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SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios-os dignos pares
Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 25 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo tres exemplares, destinados á bibliotheca da camara dos dignos pares, do censo de 1864, livro publicado por este ministerio.

Teve o competente destino.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo sessenta exemplares dos mappas geraes do commercio de Portugal com as possessões e as nações estrangeiras, relativas ao anno civil de 1867, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo oitenta exemplares do orçamento geral e propostas de lei, e receita e despeza do estado para o exercicio de 1869-1870, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a estabelecer o numero de prestações em que podem ser pagas as diversas contribuições no reino e ilhas.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a revogação do n.° 3.° do artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860, na parte respectiva ás subrogações de bens pertencentes a corporações de mão morta, impondo-se contribuição de sêllo nos titulos de remissão e arrematação.

Á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que a deputação, encarregada de apresentar á real sancção os decretos ultimamente sanccionados, foi recebida por Sua Magestade com a costumada benevolencia.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu desejava perguntar á mesa em que consideração tinham sido tomados os requerimentos feitos a esta camara pelos fornecedores de materiaes e pelos diversos artifices que cooperaram para este edificio. Tenho visto na imprensa algumas representações d'estes fornecedores pedindo que se lhes pague o que se lhes deve; esses requerimentos são mandados para a mesa, não sei que consideração possam ter tido esses pedidos, porque não sei se a commissão ou a mesa se julga habilitada a remetter esses requerimentos ao governo para que se lhes paguem seus creditos; o que eu sei é que é escandaloso que, depois de se terem feito estas obras, ainda hoje estejam por satisfazer varias quantias em que importaram os materiaes.

Apresento um facto que conheço, entre outros muitos. A cerca pertencente a este edificio soffreu gravissimo damno com a construcção d'esta casa; tendo obtido o sr. marquez de Niza, em virtude de uma transacção feita com a viuva do nosso, fallecido collega, o sr. Silva Sanches, que se lhe cedesse parte do terreno, o que foi sanccionado por um contrato pela quantia de 600$000 réis; depois de concluida a obra, não só se não pagou o que se devia, mas deixaram a propriedade no estado em que todos nós a vemos, quando passámos pela calçada da Estrella; não tem reparo nenhum, nem sequer o muro de. defeza, que era condição obrigada.

Ora, sr. presidente, pergunto o que tem feito a mesa com o governo para a solução d'este negocio? Está fazendo grande impressão no publico ver que vem os credores á camara dos pares pedir aquellas dividas, como póde fazer-se ao devedor mais remisso; impressão muito mais desagradavel, porque o publico pensa que a camara está habilitada para fazer esses pagamentos, o que não é exacto, porque a camara não tem dotação nenhuma; a camara não paga estas dividas, porque não tem fundos seus para faze-lo, nem nunca pagou a despeza d'estas obras. O governo é que tem pago até aqui, e deve continuar a pagar tudo quanto se fez; mas entendo que, para dignidade da camara, do governo e do paiz, se deve dar uma prompta resolução a este negocio, pois creio que as quantias em divida não chegam a uma grande importancia; e se o governo deu o dinheiro para se fazerem as obras, é claro que deve dar o resto; é um caso que importa muito para a dignidade da camara. E se esse pagamento se não fizer emquanto não estiverem liquidadas as contas, então poucas esperanças póde haver de que o negocio se resolva ainda nesta sessão.

O digno par, o sr. Margiochi, pediu a palavra, e estou certo que s. exa. terá a bondade de dar as explicações que sejam necessarias para me elucidar sobre este ponto.

O sr. Presidente: - Eu vou dar a palavra ao sr. Margiochi, mas primeiro peço licença para dar algumas explicações que estão ao alcance da mesa. O digno par tem muita rasão no que acaba de dizer; esta camara tem credores, e é de toda a justiça que se lhes pague o devido. Todos os requerimentos teem sido enviados sem a minima demora a uma commissão especial, que foi nomeada para tomar as contas ao sr. marquez de Niza, e que é composta de dignos pares que muito merecem a confiança d'esta camara. Estou certo que ella ha de apresentar quanto antes os seus trabalhos, indicando os meios de realisar os pagamentos, e de fazer justiça áquelles a quem se deve. O digno par, o sr. Margiochi, pediu a palavra, e elle de certo dará outras explicações convenientes, e que satisfaçam o digno par.

Tem a palavra o sr. Margiochi.

O sr. Margiochi: - Pedi a v. exa. a palavra por não ver presente nenhum dos meus collegas da commissão especial encarregada de tomar as contas ao digno par, o sr. marquez de Niza, como encarregado, que foi, das obras d'esta sala.

Os requerimentos a que o digno par alludiu sobre varios creditos que ainda existem, foram effectivamente entregues á commissão, a qual está tratando de os examinar, assim como de examinar as contas que lhe são presentes, por consequencia tem de se verificar a legalidade de todos esses documentos e proceder á devida liquidação.

Eu concordo na necessidade urgente de se acabar com isto, pois é uma vergonha que se esteja protrahindo o dever que ha de evitar os prejuizos que resultam aos interessados pela demora no pagamento de dividas, aliás sagradas. Espero porem, sr. presidente, que não tardará agora o dia em que a commissão se dará por habilitada para apresentar o seu parecer sobre as contas e sobre os requerimentos a que o digno par se referiu, resultando d'ahi que a mesa, se não tiver meios á sua disposição, convenientemente auctorisada pela camara, se entenderá com o sr. ministro da fazenda para o fim de serem solvidas todas essas dividas. São estas as explicações que posso dar.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, agradeço ao digno par, o sr. Margiochi, as explicações que s. exa. teve a bondade de me dar, e que a camara acabou de ouvir.

Eu, sr. presidente, estou completamente satisfeito com es-

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sas explicações, porque não só tenho confiança em que s. exa., já pelo seu caracter recto, já pela sua actividade, procurará dar quanto antes solução a este negocio pela parte que lhe couber, mas estou absolutamente certo e convicto de que s. exa. fará tudo que for possivel a bem da justiça. Mas pelo que deprehendi das suas ultimas palavras, parece-me ver que a commissão tem ainda meios á sua disposição.

(Interrupção do sr. Margiochi, que se não ouviu.)

Parece-me que v. exa. disse que não chegando os meios, faria com que a camara pedisse ao sr. ministro da fazenda...

O sr. Margiochi: - Eu disse que se não chegarem os meios que a mesa tem á sua disposição, justamente com algum saldo que exista na mão do sr. marquez de Niza, ella havia de pedir a competente auctorisação da camara para os requisitar do governo.

O Orador: - Então não é a commissão que tem os meios com que ha de pagar aos credores, é a mesa, ou estão na mão do sr. marquez de Niza?

Eu não creio que a mesa tenha meios á sua disposição, e sobre este ponto peço explicações a v. exa.; sr. presidente, porque se a mesa tem á sua disposição ainda alguns meios, como saldo aos pagamentos que se têem effectuado até hoje, parecia-me regular que se verificassem os creditos de alguns fornecedores, e os seus requerimentos fossem enviados com informação da commissão para a mesa, a fim d'esta proceder, quanto possivel, ao pagamento d'estas dividas sagradas. Isto é que é curial; mas dizer - esperem, que não ha dinheiro para pagar, ou significar essa idéa por outros termos, isto é que não póde continuar a ser. Desejava pois que v. exa. me dissesse se a mesa tem alguns meios de que possa dispor para o pagamento dos diversos credores que forneceram materiaes para estas obras. Tendo-os, é curial que a mesa vá pagando na proporção dos fundos que tem, e á proporção que a commissão lhe for enviando as provas, pelas quaes se verifique o estarem conformes esses creditos.

Com referencia ao cumprimento regular do contrato, essa despeza devia ter sido satisfeita pela repartição das obras publicas. Está presente o sr. ministro das obras publicas, que póde dizer alguma cousa a este respeito. Fallo do muro da cerca contigua a este edificio.

Por uma transacção, regularmente feita com a illustre viuva do sr. Julio Gomes da Silva Sanches, e celebrada pela mesa, se obteve cedencia de parte da mesma cerca, mediante uma indemnisação, parte da qual a viuva recebeu; mas falta satisfazer a condição de se levantar um muro, que não se levantou, ficando a obra no estado que se vê do lado da calçada da Estrella. Parecia pois que sendo a condição do contrato bilateral cumprida por parte da exma. viuva, todas as outras condições se deviam tambem cumprir. A de que se trata é aliás facillima de satisfazer, pois se reduz a alguns metros de muro.

Finalmente, sr. presidente, pedia a v. exa. me dissesse se a mesa tem ou não meios á sua disposição, provenientes de quaesquer saldos? Tendo, desejava saber se a mesa estava na firme resolução de concordar com a commissão, para que esses creditos, justificados por documentos, sejam quanto antes satisfeitos até onde for possivel.

O sr. Presidente: - Devo dizer ao digno par, que, segundo as informações que acabo de receber agora mesmo, consta-me que a commissão administrativa tem á sua disposição a avultada quantia de 300$000 réis; mas emquanto a commissão, eleita pela camara para fazer a liquidação, e tomar contas ao sr. marquez de Niza, não tiver concluidos os seus trabalhos, não é possivel fazer rateio algum. Entretanto, apesar da exiguidade dos meios, que é, quanto a mim, a maior das impossibilidades para o fazer, o digno par, e bem assim os interessados, podem confiar no zêlo e intelligencia dos membros da commissão, e na boa vontade da mesa (apoiados).

O sr. Ministro das Obras Publicas (Calheiros e Menezes):-Sr. presidente, quanto ao ponto a que se referiu o digno par, e que diz respeito á minha repartição, declaro que não tenho pleno conhecimento do facto para responder agora, e nem mesmo tenho d'elle conhecimento official; quando o tiver procurarei habilitar-me para responder.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradeço a resposta do illustre ministro, e acredito que s. exa. não póde ter bastante conhecimento d'este negocio, porque tem passado exclusivamente com a commissão das obras, a mesa e a camara.

Sr. presidente, agora começo por pedir a attenção da camara, e espero que o assumpto, que merece a attenção de cada um de nós, fóra da camara, não deixo de chamar mais vivamente a nossa consideração estando aqui reunidos.

Sr. presidente, a resposta que v. exa. acaba de dar foi precisa, mas acaba com todas as illusões. O digno par, o sr. Margiochi imaginou que os meios estariam n'uma tal ou qual proporção com os creditos, que montam a uma quantia muito avultada.

Mas v. exa. acaba de declarar que com effeito a mesa não tem á sua disposição, e disse-o ironicamente, senão a avultada quantia de 300$000 réis; ora, se a commissão verificar os creditos, e os credores se dirigirem á mesa, esta não póde deixar de lhes dizer que não tem os meios necessarios para pagar! Eu desconfio até que a camara não possa obter o dinheiro necessario para effectuar este pagamento pelo processo irregularissimo com que até agora elle foi obtido, e estou persuadido que só o poderá obter por meio de uma lei. Mas, quem ha de apresentar o competente projecto? Quanto tempo levará todo este processo?

Depois de verificados os creditos, ha de v. exa. dirigir-se ao sr. ministro da fazenda, mas s. exa. não póde dar os meios, porque não estão auctorisados no orçamento, e então ha de fazer uma proposta especial para esse fim, o que dará logar a adiar-se ainda por muito tempo a resolução final de todo este negocio. Contra isto é que eu protesto.

Em conclusão. O que me parece mais regular, é que v. exa., de accordo com o sr. ministro da fazenda e com a commissão, comece por verificar qual seja a importancia dos creditos em divida, e que mesmo antes de terminado o exame das contas, se trate de procurar os meios necessarios que o habilitem a fazer o pagamento d'estas dividas.

Sr. presidente, eu cedo da palavra se v. exa. não me póde dar attenção...

O sr. Presidente: - Eu estou ouvindo o que v. exa. diz.

O Orador: - Porque me parece que esta é a occasião menos propria para se ir distrahir a attenção de v. exa. visto que eu estou exactamente dirigindo-me a v. exa., que é a pessoa que deve tratar com os credores ácerca do modo de se effectuar o pagamento. Ora; eu digo que é necessario que v. exa. combine com o sr. ministro da fazenda e com a commissão sobre a necessidade de se verificarem os creditos, e que depois se combinem os meios de se poderem satisfazer com a maior brevidade possivel.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães):- Sr. presidente, eu não estou bem ao facto das circumstancias que precederam a organisação do orçamento das obras d'esta sala. Tenho porem noticia de que houve uma auctorisação, votada por uma lei, para se dispender uma certa somma com as obras que se haviam de fazer; e, segundo as explicações que v. exa. deu e o digno par, essa somma está provavelmente extincta, e portanto ha de ser necessario um credito supplementar para acabar de pagar as obras que se fizeram. Se porem a auctorisação caducou, como creio que deve ter caducado, e se no ministerio da fazenda não existe já credito nenhum em favor d'estas obras, é evidente que, para se pagar qualquer credito que porventura ainda exista, é preciso uma nova lei do parlamento que auctorise o governo a pagar essas sommas.

Ora v. exa. e a camara sabem muito bem que as obras d'esta casa não foram dirigidas pelo governo, isto é, deslocou-se completamente da sua verdadeira situação. (O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.)

O parlamento votou os meios que foram precisos para

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esta obra de utilidade publica, e até aqui não ha nada que dizer. Agora o que me parece que foi irregular, desde o principio, foi a execução d'esta obra ter sido commettida a pessoas que não são delegadas do poder executivo. Por outra, a minha opinião seria que, visto ser necessario fazer-se esta obra, porque a camara dos pares não estava convenientemente alojada, ao poder legislativo cumpria decretar os meios precisos, mas a execução d'essa obra devia pertencer ao ministerio das obras publicas. Se as cousas tivessem seguido este caminho, de certo estariam hoje melhor collocadas que estão, segundo o que ouvi. Porém isso não se póde remediar. O que se fez está feito. Se havia de ser o ministerio das obras publicas que fizesse as obras, foi uma commissão composta de pessoas de certo muito competentes, pela sua capacidade, para este fim, mas incompetentes pela sua posição. Porém o facto deu-se. Fizeram-se as obras, esgotou-se o, credito, ha dividas que é necessario pagar. É preciso ver as cousas como ellas são. Isto não é uma questão da commissão que dirigiu as obras, ou d'esta camara, é uma questão do paiz. Logo que as cousas chegarem ao ponto da liquidação, e que eu seja avisado do que ha e é preciso, não tenho duvida em me entender com v. exa. e com a commissão, a fim de se combinarem os meios pelos quaes se ha de solver essa divida. Chegadas as cousas a este ponto, e sabendo-se qual é a quantia necessaria para isso, formularei então uma proposta de lei, e apresenta-la-hei ao parlamento, a fim de se legalisar a despeza.

O que me parece porem é que no estado actual das cousas, desde que se nomeou uma commissão para liquidar e examinar as contas, nada se póde fazer sem ella apresentar os seus trabalhos, porque eu, pela minha parte, não estou habilitado para abonar as sommas precisas para o pagamento d'essas dividas, emquanto não for auctorisado competentemente.

O caminho a seguir era este, desde o principio; mas, visto que não se seguiu, não temos remedio senão aguardar a conclusão dos trabalhos da commissão.

O sr. Costa Lobo (sobre a ordem): - É para pedir a v. exa. que proponha á camara o termo d'este incidente, que me parece que, na occasião presente, serve só de gastar tempo sem conduzir a resultado; pois me parece até que o sr. ministro no que disse não foi completamente exacto com a historia dos factos, como eu a tenho presente.

Concordo com s. exa. emquanto diz que as obras d'esta casa deveriam ter sido dirigidas por delegados do executivo, mas o que tambem é verdade é que o governo prestou a sua annuencia a que houvesse uma commissão de membros d'esta camara encarregada da execução de taes obras, e eu não vejo agora presente nenhum d'esses cavalheiros (Vozes: - Está o sr. Rebello da Silva.); pelo menos não vejo presente o sr. marquez de Niza, que foi aquelle que tomou parte essencial na execução das obras, e que assim como tem que dar as suas contas, é a quem competem para assim dizer todas as explicações.

Claro está pois que, não estando s. exa. presente, nada se adianta, e citam-se como verdadeiros factos que não se póde saber se são completamente exactos e incontestaveis.

Peço pois que esta discussão não progrida n'esta occasião, mas em qualquer outro dia que possa parecer mais opportuno, pois agora não fariamos mais do que estar discorrendo sem base solida para fundamentar as nossas reflexões, o que de certo importaria perda, de tempo sem utilidade real para os interessados.

O sr. Presidente: - Eu não posso deixar de responder a um appello feito pelo digno par o sr. visconde de Chancelleiros, que até certo ponto me tornou responsavel.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não, senhor.

O sr. Presidente: - Eu entendi...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu sei muito bem que v. exa. não tem n'este negocio responsabilidade nenhuma.

O sr. Presidente: - Eu não estava n'esta camara nem mesmo n'este reino (apoiados).

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Como o que se deseja é o aproveitamento do tempo, o que se prova pelos pedidos de palavra sobre a ordem, eu limito-me a dizer que havia base para esta discussão, e essa entendi eu que eram as reclamações; e nem por isso se quer todavia que, antes do exame e verificação d'esses creditos na respectiva commissão, se resolva cousa alguma.

O sr. Presidente: - V. exa. cortou-me a palavra, porque eu estava explicando qual a minha situação n'este caso, e qual o modo como eu entendia que devia correr esta questão, que aliás considero de muita importancia e digna de bastante attenção, pois que se trata de fazer justiça a quem a tem ha muito tempo. (Os srs. Secretarios: - Apoiado, apoiado.) Ninguem mais do que eu deseja ver terminado este negocio (apoiados).

A commissão especial, eleita por esta camara, occupa-se d'isto com todo o zêlo; trata de verificar se o sr. marquez de Niza é credor ou devedor, isto é a primeira cousa; a segunda é se as reclamações estão bem documentadas; e a terceira, se porventura se póde pagar immediatamente, ou qual a fórma de satisfazer á totalidade do que effectivamente se dever (apoiados).

A illustre commissão de certo que não se descuida em preparar o seu parecer, e depois d'isso tem logar fazer-se o que mui acertadamente acaba de ser indicado pelo sr. ministro da fazenda; mas ainda quando chegarmos a esse ponto, não póde logo o governo satisfazer immediatamente quantia alguma, por isso mesmo, que elle hão póde dispor dos dinheiros publicos sem uma lei que transite em ambas as casas do parlamento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Era essa a explicação que eu provocava, e declaro que por agora estou satisfeito com as explicações que se acabam de dar.

O sr. Fernandes Thomás: - Os desejos do digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, são muito louvaveis, mas são tambem os desejos que têem todos os membros d'esta camara, porque todos desejâmos se verifique quanto antes o pagamento aos fornecedores dos materiaes para as obras d'esta casa; mas os meios apresentados por s. exa. para satisfazer estas dividas, não me parece que sejam os mais proficuos para preencher o seu fim, porque em todo o caso é sempre necessario ouvir primeiro a commissão especial que foi nomeada pela camara para examinar as contas do sr. marquez de Niza, e sem isso não podemos fazer cousa alguma a este respeito. N'estes termos pedia a v. exa. que tivesse a bondade de terminar esta discussão, para se passar á ordem do dia, que creio que é o parecer da commissão especial sobre o projecto do bill de indemnidade.

O sr. Presidente: - Eu não dei para ordem do dia de hoje a discussão do projecto do bill de indemnidade, como alguns jornaes disseram; o que disse, quando o sr. relator da commissão apresentou o parecer sobre aquelle projecto, foi que havia de ser impresso e distribuido por todos os dignos pares, para ser opportunamente dado para ordem do dia. Por consequencia não dei este projecto para ordem do dia da sessão de hoje, mas a camara póde resolver que se entre já na discussão d'elle. Eu peço ao sr. secretario, que tenha a bondade de ler a parte da acta que se refere a este objecto. Se a camara tivesse dado attenção, como convem, á leitura da acta, veria que este projecto não foi dado para ordem do dia da sessão de hoje.

O sr. Secretario (Conde de Fonte Nova): - A parte da acta da sessão antecedente, relativa á ordem do dia para a sessão de hoje, diz o seguinte (leu).

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pedia a v. exa. que se dignasse consultar a camara se quer que se abra hoje a discussão sobre o parecer relativo ao projecto do bill de indemnidade; porque nós, sr. presidente, não estamos sempre attentos á leitura da acta, nem prestamos muitas vezes

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a devida attenção ás ultimas palavras que v. exa. profere antes de levantar a sessão, e saímos d'aqui na sexta feira com a idéa de que v. exa. tinha dado para ordem do dia da sessão de hoje a discussão do bill de indemnidade; no que me corroborou o facto de ter recebido antes de hontem o parecer impresso da commissão, e ainda mais a asseveração de alguns jornaes de que v. exa. tinha dado este projecto para a ordem do dia de hoje. Por isso peço a v. exa. que consulte a camara se quer ou não que se abra a discussão sobre o bill de indemnidade, pondo este meu requerimento á votação.

O sr. Presidente: - Eu devo dizer ao digno par que sou responsavel pelo que digo, mas não pelo que não digo, e que a acta é que nos regula n'este caso.

O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Eu não posso conceder a palavra ao digno par sem consultar primeiro a camara sobre o requerimento que acabou de fazer o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Miguel Osorio: - Peço a v. exa. a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente:-Tem o digno par a palavra.

O sr. Miguel Osorio: - Não deseja que se entre na discussão de um projecto que é muito importante, e que lhe parece que não foi distribuido por todos os dignos pares, visto que elle o não tinha recebido; e por outra parte vê que não estão todos os srs. ministros presentes, e póde ser que não haja quem de as explicações que algum digno par julgue necessarias sobre os varios actos a que este bill se refere.

O sr. Presidente: - Eu não dei para a ordem do dia de hoje este projecto; mas permitta-me o digno par que lhe diga que me parece ver nas palavras de s. exa. uma censura dirigida á minha pessoa, por não ter posto á votação o requerimento do digno par o sr. visconde de Chancelleiros...

O sr. Miguel Osorio: - Declarou que tal não tinha sido a sua intenção, nem tinha motivos para tal.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, não me quero involver na discussão do requerimento do digno par o sr. visconde de Chancelleiros, pelo qual, na qualidade de membro d'esta casa, voto. Unicamente pedi a palavra para responder ás reflexões do sr. Miguel Osorio, quando disse, como fundamento para se não entrar desde já na discussão do bill que os membros do governo não estavam todos presentes.

Eu declaro que os que se acham presentes são sufficientes para responder a quaesquer reflexões que forem feitas ácerca das medidas que fazem objecto do projecto de lei apresentado ao parlamento.

Nós somos solidarios, e portanto respondemos todos uns pelos outros. Em vista d'isto estamos presentes e preparados para entrar n'essa discussão, não só sobre a questão politica em geral, mas sobre cada ministerio de per si.

Faço esta declaração para que o argumento do digno par, o sr. Miguel Osorio, não possa influir no animo da camara para regeitar o requerimento do sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Parece-me que; tinha esquecido n'esta pequena discussão, que tem havido a respeito do requerimento e digno par o sr. visconde de Chancelleiros, lembrar que não foram só os jornaes que annunciaram que tinha sido dada para ordem do dia de hoje o bill, mas tambem o jornal official, onde, em nome de v. exa., vem dada para a sessão de hoje essa mesma ordem do dia.

O sr. Presidente: - Perdôe-me v. exa., porém torno a responder, e hei de responder mil vezes, que o ene regula é a acta, e não aquillo que os outros disseram que eu disse. Não tenho culpa de que se perceba mal, nem de que os dignos pares dêem pouca attenção á ordem do dia, o que regula é a acta. Já declarei por umas poucas de vezes, e torno a declarar, que não dei para ordem do dia o parecer
n.° 3, e aqui estão os srs. secretarios que ouviram muito bem o que eu disse (apoiados}.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Logo não houve nada que determinasse v. exa. a fazer esta convocação.

O sr. Presidente: - O requerimento do digno par o sr. visconde de Chancelleiros satisfaz tudo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Quando v. exa., na sessão passada, mandou ler na mesa o parecer da commissão especial que examinou o bill) disse que se mandava imprimir, para depois se distribuir aos dignos pares, a fim de ser entregue opportunamente á discussão. Parece-me que foi isto o que v. exa. disse, sem designar o dia.

O sr. Presidente: - Torno a repetir, o que eu disse foi que seria impresso, distribuido aos dignos pares e dado opportunamente á discussão. Isto foi o que eu disse, sustento e não posso admittir outra cousa (apoiados).

O Orador: - É isso justamente o que eu estava dizendo. V. exa., no fim da sessão, não deu este projecto para ordem do dia de hoje; mas que poderiam pensar os membros d'esta camara quando pegassem na folha official e lessem o seguinte annuncio? (Leu.)

Pensavam de certo que este projecto havia sido dado para ordem do dia de hoje, porque se poderia suppor, e com todo o fundamento, que, apesar de v. exa. não o annunciar no encerramento da ultima sessão, para ser discutido hoje, podia comtudo ter dado as suas ordens na secretaria para se fazer este annuncio que se lê na folha official.

Não sei como isto se passou. Se effectivamente v. exa. deu ordem para se fazer este annuncio, muito bem; mas se o não auctorisou, grande responsabilidade cabe á secretaria d'esta camara por ter praticado um tal acto.

Desejava portanto que v. exa. me dissesse se effectivamente este annuncio foi auctorisado pela mesa, ou se a secretaria dá ordens do dia sem o consentimento de v. exa.

O sr. Presidente: - Eu não me regulo pelos annuncios, nem pelas noticias dos jornaes, e julgo que a camara é d'esta mesma opinião. Para mim, o que regula é o que eu disse, ao encerrar a ultima sessão, e o que se acha escripto na acta pelo sr. secretario. Mas para acabarmos com estas duvidas, vou consultar a camara sobre o requerimento do digno par.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 3 para entrar em discussão.

(O sr. Secretario leu-o.)

Parecer n.° 3

Senhores. - Foi presente á commissão especial o projecto de lei n.° 3, vindo da camara dos senhores deputados, tendo por objecto:

1.° Relevar o governo da responsabilidade em que incorreu exercendo funcções legislativas, não comprehendidas na auctorisação que lhe foi concedida pela carta de lei de 9 de setembro de 1868.

2.° Determinar que continuem em vigor os decretos de natureza legislativa, promulgados desde 26 de janeiro a 24 de abril do corrente anno, emquanto não forem alterados pelo poder legislativo.

E a vossa commissão especial, na situação em que se vê collocada, aguardando e deixando intacta a questão de fazenda, e a da melhor, mais simples ou menos despendiosa organisação do serviço publico;

Attendendo que os actos de promulgação e de execução dos decretos de que se trata, uns, pelo uso da referida auctorisação, outros, com excesso d'ella, são facto consummado;

Attendendo que nos termos do projecto se propõe uma confirmação restrictamente provisoria;

Attendendo emfim que é uma necessidade não só constitucional, mas absoluta, um consciencioso exame de taes decretos, por meio de propostas de lei especiaes, fundadas assim em principios de justiça e de maior conveniencia, como nas severas lições da experiencia que demonstrem resulta-

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dos reaes, sobre economias nas despezas do estado que são indispensaveis e urgentes:

É de parecer que esta camara se deve limitar a concluir pela adopção do referido projecto de lei, nos termos em que foi redigido e votado na camara dos senhores deputados, a fim de que reduzido a decreto das côrtes geraes suba á sancção real.

Sala da commissão, em 20 desmaio de 1869. = Conde de Fornos de Algodres = Vicente Ferrer Neto Paiva = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo, com declaração á reforma parlamentar = Visconde de Algés, com declarações = Conde de Cabral = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Projecto de lei n.° 3

Artigo 1.° É o governo relevado da responsabilidade em que incorreu, exercendo funcções legislativas.

Art. 2.° Os decretos de natureza legislativa promulgados pelo governo desde 26 de janeiro a 24 de abril do corrente anno continuam em vigor emquanto não forem alterados pelo poder legislativo.

Palacio das côrtes, em 18 de maio de 186S. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Entrou em discussão na generalidade.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, eu voto por este projecto, porque o acho de interesse publico, e porque entendo que não devemos por fórma alguma embaraçar a discussão d'estas medidas de fazenda; e creio que, pondo de parte a politica e quaesquer idéas partidarias, estamos todos de accordo a este respeito. Mas voto o projecto por uma outra rasão, porque dá certas garantias n'esta confirmação provisoria que estabelece. Ha certos actos legislativos, praticados pelo governo, que as camaras hão de considerar, como por exemplo ha de acontecer com a quebra do contrato feito entre o governo e a associação do palacio de crystal estabelecida no Porto.

A camara não ha de estranhar que eu faça estas considerações, se se lembrar que sou filho da cidade do Porto, e que contribui quanto pude para a realisação da fundação d'aquelle estabelecimento.

Não quero pois, repito, embaraçar a discussão d'este parecer; desejo apenas notar que o projecto propõe uma confirmação provisoria, o que quer dizer que ha de haver um maduro exame sobre esta medida.

Voto portanto o parecer da commissão.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu esperava que, apresentando-se n'esta camara um parecer de tanta importancia como este, para ser discutido, se levantaria ao menos uma voz para encetar a sua discussão; vejo porem que todos os dignos pares se conservam silenciosos e, como indifferentes, até mesmo aquelles que o assignaram com declarações, que era necessario que as fizessem. Não sei a que deva attribuir esta indifferença. Eu não queria ser o primeiro a tomar a palavra, porque em poucas queria unicamente declarar o meu voto, e nada mais; mas á vista do aspecto da camara, não posso deixar de o fazer agora; desejava porem fazer a minha declaração mais tarde depois de outros dignos pares terem fallado.

Sr. presidente, uma das rasões que levou a commissão a approvar o projecto de lei que se discute, não me parece que seja plausivel. Diz a commissão: "Attendendo a que nos termos do projecto se propõe uma confirmação restrictamente provisoria".

A rasão que se dá para que estas leis sejam approvadas, dá se igualmente em relação a todas as outras leis que unicamente duram emquanto não são alteradas, ou revogadas, e por conseguinte não se póde dar para a approvação d'estas em especial uma rasão que é commum a todas em geral.

Quanto ao projecto em discussão, estou prompto a approvar o seu primeiro artigo, no qual se concede unicamente um bill de indemnidade por ter o governo exercido funcções legislativas. Appprovando este artigo, não posso porém dar a minha approvação a uma infinidade de leis, que constam d'este volume (apresentando o volume), que desde a pagina 1 até paginas tresentas e noventa e tantas, está cheio de disposições legislativas; portanto se se entender que o bill é só para relevar o governo de ter legislado sem que por isso se entenda que se sanccionam todas as medidas tomadas, approvo o bill mas devendo ser todas as medidas referidas avaliadas pela camara; quando o não forem, neste caso rejeito o bill.

Sr. presidente, sou um velho parlamentar, tenho assistido mais de uma vez a debates sobre volumosos e complexos projectos de lei, resultado do governo ter usado de funcções legislativas, e tenho visto approvar sempre taes projectos; todavia ainda não sei que o paiz haja tirado vantagem d'esse modo de legislar. Agora quer-se seguir o mesmo caminho! Entretanto á camara compete resolver o que lhe parecer. Eu porém occupar-me-hei de algumas d'estas disposições, sobre que tenho muitas duvidas, e que julgo de grande importancia; e declaro que, se não se discutirem e rejeitarem os decretos de que vou tratar, neste caso hei de rejeitar o bill de indemnidade. Vou já dizer quaes são as minhas duvidas. O decreto de 2 de março do corrente anno revogou a disposição do artigo 1.° da carta de lei de 17 de agosto de 1861 sobre a contribuição do registo por titulo oneroso.

Por este decreto revoga-se o artigo 11.° da carta de lei de 1860, pelo qual a contribuição de registo das propriedades, que não fossem vendidas em hasta publica, havia de ser paga, note a camara, não pelas declarações dos compradores ou vendedores, mas conforme o valor das matrizes; disposição esta que tinha sido inserta pelo sr. Casal Ribeiro na lei de fazenda de 1860.

Esta disposição combati eu com toda a força da minha pouca intelligencia; mas, sr. presidente, eu tinha tanta rasão que, logo depois, quando houve mudança de ministerio, e foi gerir a pasta da fazenda o sr. conde d'Avila, s. exa. achou tantas difficuldades e durezas n'esta disposição que suspendeu a sua execução, se estou bem lembrado, na sessão seguinte logo foi derogado o artigo a que me refiro; as durezas e as difficuldades foram taes que o sr. conde achou na execução da disposição da lei de 1860, que entendeu indispensavel revogar tal disposição, e não hesitou em faze-lo.

É sabido que eu não partilho as opiniões de. s. exa. quanto á administração do estado, e que lhe tenho feito opposição apesar de lhe ser devedor da muita attenção com que me trata; comtudo, apesar de s. exa. divergir das minhas opiniões, n'este ponto seguiu o meu parecer, e apressou-se a revogar o artigo de que trato, e que eu tinha combatido.

Ora, quando dois partidos politicos, que se combatem, concordam em um ponto qualquer de administração ou de legislação, não póde haver a mais pequena duvida de que o ponto em que concordam é da maior utilidade para o paiz, e é justissimo.

Alem do decreto que faz reviver a lei do sr. Casal Ribeiro, encontra-se neste volume de leis outro decreto para que as matrizes sejam reformadas.

Sr. presidente, o decreto de 7 de abril, que manda organisar novas matrizes para servirem á repartição da contribuição predial no triennio de 1870 a 1872, diz o seguinte no § unico do artigo 6.°: "Os laudos dos informadores e louvados serão tomados como informação, e não impedirão que os empregados fiscaes, a quem é commettido o serviço da organisação das matrizes se aproveitem de outros elementos que possam colher para o aperfeiçoamento das mesmas matrizes".

Esta disposição, sr. presidente, tira aos contribuintes todas as garantias que podiam ter de que pagariam as suas contribuições segundo as informações legaes e mais processos para verificar os rendimentos reaes das suas propriedades, e ficam sujeitos a pagarem as suas contribuições, não

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pelos teus verdadeiros rendimentos, mas por aquelles que os empregados fiscaes lhes quizerem arbitrar; não podendo os contribuintes reclamar contra a avaliação que os empregados fiscaes fizerem, porque não podem saber as rasões em que elles se fundaram para os collectar; isto é, dá-se-lhes um grande arbitrio, sem que se lhes possa exigir responsabilidade alguma.

Como os empregados recebam quotas segundo o augmento das contribuições, têem todo o interesse em augmentar a sua cifra. Eu desejo prestar o meu apoio ao governo, mas nem por isso posso approvar tudo quanto elle propõe, quando entendo que é injusto, e neste caso a propriedade do cidadão passa por baixo das forcas caudinas dos empregados fiscaes, sem que isto se possa evitar.

A vista do que tenho exposto á camara não posso por fórma nenhuma approvar uma tal lei, e se por este bill de indemnidade se approvam todas as leis propostas, eu não posso dar-lhe o meu voto, e, posto que eu seja o unico que vote assim, não receio ficar só.

Sr. presidente, muito pouco mais tenho a dizer, porque já expliquei o ponto principal das minhas duvidas; mas é tão verdade que em algumas d'estas leis se têem achado inconvenientes, que, na outra camara, sem que ellas tenham sido approvadas n'esta, já se têem feito propostas, como disse o sr. conde de Castro, para revogar as que dizem respeito ao banco ultramarino e ao palacio de crystal.

O sr. conde de Castro continuou dizendo que approvava esta ultima lei, porque póde ser revogada; ora, isto não é rasão plausivel para que se approvem todas, quando já se trata de revogar algumas.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, o meu digno collega e amigo, o sr. visconde de Fonte Arcada, parece-me que não entendeu bem o que eu disse, ou eu me não soube explicar. Eu não disse que exceptuava da minha approvação um dos decretos, mas sim que ha meio de impedir qualquer injustiça, quando se averigue que ella existe. Ha meio parlamentar para isso se fazer (O sr. Ministro do Reino:- Apoiado), e já o vi praticar na outra camara para um objecto similhante, que diz respeito ao banco ultramarino. Já houve um sr. deputado que propoz uma nova lei, e os srs. ministros prometteram que a tomariam em consideração, ou não se opporiam a que ella passasse. Se se averiguar pois que houve injustiça, que houve ataque de direitos adquiridos, ha um meio para isso se remediar. Foi o que eu disse, sem fazer a excepção que o digno par suppoz.

O sr. Ministro da Fazenda: - As observações que até agora se têem feito com relação ao projecto que está em discussão têem sido muito breves, e por isso muito breve tambem serei nas explicações que vou dar á camara, e principalmente ao digno par o sr. visconde de Fonte Arcada.

O digno par, o sr. conde de Castro, poz effectivamente a questão nos verdadeiros termos: a approvação da camara, recaíndo sobre o projecto que está em discussão, é ampla; mas todos os decretos que foram promulgados pelo governo, no exercicio de poderes extraordinarios, podem ser reformados, modificados, alterados ou revogados completamente, por meia de novas propostas de lei. É exactamente aquillo a que s. exa. alludiu, quando se referiu ao que se passou na outra casa do parlamento, relativamente ao banco ultramarino. O mesmo que se faz com essa questão que está pendente na outra camara, se póde fazer com todos e quaesquer outros objectos.

O digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, fez alguns reparos, unicamente sobre dois decretos que fazem parte da collecção que está submettida á approvação da camara, e que dimanaram do ministerio a meu cargo. O primeiro é sobre a alteração que houve na maneira de se pagar a contribuição de registo.

Effectivamente, pela lei de 1860, se determinou que a contribuição de registo, nos contratos por titulo oneroso, não podesse recaír sobre quantia inferior áquella que se achasse designada nas matrizes, se porventura as partes no contrato não apresentassem quantia superior á que se achasse na matriz. A contribuição de registo era calculada sobra essa base.

Se porem a declaração das partes era inferior ao que só achava na matriz, a contribuição havia de ser regulada sobre essa base.

Em 1861 apresentou-se um projecto de iniciativa particular, na outra casa do parlamento, no qual se procurava mostrar que este meio de cobrar a contribuição de registo era injusto, por isso que se sabia que em certas localidades as matrizes se achavam muito elevadas, e que os contratos se faziam sobre quantias mais pequenas, e assim era injusto que se fizesse pagar uma contribuição, sabendo se que as bases sobre que devia assentar estavam exageradas. Não se dá porem isso hoje, e a opinião geral é que se ha defeito, está em se encontrarem as matrizes mais baixas, e não mais elevadas. Em virtude d'isto as camaras approvaram uma alteração na lei, e era essa a legislação que vigorava; mas sendo depois approvado o codigo civil, veiu alterar todo o modo de ser da propriedade, e acabou com o principio das lesões estabelecido para estes contratos de transmissão de propriedade por titulos onerosos; e tendo eu conhecimento de differentes factos que se tinham dado, em que os contratantes, não receiando já áquella disposição, não duvidavam simular os seus contratos, por isso que não podiam já temer o serem incommodados por uma acção de lesão, deu isto em resultado que o imposto de registo por titulos onerosos era collectado muito baixo, produzindo por consequencia um prejuizo muito grave para a fazenda. N'estas circumstancias, tendo em vista o estado do thesouro, e attendendo a que por esta disposição do codigo civil se achava bastante exhausta uma importante fonte de receita, combinei com os meus collegas que era conveniente restabelecer a medida que tinha sido alterada em 1861, provendo-se d'este modo de remedio n'este assumpto. Foram estas as rasões que levaram o governo a promulgar o decreto, rasões que reputo bastante concludentes.

Com referencia a outro ponto que o digno par tocou, isto é, o ter-se ao mesmo tempo que se promulgava aquelle decreto publicado outro mandando reformar as matrizes, devo observar a s. exa. que isso é um acto da competencia do executivo, e que não tem relação com o legislativo. O tempo marcado para as matrizes tinha acabado havia muito; foi prorogado por meio de um decreto até 1869; tinha-se chegado a 1869, e era necessario dar as providencias mais convenientes para que a reforma se fizesse em tempo opportuno para o respectivo lançamento.

Foi o que eu fiz com a promulgação do decreto a que o digno par se referiu.

N'esse decreto não ha nada que não esteja dentro das attribuições do poder executivo, porque apenas é o cumprimento da lei que manda reformar as matrizes de tres em tres annos. A unica circumstancia que dá logar a este decreto ser comprehendido n'esta collecção de medidas é a de que n'elle se encontra uma disposição que não estava na legislação anterior.

Refiro-me ao artigo 11.° d'esse decreto, pelo qual é conferida ao governo uma auctorisação para poder dissolver as juntas de repartidores quando ellas tenham faltado ao cumprimento dos seus deveres.

O digno par sabe perfeitamente que o governo tem essa auctoridade com relação ás camaras municipaes, quando ellas exorbitam das faculdades que lhes confere o codigo administrativo; porém havia uma omissão na legislação de fazenda quanto ás juntas de repartidores, ainda mesmo que ellas exorbitassem e se tornassem facciosas, porque ao governo não assistia o direito de as poder dissolver.

D'esta omissão tinham resultado grandes inconvenientes; e como eu era obrigado a mandar reformar as matrizes, entendi dever inserir n'este decreto não só algumas disposições tendentes á sua melhor organisação, e á mais justa

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distribuição do imposto (porque é certo que este imposto, sendo de repartição, não depende da maior ou menor avaliação das matrizes, mas sim da quantia que o parlamento vota), mas tambem a armar o governo com faculdades para obstar aos abusos que algumas juntas de repartidores tinham praticado no exercicio das suas funcções.

O digno par tambem verá que, tendo os empregados de fazenda uma quota certa dos impostos que cobram, que sendo a cifra d'estes lançadas pelo parlamento, e que não dependendo essa quota da maior ou menor avaliação das matrizes, elles não têem interesse em as levantar ou abaixar. Por exemplo, uma comarca qualquer tem de pagar, supponhamos, 3:000$000 réis, e os exactores têem uma certa percentagem sobre esta somma, n'este caso que lhes importa que as matrizes estejam mais altas ou mais baixas? O exactor não recebe nem mais nem menos, porque só recebe a quota correspondente á somma que deve cobrar, e a somma geral do imposto é votada pelo parlamento e distribuida pela junta geral do districto.

Já vê portanto o digno par, que o argumento por s. exa. apresentado não póde colher de modo algum para que os empregados de fazenda levantem ou rebaixem as matrizes; e alem d'isto, ainda ha os recursos que deixam salvos os meios para os lesados poderem reclamar a bem da sua justiça. Por consequencia, não póde haver rasão para os reparos de s. exa.; e que os decretos que objectou, são exactamente duas das providencias que eu considero mais importantes, e de que espero tirar melhores resultados, principalmente o que diz respeito á reforma das matrizes, por isso que os meios indicados no referido decreto hão de fazer melhorar muito esse serviço, e habilitar-nos a alcançar uma certa perfectibilidade, a ponto de que o imposto predial possa chegar dentro em pouco tempo a ser distribuido, não digo com inteira igualdade, porque nestas questões não se póde nunca chegar á perfeição absoluta; mas emfim tornar menos saliente a desigualdade, e fazer, com que o imposto já existente, e o que porventura se addicione seja distribuido com equidade, pois só devemos desejar que todos paguem em proporção com as suas possibilidades.

Como foram estes os reparos que o sr. visconde de Fonte Arcada dirigiu ao governo sobre este assumpto, não tenho mais que dizer.

Não me fazendo cargo, por agora, de responder ás breves reflexões que o sr. conde de Castro fez com relação ao palacio de crystal, porque não atacou o decreto, e disse apenas que se reservava para discutir esta questão em occasião opportuna; do contrario, eu poderia dizer quaes os motivos que levarem o governo a propor o decreto que hoje faz parte d'este complexo de medidas.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, sinto muito que as explicações do sr. ministro da fazenda, me não satisfizessem. Disse s. exa. que as matrizes estão imperfeitas. Mas ha dois modos de as considerar imperfeitas: e por estarem muito baixas ou muito altas?

O sr. Ministro da Fazenda: - Estão desiguaes.

O Orador: - Então é preciso, primeiro que tudo, saber qual é essa desigualdade.

Diz-se que para o norte as matrizes estão muito inexactas. Será verdade, ou não? Para que isto se podesse saber era necessario um inquerito; e esse inquerito não sei se o governo tratou de o mandar fazer.

Nas outras partes as matrizes estarão regularmente feitas? Póde ser que sim, e póde ser que não. Mas quando se diz em geral que as matrizes não estão regularmente feitas, e quando se diz que ha desigualdades, é preciso que se apresente o meio de conhecer se essas desigualdades existem, a fim de se tomarem as medidas necessarias para que ellas sejam regularmente organisadas, e com toda a igualdade possivel.

Disse s. exa. que tem chegado de algumas partes representações sobre a diminuição d'esta importante verba de rendimento da contribuição de registo.

Se essa verba de rendimento apresenta diminuição, é necessario saber-se, qual é a cifra actual d'essa verba e compara-la com as antecedentes, porque só assim é que se póde saber se diminuiu. Não se póde saber se ha diminuição sem que se saiba o que rendia, para se poder comparar.

O sr. Ministro da Fazenda: - Têem-se feito contratos de venda simulados.

O Orador: - Para os evitar quer o sr. ministro que pelas novas disposições do decreto de 7 de abril, que manda organisar as novas matrizes, possam todos ficar castigados, só porque ha; alguns que têem infringido dolosamente a lei? Quer que se castiguem os innocentes? Isto é um principio que eu não esperava ouvir de s. exa., e confesso que não me posso conformar com a sua explicação.

Diz tambem o sr. ministro que os fiscaes da fazenda não têem interesse em augmentar o rendimento das matrizes; mas se o que eu disse não é exacto, nem por isso deixa de o ser que o grande arbitrio, sem responsabilidade, com que ficam estes empregados, não seja origem de graves prejuizos para os contribuintes, e a isto não respondeu s. exa. Alem de que, o grande desejo que os empregados têem de agradar ao governo, ha de fazer com que pouco lhes importe que o contribuinte pague mais do que deve; hão de querer, para conservarem os seus logares, augmentar mais os rendimentos do que augmentariam se não ficassem com o arbitrio com que ficam, o que não póde deixar de produzir grandes vexames.

Diz tambem o sr. ministro que ha o direito das reclamações. Ora, eu confesso que sinto não poder animar-me com o que disse s. exa. Reclamações! Largos dias teem cem annos! Alem de que, como se póde reclamar contra o excesso da contribuição se os empregados fiscaes não dizem as rasões que os moveram a fazer esse augmento, que é proveniente de informações colhidas por elles particularmente?

Concluo pois dizendo que se porventura se entende que o bill é unicamente para relevados srs. ministros de terem legislado sem se approvarem as suas medidas, não tenho que me oppor. Agora se se entende que é approvação de tudo que está decretado n'este livro de tresentas e noventa e tantas paginas, então nesse caso rejeito o bill, e não posso deixar de votar d'este modo, até porque vejo disposições contradictorias muito engraçadas. Vejo o decreto de 21 de outubro de 1868 reunir em uma só as legações de Vienna e Berlin, e logo depois vejo um decreto de 28 de janeiro ultimo declarando sem eifeito o antecedente. Qual d'este é o approvado, e qual o rejeitado? Eu declaro que não entendo.

O sr. Miguel Osorio: - Declarou-se adversario de todas as dictaduras, sendo por isso que não póde deixar de estar na opposição aos srs. ministros actuaes. Todavia não duvida absolve-los do peccado constitucional que commetteram, votando por isso o artigo 1.° do projecto; quanto ao artigo 2.° não póde approva-lo pelas rasões que expoz, analysando simultaneamente alguns dos decretos dictatoriaes.

Disse que tinha protestado, como eleitor, na assembléa eleitoral onde estava recenseado, contra o decreto que alterou a composição da camara dos senhores deputados, e alterou profundamente a circumscripção dos circulos eleitoraes, e leu o protesto que por esta occasião fizera.

Emquanto o lia, vendo que o sr. ministro do reino se rira, estranhou que se estivesse rindo do que elle, orador, estava dizendo.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Eu peço perdão ao digno par, mas eu não me ri do que s. exa. disse.

O Orador: - Depois de ter aceitado esta declaração continuou a sua impugnação, alludiu aos boatos que correram, de que este decreto fôra assignado por Sua Magestade achando-se unicamente presente ao acto o sr. bispo de Vizeu, e de outras circumstancias que tinham occorrido. - O sr. Ministro do Reino - Se v. exa., sr. presidente, e

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o digno par, me concedem licença, eu darei já a explicação que o digno par deseja.

O Orador: - Eu agradeço ao sr. ministro a sua attenção, e muito folgarei de o ouvir.

O sr. Ministro do Reino: - Em primeiro logar, permitta-me o digno par que eu aproveite a occasião para explicar a minha hilaridade de ainda agora. Foi um dito do meu collega, que se senta aqui ao meu lado, que me provocou o riso, e não as palavras do digno par. Não é o riso muito vulgar em mim, e é contrario ao meu temperamento. S. exa. julgou que eu me ríra das suas palavras, foi um falso supposto. Eu não sou capaz de escarnecer do digno par, que me merece muito respeito. Seria um acto contrario ao meu caracter, á minha dignidade, á dignidade da camara, e á dignidade do digno par. Peço a s. exa. que aceite esta minha declaração. (O sr. Miguel Osorio: - Aceito e agradeço.)

Eu era incapaz de tal praticar, por todas as rasões; e se o fizesse, daria direito tambem a que os outros me fizessem o mesmo. Emquanto ao mais, cumpre-me declarar que o decreto a que o digno par se referiu seguiu os mesmos tramites dos outros.

O Orador. - Desejou saber se aquelle decreto fôra examinado, por todos os srs. ministros antes de ser apresentado á real assignatura.

O sr. Ministro do Reino: - Foi combinado em conselho de ministros, e seguiu os tramites ordinarios de todos os outros decretos sem alteração nenhuma.

Creio que o digno par não quererá, nem isso interessa á causa publica, que eu entre no detalhe das circumstancias que se deram, tanto mais num local que não é permittido discutir. O que posso declarar é o que já fiz, isto é, que o decreto seguiu os mesmos tramites de todos es outros, sem a mais pequena differença. Por consequencia a responsabilidade é de todos os ministros que o assignaran, todos a tomam, e nenhum a declina. É isto o que tenho a dizer, e emquanto ao mais não posso, não devo, nem tenho mais que explicar.

O sr. Presidente: - Tenho a observar aos dignos pares que já deu a hora, mas provavelmente como o sr. Miguel Osorio tem ainda mais alguma cousa a dizer, eu...

O Orador: - Agradeceu ao sr. ministro as explicações que acabava de dar-lhe.

O sr. Ministro do Reino: - O que eu não queria era que s. exa. aceitasse o boato como verdadeiro.

O Orador: - Como tem ainda varias considerações a fazer, e a hora já deu, pede que se lhe reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara para a ordem do dia que vou dar. A primeira sessão será ámanhã, sendo a ordem do dia a continuação da discussão de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 28 de maio de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, de Cabral, de Campanhã, de Cavalleiros, de Fonte Nova, da Louzã, da Ponte, de Rio Maior, de Samodães, de Sobral; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Algés, de Benagazil, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Porto Covo, de Soares Franco, da Vargem da Ordem, de Villa Maior; Barões, de S. Pedro, de Villa Nova de Foscôa; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Silva Ferrão, Margiochi, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Fernandes Thomás, Ferrer.

1:206 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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