é arranjar outra lingua.

O Sr. Conde de Bertiandos: - O Digno Par não tem culpa. Quem tem culpa é quem commenta lá fora.

O Sr. José de Alpoim: - Tenham para elles o mesmo desprezo que eu lhes voto.

O Orador: - Ora aqui tem V. Exa. e a Camara a razão por que eu tinha pedido a palavra.

Não era para exigir intempestiva e fundamentalmente a explicação de caracter pessoal ao Sr. Alpoim por frases que tinha proferido, e em que tinha expressamente resalvado a minha pessoa.

(Apoiado do Sr. Alpoim).

Eu, Sr. Presidente, com cincoenta annos de idade, com vinte e cinco ou vinte e sete annos de vida parlamentar, chefe de familia, ás portas da morte ainda o anno passado com uma gravissima doença, não iria, impensada e levianamente, provocar conflictos.

Mas nunca declinei as minhas responsabilidades.

Por consequencia não era para explicações, de caracter pessoal, nem revindicações que não tinham razão de ser, e que seriam pueris, que eu pedi a palavra.

Pedi-a simplesmente para aclarar a significação da palavra que eu empregara, e para evitar a exploração que de então para cá se tem feito com o que se disse nesta Camara.

E pergunto: os exploradores, que assim procederam, não serão verdadeiros canalhas?

Sr. Presidente: não ha o direito lá fora de deformar, desfigurar, falsear ignobilmente, formalmente, o sentido claro das palavras aqui pronunciadas.

Sr. Presidente: ainda falta referir-me aos acontecimentos lamentaveis de 5 de abril, que produziram a morte de cinco cidadãos.

V. Exa. e a Camara saberá que eu, quando usei da palavra sobre o projecto de resposta ao Discurso da Coroa, vi-me obrigado a resumir as muitas considerações, e a conclui-las rapidamente, porque me senti incommodado.

Foi esta a razão por que não me referi desenvolvidamente a essas deploraveis ocorrencias; mas hei de voltar ao assunto e pedir estrictas contas ao Governo pela maneira por que se houve em tal conjuntura. Por agora fico por aqui.

(S. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par Sr. Veiga Beirão.

O Sr. Francisco Beirão: - Sr. Presidente : fez-me esta Camara a honra de me eleger para membro da commissão de resposta ao Discurso da Coroa, e esta commissão quis ainda duplicar essa distincção, escolhendo-me para seu relator.

Julguei eu, e julgo ainda, que nesta qualidade me cabia apenas defender o projecto em discussão, quando fosse atacado, ou quando, pelo menos, a elle se fizesse qualquer referencia.

Succedeu porem que todos os Dignos Pares, que teem tomado parte nesta discussão, não tinham, ainda, alludido a este diploma.

Só na ultima sessão o Digno Par Sr. Jacinto Candido se referiu a esta peca de literatura politica, e em vista d'isto vi-me forçado a tomar a palavra, que só hoje me chega.

Tinha a dar esta explicação para que os Dignos Pares que tomaram parte nesta discussão, e sobre os quaes, ou acêrca do que disseram eu não me inscrevi, não supposessem que havia da minha parte menos consideração por S. Exas.

A razão foi esta, esta só, e exclusivamente.

Assim, pois, Sr. Presidente, cumpre-me hoje defender este parecer ou projecto de resposta, ou como seja o nome que melhor lhe caiba, das arguições que lhe fez o Digno Par Sr. Jacinto Candido.

Isto não quer dizer que durante as breves considerações que eu haja de' fazer não tenha de me referir a ponderações que outros Dignos Pares fizeram a respeito da situação politica em geral, acêrca do procedimento politico do Governo, e sobre a attitude que teem tomado os partidos.

O Digno Par Sr. Jacinto Candido censurou o parecer que tive a honra de mandar para a mesa, por não haver nelle referencias a Sua Majestade El-Rei D. Carlos e a Sua Alteza o Principe Real, visto como, a juizo de S.

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Exa., não o podendo fazer El-Rei, pela sua situação especial, na fala do Throno-o que aliás S. Exa. justificava- delegara na Camara essa incumbencia, e sentindo por isso que da parte da commissão não houvesse referencias ao Monarcha e ao Principe fallecidos.

Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. e á Camara que a commissão nunca entendeu que El-Rei houvesse delegado nesta Camara a incumbencia de fazer o panegyrico de seu pae e irmão. O que eu entendo é que esta Camara, fazendo a justiça devida aos illustres extinctos - como fez -- sem que alguem nella semelhante incumbencia houvesse delegado, deu a esse acto muito maior valor.

Entendeu por isso a commissão que não havia ensejo para inserir no projecto uma resposta ao que no Discurso da Coroa não estava.

Mas o Digno Par não ficou por aqui, foi alem.

Fez uma pergunta á qual eu não quero deixar de responder. S. Exa. disse: "Seria acaso devida a receio a falta de prestar homenagem ao Monarcha e ao Principe defunctos?"

Possa asseverar ao Digno Par, que nenhum dos membros da commissão teve semelhante receio.

O illustre Presidente d'esta Camara já disse o que tinha a dizer, e muito bem, como sempre, a este respeito.

O Sr. Julio de Vilhena da mesma maneira se referiu ao triste acontecimento pela maneira alevantada que toda a Camara presenceou.

Como a Camara vê, da commissão fico eu só em campo; viria pois a ser o unico attingido pela suspeita do Digno Par.

Teria eu tido receio de dizer o que penso a respeito de El-Rei D. Carlos e do Principe Real D. Luiz Filippe?

Posso afiançar ao Digno Par que não tenho receio de dizer tudo o que sinto.

O Digno Par falou das qualidades de El-Rei. Veio como que depor perante a Historia.

Eu tive a honra de conhecer El-Rei quando era apenas Principe Real; depois com elle servi como Ministro.

Durante todo esse tempo não lhe devi senão testemunhos da maior estima e de subida consideração.

Aproveito a occasião de lhe agradecer bem publicamente esses primores de trato, e tanto mais á vontade agora o faço quanto ninguem me pode tomar esta homenagem como lisonja. (Apoiados).

El-Rei tinha nobres e distinctas qualidades. (Apoiados).

Possuia o inigualavel condão de saber, dizer só o que queria, e de só dizer o que devia

Como representante do país perante o estrangeiro, ninguem o excedia.

Ainda hontem numa reunião - por todos os titulos solemne - em plena Sociedade de Geographia, esse illustre cabo de guerra que se chama Roçadas, e que, á imitação de Cesar, soube escrever com penna elegante os commentarios á sua expedição, evocando os illustres mortos, soube prestar-lhes a mais solemne e justa homenagem, correspondendo a assistencia com verdadeira commoção ao ouvir as palavras de grande nobreza. (Apoiados).

Poderiam as circunstancias impedir que os dotes do Monarcha deixassem alguma vez de produzir tudo o que d'elles havia a esperar?

Perturbar-lhe-hiam, alguma vez, as condições do tempo a nitida visão dos acontecimentos?

Mas quem ha ahi. sobre tudo em situação tão elevada, que haja attingido a perfeição?

Para mim, Sr. Presidente, que professo a maxima inglesa, de que "o Rei não pode fazer mal", a inviolabilidade constitucional cobriu em vida o Soberano, e agora cobre o a inviolabilidade ainda mais sagrada do martyrio e do tumulo!

Do Principe Real o que ha de dizer?

Era uma esperança, flor apenas que deveria dar fruto.

Em tão cruel conjuntura, Sr. Presidente, eu só acho palavras condignas d'elle na genial tragedia em que um Principe é tambem victima de um torvo assassinio, antes de cingir a Coroa - a que aliás um distincto jornalista já alludiu - e só poderia dizer ao Principe Português o que Horacio dizia ao Principe Dinamarquês: "Estallou agora um nobre coração. Boa noite suave principe, que legiões de anjos, cantando, te emballem o ultimo somno !"

E ao Principe, que nem da nossa justiça precisa, vá apenas a nossa saudade. (Vozes: - Muito bem).

Lamentou o Digno Par a forma por que se acha redigido o Discurso da Coroa, por nelle se não protestar contra o tremendo attentado de que foram victimas El-Rei e o Principe Real, e elogiou a commissão por ao menos ter corrigido o discurso nesse ponto.

Este elogio é uma critica ao Discurso da Coroa, que eu não posso acceitar, pois a reputo infundada.

O Digno Par disse que no Discurso da Coroa não havia uma unica palavra de indignação contra este attentado sem nome, que prostrou o Rei e o Principe; e que cautelosa e avisadamente tinha andado a commissão em supprir esta falta no texto da resposta ao Discurso da. Coroa com as seguintes palavras:

"Senhor.- A Camara dos Pares associa-se, commovidamente, á dôr que alanceou o coração de Vossa Majestade pela perda de seus Augustos Pae e Irmão, Sua Majestade El Rei o Senhor D. Carlos I e Sua Alteza Real e Principe D. Luis Filipe, e lavra o seu protesto de profunda indignação contra o execravel attentado de que foram victimas".

Talvez o Digno Par não tivesse lido com toda a attenção o Discurso da Coroa.

Em diversas passagens d'este discurso o Governo allude a este crime e dá-lhe os nomes de crudelissimo e passo tremendo de martyrio, e diz que:

"Sobre o doloroso transe convergiram as sympathias dos Chefes de Estado, das corporações, da imprensa de todo. o mundo civilizado, num brado unisono de humanidade e justiça".

Que fez a commissão? Resumiu apenas num periodo o que em muitas passagens se acha disperso. Nada mais.

Ainda a este proposito quero accentuar, Sr. Presidente, que tenho ouvido, e com justiça, conclamar que se inquira rigorosamente acêrca de quaesquer excessos que se tivessem dado nos dias 5 e 6 de abril e ainda noutros.

Acompanho esse brado de justiça, mas peço que se não faça silencio sobre o attentado de 1 de fevereiro. (Apoiados).

É triste que, depois de volvidos quatro meses sobre tão nefando crime, as instituições policiaes d'este país não permittam que se possa ao menos recompor em toda a sua tragica realidade o triste passo do regicidio. (Apoiados}.

Justiça para todos!

Devo lembrar á Camara que no moderno direito internacional existe contra a ubiquidade do crime a arma da extradição.

Como porem os crimes politicos não são muitas vezes senão crimes de opinião e de latitude a extradição não é - e justamente! - concedida aos seus agentes.

Mas os attentados contra chefes de Estado, quer sejam imperadores, réis ou presidentes de republica, estes são crimes communs e dos mais graves, e como taes sujeitos á extradição.

Passando a responder a outros pontos do discurso do Digno Par o Sr. Jacinto Candido, tenho a referir-me á censura que S. Exa. fez ao trecho em que se diz:

"Promulgaram-se providencias de caracter legislativo, algumas das quaes o meu Governo entendeu, no uso das suas faculdades, dever sem demora abrogar".

O Digno Par increpou muito o Governo por ter procedido, só por si, á se-

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lecção d'estes decretos que são chamados ditatoriaes, mas que eu na minha humilde opinião, mais de uma vez expressa, nunca como taes considerei, pois apenas os tenho como simples e escusadas infracções da lei constitucional.

O fundamento principal dá censura do Digno Par era a immunidade parlamentar.

Disse o Digno Par que só as Côrtes podem fazer leis, só ás Côrtes compete revogar leis.

Perfeitamente de acordo. (Apoiados).

E acrescentou: "Então abrogar certos decretos é faculdade do poder executivo? Quem deu ao poder executivo uma tal faculdade?" Afigurava-se ao illustre orador grave que uma tal affirmação fosse posta na boca de El-Rei. A commissão corrigiu, concluiu, no seu parecer o erro do Governo, porque diz que o Parlamento escolherá entre as providencias decretadas sem o concurso das Côrtes as que mereçam ser convertidas em leis.

É minha opinião pessoal, Sr. Presidente, que o Governo tem competencia para revogar todos os decretos do poder executivo que, envolvendo disposições legaes, forem promulgados sem sancção parlamentar.

Mas, Sr. Presidente, que fez afinal o Governo?

Não fez mais de que revogar alguns decretos de caracter legislativo, que contendiam com a normalidade dos direitos individuaes, como do proprio Discurso da Coroa se infere.

Ora esses decretos eram simples decretos, mau grado a força de lei que se lhes quis attribuir, mas nunca foram leis no sentido constitucional da palavra, porque não tenham obtido nem ainda obtiveram a sancção parlamentar.

Eram simples actos do executivo, e o Governo actual podia fazer uso das suas faculdades, e revogá-los como muito bem entendesse, sem praticar a menor infracção constitucional.

Esta minha opinião não é de hoje, é muito antiga.

Se eu tivesse tido a honra de fazer parte do actual Governo, teria talvez sido de opinião que se tivessem revogado, não estas ou aquellas providencias de caracter legislativo, mas todas. (Apoiados).

Faria mais talvez do que fez o Governo, e seria por isso mais culpado na opinião do Digno Par.

Eu, se assim o entendesse a bem do país, não teria o menor escrupulo em revogar todos os decretos chamados, á falta de outra denominação, ditatoriaes. (Apoiados).

O Sr. Jacinto Candido: - Foi nesse sentido que eu tive a honra de expor a minha opinião.

Eu falei sobre o assunto, e entendia que o Governo, por coherencia, devia revogar todos os decretos, ou não revogar nenhum.

O que eu não lhe admitto é o direito de estabelecer qualquer selecção.

O Orador: - Se o Governo tinha o direito de revogar todos, como é que não tinha o direito da revogar alguns?

O Governo deu as razoes por que entendeu revogar certos e determinados decretos; e quanto aos outros declarou deixá-los inteiramente á apreciação particular. Como e onde offendeu pois as imunidades das Côrtes ? O Governo, que era o juiz das circunstancias, entendeu usar da sua faculdade só com respeito a uns e não a todos os decretos, e não serei eu que por isso o censurarei. A Camara procederá como entender.

O Digno Par lembrou que ha annos tinha submettido á Camara uma proposta no intuito de acabar com as chamadas autorizações parlamentares.

Acrescentou o Digno Par. e com muita razão, que se não tem em conta a iniciativa de qualquer Deputado ou Par do Reino, e que projecto de lei que não seja de iniciativa governamental nem chega a ser discutido.

Será assim; e é para sentir que assim seja, mas este Governo tão respeitador foi das Côrtes que lhes deixou o direito livre de fazer, entre os decretos que não foram revogados, a devida selecção, e resolver quaes os que devem ficar na nossa legislação, e como ahi devem ficar.

Creio que não pode haver maior respeito pelas Côrtes do que este.

O Governo, dia a dia, não só por este facto, mas por outros, revela o proposito em que está de viver com as Camaras, e só com ellas, e faz muito bem.

Não sobrepõe á iniciativa das Côrtes a sua: entende que lhes deve deixar o direito de resolverem o que entenderem em graves assuntos.

Tambem o Digno Par disse que a commissão tinha corrigido no seu parecer o erro do Governo, porque dizia que o Parlamento escolheria, entre as providencias decretadas sem concurso das Côrtes, as que merecem ser convertidas em leis.

A commissão nada corrigiu, pois como deixo ponderado, nada havia a corrigir. Expôs um facto e nada mais. Os decretos virão a esta Camara, e então serão sujeitos á analyse que lhes queiramos fazer.

O Digno Par estranhou ainda, na mesma ordem de ideias, que o Governo se referisse, como ponto principal da sua politica a projectos da reformada Carta, e da reforma eleitoral, sem que indicasse quaes são os artigos da Constituição que entende deverem reformar-se, nem o systema eleitoral que adopta.

Só tenho a dizer que o Governo não podia fazer no Discurso da Coroa um largo elenco das bases d'essas reformas, mas trará á Camara, naturalmente, os projectos da reforma da Constituição e da legislação eleitoral, e, portanto, esses projectos hão de ser discutidos, e ver-se-ha o que se deve ou pode fazer.

Creio que terminaram aqui as referencias a pontos concretos que o Digno Par fez ao parecer.

Quanto a outras 'considerações de ordem geral, reservo-me para lhes responder no restante das ponderações que tenho a fazer, e quando me referir a outras de differentes Dignos Pares que tomaram parte na discussão.

Com respeito ao discurso do Digno Par- o Sr. Sebastião Baracho, nada tenho a dizer, não por falta de consideração, mas porque, tendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho respondido extensivamente, seria na realidade impertinencia da minha parte querer, como simples Par, ou modesto relator da commissão de resposta ao Discurso da Coroa, acrescentar alguma cousa á resposta do Chefe do Governo.

Portanto, não é por falta de consideração repito, e o Digno Par sabe perfeitamente quanta por S. Exa. tenho, que não me refiro ás observações de S. Exa., mas só por o motivo indicado.

É possivel tambem que o Digno Par não ficasse satisfeito, mas eu não tenho a louca pretensão de me exceder ao Sr. Presidente do Conselho.

Quanto ao Digno Par o Sr. Francisco José Machado, levantou S. Exa. uma questão a que me desejo referir.

S. Exa. teve a paciencia - é preciso ter paciencia - de ler aqui os programmas de instrucção primaria.

S. Exa. deve continuar nesse genero de leitura. Deve ir da primaria para a secundaria, e d'ahi para a superior, e depois fazer uma volta pela instrucção especial e technica.

Eu estou convencido que neste país, se ha uma questão grave, a financeira, ha outra questão mais grave, a de instrucção publica. (Apoiados)!

Já o anno passado tencionava tratar d'essa questão, mas, tendo a Camara dos Pares de se occupar de outros problemas, não chegou o tempo para este.

Julgo que não seriam perdidas as sessões tratando-se d'esse assunto. Considero actualmente uma verdadeira necessidade que em qualquer organização ministerial haja um Ministro - e podia até ser o proprio Chefe do Governo para dar mais importancia ao caso - que se encarregasse só dos problemas importantissimos de instrucção publica e de agricultura nacional. (Muitos apoidos).

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Não estou a preconizar Ministerios especiaes: peco só que haja um Ministro que vote todos os seus cuidados á instrucção publica e agricultura. Como a Camara sabe ha muitas nações em que cada um d'estes ramos de serviços faz parte de um Ministerio especial.

Insisto, é preciso dar ao país pão do espirito e pão do corpo.

Mas quando eu exijo instrucção publica não creia o Digno Par que eu apenas alludo á instrucção primaria, para que as crianças, ao sair das escolas, saibam ler, escrever e contar. Isso para mim é o menos.

Eu estou ao lado do grande pensador que foi H. Spencer, que escreveu estas palavras: Acredita-se em geral, na virtude da leitura, da escrita e da arithmetica para fazer bons cidadãos. Não vejo como. O mesmo é com respeito ás formosas esperanças fundadas sobre a recitação de lições sabidas apenas de cor!

A instrucção ha de necessariamente e indefectivelmente comprehender a educação - a educação sim! e em todos os seus aspectos!

Ensinar a ler é muito bom, mas não basta.

Ler é apenas um meio para adquirir conhecimentos intellectuaes e, insisto, moraes!

Mas para se ler é preciso que haja que ler. E quem é que ensina a escrever o que proveitosamente entre nós se deva ler?

A instrucção é apenas uma parte do problema; o que é necessario, repito, é a educação em todas as suas fases. Grave cousa a falta de educação, não digo só da educação social, mas da educação em todos os seus aspectos! Essa falta é talvez o maior mal de que hoje enferma a sociedade portuguesa. (Apoiados).

Vejo que estamos perfeitamente de acordo.

Quanto á questão agricola ainda aqui a elucidaram na ultima sessão alguns Dignos Pares.

Ainda hoje os generos principaes da producção nacional teem de estar sujeitos a um regimen excepcional.

Do que é que, afinal, precisamos?

De dar á producção, dentro do país, intensão, e, fora d'elle, extensão.

É preciso avivar a cultura, mas para isso é mister, moderar, senão extinguir essa aspiração incessante de capitães a que o Governo, por virtude da nossa situação financeira, tem de proceder, e que depaupera a energia productora. É preciso abrir novos mercados, e esses só por meio de convenções internacionaes, que não são faceis nem simples na nossa situação pautal.

Mas isto não se faz de um dia para o outro: ha mister de tempo.

Por minha parte voltarei ao assunto em occasião opportuna. Por era quanto fico com a esperança - visto os apoiados que tenho recebido da Camara de que mais cedo ou mais tarde ha de haver um Ministerio ou um Ministro que cuide especialmente d'estas duas questões vitaes para o país: educativa e agricola. (Apoiados).

Quanto ao Digno Par Sr. Arroyo direi então de mais que, com este orador, é preciso muito cuidado, faz-se mister estar sempre na defensiva.

O Sr. Arroyo é distincto como orador e como maestro.

Referindo-me a S. Exa. como maestro, devo dizer que na opera ha duas partes: a partitura e o libretto.

O Sr. Arroyo tem o segredo de traduzir ideias em palavras eloquentes e sentimentos em notas expressivas.

Na opera attendemos só á musica do distincto compositor. Ouvimos e admiramos.

Pouco nos importa a letra, pois que a musica reproduz absolutamente os sentimentos. Creio até que não commetto erro dizendo que ha uma certa escola que dispensa completamente a palavra e só exige a nota.

Quando, porem, o Digno Par faz um discurso na Camara, nós não devemos attender só á musica da sua palavra.

É grande a eloquencia com que fala, sempre cheia de vivacidade .e talento, cortada tanta vez pela ironia, e em que por vezes rompe a apostrophe, como aquella flor do aloés, que, no dizer de Heine, só de seculo em seculo rebenta. É preciso saber o que está atrás d'aquella palavra seductora, procurar a letra da partitura.

Qual foi o leit motif do ultimo discurso do Sr. Arroyo?

O Digno Par vem, como Scipião, clamar-nos: Delenda Carthago.

Qual é essa Carthago que cumpre derrubar?

O partidarismo!

Ora, apesar d'esta e de outras investidas aos partidos, eu poderia dar á Camara a grata consolação que les morts que vous tuez se portent assez bien.

E já aqui ha bem pouco o provou o Sr. Julio de Vilhena na sua palavra sobria e incisiva.

É que isto de matar os partidos, parece-me cousa simplesmente impossivel.

Não é a primeira vez que ha esta tentativa.

Desencadeou se um verdadeiro cylone politico contra os partidos Estadistas emeritos, oriundos na sua maxima parte, note-se, dos partidos, entenderam em sua consciencia repudiá-los uma corrente do grosso do publico, que se interessa pela administração do Estado, confesse-se, acompanha os nessa tardia hostilidade. E um facto, registemo-lo.

Mas é um facto com que os partidos devem contar para quê?

Exactamente para os estimular e para se servirem da força que teem no país, em bem das instituições e em bem da patria.

Repito: a destruição dos partidos é uma antiga tentativa, e que até não é exclusivamente portuguesa; já se tem apresentado noutras partes.

Eu tive a honra de fazer de uma vez certo destacamento na imprensa politica.

Nesse destacamento tive necessidade me bater, nada menos, que com Marianno de Carvalho e o thema foi este: elle dizia que os partidos estavam mortos, e eu dizia que os partidos estavam vivos; andámos a questionar e o unico morto infelizmente foi Marianno de Carvalho, cujo passamento todos nos lamentamos.

Dizia eu então, e repito agora, que ha de haver sempre a distincção entre dois partidos, e a razão - como nota Macaulay - é porque tal differença provem da diversidade do temperamento, intelligencia e interesses que se encontram em toda a sociedade e que se ha de encontrar emquanto o espirito do homem for attrahido por estas duas forças oppostas: o encanto da tradição, e o encanto da novidade. E não é só na politica, mas tambem na literatura, na arte, na sciencia, na medicina, na industria, na navegação, na agricultura e até na propria mathematiça, que se encontra semelhante diversidade. Em toda a parte ha uma classe de homens que se inclinam amoravelmente para tudo quanto é antigo, e que, ainda quando convencidos por virtude de razões superiores, que uma innovação ha de ser benefica, só receosos e suspeitosos a a ella accedem. E outra classe de homens existe, ardidos de animo, ousados de emprehendimento, urgindo sempre por avançar, prontos a discernir as imperfeições no existente, dispostos a julgar ligeiramente dos riscos e inconvenientes que podem acompanhar as reformas e progressos e dar inteiro credito a todo o progredimento só por que o é.

Os partidos pois hão de existir e sobreviver ás apostrofes inflammadas. (Apoiados).

Mas em que que se distinguem estes dois partidos? E pergunta-se isto como se a resposta devesse ser a sua condemnação. Ora a accusação tambem não é nova, nem sequer de hontem, esta accusação já se fez na propria Inglaterra, no país clássico dos partidos. E o que se observou lá?

Macaulay faz notar que a differença

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entre os dois partidos, tem sido mais de- r graduação que de principios.

É possivel que isso aconteça em Portugal; o que é certo é que existem sempre graduações assaz determinadas entre os dois grandes partidos.

Accusam-nos hoje de nos acharmos unidos.

Pois bem!

Tambem na propria Inglaterra, e só no espaço de um seculo, os dois partidos, duas vezes suspenderam hostilidades e se colligaram. De uma das vezes conseguiram restaurar a monarchia, da outra restabelecer a liberdade.

Todos nós sabemos que os partidos teem tido erros e defeitos, mas é de justiça relembrar tambem alguns serviços que tem feito ao país, e, quanto a mim, não são pequenos.

Mas o Digno Par a quem me estou referindo não só condemnou os partidos, fez mais alguma cousa: entende que no meio da sua agonia é necessario baralhá-los.

Ah! Sr. Presidente, baralhar os partidos!? Francamente, na actual conjuntura, menos do que nunca, não é isso o que os partidos teem a fazer.

Eu entendo que os partidos teem, no momento actual, alguma cousa a fazer. Devem estar attentos para a situação presente e para as condições em que se encontra o país.

Não gosto de falar da minha pessoa e sobretuda citar-me a mim proprio, mas, ao ouvir esta increpação contra os partidos, lembrou-me que já uma vez, na Camara dos Senhores Deputados, ao abrir a discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa, de que era relator o Digno Par que se me vae seguir, isto haverá doze annos, dizia eu. . .

O Sr. João Arroyo : - Creia que ha doze annos V. Exas. estavam fora da Camara. Deve haver engano.

O Orador: - Em 1894...

O Sr. João Arroyo: - Então ha quatorze annos.

O Orador: - De facto não foi ha doze annos, foi ha quatorze.

O tempo passa tão depressa!

Mas V. Exa. não se lembraria das minhas palavras, se eu as não recordasse.

O Sr. João Arroyo: - Eu fiz esta observação, porque ha 12 annos não podiam estar V. Exas. na Camara. Foi quando a Camara se reuniu na Academia Real das Sciencias e que approvou uma serie de medidas ditatoriaes, que V. Exas., os progressistas, haviam de deitar a terra e que depois conservaram no anno seguinte.

O Orador: - É verdade.

E abro um parenthesis para responder ao Digno Par.

Em 1896 eu não tinha a honra de pertencer á Camara dos Senhores Deputados.

Perdoe-me o Digno Par, mas a verdade é que essa Camara não legislou só; teve de ratificar e confirmar e até com modificações os decretos da chamada ditadura de então.

Deu o bill de indemnidade ao Governo, e depois alterou alguns dos decretos publicados.

Com estas palavras quero apenas defender-me de uma pequena observação. Não quero neste momento referir-me ao passado. (Apoiados).

Disse o Digno Par que o partido progressista protestou deitar abaixo todos os decretos ditatoriaes e que os conservou.

Ahi ha uma pequena lacuna que é preciso preencher. É com isso mostrarei ao Digno Par que estou ainda em perfeita coherencia com o que então se praticou.

Eu disse e repito que um Governo pode constitucionalmente revogar decretos, embora se lhes tenha querido attribuir força de lei quando houvessem sido publicados sem incervenção das Côrtes. Tenho-os como simples actos praticados contra a Constituição. Quando porem taes providencias já houverem sido confirmadas pelas Camaras, então não, porque, nessas circumstancias, são leis e ao executivo não compete revogar leis.

Quando nós entrámos para o Ministerio, em 1897, tinha-se dado esse caso. E logo no nosso primeiro acto publico tivemos o cuidado de declarar que não podiamos revogar immediatamente esses decretos, porque eram, leis que estavam sanccionadas pelas Camaras, mas que nos reservavamos para irmos ás Côrtes pedir a sua revogação. E o Digno Par ha de lembrar-se que muitos decretos, apesar de convertidos em leis, foram revogados. Lembrarei o Codigo Administrativo, a lei eleitoral, a circunscrição judicial e administrativa, e que nós caimos exactamente na occasião em que eu, em substituição do meu honrado chefe, o Sr. José Luciano de Castro, que então se achava doente, defendia a reforma Constitucional (Apoiados) que devia acabar com os chamados ditadores. E não acabarei este ponto sem accentuar que, se não considero a simples publicação de leis pelo executivo como actos ditatoriaes, não deixo de comprehender que haja ditaduras e ditadores.

Eis a nossa culpa!

Fechado este parenthesis, voltemos ao assunto de que me estava occupando.

Dizia eu na Camara dos Senhores Deputados:

"Eu sou d'aquelles, Sr. Presidente, que pensam que o .systema monarchico, hereditario e representativo, é ainda o regimen que nas circunstancias actuaes melhor satisfaz ás necessidades publicas internas e externas d'este país.

Ha nas instituições representativas nessa ponderada alliança de tudo quanto a tradição tem de mais defensavel em a democracia moderna, justa, sensata e illustrada, campo assaz largo para dar satisfação a todas as reclamações ; sem procurar correr aventuras arriscadas, cujo alcance ninguem poderia medir, e que serviriam talvez só para acrescentar a gravidade da hora presente.

Todos os portugueses de boa fé podem, pondo de parte aspirações mais seductoras do que praticas e positivas, concorrer com a sua cooperação, com o seu conselho, com a sua critica para o- bem da patria, que é de todos e a todos- exige nesta hora graves e ponderosos sacrificios.

E esses sacrificios não são só os de ordem material, são sobretudo os de ordem moral, que consistem na subordinação de vistas individuaes, de preconceitos de escolas, de ideias irrealizaveis, a alguma cousa mais alta que exige o concurso de todos nós, e que é o bem da patria.

Por mim pessoalmente o digo, bem alto e bem claro, ser-me-hia hora de verdadeira satisfação aquella em que os homens e os acontecimentos permittirem que o partido progressista, a que me honro de pertencer e que occupa a, extrema esquerda dentro das instituições, pudesse alargar as suas fileiras até comprehender aquelles que, como tem acontecido lá fora e está succe-dendo agora perto de nós, pondo de parte, ao menos na presente opportunidade, ideias irrealizaveis, quisessem ajudar-nos na obra nacional do resurgimento da patria portuguesa".

Um grande poeta oriundo de familia legitimista e que mais tarde passou para o extremo opposto, interrogado por um velho amigo de casa, aristocrata de antiga, raça, por que havia mudado, respondeu: J'ai grandi! Pois os partidos devem ter muito em conta que o país, em volta d'elles, tambem cresceu. Apparecem novas necessidades, de toda a ordem. Façam os partidos por se accommodar a ellas, amoldando-se ás novas circunstancias. É esse o seu dever, e, faço-lhes a justiça de o crer, é o seu desejo.

Surge na palavra do Digno Par novo capitulo de censura contra os partidos.

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Disse o Digno Par, dirigindo-se a esses partidos:

- Que fizestes vós ? Qual foi a vossa obra durante as ultimas occorrencias?

Nada fizestes, absolutamente nada, diz o Digno Par.

Elle, orador, repete, não gosta de falar da sua pessoa, mas acusado o seu partido, no qual occupa uma não somenos posição, tem a dizer, que, pela sua parte, logo que teve a certeza de que se ia iniciar aquillo a que por eufemismo se deu o nome de ditadura, deu a prova do seu completo desacordo. (Apoiados}.

Mostrou que, d'essa data em deante, deixava de compartilhar a minima parcela de responsabilidade nesses acontecimentos. (Apoiados).

O que fez o seu partido e o que fez o partido regenerador todos o sabem.

Estivemos tranquillos e quietos; nem protestámos por varias formas, nem houve aquella celebre carta escrita pelos Conselheiros de Estado, que mereceu o elogio de todo o país!

Mas se foi nulla, se foi inefficaz, se não produziu o minimo resultado a acção d'esses dois partidos, quem fez mais e quem fez melhor? (Apoiados).

O Digno Par, para ser justo, para ser coherente, não devia limitar o seu anathema aos partidos chamados rotativos. Devia envolver a todos na mesma maxima excommunhão.

Disse ainda o Digno Par que, afinal, não veio a explosão que os acontecimentos naturalmente provocavam.

Mas o facto não é singular. Em Inglaterra, quando começaram a supprimir-se as liberdades, o povo não se revoltou, porque existia então um estado de relativo bem estar que não predispunha a nação para as violencias da luta. Foi por isso que nessa hora de desanimo a liberdade correu perigo, e muitos pensaram em se afastar para as regiões virgens da America.

Só volvido tempo veio a explosão.

A situação entre nós não era muito diversa.

Num país como Portugal, vivendo ha muito numa continuada tranquillidade, tendo adquirido um relativo bem-estar, havendo tantos interesses envolvidos, não é para admirar que o protesto de todas as consciencias livres se não transformasse subitamente numa enorme explosão!

O Digno Par não ficou por aqui; foi ainda mais severo na sua critica, e eu tenho pena de não me ter sido dado ha mais tempo responder sobretudo a esta parte do discurso.

O Digno Par, se por um lado accusou os partidos de fazerem de menos, por outro censurou-os de terem feito demais.

O que fizeram pois estes pobres partidos?

Estes pobres partidos aproveitaram as tristissimas circunstancias criadas pela tragedia do dia 1 de fevereiro ultimo, propuseram-se lançar dados sobre a tunica do poder, e correr o pareo das suas ambições.

É esta, em poucas palavras, a accusação feita pelo Digno Par.

Ora eu devo acrescentar alguma cousa.

Eu assisti aquella sessão memoravel do Conselho de Estado em seguida á tragedia de 1 de fevereiro.

Confesso, Sr. Presidente, que no decorrer de tantos annos de vida publica, que muitos já tenho passado, nunca vi scena como aquella a que assisti no dia 2 de fevereiro ultimo.

Creio não incorrer na mais pequena inconfidencia dizendo á Camara que a sessão do Conselho de Estado, no dia 2 de fevereiro d'este anno, revestiu um aspecto verdadeiramente shakspeareano.

Duas rainhas - duas mães! - privadas, e de que modo! do filho; o joven Rei, orfão e ferido, o irmão desolado ... que espectaculo!

Nessa reunião, a que tive a honra de assistir, não vi levantar-se a mais pequena ambição que não fosse a de se congregarem todos em roda do joven Rei, para o amparar nos primeiros passos do seu doloroso reinado. (Apoiados).

Todos unanimemente declararam estar ao lado do Rei, para salvar o que mais interessasse ao país. (Apoiados).

Porventura os partido indicaram algum dos seus correligionarios para presidir á nova situação ministerial?

Não. Lembraram para a direcção do novo Gabinete um homem que estava afastado de todas as agremiações politicas, e é a esse Gabinete presidido por um homem a quem Sua Majestade, no uso liberrimo das suas attribuições, escolheu para o desempenho d'essa missão, que os dois partidos, o progressista e o regenerador, deram o seu apoio. (Apoiados).

E como esse. Presidente é da marinha, eu, se tivesse de escolher para elle uma divisa, optaria pela da cidade de Paris - fluctuat nec mergitur!

Vá sobre as ondas agitadas da governança ... não mergulhe!

O Digno Par quis aggravar ainda o seu libello acusatorio e sujeito a deixar os partidos ainda em peor posição.

O Digno Par disse que o Governo - presumidamente instigado pelos partidos- havia trazido á Camara uma proposta, que tinha por fim liquidar a questão dos adeantamentos sobre a cabeça do Rei, afastando-a das costas dos partidos.

O partido regenerador, pela boca do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, já disse da sua justiça. Pelo que toca ao partido progressista pouco terei a acrescentar.

Por mim desejaria que, nas condições em que nos encontramos, esta questão dos adeantamentos ficasse reduzida ao que effectivamente é, e que não fosse feita, porque a não pode nem deve haver, qualquer allusão ao Rei. (Apoiados).

A questão dos adeantamentos não deve ser nem com o Monarcha nem com a Monarchia. (Apoiados).

É preciso esclarecer a questão? Será.

Que se façam todos os inqueritos, que se não dispensem os esclarecimentos que possam elucidar o publico, perfeitamente de acordo; mas que de uma vez para sempre se comprehenda que não ha razão para se impor ao Rei quaesquer responsabilidades nesse acto, e que nem sequer existe motivo para qualquer allusão ou referencia nesse sentido. (Apoiados).

O contrario não seria constitucional nem justo.

Reduzida a estes termos a questão dos adeantamentos, o que fica?

Fica uma questão para ser versada entre nós, e para ser resolvida como muito bem entendermos. (Apoiados).

A seu tempo a Camara apreciará os factos, examiná-los-ha, publicará o seu relatorio, e julgará se alguem ha a julgar.

Eu, pela minha parte, pelas responsabilidades que possa ter do tempo em que fui Ministro, aguardo, serenamente, o resultado de taes investigações.

Não tinha ainda nunca falado em publico sobre esta questão, mas entendi que era de meu dever dizer o que penso, não por mim, mas pelo meu partido.

Tambem o Digno Par pretendia que os partidos fizessem o seu programma no inicio do novo reinado.

O Digno Par Julio de Vilhena já se referiu - e muito bem - a este desejo expresso pelo Digno Par Sr. Arroyo, mas eu quero fazer a vontade ao Digno Par.

O Digno Par insinuou até como devia ser o nosso programma:

"Um programma curto. Poucas cousas mas boas. Não venham com um programma muito comprido, que é poeira lançada aos olhos".

Tambem lhe faço a vontade.

O programma, que eu offereceria ao Digno Par Sr. Arroyo, seria, como elle proprio insinuou, muito simples, embora não seja talvez muito facil de executar.

Quaes são os pontos cardeaes a que allude o diploma que está na ordem do dia?

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

São uma revisão do codigo fundamental do Estado e uma lei eleitoral.

Se eu tivesse a honra de dirigir qualquer dos dois partidos, viria ás Camaras, e pedir-lhes hia que, com a maior serenidade, com a mais inflexivel imparcialidade, desanuviadas as tristes nuvens das nossas tristes paixões politicas, tratassemos de resolver esses pontos, que a todos interessam. (Apoiados).

Para isso se conseguir era necessario que todos se unissem num só proposito- o de bem servir a patria - e apresentassem as suas ideias.

Pois pode alguem pensar - o mais extreme realista ou o republicano mais ardente - que haja interesse em que a revisão constitucional se faça sem o seu voto, e que a reforma eleitoral, mediante a qual se hão de fixar as condições para se entrar na representação nacional, seja elaborada sem audiencia sua?

Pois cada um d'elles não pode dizer - sem sacrificio do seu ideal - qual a Constituição que a todos ha de governar? E qual a lei por que todos hão de ser eleitos?

Todos - rotativos, excentricos, republicanos e dissidentes - teem o mesmo interesse.

Não conviria pois discutirmos aqui serenamente o que melhor convem aos interesses do país, pondo de parte todo e qualquer outro sentimento que não fosse o de bem servir a patria?

É isto impossivel ou até difficil? Não.

Para se fazer tal, basta apenas a boa vontade de todos.

Mas, Sr. Presidente, não peço nem se deve pedir só essa boa vontade e patriotismo aos partidos chamados rotativos.

Peça-se boa vontade e patriotismo a todos, a todos, e a cada um!

Todos os partidos, desde os mais conservadores aos mais radicaes, poderão collaborar na elaboração de uma Constituição, que ha de governar a todos.

Os dois partidos teem já mostrado que estão dispostos para esta obra. Os restantes - partidos e individualidades - que os ajudem, e creiam que hão de ser respeitados e attendidos no possivel os seus votos e os seus conselhos.

Quanto á lei eleitoral, pode discutir-se o que melhor convirá fazer, e essa discussão apurará qual o caminho a seguir.

Essa tambem a todos - a todos e a cada um sem excepção - interessa e aproveita.

Ha muitas innovações no direito eleitoral que já estão applicadas lá fora e que poderão talvez ser recebidas por nós.

O Digno Par Sr. Jacinto Candido - por exemplo - pronunciou-se a favor do voto obrigatorio.

Poderia vir o voto obrigatorio.

Mas, Sr. Presidente, eu quereria mais, eu queria a efficacia de todo o voto, se acaso é possivel obtê-la no nosso país com a educação que tem.

Desejava isto, porque, como a Camara sabe, perdem-se muitos votos.

Por exemplo: numa circunscrição em que haja 1:000 eleitores, bastaria aproveitar 501 votos em prol de um candidato, e para que os outros 499 não se perdessem pudessem aproveitar-se em favor de outro.

Poderia apreciar-se a selecção de listas como na Belgica.

Poderiamos ainda discutir o regimen de proporcionalidade de votos.

E o voto supplementar?

Na Belgica todos teem voto: basta-lhes a qualidade de cidadão.

Porem, os que, alem de serem cidadãos, teem outras categorias, como as provenientes da sciencia,, da fortuna ou da industria, teem até 3 votos.

Tudo isto são systemas ou partes de systemas que apenas esboço.

Mas porque não nos havemos "de unir todos para discutir estas questões?

Disse ha pouco qual se me afigurava o programma do Governo e o programma dos partidos.

Claro está que, alem d'estes assuntos, outros ha que chamam particularmente a attenção da Camara, como, por exemplo, o orçamento, as leis constitucionaes, lista civil, propostas de fazenda e a ratificação de alguns tratados.

A solução d'estes assuntos e outros pertencerá ao Parlamento.

E sabe V. Exa., sabe a Camara, o que eu penso neste momento?

No problema politico d'este país.

Onde está agora a principal solução d'elle?

Nem está no Governo, nem nos partidos rotativos.

Então onde está?

Está nas Côrtes.

É indispensavel que as Côrtes trabalhem e façam alguma cousa util á nação. É o que todos esperam e, o que mais é, o que todos teem direito a esperar. A tal respeito poderia dizer como o nosso épico: que a esperança da liberdade está na vossa lança.

Se a actual sessão se encerrar sem ter deixado após si qualquer cousa de pratico e positivo, podem todos ter a certeza de que entraremos em periodo grave.

É assim que eu, só com a minha autoridade de Par do Reino, que maior não tenho, peço e se é preciso supplico ás Côrtes que, cônscias das suas responsabilidades, tratem serenamente, com a maior imparcialidade, os assuntos que são chamadas a resolver, inspirando-se tão só e unicamente nos superiores interesses, do país.

E se eu alguma cousa nesse intuito conseguir, direi como o poeta:

Eu desta gloria só fico contente

que a minha terra amei e a minha gente!

Vozes: - Muito bem, muito bera. S. Exa. z foi cumprimentado por varios Dignos Pares.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco : - Em obediencia ao regimento, passa a ler a sua moção de ordem:

A Camara reconhece a necessidade de avigorar as nossas instituições politicas e assegurar a resolução dos nossos mais instantes problemas economicos e continua na ordem do dia. = José de Azevedo.

Não foi para ter o prazer de apresentar uma moção, que compendiasse as suas ideias, que elle, orador, pediu a palavra sobre a ordem.

Não foi tambem para illudir uma disposição do regimento, que prefere na concessão da palavra aquelles que se inscrevem sobre a ordem.

Esse dispositivo, applicado ás nossas assembleias legislativas, é como que um resto do dominio fradesco, que lhes imprime um aspecto universitario.

Não o irrita esse preceito regimental, nem contra elle se insurge.

Não o anima o proposito de contrariar qualquer dos seus illustres collegas.

Vem simplesmente expor as suas ideias, que constituem o peculio da sua consciencia.

Nestas circunstancias, julga-se dispensado de rebater os argumentos dos oradores que o antecederam, como dispensado se considera de quaesquer allusões ou referencias ao modo de ver expendido pelos que se lhe seguirem no uso da palavra.

Ainda assim não se furta ao prazer de cumprimentar o Digno Par Veiga Beirão, pelo discurso que S. Exa. proferiu, e ao qual se referirá no decorrer das considerações que vae ter a honra de submetter á consideração da Camara, porque tem de versar alguns pontos que foram objecto dos reparos de S. Exa. a

Se porventura discorda de algumas opiniões por S. Exa. expendidas, não é seu proposito contestá-las no momento actual, e isto porque, consoante o que mais de uma vez tem affirmado no Parlamento, se julga no direito de expor livremente o modo de ver sobre factos occorrentes, sem a minima quebra da disciplina partidaria.

Não pertence ao numero d'aquelles que, em materia politica, se submettem finalmente á razão dos outros.

Entende que cumpre o seu dever, expondo livremente aquillo que pensa sobre os diversos assuntos, porque só assim poderá justificar a sua attitude

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SESSÃO N.° 13 DE 1 DE JUNHO DE 1908 11

perante o Governo, que, aliás, devia estar todo presente a este debate.

Se tivesse necessidade de definir a sua attitude em frente do Governo, diria que lhe dispensa todo o seu apoio, mas não merece a sua confiança.

Não se afigure a alguem que isto é um paradoxo.

Este Governo tem o seu apoio, porque, estando constituido com elementos dos dois grandes partidos, a um dos quaes elle, orador, pertence, de suppor é que adopte alguma das medidas que esses partidos lhe indiquem.

Pode dar ao Governo, sem escrupulo, todo o seu apoio, mas a sua confiança só irá para um Ministerio que se mostre disposto a realizar todas as suas ideias.

Não apresenta, como tantos outros, um programma politico, mas tem em politica algumas ideias, e são essas ideias que vae ter a honra de expor á Camara.

Vae encarar a crise nacional sob tres aspectos: o seu aspecto politico, o seu aspecto economico e o seu aspecto colonial.

O problema politico está naturalmente constituido por um conjunto de outros problemas, que prendem com o desenvolvimento moral e com as instituições. • "

Na sociedade neo-latina nota-se logo uma primeira contradição, e é a que existe entre o progresso das ideias democraticas e a desigualdade de fortunas.

Ha por um lado o avanço das ideias igualitarias como suprema aspiração dos espiritos e por outro lado o desejo do gozo e fruição de bens que encontram em outras classes.

O orador em seguida apresenta diversas considerações tendentes a mostrar o contraste que existe entre as differentes aspirações que animam e agitam as sociedades modernas, e mostra os esforços que se empregam para dar solução a varias contradições que se manifestam por parte d'aquelles que se consagram a esses estudos.

O Digno Par Veiga Beirão apresentou diversas reflexões acêrca da instrucção no nosso país, e disse que ella deve ser tratada pelo Parlamento com carinho e com amor.

É indispensavel, realmente, que todos os portugueses consagrem o respeito que pertence aos votos e ás decisões parlamentares; mas esse problema complexo da instrucção não pode ser resolvido pelo Parlamento.

É um problema de especialidade, que tem de ser estudado e ponderado pelos technicos, em assembleias especiaes. O orador, dizendo que existem em Portugal 5:338 escolas de instrucção primaria, o que representa uma cultura de 200:000 crianças por anno, conclue que, ou é falsa a estatistica que nos attribue uma elevada percentagem de analfabetismo, ou, sendo exacta, as escolas não satisfazem ao seu fim.

Já se não ajeita aos tempos modernos a frase de Victor Hugo, que via o encerramento de cada prisão por cada escola que se abria.

Essa frase, que teve o seu successo nos idos tempos do romantismo politico, já hoje se não admitte como tendo um significado real.

Não basta criar escolas. É preciso que os paes possam obrigar os seus filhos a frequentá-las, e isto só se consegue por um de dois modos. Ou dando ás crianças, ao lado da instrucção, a assistencia de que precisam, ou tornando real a disposição da lei que criou o ensino obrigatorio.

Que se diria do legislador que impusesse qualquer funcção ao pae que não tivesse meio de compellir o filho a cumprir o principio moral de ir á escola?

Vê-se pois que, se os serviços de instrucção estivessem organizados de outra forma, mesmo com o numero de escolas que possuimos, não seria tão elevado é numero de analfabetos.

Tambem não é por termos maus programmas que temos uma má instrucção: os programmas são um effeito, não são uma causa.

O orador cita ainda o que em materia de instrucção se pratica na Suecia, na Suissa e na Dinamarca, e, vendo que se approxima a hora do encerramento da sessão, pede que lhe seja permittido continuar na sessão seguinte. (O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. tenha enviado as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - A deputação que ha de ir ao Paço entregar a Sua Majestade El-Rei alguns decretos das Côrtes Geraes é composta, alem da mesa, dos Dignos Pares:

José Luciano de Castro.

Julio de Vilhena.

Antonio Candido.

Pimentel Pinto.

Veiga Beirão.

Antonio Emilio.

Moraes Carvalho.

Os Dignos Pares serão avisados do dia e hora a que devem ser recebidos.

A proximo sessão é na quarta feira, 3 do corrente, e a ordem do dia a continuação da que, estava marcada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 20 minutos.

Dignos Pares presentes na sessão de 1 de junho de 1908

Exmos.. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, de Bomfim, de Figueiro, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Villar Sêcco; Viscondes: de Asseca, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João, de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

JOÃO SARAIVA.

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