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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 26 DE FEVEREIRO.

Presidencia do Exm.º Sr. Marquez de Loulé, Vice-Presidente supplementar.

Secretarios – os Srs.

Conde de Mello.

Brito Rio

Assistiam os Srs. Ministros, do Reino, cela Marinha).

Depois das duas horas, tendo-se verificado a 17 presença de 48 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte.

Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo sessenta exemplares das contas daquelle Ministerio, da gerencia do anuo economico do 1852 a 1853.

Foram distribuidos.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada leu e mandou para a Mesa o seguinte requerimento de esclarecimentos.

«Requeiro que pelo Ministerio do Reino se peça ao Governo uma relação dos juros, pensões, censos e fóros que recebem de ronda as Misericórdias e hospitaes das cidades do Porto, Braga, Evora, Leiria, a Coimbra; e das villas de Torres Sovas, e Santarem, declarando os nomes das pessoas que os pagam, bem como até que anuo estão satisfeitos estes encargos; o bem assim requeiro que o Sr. Ministro vá remettendo estas relações á Camara assim que as fôr recebendo; e peço se declare urgente este meu requerimento.»

Posto á votação, foi approvado.

ORDEM DO DIA.

Discussão dos pareceres tia commissão de petições, apresentados na ultima sessão.

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 200).

Á commissão de petições foi presente o requerimento do Doutor, Antonio José de Lima Leitão, em que se queixa rio Sr. Ministro e Secretario do Estado dos Negócios, da Marinha o Ultramar, Visconde d'Athoguia, por irão ter posto a concurso o lagar, de Conselheiro, do Ultramar, vago pelo fallecimento do Sr. Visconde de Almeida Garrett; e bem assim porque tendo o supplicante lançado o seu requerimento na caixa daquelle Ministerio, em 11 de Dezembro, já tarde e fóra da hora de despacho, lhe fôra indeferido, sendo lançado o despacho a 12 do mesmo mez, o que mostra haver sido o mesmo requerimento despachado naquelle dia 12, immediatamente á sua apresentação official, intendendo o supplicante, que o procedimento do Sr. Ministro é um flagrante desacato commetido contra a Pessoa e Direitos do Rei, marcados ao artigo 75.°, §4.º, da Carta Constitucional; e finalmente pede á Camara dos dignos Pares, 1.°: que avoque o requerimento do Ministerio por onde fora dirigido; 2.º que a mesma Camara faça effectiva a responsabilidade do Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar; 3.° que o logar do Conselheiro ultramarino, vago por fallecimento do Sr. Visconde de Almeida Garrett, seja posto a concurso, para se verificar o disposto no artigo 145.º, § 13.º, da Carta Constitucional.

O § 1.º do artigo 41.º da Carta, estabelece qual seja a attribuição exclusiva desta Camara dos dignos Pares, o diz o seguinte: «conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos Membros da Família Real, Ministros de Estado, Pares, etc.»

O artigo 42.° da mesma Carta diz: «no Juizo dos crimes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador da Corôa.»

Queixa-se o supplicante do Sr. Ministro pelos actos por elle praticados, que refere no seu requerimento; mas qual é a natureza dos actos porque é accusado? Serão elles crimes, cuja accusação pertença exclusivamente á Camara dos Srs. Deputados, ou dos mencionados no artigo 41.°, § 1.°?

Sendo dos primeiros 6 evidente, que nao pertence á Camara dos Pares tomar conhecimento delles, sem que previamente a dos Srs. Deputados accuse, perante ella o Sr. Ministro; sendo dos segundos, na conformidade do artigo 42.° cumpre, para que esta Camara possa tomar conhecimento delles, que o Sr. Ministro seja accusado pelo Procurador geral da Corôa; além do que, o § 2. do artigo 41.º, allegado pelo supplicante, que auctorisa esta Camara a conhecer da responsabilidade dos Secretarios e Ministros de Estado, etc., não se póde intender senão quando elles forem accusados na fórma estabelecida no § 1.º do artigo 41.°, e artigo 42.º

É tambem fóra das attribuições desta Camara mandar pôr a concurso os legares de empregos publicos, ou avocar os requerimentos, que pelos diversos Ministerios são dirigidos ao Poder Executivo.

Portanto, parece á commissão, que não pertence a esta Camara conhecer do objecto do requerimento do Doutor, Antonio José de Lima Leitão.

Sala da commissão, 17 de Fevereiro de 1855 = Barão da Vargem da Ordem = Visconde de Fonte Arcada.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 201).

Á commissão de petições desta Camara aquém foi presente um requerimento dos subalternos do quadro de todas as repartições, assignado simplesmente por um procurador, em que pedem ser contemplados na distribuição dos respectivos emolumentos, ou o augmento dos seus ordenados; é de parecer que não pertence a esta Camara o tomar conhecimento de tal pertenção.

Sala da commissão, em 12 de fevereiro de 1855. = Visconde de Fonte Arcada = Barão da Vargem da Ordem.

Como ninguem o impugnou, posto aí votação foi approvado.

Seguiu-se a interpellação do Sr. Conde de Thomar sobre a carta publicada na Independencia Belga.

O Sr. Conde de Thomar — Que tendo annunciado aos Srs. Ministros algumas interpellações, e achando-se presentes dous delles, desejava saber se S. Ex.ªs estavam habilitados para lhe responder. Lembrava que uma das interpellações era relativa a uma, correspondencia assignada pelo Sr. Duque de Saldanha, e publicada na Independencia Belga; que outra versava sobre negocios de Angola; e a terceira era relativa ao theatro de D. Maria II; mas que esta seria tractada em ultimo logar, porque ainda tinha de examinar documentos que ultimamente chegaram ao seu conhecimento.

O Sr. Ministro do Reino — Tanto o meu collega o Sr. Ministro da Marinha, como eu, estamos promptos para responder ás interpellações do digno Par.

O Sr. Conde de Thomar - Começaria pela interpellação relativa á correspondencia que ha pouco mencionara, e declarava, que entrava nesta discussão, não só pelo quê, lhe respeitava pessoalmente, mas a pedido de alguns dos seus amigos, que julgaram ser indispensavel exigir algumas explicações, sobre a correspondencia publicada na Independencia Belga de 14 de Outubro de 1854. Era doloroso para o digno Par ter de pedir explicações pessoaes, sobre materia tão delicada, a um Ministro que nada tinha com a questão, e que apenas vinha representar do procurador.

Era lauto mais doloroso para o digno Par o tractar desta questão na ausencia do nobre Duque de Saldanha, quanto não se considerava inteiramente á sua vontade, para dizer tudo que se lhe offerecia sobre a materia, pois receiava ser censurado por ir um pouco mais longe, não se achando presente o individuo a quem mais particularmente diz respeito o objecto em questão.

Sentia ter de repetir o que já dissera n'outra occasião, isto é, que a falta, do Presidente do Conselho nos debates parlamentares e injustificavel, principalmente, porque S. Ex.ª nao está incommodado, a ponto dê nao apparecer, como effectivamente apparece, nos espectaculos publicos; o que se torna ainda mais censuravel, porque é justamente nos dias em que se reclama a sua comparencia no Parlamento, e em que S. Ex.ª falta, por motivo de moléstia - que é visto passar as noites nos theatros; o que se acaba de verificar no dia em que o digno Par pretendeu a comparencia de S. Ex.ª na Camara, para responder á interpellação de que se tracta!

Que não podia admittir-se, que um Marechal do Exercito, postergando todos os principios de disciplina e obediencia militar, descesse ao campo da revolta para revolucionar o exercito, e destruir uma situação legal, com o unico fim do interesse individual; é para apoderar-se de todos os primeiros logares do Estado, como Presidente do Conselho, Ministro da Guerra, Membro do Supremo Conselho de Justiça Militar, Commandante em Chefe do Exercito, Conselheiro de Estado, Mordomo-mór, etc., etc.

Que é para admirar como o nobre Presidente do Conselho intende que satisfaz ás obrigações, que lhe impõe tão importantes cargos do Estado, deixando de comparecer nas respectivas repartições, e apparecendo simplesmente nos espectaculos publicos!

Que elle digno Par estava divisando no semblante de todos os dignos Pares que compõem a maioria, a grande, impressão que lho faziam as verdades -que -acabava de enunciar; e que por certo acreditavam, como elle digno Par, que por tal fórma o Governo representativo era verdadeiramente ludibriado; e que faltava inteiramente aos seus deveres aquelle que primeiro devia dar o exemplo de respeito aos principios e ás Leis.

Que ficasse ao menos constatado este facto, como significação dos princípios politicos, não do lado da Camara a que elle digno Par pertencia, mas do outro lado (o esquerdo), isto é, que ficasse constatado, que um Presidente do Conselho, e um Ministro da Corôa, podem nessa qualidade governar o paiz muitos annos sem comparecer nas Camaras legislativas! E ficasse tam bem intendido, que seguidos os principios de

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maioria, um Ministro da Corôa póde mandar defender-se no Parlamento por procurador!

Pedia licença para observar, que o procedimento do nobre Presidente do Conselho, nem é conforme aos principios, nem ás conveniencias constitucionaes. Que lhe parecia ser muito desairoso não comparecer S. Ex.ª nas Camaras legislativas e nas repartições a seu cargo, comparecendo todavia nos espectaculos publicos, recebendo aliás pingues e fortes ordenados por serviços que não presta! Perguntava elle digno Par o que se diria, e o que se faria — se um facto desta natureza apparecesse, quando havia tido a honra de estar nos conselhos do Chefe do Estado? Estava convencido, que uma só das supracitadas faltas teria servido de pretexto á opposição para levantar a bandeira da revolução, e arrastar os inapercebidos á anarquia. Que era na verdade para lamentar, que na actualidade, apontadas similhantes faltas, em logar de se lhes dar o competente remedio se lhes respondesse com risadas!

Não entrava por em quanto no desenvolvimento da materia da sua interpellação, e pedia ao Sr. Ministro do Reino, visto ser o procurador do nobre Presidente do Conselho nesta pendencia, que tivesse a bondade de lhe dizer: primo — se a correspondencia publicada na Independencia Belga, de 14 de Outubro do anno findo, e que se acha assignada pelo nobre Duque de Saldanha, é ou não authentica; secundo— se o pensamento do nobre Duque foi accusar a elle orador, e aos seus amigos, de haverem creado o que elle chama falsidade e calumnia da tentativa do rapto — para destruir a situação politica, e desacreditar a S. Ex.ª

Que não obstante ser este o pensamento, que julga dever attribuir-se a algumas expressões da mencionada correspondencia, não deseja entrar no desenvolvimento desta materia, sem primeiramente ouvir as propostas do Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Ministro do Reino — Estou pensando se me devo contentar dando apenas a resposta cathegorica que o digno Par exige ás suas duas perguntas, ou se me cumpre formular esta resposta comprehendendo tambem a que intendo dever dar ás observações de que S. Ex.ª acompanhou aquellas perguntas. Se a não dor (mas talvez dê), se a não der, asseguro ao digno Par que não ficará sem ella (O Sr. Conde de Thomar — apoiado). E comtudo parece-me conveniente da-la agora mesmo, se o digno Par assim o permitto,

Em primeiro logar, Sr. Presidente, das observações do digno Par tiro por conclusão um dilemma, que formo para mini mesmo, e vem a ser o seguinte: se o negocio, que occupa hoje a solicitude do digno Par e dos seus amigos, é um negocio ministerial, não sei para que vem S. Ex.ª arguir o Presidente do Conselho de não se achar presente, e de ter nomeado ou escolhido um procurador; porque os Ministros, que respondem em logar do seu Collega ausente, não são procuradores delle, são seus associados no Ministerio, e tem a responsabilidade solidaria dos seus actos, quando não declaram haverem estes sido tomados sem o acôrdo de todos. É isto, creio eu, o que se intende por solidariedade ministerial (apoiados).

Nem eu sei porque motivo se ache o digno Par menos á sua vontade por faltar aqui o Presidente do Conselho, quando nos achamos presentes dois Ministros seus Collegas, dispostos a não allegar a ausencia do interpellado, e a responder por elle como se neste logar se achasse. Mas se o negocio não é ministerial, o que me inclino muito a crêr, porque não é o Presidente do Conselho que escreveu como tal aquella carta, e sim o Duque de Saldanha, que poderá ter offendido um cavalheiro qualquer, ou ainda o digno Par, segundo S. Ex.ª deprehende da correspondencia que menciona... (O Sr. Conde da Taipa — Peço a palavra sobre a ordem) se o negocio de que se tracta, digo eu (sem pretender esquivar-me da resposta), não póde qualificar-se de ministerial, então não pertence a este logar.

Allega-se ter o Duque de Saldanha escripto uma carta, da qual uma ou muitas passagens haverão feito offensa a certo ou certos cavalheiros; pois bem; esse um, ou esses muitos cavalheiros, têem os meios que o bom trato entre pessoas distinctas, que o uso dos tempos, e as mesmas Leis permittem e aconselham a taes caracteres, para haverem resposta a qualquer pergunta, explicação de qualquer duvida, que possa dar-se sobre a intelligencia de frases, de periodos, contidos no escripto de que se tracta.

Ora, a carta cuja passagem o digno Par nota como offensiva, appareceu impressa em um jornal. Se o jornal foi o vehiculo da offensa, pare-me que esse ou outro o poderia ser para a reparação della, ou para as explicações que aqui se pedem — aqui, aonde se não disse uma só palavra sobre tal objecto.

E com tudo, apesar de conhecer a impropriedade do logar, não hesitarei em responder; e até para isso me acho authorisado; mas não se diga que faz falta o Presidente do Conselho; e conceda-se que o meu dilemma não é vicioso. Não quero evitar a resposta, bem alto o declaro, porque o Presidente do Conselho, não como Presidente do Conselho, mas como meu amigo, mas como um cavalheiro distincto, responderia do mesmo modo, ou como Ministro, ou como Duque de Saldanha; e eu que não desejo fazer menos do que faria o amigo que me encarregou do desempenho de um certo dever, não retirarei o corpo aos tiros do digno Par.

E suppondo que a Camara permitte que se tracto desta questão, que lhe não pertence ouvir, direi desde já que não vejo muito (mas póde ser que me engane) a propriedade com que o digno Par accusa o Duque do Saldanha de não vir assistir ás nossas sessões, digo, ás das duas casas do Parlamento: não acho o grave inconveniente, que tanto lhe pésa no coração, desta falta de um Ministro, que todos sabem achar-se doente. Afigura-se-me original esta curiosidade patriotica do digno Par, que cheio de zelo procura saber se o Duque de Saldanha vai ao theatro alguma vez? E indo alli por que não vem aqui tambem? Que obstaculo, que difficuldade haverá para isso? Não sei porque tão desconhecido seja o motivo da differença: um doente póde uma ou outra vez ir distrair-se ao theatro, embrulhado no seu capote, como se diz, e estar durante um quarto de hora, uma hora, ou mais ou menos, segundo as suas forças: vai para ouvir cantar, para ter algum tempo de diversão; e se alguem lá o interpellar, não tem obrigação de responder (riso). A sua vinda aqui, sejamos sinceros, o digno Par a deseja para o cançar com invectivas, para alterar-lhe o espirito, para entoar as sabidas recriminações; tudo a modo de deteriorar-lhe mais a saude, que ainda não póde com os combates parlamentares; e correria com elles risco de peiorar. Mas devia aqui vir, porque quem ouve madame Alboni tambem deve ouvir o digno Par, não ha duvida que é a mesma cousa (hilaridade).

Na verdade a musica é differente; e estou certo de que não haverá muita gente que nisto dê razão ao digno Par. Eu não sei o que S. Ex.ª leu nos semblantes dos membros da maioria desta casa. Não olhei para todos: esses em que puz os olhos não me disseram nada de novo; mas não basta o que me pareceu silencio ou indifferença, porque o digno Par é muito mais perspicaz do que eu, e não só leria nos semblantes, mas até lá por dentro do peito de cada um veria signaes de approvação ás bellas cousas que o digno Par disse: não os observei.

Tambem póde acontecer que o digno Par se enganasse, embora seja muito fino e penetrante, porque os nossos desejos illudem-nos não poucas vezes; e parece-me que a S. Ex.ª tem isso acontecido mais do que uma em suas observações.

No furor das suas invectivas não esqueceu o digno Par a frase tantas vezes por elle repetida por motejo — regenerar o paiz. Aqui temos ouvido da bocca de S. Ex.ª, que o Duque de Saldanha se lançára á praça publica a fim de acclamar essa chamada regeneração, que lhe rendera a Mordomia-mór, o Generalato em Chefe, a Presidencia do Conselho, o logar do Conselho de Estado, o do Supremo Tribunal de Justiça Militar; emfim, tudo: — mas que é tudo isso? É quanto o mesmo Duque tinha antes que o digno Par, incansavel e perseverante, lh'o fosse arrancando, e sangrando-o, por assim dizer, gota a gota, a fim de ter o prazer de o extenuar vagarosamente.

Não é só o Duque de Saldanha author de regenerações: outros têm feito esses movimentos, depois de cujo exito se viram maiores do que de antes eram, havendo ganho muito, se compararmos as posições. É bom não se tocar nestes pontos, porque todos sabem que, em quanto ao Duque de Saldanha, depois da regeneração nada mais é do que fora antes della: restituíram-lhe aquillo de que o haviam despojado, esquecendo todos os serviços que elle havia prestado a este paiz — fechando os olhos a tudo quanto elle e outro nobre Duque seu irmão de armai fizeram a favor da dynastia, e das liberdades patrias; e a cujas proezas devemos de certo a restauração das nossas instituições, e até o prazer de ouvirmos a voz do digno Par nesta Casa do Parlamento, e a minha propria, que não considero muito agradavel.

Sr. Presidente, sempre que trazemos para as discussões sobre assumptos politicos a nossa individualidade, e procurámos eleva-la á consideração e importancia de—necessidade publica; — sempre que reputamos a nossa pessoa objecto de amor, de odio, inveja ou curiosidade geral — alvo de todas as attenções, occupação de todas as parcialidades, diminuimos muito o nosso valor, ainda que algum tenhamos, e tiramos quasi toda a importancia ao objecto a que a pertendemos dar maior (O Sr. Conde de Thomar — apoiado).

Eu preso esse apoiado, porque não póde referir-se a mim, que não adoeço da molestia que descrevi, e que em todas as questões de que trato hoje, e de que tenho sempre tratado, neste ou em outro qualquer logar, jamais fiz grande caso de mim proprio; e agora mesmo occupo-me de outra pessoa.

Disse o digno Par, que se no tempo da sua administração tivesse acontecido o mesmo, ou metade do que hoje succede, não faltariam, revoluções.

Que elogio faz o digno Par á administração de que foi Presidente, e á opinião de que neste paiz gosou?

Donde virá pois o motivo por que, apesar das faltas arguidas pelo digno Par — havendo neste paiz liberdade de imprensa, que póde dizer-se illimitada — donde virá que não se tendo feito um só processo politico, e não havendo nas prisões um só réo de taes crimes desde que a administração actual governa o paiz — não se tendo perseguido ninguem — não se tendo feito a menor differença quanto aos individuos pertencentes aos diversos partidos politicos, e havendo-se dado o exemplo de completo esquecimento dos odios entre as parcialidades em que nos vimos por tantos annos divididos; donde virá, digo eu, que nenhuma revolução, nem o menor receio della tenha existido depois da regeneração?

Será porque o espirito publico, adverso a nós, mas generoso ou compassivo, nos quer perdoar os nossos crimes? Se assim é, devemos muitas finezas e obrigações ao espirito publico.

Mas, intenda-se bem, que um povo offendido não perdoa antes de vencer; o nosso está longe de ser vingativo depois da victoria contra os seus adversarios; costuma compadecer-se de uns, e lançar outros ao desprego, segundo o que avalia de cada um.

A verdade é que ainda hoje ninguem se moveu em sentido de reacção contra o Governo, posto que a fome nos tenha ameaçado pela escacez de cereaes e dos vinhos, de que tamanhos damnos tem resultado a proprietarios e a trabalhadores, e a todas as classes da sociedade; apesar de ter havido alterações nas visinhanças do paiz, da guerra na Europa, e de grandes calamidades em parte do nosso territorio, sem faltarem molestias epidémicas, e todos estes trabalhos que são sua inevitavel consequencia. Nada disto nos tem faltado; e não obstante isto, a paz publica se ha mantido inalteravel; o povo permanece tranquillo contemplando todos estes acontecimentos, e padecendo por alguns delles. A asserção do digno Par não me parece mui propria para servir ao seu proposito de demonstrar a vantagem do seu systema ao nosso; a favor de alguem póde ella ser, mas duvido que se torne favoravel a S. Ex.ª E asseguro á Camara, que nunca eu mencionaria as circumstancias que notei, se o digno Par não me obrigasse a isso: não gosto de voltar sem necessidade os olhos ao passado, e causa-me horror cavar nas sepulturas dos mortos.

Eu não sei como o digno Par achou essa approvação de que fallou, nos semblantes dos dignos Pares que compõem a maioria, assegurando ao mesmo tempo, que ás suas palavras se respondia com risadas! Parece-me, em verdade, que entre uma e outra demonstração ha a differença mais significativa de sentimentos oppostos. Não entro, não posso entrar na consciencia dos membros da Camara. À consciencia, segundo diz um escriptor moderno, é o orgão mais divino da humanidade; e sendo divino, quem o póde penetrar? (Riso.) O que eu posso affirmar ao digno Par é, que em quanto S. Ex.ª fallava não sairam risadas deste banco, nem costumam sair.

Agora, e depois de ter aventurado estas breves observações, sobre o que disse o digno Par, participar-lhe-hei, que me acho authorisado por uma carta do nobre Duque de Saldanha para responder ás suas perguntas. Affigura-se-me que o melhor modo que tenho de o fazer, o mais suave, e o mais conforme aos desejos do nobre Duque, é lendo a carta que S. Ex.ª me dirigiu: e se fôr necessario alguma explicação mais, dá-la-hei, que tambem estou para isso authorisado. Eu desejo saber qual é a passagem offensiva, porque não vi a Independence belge, e o Duque de Saldanha não teve esse jornal. Deu-me um folheto, no qual vem uma carta sua, datada de 28 de Setembro de 1854. O paragrapho primeiro da dita carta parece ser o que contém as palavras alludidas. Ella está em francez, mas tenho a traducção portugueza do seu auctor, e julgo que é melhor substituir a traducção deste áquella que eu podéra fazer (leu).

«Um acontecimento para mim gravissimo, porte que importa essencialmente á minha honra, pondo em dúvida o meu caracter, e os meus princípios civis e religiosos, tem sido apresentado á Europa pela imprensa periodica da opte posição, com o fim unico de abalar a situação politica, atacando-me e desvirtuando-me como seu chefe; e tentando, talvez por esta fórma, justificar o chefe da situação anterior de graves imputações que lhe foram feitas.»

Creio que é esta passagem, que acabei de ler, a que contém a allegada injuria.

O Sr. Conde de Thomar — Ainda ha mais.

O Orador — Eu não tinha lido toda a carta: mas observarei que o Duque de Saldanha diz na que me escreveu, o seguinte: «Julgo ser a ultima expressão deste paragrapho aquella a que o digno Par se refere.»

E continúa no paragrapho seguinte: «V. Ex.ª «conhece quanto eu desejo evitar tudo quanto possa ferir a susceptibilidade dos nossos adversarios politicos; e quam sinceramente busco não dar motivo a que se duvide da nossa tolerancia.»

Depois de algumas linhas, que não vem para o caso, prosegue assim: «Pelo que levo dito vê V. Ex.ª que eu escrevi a carta que agora intendo foi publicada na Independencia belga. O sentido daquella expressão era tão obvio que me parece não ser susceptivel de outra interpretação além do pensamento que tive quando escrevi: esse pensamento foi o seguinte — Que a imprensa da opposição, fazendo-me tão graves imputações, tinha o fim politico de collocar-me em estado identico ao do chefe da passada adie ministração, a quem tambem graves imputações tinham sido dirigidas pela imprensa da opposição; mas eu protestando logo contra estas falsas accusações, declarava que ia chamar te aos tribunaes a imprensa que assim me aggredia. Já se vê que o meu procedimento tendia á minha justa defeza e justificação.»

À vista disto é claro que o Duque explica a razão da não offensa em suas palavras, e leva aonde se póde levar a sua delicadeza, terminando assim: «Tal foi o meu unico pensamento, quando escrevi o periodo a que julgo ter-se referido o digno Par Conde de Thomar.»

Perguntou o digno Par se o Duque de Saldanha escreveu a carta que corre impressa? Respondo que sim, auctorisado por S. Ex.ª Pergunta mais o digno Par, se a opposição a que se refere a carta, é a sua, e dos seus amigos politicos? A isto é que lhe não posso responder; e não posso, porque para a opposição, como sabemos, concorrem todos os descontentes, e até opposições se costumam ás vezes formar de caracteres que se unem para esse fim unico, mas que têem politica differente (O Sr. Conde da Taipa — Apoiado). O mesmo digno Par, cuja voz soou agora, é um exemplo do que acabei de dizer; porque nunca o conheci da opinião politica do Sr. Conde de Thomar.

(O Sr. Conde da Taipa — Eu estou ainda no mesmo estado).

O orador — Pois bem, aqui está um digno Par que faz opposição a todos, e a tudo (riso). Digo pois, que segundo a intelligencia que o nobre Duque de Saldanha dá ás suas palavras, elle, que não é capaz, não digo agora que não corre perigo algum, mas quando o houvesse e grande, de modificar por condescendencia alguma o pensamento que tivera ao escrever quaesquer palavras, digo que o que S. Ex.ª quiz significar está assas explicado. Por essa significação responde, e responderia por outra, se outra tivesse querido dar ao que escreveu. Não póde haver quem duvide de que o nobre Duque é homem para dar todas as explicações como cavalheiro» seja a quem fôr, e de que natureza ellas forem. O Duque de Saldanha declara a intelligencia que deu a essa frase que acabei de ler. Diz S. Ex.ª, que tendo sido feitas varias imputações, e accusações, ao digno Par o Sr. Conde de Thomar, quando Ministro, uma dellas era, que o digno Par não chamava aos Tribunaes os seus accusadores; elle Duque de Saldanha não queria que similhante imputação se fizesse a elle, e por isso, intendendo que a gente que era adversa á sua politica folgaria de que imitasse o Sr. Conde de Thomar, não levando aos Tribunaes os seus detractores, é que S. Ex.ª declarava que procederia de diverso modo, chamando-os a juizo, e retirando assim aos seus adversarios, e amigos politicos do Sr. Conde, a vantagem que estimariam que elle Duque lhes desse.

Assim é que eu intendo o sentido das palavras da carta que acabei de ler. Estas palavras foram ouvidas, e ninguem, espero eu, dirá que o sentido que lhes dou não é obvio e litteral.

Eis aqui tudo quanto posso dizer sobre este objecto; e o que disse foi apoiado no texto da carta que tambem li. O digno Par fica pois sabendo, e a Camara igualmente, qual foi o pensamento que o Duque de Saldanha teve quando fez a referencia de que o digno Par se queixa. Se houver ainda alguma duvida, aqui estou para resolve-la se puder: o digno Par o dirá.

O Sr. Conde de Thomar: disse que o discurso do Sr. Ministro do Reino teve duas partes, uma graciosa, e outra séria; a graciosa foi aquella em que S. Ex.ª commentando com a graça do costume alguns argumentados apresentados pelo orador desafiou a hilaridade da Camara; a parte séria foi aquella em que S. Ex.ª, entrando verdadeiramente na questão, leu uma carta assignada pelo Sr. Duque de Saldanha, pela qual S. Ex.ª pede ao Sr. Ministro, haja de dar explicações sobre a questão que se agita, explicando ao mesmo tempo o verdadeiro sentido das phrases que mereceram a attenção do orador. Em vista do que se contém na referida carta, deixa-se ver claramente que o Sr. Duque de Saldanha justifica a presente interpellação, pois S. Ex.ª reconhece que as phrases alludidas podiam effectivamente ferir a susceptibilidade de alguem, e que por isso as eliminara em todas as cartas que havia dirigido sobre a questão do rapto para differentes pontos da Europa, menos em duas, entrando neste numero a que se publicára na Independencia Belga. Melhor fora (disse o orador) que tivessem sido eliminadas em todas as cartas, porque assim se teria evitado a presente interpellação sem sabe que o negocio de que se tracta não é rigorosamente ministerial, mas que não póde deixar de attender-se que o Sr. Duque de Saldanha falla de si neste documento como Presidente do Conselho, fazendo tambem referencia á situação politica, de que se diz chefe; e falla ao mesmo tempo delle (orador) como Presidente da Administração precedente, alludindo tambem ao partido que o sustentára. Que fallando-se assim de partidos politicos e dos seus respectivos chefes não podem ser estranhadas as explicações que se exigirem neste ponto.

Ninguem podia estranhar que o Sr. Duque de Saldanha, como homem privado defenda a sua honra, mas quando nessa defesa envolver o descredito dos seus adversarios politicos é neste logar que nós havemos de exigir as convenientes explicações. Que os homens de honra collocados em tão altas posições não devem recorrer a sophismas nem a subterfugios alguns para deixarem de explicar os seus actos; bem pelo contrario, quando no Parlamento são a tal respeito interrogados, devem francamente explica-los e justifica-los.

Tambem conhece a extensão e limites da solidariedade ministerial, mas tambem sabe que ha questões tão pessoaes e tão restrictamente ligadas á pessoa de um Ministro, que só elle é competente para dar as devidas explicações, e que desta natureza é a questão de que se tracta. Não teria portanto duvida de repetir, que sente profundamente não vêr presente o Sr. Presidente do Conselho; tanto mais que se julgaria á sua vontade para exigir explicações que respeitam a honra de S. Ex.ª, assim como a honra delle orador, e do seu partido.

Que ninguem deixará de conceber que elle orador se julgaria authorisado a dizer certas cousas na presença do Sr. Duque de Saldanha, as quaes todavia, por generosidade, se vê obrigado a calar na sua ausencia. E não sabe o Sr. Ministro do Reino qual foi a caridade patriotica com que elle orador veio fallar neste objecto!... Imaginou S. Ex.ª que se aproveitou a occasião para censurar o nobre Presidente do Conselho do abandono completo em que deixa todas a repartições a seu cargo, frequentando aliás os espectaculos publicos, e commentando com a graça que o destingue, o procedimento delle orador, deu maior vulto a esta censura do que na realidade tinha!... Recorde-se a Camara (diz o orador) do bem desenhado quadro da figura, que S. Ex.ª attribuiu ao nobre Duque de Saldanha, para justificar o seu procedimento. — «O Presidente do Conselho (disse o Sr. Ministro do Reino), não comparece, é verdade, nas Camaras, e comparece todavia no theatro de S. Carlos; mas que diferença! Ao theatro vai elle, temas embrulhado n'um capote, e mettido a um canto ouve por espaço de um quarto de hora te Mad. Alboni, sem comtudo ser obrigado a dizer palavra, nem a responder ás interpellações do digno Par!...» Eis-aqui (continuou o orador) o segredo do negocio: não esperava que

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uma tal defesa podesse ser adduzida para justificar o procedimento irregular do Sr. Presidente do Conselho! Fica-se intendendo que o Presidente do Conselho comparece, e pode comparecer nos logares onde não tem obrigação de fallar, ou dar conta dos seus actos! É inadmissivel uma tal defesa, além de ser pouco exacto o fundamento, porque todos tem presenceado, que o Sr. Duque de Saldanha não apparece embrulhado n'um capote, nem se conserva no theatro unicamente um quarto de hora a ouvir Mad. Alboni! Apresenta-se quasi diariamente nos espectaculos publicos, onde se demora todo o tempo que elles duram, com ar alegre e satisfeito, e em prova do que dizia, offerecia o testimunho de todos os habitantes da capital.

Que sentia ter descido a similhantes detalhes, mas a culpa fora do Sr. Ministro do Reino, que julgou dever defender o seu collega, fazendo delle uma triste pintura, e que não pode por isso decidir se o discurso do Sr. Ministro do Reino foi uma defesa ou uma ironia! Que era certamente melhor que o Sr. Ministro do Reino defendesse o Presidente do Conselho com razões, e não com gracejos (apoiados).

E extranhou tambem o Sr. Ministro do Reino que o orador viesse trazer para esta discussão o movimento da chamada regeneração! Se tivera presentes os Diarios das Camaras desde 1842 até 1846 poderia mostrar pelos proprios discursos do Sr. Ministro, que S. Ex.ª durante esse periodo se occupou muitas vezes do acontecimento de 1842. Que não sabe elle orador a razão por que os seus adversarios politicos tinham direito de fazer referencia a um facto de que julgam poder tirar partido contra elle orador, querendo impedi-lo de empregar similhante meio em circumstancias iguaes. Que o Sr. Ministro do Reino recorrera a argumentos dê sentimentalismo para desinvolver sympathia a favor do Sr. Duque de Saldanha, e pretender lançar sobre o orador e seus amigos todo o odioso, não só por se acharem elles culpados na accusação que foi dirigida contra o Sr. Presidente do Conselho, mas porque este nada havia lucrado com o movimento da regeneração, tendo apenas recuperado aquellas posições de que havia sido espoliado gota a gota por elle orador! Pedia antes de tudo, ao Sr. Ministro do Reino, declarasse positiva e claramente quem eram esses individuos que haviam lucrado tanto como o Duque de Saldanha pelo acontecimento de 1842. Que já n'outra sessão mostrára evidentemente a grande differença que existia entre o movimento de 1842 e o de 1851. Que bastaria attender, que depois da restauração da Carta em 1842 nem um unico Alferes havia sido despachado; que o proprio commandante das força militares, que apoiaram aquelle movimento, e que se acha sentado adiante delle orador, não tivera promoção alguma; e que sem fallar de outros muitos, elle orador, sendo aliás o Presidente da Junta provisoria, nenhuma graça havia recebido. Que muito depois foram, é verdade, alguns dos que apoiaram esse movimento, promovidos a differentes logares, mas que ninguem poderá deixar, de reconhecer, que se attendêra sómente ao seu merecimento.

Sentia que o Sr. Ministro do Reino, na defeza que apresentava do seu collega, proferisse inexactidões que davam logar a uma analyse bem pouco vantajosa para o Sr. Duque de Saldanha. Que não era verdade ter S. Ex.ª resgatado sómente as posições de que se dizia expoliado antes da regeneração; e a frase espoliação gota a gota não podia ser sustentada, nem em vista dos principios, nem em vista dos procedimentos do nobre Duque. Que fora, sim, demittido de membro do Supremo Conselho de Justiça militar, e de primeiro Ajudante de El-Rei, porque o nobre Duque faltando a todos os deveres de respeito que as leis militares impõem ao inferior para com o seu superior (e ninguém pode duvidar que o Ministro da Guerra, militarmente fallando, é superior ao Marechal do Exercito) escrevera officios altamente injuriosos ao Sr. Ministro da Guerra, e que este julgára, e com razão, que não podia continuar a ser conservado em cargos que o Governo considerava de commissão, um militar que assim faltava aos seus deveres, e que pela sua posição de Marechal do Exercito devia ser o primeiro a dar o exemplo de subordinação e respeito para com o seu superior. Que bem longe de dever extranhar-se um similhante acto do Governo, a que havia tido a honra de presidir, devia pelo contrario ser tido como suave, porque noutro qualquer paiz um conselho de guerra deveria ter applicado ao Duque de Saldanha as penas que as leis militares estabelecem contra os militares insubordinados, e que faltam ao respeito aos seus superiores. Pedia se considerasse em boa fé este negocio, e se dissesse se era possivel conservar n'uma repartição dependente do Ministerio da Guerra um Marechal que praticasse actos de similhante natureza?!

Que tambem fora dimittido de Mordomo-mór, mas que este negocio fora já devidamente explicado n'outra occasião, e que agora diria muito resumidamente, que a dimissão procedera de haver o Duque de Saldanha pertendido aproveitar a sua posição de Mordomo-mór, para constantemente mover intrigas junto do Chefe do listado, acabando por entregar ao mesmo Chefe do Estado uma exposição, na qual se proferiam as maiores calumnias contra o Ministerio daquella época.

Que não póde deixar de sustentar, que é contra as conveniencias politicas, e contra os principios, que exista ao lado do Chefe do Estado, quem aproveita toda a occasião de promover intrigas, as quaes podem dar em resultado a instabilidade dos negocios, e muitas vezes o transtorno da ordem publica.

Perguntaria ao Sr. Ministro do Reino, se o nobre Duque de Saldanha resgatou, pelo movimento da regeneração, o cargo de Conselheiro de Estado, de que se diz o orador o havia dimittido; pois era certo que o Duque de Saldanha não havia sido dimittido de similhante cargo, nem por elle orador, nem por outro algum Ministro; e que assim o Sr. Ministro do Reino havia, nesta parte, proferido uma grande inexatidão, pois é sabido, que o Sr. Duque de Saldanha se dimittiu voluntariamente de tão alto cargo, durante a revolução de 1846. Notava, comtudo, haver muito impropriamente ter-se trazido este caso para a discussão, porque dava logar a que elle orador dissesse, que, não obstante ter o Sr. Duque de Saldanha sido restituído a um tal cargo, porque imperiosas circumstancias exigiam a sua comparencia nos Conselho do Chefe do Estado, ainda depois dessa restituição, nem uma só vez alli compareceu! Perguntaria tambem ao Sr. Ministro do Reino, se foi para resgatar o cargo de Commandante em Chefe do Exercito, que S. Ex.ª emprehendeu o movimento regeneratorio, ou se elle orador o havia effectivamente dimittido de um similhante cargo? Que não podendo dar-se uma resposta affirmativa á segunda parte da pergunta, podia sem escrupulo dizer-se que tal movimento fora emprehendido para deslocar as dragonas de Commandante em Chefe do Exercito dos hombros de El-Rei, Esposo da Rainha, para os hombros do Duque de Saldanha!!!

Seria melhor (exclamou o orador) que se não fizesse allusão a similhante objectos, porque a sua discussão obriga a explicações pouco favoraveis á pessoa, que se pertende defender.

Que se admirara o Sr. Ministro do Reino de haver elle orador dito, que divisava nos semblantes da maioria a approvação de todas as razões que apresentára, para censurar a falta de comparencia do Presidente do Conselho nas Camaras legislativas, e que não sabia a razão por que ò digno Par fallára de risadas, como resposta a essas razões, quando nem dos bancos dos Ministros, nem da maioria taes risadas tinham saído! Em primeiro logar, não sabia como o Sr. Ministro do Reino se julgava auctorisado para dizer, que elle orador se referira a risadas saídas da maioria. Que nunca fora sua intenção, nem tivera pensamento de attribuir o argumento das risadas á maioria, porque nella contava muitos amigos pessoaes, e não seria elle orador quem proferisse uma asserção, que do outro lado poderia ser tomada como offensa; mas que appellava para a consciencia de todos, sobre a procedencia das razões, que havia adduzido para censurar a falta de comparencia do Presidente do Conselho nos debates parlamentares.

Que o Sr. Ministro do Reino intender, que o orador dava uma pessima idéa da sua administração quando asseverou — que se alguns dos actos que tem agora sido praticados, tivessem logar naquella administração, a bandeira da revolta teria sido levantada, e teria effectivamente feito uma revolução. Que as revoluções não se fazem agora porque a imprensa não tem algemas, e porque as cadêas estão vasias de presos politicos! Parecia impossivel (continuou o orador), que o Sr. Ministro do Reino falle por esta fórma na presença dos que tem conhecimento dos factos da época. S. Ex.ª não podia deixar de conceber, que á roda do Governo estão os que sempre arvoraram a bandeira das revoltas, que a imprensa não está agora mais livre do que em épocas anteriores, porque nunca ella fora tão perseguida, como durante a administração actual. Não era bastante fazer referencia a uma lei que se julga mais ou menos coercitiva dos abusos de liberdade de imprensa, é necessario attender mais particularmente ao facto da perseguição, e por cada uma querela contra a imprensa, dada durante a administração de que o orador fora presidente, poderia apresentar dez querelas, durante a administração actual! Pedia ao Sr. Ministro do Reino apresentasse a estatistica das querelas dadas n'uma e n'outra época, e se conheceria então a verdade do que elle orador acabava de expôr. Finalmente, que as cadêas não estão tambem agora mais vasias de prezos politicos, do que durante a administração de 18 de Junho. Que alguns existiam até esse dia ou presos nas cadêas ou fugitivos, mas que todos elles eram victimas do Duque de Saldanha, e aos quaes elle orador, e os seus collegas deram liberdade por isso mesmo que o primeiro acto que aconselharam ao Chefe do Estado, apenas organisado esse Ministerio (de 18 de Junho) foi uma amnistia ampla para esses crimes politicos. — Podiam os seus adversarios escrever artigos de jornaes, falsificar os factos e a opinião publica, mas fiquem bem certos de que sempre que vierem á discussão hão-de ficar confundidos, porque os factos fallam mais alto, e convencem mais do que as figuras rethoricas, e os gracejos do Sr. Ministro do Reino.

Dadas estas explicações em resposta ao que no intender delle orador fora impropriamente trazido á discussão pelo Sr. Ministro do Reino, passou a occupar-se da parte séria do discurso do dito Sr. Ministro, e que é relativa ao contheudo da correspondencia publicada na Independencia Belga. — O orador senti-o não poder referir exactamente palavra por palavra o contheudo da carta que o Sr. Ministro do Reino agora lêra, para explicar o verdadeiro sentido da outra carta publicada na Independencia Belga. Disse, porém, que faria a diligencia para referir com a maior exactidão possivel, ao menos o sentido das ditas frazes, e que pedia ao Sr. Ministro do Reino rectificasse qualquer erro, que elle orador por ventura commettesse.

«Disse o Sr. Duque de Saldanha (continua o orador), que para mostrar quanto elle deseja não ferir as susceptibilidades dos seus adversarios politicos riscara em todas as cartas, menos em duas, as expressões que elle imagina serem aquellas, que feriram o orador, mas que o sentido dellas era obvio, e que só tivera em vista a sua propria defeza, por quanto elle intendera que a imprensa da opposiçao, accusando-o tão gravemente pelo acontecimento da tentativa de rapto, e tendo, accusado o Presidente da Administração

precedente fazendo-lhe imputações graves; nenhuma outra cousa tinha em vista senão colloca-los na mesma posição, a fim de que a razão dada pelo sobredito Presidente do Conselho da Administração anterior, não chamando os seus accusadores aos Tribunaes, colhesse em sua defeza não chamando igualmente o Duque de Saldanha aos Tribunaes os seus accusadores pela tentativa do rapto, no que se haviam enganado, porque elle logo annunciára, que ia effectivamente chamar aos Tribunaes os ditos seus accusadores.

Se estas não são as expressões, ou pelo menos o sentido das phrases, que se conteem na carta do Sr. Duque de Saldanha, a qual o Sr. Ministro do Reino acaba de ler, peço a S. Ex.ª tenha a bondade de fazer a devida rectificação.

O Sr. Ministro do Reino — O que posso fazer é repetir a leitura, e parece-mo que isso satisfará mais, porque aquillo que está escripto fórma para mim uma especie de texto de que não posso affastar-me, mas se for necessario fazer a glosa eu a farei. Creio que não & na traducção que o digno Par tem duvida.

O orador — A intelligencia que dá ás palavras...

O Sr. Ministro — Pois eu leio (leu).

O orador — Muito bem, observo pois que não intendi mal (disse o digno Par), e comprehendi exactamente o pensamento do nobre Duque. Tenho comtudo o sentimento de dizer que a explicação dada, só me poderia satisfazer se ella não estivesse em desaccordo com um paragrapho da carta publicada na Independencia Belga. O nobre Duque escreveu, que a imprensa periodica da opposiçao o accusou do crime de tentativa de rapto de uma menina de doze annos -para caiar com seu filho, com o unico fim de destruir a situação politica, atacando-a e dei acreditando-a na pessoa do seu chefe (elle Duque de Saldanha) com o pensamento talvez de justificar por este meio chefe da situação precedente das graves imputações em outra época dirigidas contra elle (Conde de Thomar).

Com estas palavras não quiz o Sr. Duque de Saldanha offender-me, tractou só da sua defeza. O que pertendeu foi mostrar, que se eu tinha deixado correr á revelia graves insinuações, que me foram dirigidas pela imprensa da opposição, elle, longe de proceder assim, havia chamado aos Tribunaes o seus accusadores!

O nobre Duque de Saldanha esqueceu-se sem duvida de que na carta publicada na Independencia Belga, confessa S. Ex.» ter, como eu, supportado insinuações malevolas e pérfidas, e por estas nunca S. Ex.ª chamou aos Tribunaes os seus accusadores!

(Segue-se um pequeno dialogo entro o orador e o Sr. Ministro do Reino, sobre a exactidão da traducção do paragrapho a que se fez referencia, que se omitte por pouco importante, é porque a final se mostraram accordes).

Toda a Camara, porém, sabe que o Sr. Duque do Saldanha foi uma e muitas vezes accusado pela imprensa da opposiçao, e especialmente por um jornal, que hoje defende a politica do Governo — de ladrão, concussionario, Ministro vendedor de graças e contractos, e presidente da administração mais deshonesta que tem, havido neste paiz!!! Tenho para mim (diz o orador) que todas estas accusações foram falsas, mas contra mim nunca se dirigiram nenhumas mais graves.

Se eu (continua) não chamei aos Tribunaes ordinarios os meus accusadores, qual foi o procedimento do Duque de Saldanha? Toda a Camara sabe tambem, que o Sr. Duque de Saldanha nunca chamou aos Tribunaes nenhum dos periodicos, que tão clara, positiva, o gravemente o accusaram. Se as nossas situações a este respeito (diz expressivamente o orador) eram identicas, como pode S. Ex.ª fazer referencia a este meu procedimento, inculcando que é mais cavalheiro e mais honrado o seu procedimento, chamando agora aos Tribunaes os seus accusadores na accusação à tentativa do rapto!? E como póde S. Ex.ª justificar a allusão, que na dita correspondencia faz á minha pessoa, lembrando accusações que nenhum dos meus inimigos se tem atrevido a tomar como base de um processo por mim tantas vezes reclamado no Parlamento?! O Sr. Duque de Saldanha accusou-me nos seus papeis officiaes, e tinha obrigação de me fazer processar; os meus inimigos accusaram-me e tomaram o compromisso de repetir essa accusação, quando tivessem uma cadeira no Parlamento. Uns e outros faltaram, e depois do que se passou na sessão de 1834, quando eu comparecendo pela primeira vez na Camara lhes lancei a luva, que não ousaram levantar, são todos réos diante de mim, e não podem já mais levantar a voz para fallar em accusações passadas (muitos apoiados).

O Sr. Duque de Saldanha, desprezando todas as graves accusações que mencionei (diz o orador), intendeu que só devia chamar aos tribunaes os seus accusadores pela accusação da tentativa do rapto. Não quero descortinar os motivos do procedimento de S. Ex.ª Não me importa mesmo saber a forte razão que o levou a querer-se justificar dentro e fora do paiz. Escreva S. Ex.ª quantas correspondencias quizer, publique quantas justificações lhe aprouver, mas não faça nellas allusões desleaes aos seus adversarios. Se eu me não importo com o Sr. Duque de Saldanha, se me não importa que S. Ex.ª procure uma rica herdeira para casar com seu filho, empregando meios licitos ou illicitos, para que ha-de S. Ex.ª lembrar-se de mim, afigurando-se-lhe que eu sou a sombra de Nino, que o acompanha no remanso do seu gabinete, no meio dos seus prazeres, e talvez nos seus proprios desgostos!...

Não serei eu quem venha tractar nesta Camara da questão da tentativa do rapto, e das circumstancias que o acompanharam; esse facto aconteceu estando eu no campo, separado inteiramente de todos os negocios, e formei desde logo tenção de nunca dizer uma palavra a tal respeito. A que proposito veio então o Sr. Duque de Saldanha arrastar o meu nome e do partido a que pertenço para uma tal questão? A que proposito dizer S. Ex.ª, como diz, ou pelo menos como dá claramente a intender, que a senhora viuva Ferreira se tornou instrumento docil da perseguição politica, que dirigem contra S. Ex.ª os homens do partido, cuja preponderancia S. Ex.ª paralisou no paiz, não os comprimindo com mão de ferro, mas pelos meios do doçura e de legalidade que toda a Europa conhece?

Esse partido era incapaz do vergonhoso procedimento que lhe imputa o Sr. Duque de Saldanha: esse partido era incapaz de crear uma falsidade e uma calumnia para prejudicar o caracter do chefe da situação (apoiados),

E como póde dizer-se que foi o partido decaído que creou a falsidade e calumnia de que le queixa o Sr. Duque de Saldanha? E como poderá tambem dizer-se que se teve em vista a justificação do chefe da administração precedente? Todos sabem que o Sr. Duque de Saldanha, não obstante ser uma tal accusação repetida em todos os jornaes da opposiçao, apenas chamou aos tribunaes dois desses jornaes o Periodico dos Pobres do Porto, e o Português (impresso nesta capital). Quanto ao primeiro sabem todos que foi um dos jornaes que mais concorreu pelos seus artigos para a regeneração, e que S. Ex.ª durante a sua estada no Porto, nos momentos em que triumphou, o escolheu para sou orgão official! Se mais tarde se desavieram, e se aquelle periodico conheceu o erro que praticára, são questões que me não importam. Quanto ao Portuguez, foi este periodico estabelecido para combater a minha politica, sempre a combateu, e ainda a combate. Como poderia então acreditar-se que estes jornaes, accusando o Duque de Saldanha do crime da tentativa do rapto, tiveram em vista justificar-me?!! Isto 6 uma verdadeira stulticia!!..

Se o nobre Duque de Saldanha pede provas aos seus accusadores na tentativa do rapto, porque não havemos nós pedir tambem prova a S. Ex.ª nas insinuações que nos dirige, pertendendo fazer acreditar que eu e o meu partido inventámos uma calumnia, e fazemos da questão da tentativa do rapto uma questão politica? Porque não teremos nós tambem, o direito para dizer que S. Ex.ª, não podendo justificar-se na presença da moral e das Leis, faz da mesma questão uma questão politica, para um partido que o sustente na mesma questão?..

Não me faço cargo de desenvolver os meios de doçura o legalidade com que o nobre Duque de Saldanha comprimiu o partido decaído, e de que elle diz estar sciente toda a Europa! Deixo tudo isso á consideração da Camara, limitando-me unicamente a dizer que Deos nos livre de tornarmos a ver um Marechal do exercito á frente da soldadesca desenfreada para fazer o que todos sabem.

Sr. Presidente estou cançado, e supposto tenha ainda muito quê dizer sobre -a questão, reservo-mo para quando tiver de responder ao Sr. Ministro do Reino, que segundo tenho observado, tem tomado muitas notas durante este meu discurso. Concluo dizendo, que se o Sr. Ministro do Reino se tivesse limitado a declarar, que o Duque de Saldanha, escrevendo a carta publicada na Independencia Belga, não tivera o pensamento de offender-nos, accusando-nos de havermos creado o que elle chama odiosa calumnia da tentativa do rapto para os fins politicos, eu me teria dado por satisfeito, o não teria entrado no desenvolvimento de outros pontos em que, segundo creio, não fez figurar bem o seu constituinte. Finalmente, como eu tenho do dirigir-me á redacção da Independencia Belga, a fim do desvanecer qualquer má impressão que tenha produzido a carta do Sr. Duque de Saldanha a respeito do partido a que pertenço, peço ao Sr. Ministro do Reino que mande para a Mesa cópia do paragrapho da carta do nobre Duque, dirigida a S. Ex.ª porque copiando eu, como tenciono copiar, textualmente, as phrases de S. Ex.ª, não poderei incorrer na nota do menos exacto (apoiados).

O Sr. Ministro do Reino — Eu não desejo dar ao digno Par o enfadamento de fallar ainda terceira vez; porque me parece, pelo que lho ouvi das primeiras, que póde embora fallar terceira e quarta — não dirá mais do que disse em seu favor, em elogio aos seus amigos e partidarios, e em louvor dos jornaes que hasteiam a sua bandeira. (O Sr. Conde de Thomar — Eu não disse tal). Pois não fallou em si e no seu partido? O digno Par ajuntou todas as defensas, todas as fortificações e intrincheiramentos: armou as suas baterias, e tractou de defender-se de todos, e de ofender a todos os seus adversarios, que foi provocar ao tempo passado, depois de os fulminar no presente. Bem, bem haja S. Ex.ª folgo de ver diante de mim tão corajoso inimigo. Dá gosto combater assim. É verdade que não creio merecer a S. Ex.as palavras ironicas que me dirige sem razão alguma; porém são-lhe permittidas como allivio a algum dissabor que as minhas lhe causaram. Tacha-me S. Ex.ª de gracioso no sentido offensivo do termo. Nunca tive a pretenção de engraçado: estaria isso mui mal á minha pessoa, já pela idade que tenho, já pela situação em que me acho. Nunca me lembrei de tal; mas diga o digno Par qual frase minha ouviu elle, que se qualifique de menos grave, do menos polida, e menos parlamentar? Por certo, préso-me de não cair em vulgarismos, nem usar de linguagem que não seja a de homens de bem, e conhecida na sociedade civilisada. E se uma ou outra vez se observa algum sorriso nos que me ouvem, serei eu responsavel por esse effeito? Em contraposição ao meu estylo facil e aos meus modos pouco severos, traz o digno Par nas suas expressões um furor encommendado, uma ira vehemente, que transparece em todos os seus mo

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vimentos: dir-se-hia, mas não o direi eu, que á falta de razões abundam as invectivas, os queixumes, as recriminações tom que ataca o seu adversario. Admiro este procedimento no digno Par; e ainda que já não é de hoje, confesso que neguei a conceber a esperança de que teria termo um dia; estou desenganado que não.

O digno Par intendeu que lho era permittido traduzir as minhas palavras attribuindo-lhes o sentido que mais lhe aprouvesse, embora nunca tal sentido lhes podesse ser dado rasoavelmente; e é S. Ex.ª quem me pergunta que authoridade tenho eu para interpretar as suas. Respondo-lhe que nem a tenho, nem a quero, de ser interprete de S. Ex.ª; e peço-lhe que use comigo do mesmo modo. Intendo as suas frases, segundo me soam; faça o digno Par outro tanto, e não exagere, nem busque descortinar sentidos maliciosos aonde ninguem de boa fé 01 poderá adivinhar.

Notou um ou mais periodos da resposta que dei ha pouco a S. Ex.ª, e foi o digno Par examinando estes periodos com todo o rigor grammatical, e não admittiu que alguns delles podessem intender-se no sentido metaphorico. Declarou-se contra todas as figuras da rethorica, por pouco desvio que houvesse da recta e obvia intelligencia dos termos; e nisto foi inexoravel. E posto que nas conversações mais familiares se tomam taes liberdades sem prejuiso da intelligencia da lingoagem, e da genuina expressão do pensamento, o digno Par não admitto senão um valor a cada voz articulada; e ha-de ser o que fizer conta ao seu proposito. Sejam pois estas modificações da lingoa banidas do Parlamento; e eu me declaro rendido í valente grammatica do digno Par — venceu ella.

Eu tinha dito que o digno Par havia gota a gota tirado o sangue ao Duque de Saldanha: podia dizer que deste modo lhe tinha enchido de veneno o cálix que lhe déra a beber. Tais construcções não admitte o digno Par. Pois nesse caso eu me explico mais claramente; e saiba-se que eu quiz dizer, que o digno Par despojara o Duque de Saldanha de todas as funcções que exercia, uma após outra; e assim o foi privando de todos os meios de que o póde privar meios que o Estado lhe déra, ou o Rei, em premio dos muitos e nobres serviços que havia tantos annos fizera ao mesmo Estado, ao Rei, e á nação. Considerei grandes estes serviços, sabidos não só em Portugal, mas fora delle; e não ignorados na Europa.

O digno Par intendeu que a menção de taes serviços fora um verdadeiro plconasmo: a que vinha essa menção? De certo que ao digno Par seria mais agradavel dar eu a intender que o Duque havia sido privado por S. Ex.ª de graças que recebera som titulo, e sem merecimento; effeito de favor da Corte, de parcialidade do Soberano, ou de protecção immerecida.

Acha o digno Par inexacto o que eu asseverei, de que fora S. Ex.ª quem se vingara do Duque de Saldanha, demittindo-o dos seus logares todos, porque essa demissão viera de differentes repartições. De um logar foi demittido pelo Ministerio da Guerra, de outro seria pelo do Reino, etc, etc. (O Sr. Conde de Thomar— Peço perdão, mas eu não disse assim, porque essa demissão dada pelo Ministerio da Guerra, considerei eu como responsabilidade do Ministerio de 18 de Junho, e não particularmente do Ministro da Guerra. Enumerei os outros logares para mostrar que o Ministerio o não tinha demittido de todos, como V. Ex.ª fazia parecer.) Se eu disse (mas parece-me que não) que o digno Par tinha demittido o Duque de Saldanha do logar de Conselheiro de Estado, disse uma inexactidão, da qual não me arrependo muito (O Sr. Ministro da Marinha — não disse); não o demittiu, porque não cabia esse acto na esphera do seu poder. (O Sr. Conde de Thomar — mas eu fui demittido! Eu de certo não commetti esse excesso, nem sei quem tal fez; e até se se fez! De mim nunca o digno Par recebeu desaguisado algum, nem jamais tractei de o incommodar.

S. Ex.ª, que tantas vezes se recorda do passado, que de continuo repete as allusões aos factos que já ficam tão distantes de nós, me accusa de fazer, ou ter feito muitas vezes referencias ao movimento de 1842. Pode ser que algumas vezes, por incidente, ou por transição, tenha lembrado esse facto, e ninguem mais razão terá para isso; mas uma só vez me occupei delle de proposito, e proximo ao tempo do successo, e por mui poucos minutos: desde então nunca mais me serviu de assumpto principal de discussão, em quanto o digno Par se deleita de commentar, de analysar longamente, e a seu modo particular, o movimento de, 1851. Mas deixando agora em paz ambos esses movimentos, que já considero julgados, declaro que o que eu positivamente quiz enunciar é, que todos os desgostos, todas as demonstrações de rigor e de injustiça que o Duque de Saldanha recebeu foram effeito da influencia do digno Par, e em satisfação da sua inimizade: esta é a minha intima persuasão. (O Sr. Conde de Thomar — está explicado.) Está explicado? Eu pasmo ao considerar a grande facilidade com que o digno Par, tão habil e de tanta sagacidade, cáe nas mais flagrantes contradicções. É necessario que seja mui forte a paixão que o senhoreia para o cegar a tal ponto. Disse o digno Par que o Duque de Saldanha movia intrigas contra S. Ex.ª junto ao Chefe do Estado; e logo, que a desgraça do mesmo Duque fora devida a um escripto descomedido e excessivamente arrojado, que entregára ou dirigira ao Chefe do Estado. Então foram intrigas, ou escriptos arrojados?!

Em quanto a esse escripto, eu não o avalio agora pode ser que fosse redigido com menos compostura; que o seu auctor merecesse aspera demonstração por se haver desaforado da fórma respeitosa devida ao Throno; mas isso não é intriga urdida nas trevas; não é o punhal occulto, que fere o inimigo pela espalda — é o contrario da trama covarde e aleivosa, porque é acto de coragem e destemidez. Convenho que seja irreflectido, mas demonstra valor em quem o praticou, e nobreza de coração; porque esta póde dar-se até no crime, mas na intriga não. O Duque de Saldanha escreveu pois descommedidamente: convenho; entregou o que escrevera: o digno Par estava então no poder; e nesse proceder mostrou aquelle a confiança que tinha na sua consciencia, e não ignorava quanto se expunha ás vinganças que não tardaram! Da parte do Duque póde isto ter sido um erro, e o mais que se quizer, menos intriga. O acto por elle praticado não foi dos que ficam mal a um cavalheiro (apoiados). Eis-aqui como eu o defendo.

Mas não param aqui as accusações ao Duque de Saldanha; tambem é arguido de haver escripto inconvenientemente ao Ministro da Guerra, seu superior: logo foi um soldado insubordinado! E não pediu um Conselho de guerra. O Duque pedia esse Conselho de guerra (apoiados — sussurro). Pediu-o, sim senhor: porque lho não concederam? Pediu-o a risco de ser julgado por seus adversarios politicos; ma não lho importou que assim succedesse; e só viu em quaesquer Juizes, que lhe dessem, honrados militares, Bem differentes na sua consideração da soldadesca desenfreiada, de que ha pouco tractou o digno Par. Não me demoro nesta qualificação, o fé direi que acho inconsiderado o uso que fazemos á vezes das palavras que proferimos; e mais nada. Escreveu o Duque insolentemente ao seu superior, que lhe negava a defensa em um Conselho de guerra, que se concede ao ultimo dos officiaes do Exercito? Como poderia estranhar-se a um Marechal certa altiveia, e até que passasse os limite da moderação, vendo-se o alvo das vinganças daquelle» que se deram por offendidos da franqueza com que se dirigira ao Chefe do Estado? Quereria o digno Par que o desgraçado Duque de Saldanha, menos attendido que um Alferes, denegado que lhe foi o meio de justificar-se, procedesse com submissão de um pertendente obscuro, e como tal e dirigisse ao Ministro da Guerra? Não é possivel que S. Ex.ª ignore que o teor de um pedido de tal natureza não o mesmo feito por um Marechal do Exercito de tantos e taes serviços, ou por um official de fileira. Foi elle excessivo, foi criminoso procedendo assim? Pois fosso tambem por isso julgado em Conselho de guerra.

Mas a sombra de Nino? Feliz comparação Cré o digno Par que o Duque de Saldanha se reputa por elle perseguido de continuo — que o teme, e anhela vêr-se livre do fantasma que o avexa!

O digno Par está em equivoco: eu dou-lhe a minha palavra, e aqui estão muitos dignos Pares, que se honram com a amisade do Duque do Saldanha, que de certo confirmam o que assevero — que o Marechal Saldanha nunca faz a mais leve menção do digno Par nem o teme como inimigo, nem mostra que o é de S. Ex.ª Isto não significa nem indifferença nem despreso pela sua pessoa: nunca lhe conheci tal sentimento: o que eu quero exprimir é, que o digno Par se engana quando parece acreditar que o Duque o reputa seu implacavel perseguidor. Seria essa uma fraqueza de que eu não posso julgar capaz um homem do caracter e do espirito do Duque de Saldanha (apoiados).

E para dizer tudo quanto sinto não occultarei que, pelo contrario, se me afigura que o digno Par se crê ameaçado, não pela sombra de Nino, mas pelo fantasma de D. João; que se assusta ao ruido mysterioso das capatetas de ferro do commendador, que ouve arrepiado na solidão da noite. (Riso). Aqui o Duque de Saldanha! Ahi o Duque do Saldanha — lá se move — lá falla de mim — lá me lança os olhos — que dirá? que fará? Em uma palavra, sempre, e em toda a parte, o digno Par vê o seu adversario, e o considera exclusivamente occupado da sua pessoa. Que será isto? São do certo desgraçados effeitos de uma imaginação ardente, creadora de espectros e gorgonas, que se antolham aos febricitantes.

Não sei que remedio tenham estas imaginações de mr. Oufle, a não ser pôr de parte os preconceitos e desconfianças, que o atormentam, e que talvez haja quem lhe ajude a alimentar. O digno Par é homem publico, decerto que tem sido muitas vezes atacado injustamente; a todos succede o mesmo; sempre succedeu e succederá. Quando se der o caso, defenda-se como poder, que os demais farão o mesmo, porque todos somos a isso obrigados, pela necessidade, pelo decoro, o até por justo sentimento de amor proprio, que nos manda zelar a nossa reputação.

O digno Par queixando-se das expressões do Duque de Saldanha naquella correspondencia, veio traze-la ao Parlamento contra minha opinião; entretanto a explicação do Duque ahi está, é clara e acceitavel entre cavalheiros. É verdade que o digno Par protestou não fallar em accusações de rapto, que tem sido objecto de largas paginas de certos jornaes; mas era justo que o digno Par não acarretasse para esta interpellação as antigas accusações, que nenhuma relação tinham com a passagem da carta.

Pareceu-me que o digno Par estranhára o procedimento do Duque de Saldanha, que tendo sido muitas vezes accusado de factos gravissimos, só agora se lembrara de levar perante os Tribunaes os periodicos que o arguiram deste ultimo supposto crime. O ajuizar do valor da offensa pertence primeiro que aos outros ao offendido. O Duque intendeu que nenhuma imputação podia ser-lhe mais desairosa do que esta, que atacava o seu caracter como homem, como Ministro, como cavalheiro, e até como christão.

Neste caso não é de admirar que o offendido se persuadisse que toda a imprensa da opposição se aproveitara de uma calumnia, e a reproduzira muitas vezes para menoscabar a reputação do accusado, torna-lo odioso aos que, desprevenidos e credulos, intendessem que era verdade tudo quanto a tal respeito se escrevia. Sejamos justos, a opposição não tymbra de escrupulosa nos meios que emprega muitas vezes para conseguir os seus fins. Diz o digno Par que nao póde crêr que isso assim seja em quanto a jornaes; porque o primeiro que ergueu o brado contra o Duque de Saldanha fora tambem o primeiro que elogiara o movimento de Abril. Não sei se esse jornal approvou ou não tal movimento; mas sei que muito antes que nelle apparecesse a accusação violentissima, e apaixonada no ultimo extremo, já elle campeava furioso nas fileiras da opposição; e era o mais encarniçado inimigo do Duque de Saldanha. Como deixaria elle de aproveitar a occasião de cevar as suas iras procurando perder o homem que detesta, se tanto, podesse conseguir?

Parece que o digno Par quer fazer crêr que esse jornal, o primeiro que inventou o rapto, ainda que inimigo frenetico do Governo, e do Duque de Saldanha, não é um economista official da administração e pessoa do nobre Conde. (O Sr. Conde de Thomar—Não é). É sim, senhor; eu folgo de que o digno Par tambem tenha defensores, e que os tenha bons; aquelle não direi que é muito bom, mas não é máo á falta de outros (riso).

O que digo é que o nome dos jornaes não significa nada: o tudo são os individuos que os redigem. Tal folha, que hontem me foi favoravel, porque mudou de redactor, ou porque o antigo mudou de sentimentos, volta-se hoje contra mim, e me flagella sem piedade, E não entrando nas muitas causas que podem produzir estes effeitos, é certo que ninguem ignora que é verdade o que digo.

O Sr. Ministro da Marinha — Lá está o Times....

O orador — Deixemos o Times; os nossos movem-se talvez por impulso diverso.

Sr. Presidente, quando eu disse que uma força maior, que um fado irresistivel, uma especie de magnetismo, trazia o digno Par preso á sombra do Duque de Saldanha, expressei uma persuasão minha confirmada pelo proprio digno Par. Elle mesmo confessou que o não perdia nunca de vista, que conta os seu» movimentos; que o observava de chaile, de capote, em pé, sentado, recostado, fallando, em silencio— sempre com os olhos cravados no vulto que o opprime; mas felizmente o digno Par não é sapo que de mal de olhado ao objecto constante da sua attenção (hilaridade).

E comtudo só o vê por fora; se lhe descobrisse o peito, far-lhe-ia talvez mais justiça; talvez os sentimentos de inimizade que lhe professa dessem logar a outros mais generosos; não viria de um modo menos cavalheiro, não quero dizer isso, mas de um modo injusto soltar a frase de que elle ia ao theatro, porque não tinha obrigação de responder-lhe ali.

Algumas vezes temos tido aqui, o digno Par e eu, contendas, que não são mui fortes, porque são comigo; e apesar disso nos sentimos fatigados no fim dellas. Que succederia se o digno Par tivesse o Duque por adversario em um duelo parlamentar? Como cresceriam as suas forças, e as suas dimensões? Oh que encontros! Já se me affigura um combate de» gigantes, as lançai despedaçadas, e as rachas voando por esses ares viriam cair-me aos pés; e eu, como já alguem disse, faria dellas uma fogueirinha para aquecer-me entre tanto (riso). O digno Par quer estas batalhas, e não combater comigo; e assim mesmo já vi a S. Ex.ª sair de um pequeno certame que tivemos, fatigado e transpirando ás bagadas, involto na sua capa, e aboborado por um fiel amigo, que o acompanhou zeloso e acautellado contra as constipações até sua casa (riso). louvavel acto de amor e caridade (riso).

Já vé o digno Par, que se isto succede aos combatentes com boa saude, como o digno Par, que succederia ao Duque de Saldanha enfermo o enfraquecido? Eu peço a S. E. que seja mais humano.

E eu que estou sustentando ímpetos do digno Par, de certo de muito menor força, porque a não emprega contra mim, Deos sabe quanto me sinto fatigado do combate.

Em quanto á carta do Duque a mim dirigida, e que o digno Par deseja que eu ponha na Mesa, direi que já aqui a li mais de uma vez. Que temos diante de nós uma tachigraphia inteira, a Camara plena e muitos espectadores: não póde ignorar-se nem occultar-se o contexto della.

Da-la-hia ou de bom grado, mas não a recebi senão para a lêr, e intendo que a não posso entregar sem o consentimento do seu auctor. Talvez tambem eu devesse pedir a opinião da Camara, que nos escuta, sobre a entrega, já que os seus membros quizeram que esta interpellação e esta discussão tivesse logar aqui.

O Sr. Conde de Thomar — Peço a palavra.

O Sr. Presidente — Peço licença ao digno Par para se lêr uma communicação que veio agora da outra Camara.

(Leu-se).

O Sr. Presidente — Não sei se a Camara quererá que esta proposição de Lei vá á commissão de administração publica, e portanto vou consultar a Camara.

(Votação).

O Sr. Presidente — Está approvada, e tem o digno Par a palavra.

O Sr. Conde de Thomar disse que faz quanto possivel para evitar questões pessoaes com o Sr. Ministro do Reino, e que ainda antes de entrar na Camara, mostrára a alguns dos seus amigos presentes o sentimento que tinha, de que S. Ex.ª fosse o encarregado pelo Sr. Presidente do Conselho, de responder na presente interpellação, pois receava que o Sr. Ministro, arrastado pelos seus rasgos de eloquencia, proferisse algumas frazes, com o intento de provocar a hilaridade dos ouvintes, as quaes dessem logar a uma discussão, que aliás se podia evitar. A Camara devia observar que elle (orador) não linha proferido uma unica palavra que authorisasse o Sr. Ministro do Reino a proceder, como procedeu (apoiados). Ao que parece o nobre Ministro sentio que o seu discurso fosse considerado como tendo duas partes, uma graciosa, e outra séria! Não era elle culpado em que o Sr. Ministro do Reino substituisse as razões, e argumentos, com que deve ser tractada uma questão grave, graciosidades, que podem bem servir para desafiar a hilaridade dos ouvintes, mas que sempre prejudicam a causa, que se defende. Que o Sr. Ministro pertende se attenda antes ás suas palavras, que ao effeito que ellas produzem, mas que elle orador pedia a S. Ex.ª o observar, que se as palavras são proferidas para produzir o effeito, que aparece, não é possivel deixar de attender a uma e outra cousa. O nobre Ministro deve saber que só á falta de razões sólidas e concludentes se recorro a um similhante modo de discutir! (apoiados.)

Não foi mais feliz o nobre Ministro, em ter recorrido ao sentimentalismo a favor do Sr. Duque de Saldanha! Nem podia conceber-se, como S. Ex.ª pertendeu accusar o digno Par interpellante de se regosijar com as desgraças do Sr. Presidente do Conselho, não deixando de o seguir por toda a parte, e a ponto de notar as vezes que veio ao theatro, e tempo que se demorou, e como se acha vestido! Bem longe disso o digno Par lho deseja um prompto restabelecimento, até porque desejo ve-lo no Parlamento, aonde a sua presença se lhe torna tão necessaria, e que se fallou no tempo, que o Sr. Duque de Saldanha se demorou no theatro, o a maneira porque se apresenta, procedeu do gracioso rasgo de eloquencia, que o nobre Ministro empregou, para fazer figurar o nobre Duque embuçado em um capote, e mettido a um canto do seu camarote, demorar-se um quarto d hora a ouvir madame Alboni, o que era differente de vir á Camara aonde tinha de responder! Não sendo exacta similhante asserção, e sendo necessario deixar bem claro o motivo, parque o Sr. Presidente do Conselho ia aos espectáculos públicos, e não comparecia no Parlamento, se vira o digno Par na necessidade de comentar essa parte do discurso do nobre Ministro. O digno Par notava aos Srs. Ministros, que era uma imprudencia da sua parte trazer á discussão objectos que lhe são estranhos! (apoiados.)

O Sr. Ministro do Reino - Quem fallou em theatro?

O orador — O digno Par notara, é verdade, o facto de comparecer o nobre Presidente do Conselho no theatro, deixando de comparecer na Camara, mas que para se lhe responder, não era necessario descrever a figura encapotada do Duque de Saldanha, sentado a um canto do camarote para ouvir M.me Alboni, o que era muito differente do responder nas Camaras (riso).

Não era igualmente necessario recorrer ao sentimentalismo a favor do Exercito, que o Sr. Ministro do Reino não respeita mais que o digno Par — que as phrases soldadesca desenfreada não podiam referir-se ao Exercito, que obediente ás Leis e ao Governo se conservou leal aos seus deveres, e á disciplina—que taes phrases sómente podiam referir-se aos que, abandonando as suas bandeiras, e o seu commandante, simultaneamente se separaram do campo da legalidade, e da obediencia para ir para o campo da revolta, e da anarchia. Perguntaria elle digno Par ao Sr. Ministro do Reino se approvava a conducta dos militares que em Coimbra abandonaram o Commandante em Chefe do Exercito? Muito se admirava o digno Par de que o Sr. Ministro aproveitando aquella phrase quizesse assim chamar o odioso sobre quem a proferira, e que notasse bem S. Ex.ª que por tal fórma vinha a condemnar o procedimento de muitos dignos Pares que se acham presentes, e apoiam o Governo, porque esses dignos Pares desembainharam a espada contra essa soldadesca desenfreada, o se conservaram sempre firmes, ao Governo decaído até que chegou o momento do triumpho do nobre Marechal Saldanha.

Nada accrescentaria sobre o que o Sr. Ministro adduzira para provar que elle digno Par havia espoliado gota a gota o Sr. Duque do Saldanha, porque estava este assumpto devidamente esclarecido — notaria, sómente que o Sr. Ministro invertera as suas palavras, quando pertendeu fazer acreditar que o digno Par lançava sobre o Ministro da Guerra da Administração de 18 de Junho a dimissão dada ao Sr. Duque de Saldanha de membro do Supremo Conselho de Justiça Militar, e de primeiro Ajudante de El-Rei, porque bem longe disso o orador apresentava em tal acto como resolução do Governo, e que se necessario era repetir, não tinha duvida em declarar que approvava, e ainda hoje approvaria uma tal dimissão, dadas as mesmas circumstancias.

Que não prestara a maior attenção aos espetos, páos, e lanças com que o Sr. Ministro do Reino fez accender uma fogueirinha, mas que percebera que o intento de S. Ex.ª foi fazer acreditar que elle digno Par não mettia medo ao Sr. Duque de Saldanha, que podia considerar-se um gigante na presença de um pigmeu! Julgava o digno Par que o medo que o Duque de Saldanha tinha era igual ao que elle digno Par tinha do mesmo Sr. Duque de Saldanha, mas que havia uma circumstancia a notar-se, e vinha a ser: que nunca elle digno Par tinha impedido que o Duque de Saldanha o viesse combater ás Camaras, e que nunca havia com esse fim dado ordens de prisão contra S.Ex., ou impedido o seu desembarque, vindo do estrangeiro; e que elle digno Par já por duas vezes tinha visto empregar contra si estas armas de doçura pela mão do nobre Duque (sensação); que uma dessas vezes fora em 1882, quando accusado activamente pelo Sr. Duque de Saldanha, tentára vir á Camara para se defender; a outra fora em 1846!

Fez o digno Par algumas outras observações, explicando e sustentando o que antecedentemente adduziu para mostrar que o Sr. Duque de Saldanha, pelo que respeita a ameaças graves feitas pela imprensa, se acha em circumstancias peores que ninguem, e que não pode levantar a sua.

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voz contra o digno Par por tal motivo; e tanto mais que nunca se atreveu a provar nem a mais leve das accusações dirigidas contra o digno Par. Concluiu observando que havia uma grande incoherencia da parte do Sr. Ministro do Reino ler uma carta do Sr. Duque de Saldanha para se defender no objecto de interpellação, e recusar-se a mandar para a mesa o paragrapho respectivo; observou que um tal documento, sendo já parte do discurso do nobre Ministro do Reino, e portanto do dominio da Camara, não podia com justiça deixar de ser mandado para a mesa na fórma do seu pedido (apoiados).

O Sr. Presidente — O digno Par o Sr. Conde da Taipa pedio a palavra sobre a ordem, mas perdoe-me S. Ex.ª — (O Sr. Conde de Taipa — Eu perdoo); como se tracta d'uma interpellação, parece-me que a ordem é dar a palavra ao Sr. Conde de Thomar; mas se S. Ex.ª insiste, eu vou consultar a Camara.

O Sr. Conde da Taipa — Eu julgo que a palavra sobre a ordem é sempre preferivel em qualquer caso.

O Sr. Presidente — Consultarei a Camara. A Camara resolveu que se desse a palavra ao Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Conde da Taipa insistio para não dar a intender que se tinha arrependido, mas realmente já não tinha motivo para fallar; quiz portanto sómente dar a razão de ter pedido a palavra sobre a ordem, a razão que deu foi a ignorancia (riso). É o que foi. Disse que não lia jornal nenhum ha muito tempo: apenas quando chega o paquete vai vêr as noticias do telegrapho submarino, o maximo exforço a que póde chegar a intelligencia do homem; só isso le, e depois acabou-se, não vê mais nada, só algum jornal de agricultura, que é d'onde espera alguma cousa.

Mas, como tinha ouvido o Sr. Conde de Thomar ler uma carta, em que se diz que houve uma cousa inventada pelo partido da opposição, ainda que as opposições aqui são movidas por differentes motivos (O Sr. Marquez de Vallada — apoiado), e segundo o que acaba de dizer o Sr. Ministro do Reino, e o motivo delle orador, seja uma morbidez opposicionista (riso), porque faz opposição a todos os Ministros, no que o Sr. Ministro acha uma molestia, intende elle digno Par dizer, que não leva a mal a classificação do mesmo Sr. Ministro, por isso que nesta mesma morbidez o teem achado os outros Ministros seus antecessores, e portanto S. Ex.ª esta no seu direito, assim como estavam os outros de queixar-se. Quanto a elle digno Par deixa ao publico (pois não tem outro juiz) o avaliar se é morbidez, ou se é porque ainda nenhum Ministro andou bem na gerencia dos negocios deste paiz. Não assevera, deixa tambem ao publico decidir isso.

Mas como é alguma cousa susceptivel; é esse o seu vicio, ou a sua virtude; fique aos outros e avalia-lo; quando ouvio dizer que o partido da opposição tinha inventado alguma cousa, pedio logo a palavra sobre a ordem para declarar que por sua parte nunca inventou cousa alguma contra ninguem; leu alguma cousa sobre esse facto a que se alludio, porque lho fizeram ler, e a primeira idéa que teve disso foi pelo Pobres do Porto, ou Braz Tisana, entre os quaes não distingue (riso), todos são jornaes, e confunde-os. Quando leu similhante cousa, o juizo que formou foi, que se devia chamar aos Tribunaes aquelle jornalista.

Taes são os motivos que o levaram a pedir a palavra sobre a ordem, foram dar esta explicação, que não teria logar, se elle orador, tivesse attendido a que se fallava da opposição da imprensa, com a qual nada tem, e por isso nada devia dizer. Pede, pois, perdão á Camara.

O Sr. Marquez de Vallada convencido de que a independencia do homem politico não consiste em prestar um apoio estupido a todos os ministerios, ou a fazer-lhes uma guerra acintosa, mas em seguir os dictames de uma consciencia recta, não tem deixado perder nenhuma occasião de manifestar pelos seus actos o que intende por a independencia do caracter do homem publico.

Tambem elle orador tem feito opposição aos Srs. Ministros, mas conforme a sua consciencia lhe tem dictado, e sem nenhuma subserviencia a partidos ou a corrilhos, porque a nenhum pertence, embora se pertenda ensinuar que elle pertence a este ou áquelle conventiculo, a falsidade das quaes insinuações se mostra pela diversidade e antagonismo dos corrilhos a que o dizem ligado. A unica cousa a que S. Ex.ª mira é ao bem de seu paiz, se isso é partido, só a esse segue; mas não é, não póde ser partido a causa do justo, a causa do bem publico.

Por intender que nem sempre se attende a estes fins, é que se vê forçado a fazer opposição; e posto que fazendo-a pareça esposar as diversas opposições, respeitando muito os individuos que as compõe, e até com algum delles tractando amisade, não communga nos principios delles, no que tem de exclusivos, o que só constitue partido, nem no que está em divergencia com o seu modo dever as cousas publicas.

Partindo destes principios que infelizmente não são os mais seguidos, pois que jornaes ha que não duvidam assassinar a honra de um adversario por meio de opposição, do que chegam até a fazer alardo com um cinismo repugnante; e vendo o que em alguns jornaes se escreveu contra o Sr. Duque de Saldanha, em referencia ao ponto de que tracta a carta, publicada na Independencia Belga, bem podia o nobre duque qualificar esse procedimento, qualificação, que justa ou injusta, era uma opinião sua, authorisada pelo que contra elle se escrevia; e que por isso parece a elle orador, que não deveria causar escandalo á opposição, por isso que o que nessa carta se diz, não póde offender a quem quer que não fôr capaz de por interesses mesquinhos infamar ninguem.

Interrompeu-se a discussão para se dar conta do seguinte

Officio da presidencia da Camara dos Srs. Deputados, remettendo uma proposição de lei, que authorisa a Camara municipal do Porto a contrair um emprestimo até á quantia de 30:000$000 de réis, para applicar á compra de cereaes, e serem vendidos ao povo pelo menor preço possivel.

À commissão de administração publica com urgencia.

Continuou, a discussão.

O Sr. Ministro do Reino — Por mera observação diz que deixa ao prazer do digno Par, e estima até que S. Ex.ª fique convencido, de que o atterrou, o confundiu, a elle Sr. Ministro, e que póde cantar a victoria, nesta argumentação em que tomára a defeza de um amigo que lh'a encarregou, e que o merece: porém não póde deixar de observar ao mesmo digno Par, que a contradicção em que o achou, contradicção de que S. Ex.ª quiz fazer a chave de ouro do seu discurso, não é tal contradicção. O Sr. Ministro disse, que estava convencido de que o negocio da interpellação não pertencia a esta Camara; mas uma vez que tinha começado não seria elle orador, que o retirasse: era pois em presença deste facto que desejava a Camara se pronunciasse: pensou que, ou se havia de render á Camara a homenagem, que lhe é devida: ou era força confessar, que se entreteve a mesma Camara duas boas horas, sem se tomar resolução nenhuma.

O Sr. Conde de Thomar — Qual é a decisão que as Camaras tomam sobre interpellações?

O orador = A questão não é essa, é se a carta do nobre Duque de Saldanha deve ou não publicar-se, como pediu o Sr. Conde de Thomar; e assim é claro, que não ha essa contradicção de que fallou o digno Par.

O Sr. Presidente — Está finda a interpellação. A ordem do dia para a primeira sessão, que será quarta-feira, é a leitura de pareceres de commissão.

Eram quasi seis horas.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 26 de Fevereiro corrente.

Os Srs. Silva Carvalho; Duque da Terceira; Marquezes de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, e de Vallada; Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, d'Alva, da Arrochella, do Bomfim, do Casal, do Farrobo, de Fonte Nova, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, da Ribeira Grande, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar, de Villa Real, e de Vimioso; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, e de Nossa Senhora da Luz; Barões de Chancelleiros, de Lazarim, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Osorio e Sousa, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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