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e a liberdade prevertida torna-se o mais funesto de todos os sophismas. Se não se sentisse o mal, ocioso seria fallar na necessidade do remedio. E preciso, disse a commissão, que a uma seja plenamente livre, ou o systema representativo se tornará o peior dos sophysmas! (Apoiados.)

Pelo que me toca, declaro, sr. presidente, que soldado da velha guarda constitucional, que morre mas não se rende, hei de acompanhar este pendão em toda a parte que seja hasteado pelos filhos d'esta terra. (O sr. S. J. de Carvalho: — Apoiado.) Nasci com a liberdade, hei de morrer com ella.

Eu vejo naquella energica e sentida phrase, não simplesmente a declaração de uma pura theoria, de um principio abstracto, mas antes um voto, uma aspiração, um desejo de melhor futuro, de uma epocha melhor do que aquella porque temos passado. (Apoiados.) Não a posso entender de outro modo (apoiados), a verdade esta n'este codigo (apontando para a carta constitucional), a sua applicação sincera e leal é o que se pede aqui (apontando para o parecer ou projecto de resposta.)

E, sr. presidente, diga-se tudo; pois o que é que nos mostra a historia do nosso paiz para bem justificar estas phrase?? O que nos mostra é o desprezo d'esta preciosa garantia que constitue a base angular do systema representativo, é o que temos visto com raras excepções em todo o periodo da nossa vida constitucional; é a isto de certo que a' illustre commissão se refere, reconhecendo que tem existido este sophisma do bom, do verdadeiro regimen constitucional. Pois quem ha que ignore a maneira como se fazem as eleições? Quem ha ahi que possa negar que são os ministros que tomam a iniciativa das candidaturas, e que são os ministros que as levam a effeito por via dos seus agentes officiaes? Quem póde negar que a liberdade do suffragio, raramente e só por excepção, póde resistir ao peso de tão illegitima e violenta pressão? (O sr. Sebastião José de Carvalho (sobre a ordem, e sobre a materia): — Eis o systema deploravel que a commissão e todos os amigos da liberdade anhelam ver removido. E pela minha parte, sr. presidente, com tanta mais rasão que estou profundamente convencido que todas as calamidades politicas porque temos passado, todas as revoluções que infelizmente temos soffrido, não são senão os resultados da postergação dos bons principios, da violação da liberdade eleitoral.

Diga-se o que se quizer para modificar esta minha proposição absoluta, a verdade é que n'um paiz em que a imprensa é livre e o suffragio exercido com toda a liberdade, as revoluções tornam-se impossiveis, e isto por uma rasão milito simples o concludente, é porque não se tornam de modo algum necessarias, não podem achar rasão de ser; entretanto, sr. presidente, não faltam apostolos que evangelisam essa doutrina da iniquidade, não falta quem diga que as candidaturas officiaes, que é o nome que têem na Europa, são indispensaveis e inherentes á propria existencia dos governos. As suas rasões reduzem-se ás seguintes, que não posso deixar de as apontar de corrida. A primeira é que de outro modo se entregava o governo á mercê dos partidos; que os governos devem procurar sustentar-se pelos meios que entendem lhes são necessarios! Triste sofisma, que se desfaz com um leve sopro, pois que não ha ahi senão uma confusão deploravel de idéas; confunde-se o ser moral governo com a individualidade dos ministros; o ser moral, a entidade governativa, representada pelos ministros, essa tem obrigação de sustentar-se, mas só pelos meios que estão dentro da orbita legal e estabelecida; mas nunca invadindo a orbita dos direitos privativos de outras entidades juridicas, sejam ellas quaes forem. Fóra d'este circulo os individuos que representam o governo são meros individuos, actuando por sua conta e risco, e procurando converter em proveito proprio, em applicações illigitimas, os poderes que só lhes são attribuidos na esphera do direito publico. O ministro póde ser deputado, mas com isto quer dizer a lei — que as funcções de ministro não são impedimento para -que possa gosar dos direitos politicos; mas nunca, mil vezes nunca, para que possa converter em instrumento da sua eleição, ou da eleição dos seus amigos, os agentes, os officiaes publicos, que a lei creou para servirem a entidade moral governo, e não para servirem interesses individuaes. E d'ahi vem a grande serie de absurdos, de sophismas e calamidades que entorpecem e paralisam o regular andamento do systema representativo.

O outro argumento que se apresenta, sr. presidente, vem a ser que não se abusa, que se não exerce pressão por meio de força, que não se faz mais do que insinuar quaes são as capacidades mais distinctas, esclarecendo a rudez das intelligencias populares: ora a dizer a verdade parece incrivel que isto se diga, mas diz-se; como se não comprehendessem todos qual a liberdade que póde ter o individuo a quem se pede com auctoridade, e em nome da auctoridade que manda e não pede! (Apoiados.)Esta pressão torna-se sobretudo irresistivel fóra dos grandes centros da população, onde a harmonia de vontades póde ser um principio de força. Ponde nas aldeias, nas pequenas povoações a auctoridade em presença do pobre e desvalido aldeão ou camponez, que olha em torno de si e não vê senão a miseria e a dependencia permanente e indeclinavel do aldeão administrativo! Que ha de fazer esse homem desde o momento em que o funccionario publico lhe diz: aqui esta a lista do governo, quero (ou pelo menos) recommendo-lhe que vote n'ella?! Que liberdade póde haver n’este caso?!

Mas se o desgraçado quer repellir esta insinuação e ousa declarar que não póde deixar de votar em outra lista, em nome muito capaz que conhece, não falta a replica — mas é um inimigo do governo, e votando n'elle V. m. ce é contra o governo. Eu podia fallar-lhe no recrutamento, nas contribuições, etc.. etc... mas não o faço; cá inscrevo o seu nome para os fins convenientes. Isto é o que respondem os mais moderados, como tenho visto, isto no de menos, a maior parte usam de meios infalliveis que posso especificar.

Que pensa V. ex.ª e a camara que ha de fazer o desgraçado lavrador que se vê destituido de amparo e protecção? Vae arrastado dar o seu voto na pessoa que lhe foi indigitada. E o resultado final é que apparecem eleitos nomes que nem eram conhecidos no circulo, e que podem representar quem os propoz, mas nunca aquelles que lhes deram o voto. Assim os nomes livremente votados vão ao fundo da uma como um caput mortuum, um resíduo despresivel. E depois se d'esta officiosa pedagogia resultasse ao menos uma escolha aceitavel! Mas não é isso o que acontece cá, por via de regra, e a uma torna-se uma verdadeira boceta de Pandora, é como n'um naufragio, o oiro vae ao fundo das ondas e sobrenadam as cortiças, os cascos vasios. Este é o systema recebido. Não ha duvida que se apontam excepções, nem em toda a parte acontece o mesmo, mas é porque não póde ser de outro modo.

Não é menos certo que muitas vezes as indicações ministeriaes recaem em individuos muito dignos d'essa honra, mas não é por esse lado que ou registo similhante doutrina, mas sim porque a considero altamente inconstitucional e condemnavel. Em todo o caso o mandato esta pervertido, e a liberdade pervertida, como diz o projecto de resposta, torna-se o peior de todos os sophismas (apoiados).

Sr. presidente, não darei mais desenvolvimento a estas idéas, para que se não diga que eu com as minhas palavras vou invadir attribuições que não pertencem a esta casa do parlamento. Nós não somos juizes da validade das eleições, isso pertence, a outro tribunal, mas a nós pertence o velar pela guarda da constituição, e signalar os vicios capitaes que se opponham a que a constituição seja uma realidade (apoiados). Até aqui chego eu, para diante não passo. Assim foi, sr. presidente, repito, que com grande satisfação li no projecto de resposta ao discurso da corôa estas palavras, o tambem com grande satisfação as apoio e faço ardentes votos para que sejam uma realidade para este paiz; e não se diga que será uma calamidade para o governo, porque elle é o mais interessado em que as eleições sejam feitas com a maior liberdade, e n'isto ha a meu ver um grave erro, ou equivoco.

Sr. presidente, se querem uma representação nacional verdadeira e respeitavel é necessario que as eleições se façam livremente. Se assim se fizerem estou certo que apparecerão no parlamento, não só verdadeiros representantes do paiz, mas ainda os cidadãos mais distinctos por sua capacidade pois que da mesma fórma que na economia politica a liberdade traz a concorrencia, e a concorrencia a extracção da melhor mercadoria, assim tambem quando a uma for livro a todos os concorrentes, o resultado das eleições ha de trazer o triumpho dos individuos mais capazes para representantes do povo, e então uma camara constituida com entidades d'esta natureza será um phantasma uma cabeça de Medusa para o governo? — Uma de duas ou o governo tem consciencia de si e dos seus actos, ou não a tem; se tem essa consciencia, o governo deve ser o primeiro a felicitar-se de ter por juizes as maiores capacidades do paiz, os verdadeiros representantes da opinião nacional, o poderá dizer-lhes com a mão no peito:

Me me adsum qui feci, in me convertite ferrum: tenho por impossivel que lhe seja denegada a devida homenagem. Porém se não tem a consciencia dos seus actos, enganam-se muito se pensam que o paiz receberá de bom grado o veredicto pronunciado pela bôca do juizes peitados ou nomeados por aquelles que devem ser julgados. Mas se na menos favoravel. das hypotheses o, parlamento assim livremente eleito condemnar a sua politica, a vossa obrigação é dizer-lhe: ahi estão essas cadeiras, não podemos conserva-las contra a vontade da nação livremente representada. Eis-aqui a minha opinião a -este respeito.

O sr. Marquez de Vallada: —.....................

O Orador: — Agora peço á camara que me conceda mais um momento de attenção: ha de dizer-se o que geralmente se costuma dizer, as theorias são boas, mas quando chegar o momento da pratica então aquelles que as professam são os primeiros a abandona-las. Vou com licença da camara citar um facto que pertence á minha vida publica.

Em 1852 tive a honra de ser chamado aos conselhos da corôa, aconteceu que houvesse n'essa occasião differentes vacaturas na camara electiva entre ellas era uma do circulo de Aveiro. Disse ao meu collega o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães: peço a V. ex.ª um favor; qual é? me perguntou elle, eu respondi-lhe, de não se embaraçar de maneira alguma com a eleição do districto de Aveiro; estimo isso muito me disse s. ex.a, porque é trabalho que tira de cima de mim. Approximaram-se as eleições, e na vespera escrevi tres cartas a tres amigos que haviam de ser eleitores, um d'elles esta hoje malquistado commigo, e seu testemunho não será suspeito, indiquei-lhes qual era o candidato que eu desejava que fosse eleito por este districto, a fim de o inculcarem aos seus amigos, e posso pronunciar o seu nome sem me envergonhar, era o respeitavel general Ferreira (apoiados); mas desejo que ninguem saiba senão no dia da eleição que eu escrevi sobre este objecto; Os eleitores foram para Aveiro, e muitos na fórma do costume foram a casa do governador civil, que actualmente existe em Lisboa, o sr. Côrte Real, e perguntaram-lhe quem era o candidato do governo? Elle respondeu, não sei, e n'esta repartição não se sabe nada a este respeito. Um dos meus amigos que estava presente disse então, pois eu dou essa noticia, porque nós vamos para a eleição; é o sr. general Ferreira por indicação do sr. Seabra. Era aquella a pessoa que eu desejava que fosse eleito, não porque representava o governo, nem eu escrevi aquellas cartas como ministro da justiça, nem consenti que se solicitasse apoio algum ou alguma intervenção das auctoridades locaes. Como individuo e por via dos seus amigos particulares, ninguem por ser ministro, é, ou póde ser inhibido de intervir em eleições, o que não deve nem póde fazer é congregar as auctoridades publicas como agentes eleitoraes. Agora não se diga que eu prego uma doutrina e pratico outra, não sei conformar os meus actos externos com outras convicções que não sejam as minhas.

Ainda terei que occupar a camara por mais um instante. No projecto em discussão tambem se falla no projecto do codigo civil, e diz-se é seguinte (leu).

Sr. presidente, não posso deixar de dizer algumas palavras a este respeito. Pela posição especial que occupo na commissão encarregada d'este importante objecto, é forçoso que eu guarde uma grande reserva; portanto nada direi a respeito dos trabalhos da commissão nem do mais que se póde succeder, porque isso não me pertence a mim; mas pertence-me reforçar a idéa emittida pela illustre commissão que elaborou o projecto de resposta ao discurso do throno, quando assevera que a promulgação de um codigo civil é uma boa nova para o paiz, e que será um acontecimento digno de illustrar uma epocha e um reinado.

Sr. presidente, tudo isto é assim, mas ha ainda alguma cousa mais, e essa alguma cousa não é de menos importancia.

Sr. presidente, ha trinta annos escrevia o immortal legislador da carta, que quanto antes seria feito um codigo civil, baseado sobre as solidas bases da justiça e da equidade. O legislador viu então todo o alcance e importancia que poderia ter um codigo civil no systema representativo; e porque? Porque o legislador sabia que a carta, como esta concebida, se resumia num pensamento d'onde partem todos, os outros, que é a garantia dos direitos civis. A liberdade politica é o meio, mas o ponto principal é a garantia dos direitos individuaes consagrados na carta; são os direitos imprescriptiveis do homem, esses direitos que o supremo legislador da natureza gravou com caracteres indeleveis no seu coração.

A liberdade politica não é mais do que uni meio a desenvolver e proteger os direitos individuaes. E isto mesmo o que já entendiam os romanos, quando diziam que o direito privado estava debaixo da tutella do direito publico; e por consequencia, sr. presidente, o que admira é, que não se tenham empregado mais esforços para satisfazer a um pensamento de tanta necessidade o urgencia.

De mais, sr. presidente, a carta, na sua organisação politica, dividindo os poderes em differentes ramos, em legislativo, moderador, executivo e judiciario, quiz que o pensamento, a faculdade da fazer a lei pertencesse ao corpo legislativo e ao rei, e que a acção, a applicação da lei pertencesse na parte administrativa ao executivo e na parte do contencioso civil ao poder judiciario; e declarou expressamente que n'esta divisão e na harmonia d'estes poderes estava a garantia dos direitos do cidadão.

Mas, sr. presidente, o que acontece agora? Acontece que o magistrado não só julga mas legisla ao mesmo tempo. Tres quintas partes do nosso direito é subsidiario; e n'isto quero dizer que nas questões de direito civil, o magistrado, conhecida a especie, vae procurar a lei que lhe convenha applicar.

Ora como no labyrintho das opiniões dos doutores e na diversidade das legislações ha opiniões para tudo; é claro que o juiz escolherá sempre aquella doutrina que mais se conformar com as suas intenções, e o resultado é que vem a ser o juiz quem faz a lei, e o poder, judicial por esta fórma se confunde com o poder legislativo, da mesma fórma que o executivo se confunde com o legislativo, arrogando-se a faculdade eleitoral. Nada d'isto se póde tolerar no systema da nossa lei fundamental. É urgente que cesse esta confusão de poderes — este poder discricionario permittido aos juizes, altamente prejudicial para o paiz, e não menos pesado para o juiz honesto — erubescimus judicare sine lege.

Eu não fallo assim pela parte que posso ter na cooperação d'estes trabalhos; estou acostumado a passar a esponja sobre a minha individualidade, para que não appareça em parte alguma como instigada por interesses particulares; fallo assim porque esta é a verdade.

Peço desculpa á camara por ter occupado tanto tempo a sua attenção; e concluo, declarando que approvo o projecto de resposta ao discurso da corôa, na sua generalidade e especialidade.