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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Continua o extracto da sessão de 26 de janeiro de 1844.

Interpellação do sr. Serpa Machado, relativamente á circular da associação eleitoral.

O sr. Serpa Machado: — Sr. presidente, tem decorrido o largo periodo de vinte e quatro annos, depois que tenho tido a honra de tomar assento, e de fazer parte dos conselhos nacionaes, levado a elles pelos votos, por muitas vezes reiterados, dos meus concidadãos, e posteriormente collocado neste logar pela vontade real, que talvez quizesse mais prestar homenagem ás letras, que professo, ao mais alto gráo do magisterio a que tenho subido, e á respeitavel corporação a que pertenço, do que á minha individualidade, a qual, além de um amor sincero pelo bem da patria, e pela constante adopção de principios moderados em politica, nada mais representa do que uma modesta mediania. Tendo pois tido tantas occasiões de fallar em publico nas escólas, na cadeira, e na tribuna, nunca senti uma especie de acanhamento, de cobardia, de compressão, de animo, como agora, o que attribuo a ter de praticar um acto que nunca pratiquei nos differentes congressos, e que em certo modo contraria os meus principios e convicção; por quanto, entendo que o principal serviço desta camara consiste em cooperar para que se façam leis sabias e justas, e que tudo mais que a ella pertence é de uma importancia mais ou menos secundaria, e alguma outra materia inteiramente impertinente; entendo que as accusações ao ministerio são da competencia exclusiva da camara dos sr.s deputados, e que as censuras que se podem fazer na camara hereditaria, ou são inuteis, por não terem outro resultado mais do que uma especie de sancção moral, que nem sempre aproveita, ou são prejudiciaes, porque tiram de ordinario, sem vantagem, o vigor á authoridade governativa, o que é um mal de funesta consequencia, ou previnem o juizo da camara quando juiz. Apezar porém da verdade destes principios, que não abjuro, adopto uma excepção a elles pela gravidade das circumstancias da occurrencia de uma proclamação ou manifesto, com o nome de circular, que ataca pela raiz o systema constitucional, negando á camara dos pares a sua legitima authoridade, alcunhando-a de facciosa, oligarchica, e sem illustração nem independencia, estimulando os membros do corpo social a um mal entendido uso do direito de petição, e a uma especie de anarchia e de desobediencia ás leis e ao governo.

Quando se desatam por um modo tão insolito os laços sociaes, entre quem governa e é governado, quando se quer arrancar uma das pedras fundamentaes do systema politico da Carta, negando á camara hereditaria o seu poder e authoridade, condemnando-a ao despreso e á nullidade, poderiam ser taxados os membros desta camara de uma culpavel indifferença se se conservassem mudos espectadores de ataques tão virulentos á existencia deste poder politico do Estado, sem ao menos inquirirem a realidade do mal, suas causas, e os seus effeitos; e é por isso que eu, auxiliado pelos meus nobres companheiros, levanto a voz para obter do governo as informações precisas sobre assumpto tão vital e de tanta transcendencia. Se se tractasse de injurias individuaes, applicar-lhe-ia o apothegma. - Que dizer ou fazer injurias cabe aos invejosos e maldizentes, e o responder a ellas aos nescios. — (Apoiados.) Não é assim quando se ataca um corpo inteiro, quando se quebra a taboa da lei, quando se prega, por um modo insidioso, a desordem e a anarchia.

Desejo pois que o governo informe a camara se esta proclamação, ou circular incendiaria, publicada por differentes modos e dirigida a todos os angulos do reino, tem alguma existencia e realidade, ou se é alguma supposição gratuita, algum divertimento politico de meia duzia de charlatães e palhaços constitucionaes, que pretendem entreter a curiosidade publica? (Entrou o sr. ministro da justiça.) Se a maldade, a ambição vertiginosa, ou a demencia são os progenitores deste parto monstruoso, ou motivos menos deshonestos lhe deram a origem? Se em fim as assignaturas deste manifesto são verdadeiras ou suppostas? Pois eu não posso deixar de inclinar-me a que são suppostas, e que mão sacrilega quiz dourar tantas blasfemias e baixezas politicas com os nomes conhecidos dos assignantes.

Não é muito crivel que o auctor do opusculo — Portugal na balança da Europa, — e de tantas outras obras de litteratura que enriquecem a republica das letras, assignasse reflectidamente uma tal circular. Tambem me parece que um mancebo que encetou a nobre e brilhante carreira das armas e das letras, que é assás conhecido pela audacia dos seus vôos oratorios, e que batendo as suas azas politicas, tão leves como os seus pensamentos se perde em as nuvens, e obscurece o nosso horizonte politico, descesse á subscripção de uma cataplasma politica tão desarrazoada e indecente. Não menos duvido que um ancião respeitavel, que ha passado incolume por todas as vicissitudes do nosso paiz, que pela real munificencia ha subido de um grau mais ordinario de nobreza a outro mais elevado, viesse hoje com tão indiscreta assignatura menoscabar a classe a que pertence. E que em fim um outro magistrado de conhecidos talentos, que deu um salto mais ligeiro que o salto parabolico da pulga, do infimo logar da magistratura ao mais levantado no supremo tribunal de justiça por mercê real, viesse hoje constituir-se editor de plebiscitas. Não é de presumir que alguns destes distinctos varões viessem despojar a camara dos pares dos seus direitos e deveres, sómente porque os suppostos assignatarios a ella não pertencem.

Concluo por tanto que, sendo exacto e verdadeiro o mal, e não havendo nas leis actuaes remedio para elle, se proponha alguma para o remediar de futuro. O governo deveria ter averiguado a realidade do facto, e authenticidade das assignaturas, e, sendo ellas suppostas, como parece, deverá restituir-se a reputação áquelles, que na opinião de alguem, a hão desbotado. E por ultimo remate á minha interpellação, ou interrogação, como lhe chamo, declaro que o meu intento, no que hei dito, não é offender alguem nem individual nem collectivamente, mas tão sómente defender esta camara, como poder politico do Estado, contra os ataques tanto abertos como insidiosos feitos á legitima authoridade com que a dotou a Carta, que é a defeza da monarchia representativa, contra a republica e o absolutismo, a defeza da ordem contra a anarchia disfarçada, a defeza de uma das partes integrantes do poder legislativo, contra a rebellião supposta de alguns dos seus membros (muitos apoiados).

O sr. ministro dos negocios do reino: — Pelo que pude deprehender de tudo quanto acaba de dizer o digno par, vejo que s. ex.ª deseja que eu responda a duas perguntas que fez: consiste a primeira, em saber se a circular da associação eleitoral, a que s. ex.ª alludiu, é um verdadeiro fingimento, e se as assignaturas que alli apparecem são verdadeiras, ou suppostas; consiste a segunda, em saber se as leis que existem são sufficientemente fortes para cohibir os abusos, e punir os delictos que s. ex.ª entende serem commettidos naquella circular? Pelo que respeita á primeira pergunta de s. ex.ª, direi que não póde haver a menor duvida de que a circular não é um fingimento, e que as assignaturas que apparecem no exemplar publicado no Diario do Governo são realmente das proprias pessoas a quem ellas dizem respeito: eu posso asseverar isso, porque as vi e porque reconheço a letra da maior parte dos signatarios; não póde sobre este objecto haver a menor duvida. Além disto, tendo apparecido publicada uma similhante circular no Diario do Governo, e contendo ella materia tão grave, a não ser verdadeira teriam apparecido as competentes reclamações da parte dos inte-