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N.º 14

SESSÃO DE 3 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo., sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcelos Pimentel

Secretarios - os exmo. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Pereira Dias dirige algumas perguntas ao governo ácerca de occorrencias graves na Povoa de Varzim. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Pereira Dias agradece a resposta, mas podo informações mais completas. - O sr. visconde de Moreiro de Rey podo esclarecimentos ao governo sobre a inclusão no orçamento rectificado de uma verba para beneficencia, e alludo por fim a ultima lei sobre os cercãos. - Respondem ao digno par os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda. - O sr. Costa Lobo refere-se á questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, e apresenta algumas considerações sobre fiscalisação, aduaneira e conclue mandando para a mesa um requerimento. E expedido. - Respondem ao digno par os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.º 42, approvando a eleição pelo districto de Bragança. - O sr. presidente do conselho diz que não póde continuar a assistir á sessão de hoje por estar empenhado em uma discussão importante na outra casa do parlamento. - O sr. José Luciano de Castro agradece a prevenção do sr. presidente do conselho. - O sr. Coelho de Carvalho discursa sobre o, parecer em ordem do dia, e mandou para a mesa uma proposta. E admittida á discussão. - Fallam sobre o assumpto em ordem do dia os srs. conde de Lagoaça e visconde, de Moreira de Rey. - O sr. Firmino João Lopes manda para a mesa um requerimento. Manda-se expedir. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e quarenta minutos da tarde, achando-se presentes 28 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. secretario geral da academia real das sciencias, enviando vinte bilhetes para a sessão solemne de 8 do corrente, em que o sr. Antonio Candido lerá o elogio de El-Rei D. Luiz.

(Estavam presentes ou srs. presidente do conselho de ministros, e ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Pereira Dias, que a pediu para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda.

O sr. Pereira Dias: - Effectivamente eu tinha pedido a v. exa. que me reservasse a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, porque desejava que s. exa. me desse algumas informações sobre os desgraçados successos da Povoa de Varzim.

Declaro desde já que em todas as questões de ordem publica me collocarei sempre, e sem reserva, ao lado do governo.

O que desejo saber é se da parte dos guardas fiscaes houve ou não excesso, e se porventura elles foram alem do que era licito que fossem.

Depois de fallar o sr. ministro da fazenda, peço a v. exa. que me dê de novo a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, não posso dar ainda informações completas sobro o assumpto a que o digno par se referiu; no entretanto alguma cousa posso dizer.

As informações que por agora posso dar são unicamente as que constam de differentes telegrammas enviados ao governo.

Não lerei todos esses telegrammas, e sim o ultimo, que é o mais circumstanciado; mas, antes dessa leitura, devo dizer cá camara que logo que no Porto houve conhecimento das lamentaveis desgraças que tiveram logar na Povoa de Varzim, foi immediatamente para ali o segundo commandante do batallão n.° 3 da guarda fiscal, que tom a sua sede no Porto, e foi elle que dirigiu ao governo o telegramma que vou ler, o qual diz o seguinte:

"Povoa, n.° 3. - Palavras taxadas 113. - Em l, ás oito horas e vinte minutos da manha. - Commandante guarda fiscal. - Rua dos Martyres da Liberdade. - Porto. -Consternação, mas socego. Soldados foram para casa municipal para applacar e subtrahir ás iras; não estão no quartel. Cinco populares mortos todos maiores, nove feridos, dois gravemente. Frente do quartel com destroços, dentro vidros partidos, grandes penedos. Soldados quasi todos feridos e contusos, um gravemente na cabeça perdeu os sentidos roubando-lhe carabina.

"Conflicto originado por encontrar-se contrabando nos barcos, parte apprehendido, parte ficou lá por aggressão de mais de tres mil pessoas impedirem execução, sendo logo aggredidos á pedrada, foram ao quartel armar-se, fazendo primeiro tiros altos. São informações colhidas administrador e regedor. Hoje procedo averiguações. Acho conveniente substituir implicados. = Carmona, major.

"Está conforme. - Quartel no Porto, 1 de junho de 1990. - Domingos Silvestre Braz, tenente ajudante."

Como v. exa. muito bem sabe, desde o momento era que estes acontecimentos se deram, havia por parte das auctoridades locaes a obrigação, que elles cumpriram, ao levantarem o auto competente.

Mandou-se proceder a esse auto com a maior minudicencia de fórma a colher as informações completas e absolutas que possam demonstrar exactamente como os factos se passaram.

Sei que o auto está terminado, e logo que o governo tenha em seu poder uma copia, poderei dar informações mais detalhadas; no entretanto, permitta-me v. exa. que, alem d'esta noticia, apresente outras informações que poderão esclarecer o motivo do triste conflicto e das desgraças que elle occasionou.

Em geral quando chega esta estação parece que os pescadores da Povoa de Varzim vão exercer a sua industria nas costas de Hespanha, no mar cantabrico, costumando trazer no regresso a Portugal artigos de contrabando nos seus barcos; succede que a fiscalisação redobra de vigilancia exactamente para evitar que esse contrabando se faça. Ainda ha oito ou dez dias a guarda da fiscalisação que faz serviço na Povoa, procedendo a uma busca, apprehendeu em uma lancha objectos de contrabando cujo valor passava de 1:000$000 réis.

Segundo as informações do commandante da guarda fiscal começou desde então a notar-se uma certa excitação na população piscatoria da, villa contra os guardas, e essa

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má votade fez explosão e rebentou exactamente no dia em que teve logar o desgraçado conflicto que todos lamentámos. Na tarde d'esse dia alguns dos barcos que voltavam foram revistados, e n'elles se encontraram effectivamente alguns artigos de contrabando que foram apprehendidos.

A fiscalisação quiz proseguir nas suas diligencias, mas os pescadores levantaram-se contra os guardas. A multidão cresceu e os guardas, vendo-se ameaçados, tiveram de resistir.

Continuando as agressões e sendo os pescadores da Povoa de Varzim, como é sabido, de um vigor excepcional, a guarda, para os conter em respeito, fez alguns tiros de polvora secca. Este facto, longe de amedrontar os pescadores, mais os animou na lucta, tendo por isso a guarda de bater em retirada, em rasão da sua inferioridade numerica, disparando então tiros de bala, dos quaes resultaram os acontecimentos que nós lamentámos.

O quartel soffreu grandes estragos e os guardas ficaram quasi todos mais ou menos feridos.

O documento official que espero habilitará o governo a apurar todas as responsabilidades; no entretanto parece-me que da parte dos pescadores houve excesso contra o procedimento da auctoridade que estava perfeitamente justificado pelos objectos de contrabando que foram encontrados noa barcos.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, não tenho rasão para duvidar das informações que o sr. ministro da fazenda acaba de dar á camara; todavia como ellas não são completas, como a s. exa. mesmo agora acaba de dizer, desejo que se empreguem todas as diligencias para que se faça toda a luz sobre este assumpto.

Desejo ver salvaguardados os interesses da fazenda, e acatado o principio da auctoridade; mas desejo tambem que se não vá alem do que é racional e justo.

Por agora tenho dito.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, aproveito a occasião de estar presente o nobre ministro da fazenda para lhe fazer simples perguntas a respeito de um facto que tem sido objecto de alguma discussão na imprensa periodica, facto que não qualifico por emquanto, mas que desde já posso dizer que, desde que me entendo, é unico na historia dos nossos acontecimentos extraordinarios.

Refiro-me a uma verba de 40:000$000 réis, approximadamente, que o governo incluiu no orçamento e que foram despendidos em actos de caridade, para os quaes foi aberta uma subscripção particular.

O que me limito por emquanto a perguntar é se o governo já pagou esta verba, e, se não a tendo pago, tem tenção de a pagar ou entende que deve ser paga.

Sei que una digno par pediu hontem alguns documentos a este respeito, e por isso reservo-me para em occasião opportuna fazer quaesquer reflexões que julgue convenientes, e por agora o que desejo é acalmar a excitação que tal noticia causou no animo publico.

Outro assumpto referente á pasta da fazenda me obriga a chamar a attenção do ministro respectivo. Refiro-me, sr. presidente, á execução que foi dada á lei dos trigos, e pergunto ao nobre ministro se tem tenção de que a lei se cumpra emquanto vigora; ou se trata de promover a sua reforma de maneira, que os beneficios para a agricultura se realisem, e não fiquem como até hoje em promessas, que, com toda a premeditação, os governos deixam do satisfazer.

Como está presente o sr. ministro da fazenda da situação transacta, o meu amigo e collega o sr. Barros Cromes, não quero perder a occasião de chamar a attenção de s. exa. para o assumpto que me proponho discutir, e a respeito do qual tenho de fazer considerações de tal ordem que de sobra mostrarão que em outro qualquer paiz onde se ligasse mais importancia a certos assumptos, s. exa. estaria comprehendido nas disposições do codigo penal.

Não sou medico, sou advogado ha mais de trinta annos, e quando digo alguma cousa que se refira ao codigo penal, faço-o sem a mais pequena alteração de espirito e com a tranquillidade que a camara tem occasião de presencear.

A lei que nós votámos no final da ultima sessão assegurava aos lavradores d'este paiz: 1.°, que poderiam vender todo o seu trigo, não permittindo o governo o despacho para o consumo do trigo estrangeiro; 2.°, que o poderiam vender pelo preço medio de 60 réis cada kilogramma.

Sendo esta a disposição terminante da lei, o nobre ministro da fazenda da situação transacta, que se acha presente, que é meu collega, e pelo qual eu tenho a maxima consideração, entendeu desde Jogo que podia restringir, onde a lei não restringia, e que podia tambem, não só alterar o preço marcado na mesma lei, mas cercar a restricção de condições absolutamente irrealisaveis, que dessem em resultado não só não se poder vender o trigo pelo preço designado na lei, mas não se poder vender por preço algum.

V. exa. e a camara comprehendem por esta simples exposição, bem mais explicações, que eu, aliás, poderia dar, parque estou habilitado para isso, que o procedimento a que me refiro, impediu que entrasse no goso de cada proprietario e de cada lavrador uma certa somma que a lei lhe garantiu, o que constitue um acto que está classificado no codigo penal, e por isso eu disse que em qualquer outro paiz. onde fosse cousa para simples estranheza o facto de um ministro derogar uma lei, era esse facto motivo mais que sufficiente para um processo criminal.

Declarei no principio da sessão, como o havia já feito no começo da passada, que estou disposto a não largar mão d'este assumpto, que é intessante para todos nós, e muito principalmente para o sr. ministro da fazenda, que, precisando e não podendo prescindir do augmento de contribuições ou de novos tributos, carece de ter em certa consideração e sempre presente a idéa de que, para a cobrança de qualquer imposto, é necessario que haja materia collectavel e que o contribuinte esteja habilitado a pagal-o.

Não quero por emquanto dar maior desenvolvimento a esta questão; mas julgo indispensavel a nomeação de uma commissão de inquerito nomeada por esta camara para ver qual o modo por que se executou, ou se fingiu que se executava a ultima lei sobre cereaes. para ver os inconvenientes que resultam do estado actual das cousas, e para propor ao nobre ministro os meios de obstar ao mal que é geral e que representa ou constitue definitivamente uma das fontes da riqueza nacional.

Não ha assumpto nem mais interessante nem mais superior do que este.

Desejo, pois sabor, antes de propor a nomeação da commissão de inquerito, se o sr. ministro está disposto a attender a este assumpto e a fazer com que a protecção á agricultura seja real e não um conjuncto de medidas mais ou menos philosophicas, que, simulando beneficios, só importara na realidade maiores despezas pagas á custa d'aquelles a quem se finge que se quer proteger.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Pediu a palavra quando o digno par, o sr. visconde de Moreira de Rey se referiu a uma verba de 40:000$000 réis para beneficencia, que vera incluida no orçamento rectificado d'este anno.

Como s. exa. sabe, por occasião da epidemia da influenza, reconheceu-se quanto eram precarias as circumstancias de muitas familias residentes em Lisboa.

O Jornal do commercio abriu uma subscripção para o resgate das cautelas que representavam o empenho de roupas do cama dos enfermos indigentes; mas o total d'ella não chegou para preencher o fim meritorio que se tinha em vista.

Quando o governo actual subiu ao poder, foi ter com o

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orador o sr. conde de Burnnay, que e proprietario d'aquelle jornal, e declarou que o sr. ministro do reino da situação passada, o sr. José Luciano de Castro, tinha auctorisado o governador civil a abonar áquella redacção a quantia que faltasse, não só para o resgate de roupas de cama, como tambem de fatos e instrumentos de trabalho, que estavam empenhados nas differentes casas de penhores. Crê que não houve documento escripto, e sim apenas uma promessa verbal e uma carta do sr. Carlos José de Oliveira, então governador civil de Lisboa.

Perguntando o sr. conde de Burnay ao orador se fazia boa a referida prometa, declarou que sim, visto que se tratava de um acto de caridade necessario em presença de circumstancias extraordinarias, e como pelo pagamento d'essa somma se excedia a verba consignada no orçamento geral com applicação à beneficencia, o governo propoz no orçamento rectificado o maximo da verba necessaria para realisar o mesmo pagamento, maximo que é de 40:000$000 réis, e diz o maximo porque d'aqui ha a deduzir quantias importantes que não têem de ser pagas, visto que da parte de algumas casas de penhores houve abusos, que se provam em presença da escripturação d'essas casas.

Perguntou o sr. visconde de Moreira de Rey se o governo já pagou alguma quantia para aquelle fim. Por emquanto não. Foi o sr. conde de Burnay quem pagou a despeza auctorisada pelo governo transacto. Até agora o governo actual não fez mais do que confirmar essa auctorisação.

Tambem o digno par desejou saber se o governo entende que tal pagamento deve fazer-se. A prova de que o entende assim é que propoz a verba respectiva.

Quanto á segunda parte das perguntas que fez o digno par, acha-se presente o sr. ministro da fazenda, que a ellas responderá satisfactoriamente.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. haja revisto as nota tachigraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Não me faço cargo de responder senão unica e simplesmente á segunda parte das perguntas que o digno par dirigiu ao governo.

Perguntou s. exa. se o governo actual estava disposto a fazer executar a lei relativa aos cereaes, e ao mesmo tempo desenvolveu um certo numero de considerações, dirigindo-se ao meu illustre amigo o sr. Barros Gomes, que era ministro da fazenda na occasião em que se publicou o regulamento respectivo a essa lei.

O sr. Barros Gomes está presente e saberá defender-se; mas, se aqui não estivesse, eu apresentaria os motivos que, julgo, s. exa. teve para proceder como procedeu.

Direi agora que o regulamento foi feito por uma commissão de que faziam parte o sr. marquez de Rio Maior, distincto membro d'esta camara, os lavradores muito importante e illustrados os srs. José Maria dos Santos e Estevão de Oliveira, os principaes popugnadures em todas as questões referentes á agricultura; o sr. Pedro Victor da Costa Sequeira, deputado e tambem proprietario, e finalmente o sr. visconde de Coruche.

Todos estes cavalheiros se têem interessado verdadeiramente pelas questões agricolas, e tambem o digno par, cuja assignatura se não encontra era tal documento, mas cuja competencia é considerada por todos que sabem que s. exa., alem de um agricultor illustrado, é um dos membros do parlamento que com mais proficiencia tem discutido esta questão magna.

Perguntou s. exa. se eu tinha duvida em acceitar a nomeação de uma commissão de inquerito.

Responderei que, se o pensamento de s. exa. significa um acto de censura ao ministerio transacto e em especial ao sr. ministro da fazenda, pela maneira por que elle executou a lei dos cereaes, não posso acceitar a commissão, mas se o intuito tem por fim, como julgo, estudar detidamente o assumpto para propor ao governo as medidas que se reputarem mais em harmonia não só com as vantagens da agricultura como tambem com os interesses que estão empenhados na questão, não tenho duvida em acquiescer aos desejos do digno par.

Eu tenho tambem a dizer a s. exa. que não é só da parte dos agricultores que têem sido apresentadas reclamações sobre a lei dos trigos; tambem os proprietarios das fabricas de moagem têem reclamado.

Todos os annos só tem procurado resolver esta questão difficil e complexa, e s. exa. sabe perfeitamente que o mal estar, origem das reclamações, continua a impor-se á consideração dos partidos e dos parlamentos.

A ultima lei votada o anno passado, se satisfez alguem, não satisfez o digno par, que é incontestavelmente um dos mais illustrados membros do parlamento portuguez, e um dos que nos ultimos annos mais afincadamente se tem dedicado ao estudo d'este assumpto.

Se, pois, como disse, o digno par tem o intuito de congregar elementos valiosos que consigam indicar um meio util e pratico para a resolução do problema, acceito a commissão e espero que s. exa. n'ella coopera com a sua muita illustração e com os seus conhecimentos especiaes.

Creio ter dito o sufficiente para responder ás perguntas que me dirigiu o digno par, mas se por acaso deixei de fazer qualquer referencia ás mesmas perguntas, peço a s. exa. que aponte a omissão, porque eu estou sempre disposto a attender o digno par, não só pela consideração que me merece a sua qualidade de membro d'esta casa do parlamento, como pela estima pessoal que ha muito lhe dedico.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Costa Lobo: - Vae dirigir algumas perguntas ao governo, que, aliás, nenhuma relação teem com as que acabam de ser feitas pelos dignos pares que o antecederam; mas como não ha inscripção especial continua no uso da palavra, e em primeiro logar seja-lhe permittido mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

O sr. ministro das obras publicas disse em uma das sessões passadas que o relatorio da commissão, que foi nomeada pelo ministerio transacto, estava prompto, mas que s. exa. não tinha ainda tido tempo de o examinar.

Como já decorreram alguns dias após esta declaração, isto é, como julga possivel que o nobre ministro já tenha examinado esse relatorio, não reputa inopportuna a apresentação do requerimento que manda para a mesa.

Deve declarar que não deseja martyrisar o governo com perguntas.

Um ministro italiano disse ha poucos dias que as perguntas da opposição eram para os ministros um verdadeiro mnrtyrio.

Não quer martyrisar o governo com perguntas, mas como infelizmente as desgraças se succedem umas após outras, e como julga do seu dever pedir que se adoptem providencias attinentes á remoção de um certo e determinado numero de males, não póde eximir-se a chamar a attenção dos srs. ministros para o que passa a expor.

Pediu a palavra, como já disse, para se dirigir ao governo sobre questões estranhas aos assumptos que foram objecto das considerações apresentadas pelos dignos pares que o antecederam no uso da palavra; mas alludindo, embora de passagem, ao caso da Povoa de Varzim, parece-lhe indispensavel um inquerito rigoroso ácerca da maneira por que procedeu a guarda fiscal.

Das informações dadas pelo sr. ministro póde concluir-se que a guarda fiscal procedeu no cumprimento dos seus deveres, mas, como houve mortes e ferimentos, isto é, como se deram scenas violentas que tiveram necessariamente por causa motivos ponderosos, é necessario que se

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empreguem as necessarias diligencias para se apurar toda a verdade.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - O sr. ministro tem de ordenar um inquerito por meio do qual se averigue a quem pertence a culpabilidade dos factos deploraveis que tiveram logar na Povoa do Varzim.

Falla-se em negocio de contrabando, e diz negocio de contrabando, porque ouviu contar que assim se expressava um negociante ao referir-se a uma introducção clandestina de generos sujeitos a direitos.

Não sabe de sciencia certa o que é contrabando, porque nunca o fez, mas não só tem ouvido fallar muito em contrabando e em contrabandistas, como tambem em vexações praticadas pela guarda fiscal.

Póde contar o que presenciou em uma estação do caminho de ferro.

O facto que vae narrar passou-se ha quatro ou cinco annos, mas lembra-se perfeitamente que um pobre carregador que trazia uma trouxa estava empenhado em uma grande discussão com um homem vestido á paizana. Este homem dizia que era da guarda fiscal e queria por força examinar a trouxa, e o carregador recusava-se tenazmente a acceder a essa exigencia, e na opinião do orador muito justificadamente, visto que não via no tal homem distinctivo nenhum da auctoridade que invocava.

A discussão proseguia e o carregador respondia já um tanto inconvenientemente, quando o orador só resolveu a intervir.

Dirigiu-se ao guarda e disse-lhe: "Como é que este homem póde saber que um individuo á paizana é um agente da auctoridade?"

O orador presenciou o facto a que vem de referir-se e os dignos pares poderão citar outros que provem a tendencia que a guarda fiscal tem para vexar o publico.

Factos d'esta ordem, repetem-se a miudo, o que não impede que se faça contrabando em grande escala.

Passa a referir-se a um assumpto que prende com as nossas questões ultramarinas, sem todavia alludir ás perturbações que se diz terem occorrido em Angoche, por serem muito vagas as noticias a esse respeito.

Refere-se, pois, á questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, capitulando de extraordinario o facto de só termos conhecimento dos assumptos que nos dizem respeito pelos jornaes estrangeiros.

Consta, por noticias do estrangeiro, que a questão do caminho de ferro de Lourenço Marques vae ser submettida ao exame de tres delegados, um inglez, um dos Estados Unidos, e um outro portuguez, e decidida depois, por arbitragem, pelo presidente da republica helvetica.

Ha, sem duvida, algum relatorio ácerca d'esta questão, mas o facto é que no parlamento portuguez nenhum documento a tal respeito foi apresentado até hoje.

Ao parlamento inglez já o respectivo governo fez declarações, e já em Inglaterra se publicaram documentos em relação ao mesmo assumpto.

Não pretende ser tão purista que condemne absolutamente o facto de não se terem feito ainda communicações ao nosso parlamento, mas parece lhe que conviria que soubéssemos em que termos a questão era submettida á arbitragem, se o governo portuguez a acceita, e sobre que ella versa.

Vae agora dirigir-se ao sr. ministro da fazenda ácerca de um assumpto que se refere ao nosso credito externo.

Tem lido em alguns jornaes estrangeiros que houve difficuldades na realisação de um ultimo emprestimo.

Isto é um negocio serio, pois, pela leitura dos documentos que o sr. ministro da fazenda apresentou ao parlamento, vê-se que, dentro em muito pouco tempo teremos de recorrer novamente ao credito.

Ora, se é certo que a praça de Londres nos está fechada, que a allemã não está em condições de nos servir, e que a de Paris, que comnosco transacciona, se recusa a admittir á cotação os titulos do ultimo emprestimo, não sabe o que ha de ser de nós.

Esta questão é importante, e por isso deseja que o sr. ministro da fazenda lhe de as devidas explicações.

(O discurso será publicado na integra e em appendice, a esta sessão quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

Foi 1ido e mandou-se expedir o requerimento do sr. Costa Lobo, que é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja requisitada ao governo copia do relatorio da com missão encarregada de examinar as causas dos desastres succedidos nas linhas da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. = Costa Lobo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Sobre a questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, o digno par queixa-se de que o governo não tenha apresentado ainda os documentos que dizem respeito a esse assumpto. A praxe seguida n'estas questões diplomaticas, não só por este governo, mas por todos os governos de todos os paizes, é não apresentarem os documentos que a ellas dizem respeito, emquanto as negociações não estão concluidas.

O digno par diz que o governo inglez publicou documentos relativos a estas negociações, e inquire a rasão do nosso procedimento em contrario.

Como disse, não é costume fazer a publicação dos documentos relativos a questões diplomaticas emquanto pendem negociações, mas isto não obsta a que qualquer governo, quando lhe convenha, dê á publicidade um ou outro d'esses documentos, reservando-se o direito de os não publicar todos.

Cito um facto que comprova esta minha asserção.

No tempo do ministerio passado o sr. ministro dos negocios estrangeiros mandou publicar nos jornaes uma nota que dizia respeito a negociações pendentes, mas o resto dos documentos só foram publicados conjunctamente muito depois.

Os governos, repito, podem publicar um ou outro documento quando lhes faça conta, ou quando não vejam inconveniente n'essa publicação; mas reservam-se sempre o direito de não publicar o conjuncto d'elles senão depois de concluidas as negociações.

O sr. Costa Lobo: - Não é então verdadeira a noticia dada por alguns jornaes estrangeiros?

O Orador: - Pergunta-me o digno pare s a arbitragem se refere a indemnisações ou se versa sobre o direito do governo á rescisão do contrato.

Posso responder desde já a s. exa. que é sobre a indemnisação.

Perguntou mais o digno par, se a arbitragem ha de ser feita nomeando Portugal um arbitro, a Inglaterra outro, e os Estados Unidos outro, sendo o arbitro de desempate o presidente da republica helvetica.

A esta pergunta posso apenas responder que este negocio não está ainda resolvido. Póde ser que se resolva d'esta maneira, mas é negocio que ainda não está decidido.

Quando as negociações estiverem completas a camara será devidamente informada.

Com relação ao ultimo assumpto que s. exa. tratou, está presente o sr. ministro dos negocios da fazenda que do certo vae dar as explicações que o digno par deseja.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Começou por dizer que concorda em parte com as considerações do digno par o sr. Costa Lobo, e a melhor prova d'isto é que, em uma das suas propostas de fazenda,

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pede a devida auctorisação para proceder a uma reforma da fiscalisação.

A fiscalisação padece, no seu entender, de muitos defeitos, e o mais grave e o mais distincto de todos elles traduz-se no tacto de não existir unidade de acção, e tanto isto assim é, que ás vezes o proprio ministro não póde fazer executar uma ordem, porque o serviço que a ella respeita tem de ser subordinado a entidades diversas.

A organisação da guarda fiscal tem defeitos, no entretanto parece-lhe poder affirmar que a fiscalisação em Lisboa, actualmente, não é tão vexatoria como se afigura ao digno par o sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo: - Referi-me a factos passados ha annos.

O Orador: - S. exa. comprehende, coroo comprehende a camara, que tendo nós uma fronteira da qual fazem parte uma larga zona terrestre e uma larga zona maritima, seria, preciso, para as guarnecer devidamente, um verdadeiro exercito, que se tornaria penosissimo, não só debaixo do ponto de vista dos recursos financeiros do paiz, como ainda debaixo do ponto de vista dos interesses da industria e do commercio, pois que é evidente que essa enorme milicia iria necessariamente arrancar muitos braços que suo necessarios ao desenvolvimento d'essas fontes da riqueza nacional.

Crê que é muito difficil organisar uma boa fiscalisação; no entretanto é certo que as melhorias introduzidas na guarda fiscal dão a todos o direito de suppor que, sob o ponto de vista do seu ensino e da fórma de desempenhar os deveres que lhe incumbem, ella póde e deve vir a prestar óptimos serviços.

Referiu-se o sr. Costa Lobo a excessos praticados por algumas praças da guarda fiscal; mas o orador faz ver que n'uma corporação composta de 4:000 a 5:000 homens que, se não são tirados das ultimas camadas da sociedade, não têem uma certa illustração, não admira que appareçam alguns que não possuam a comprehensão nitida dou seus deveres e obrigações, e que pratiquem, portanto, certos exageros; mas a verdade é tambem que o caracter militar, que foi dado á fiscalisação, tem feito desapparecer muitos inconvenientes, e no empenho de imprimir ao serviço a maxima perfeição, e muito digno de louvor o actual commandante da guarda fiscal.

Ainda com respeito a abusos praticados pela guarda fiscal, diz o orador que não tem conhecimento de nenhum, e pelo contrario, sendo ministro da fazenda ha apenas quatro ou cinco mezes, póde affirmar que n'este lapso de tempo foram assassinados na fronteira alguns guardas.

Com relação aos acontecimentos da Povoa de Varzim, não póde por emquanto dizer qual seja a sua opinião, porque não tem para isso os necessarios elementos, mas tudo parece indicar que não houve excesso da parte dos guardas.

O orador promette á camara que ha de empregar todos os esforços para que o inquerito seja o mais minucioso possivel, e abstem-se de mais considerações a este respeito.

Com relação ao ultimo emprestimo contratado em Paris, diz que ha esperança de se conseguir a cotação dos nossos titulos, não só porque são muito cordiaes as relações entre os governos portuguez e francez, como tambem o nosso credito firma-se na pontualidade com que temos sempre satisfeito os nossos compromissos.

(O discurso do sr. ministro será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Para antes da ordem dia acham-se ainda inscriptos alguns dignos pares, mas a hora está muito adiantada e, portanto, vamos passar á ordem do dia. Eu conservo para amanhã a inscripção de agora.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Recebi uma communicação de v. exa., participando-me que o digno par o sr. José Luciano desejava a minha presença na discussão de um assumpto que continua a tratar-se na ordem do dia. Venho dizer ao digno par que na outra casa do parlamento se estão discutindo os decretos em que o governo, durante o intervallo das sessões, usou de poderes extraordinarios.

Ficou ali com a palavra desde a sessão passada um illustre deputado que se tem occupado principalmente do discurso que pronunciei n'aquella casa. Portanto, não só por um acto de delicadeza, mas em virtude de uma obrigação constitucional, tenho de ir assistir á mencionada discussão.

São tres horas e meia, exactamente quando a camara dos senhores deputados costuma entrar na ordem do dia. Peço, pois, ao digno par que me dispense por agora. Estou prompto a vir aqui em qualquer dia prestar todos os esclarecimentos e responder a todas as perguntas que s. exa. me fizer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. José Luciano: - Agradeço ao sr. presidente do conselho as explicações que acaba do me dar.

Não e minha intenção faltar aos devei es do cortezia para com s. exa., e por isso não desejava, tem que s. exa. estivesse presente, pedir-lhe a responsabilidade dos actos praticados na eleição de Bragança.

É possivel que, pela ordem da inscripção, me não caiba hoje a palavra e que o sr. ministro possa vir á sessão de ámanhã.

Mas se s. exa. não estiver presente, não terei remedio senão dirigir me ao governo, ou seja representado por s. exa. ou por qualquer outro ministro, e pedir-lhe a responsabilidade de actos que eu reputo de summo gravidade. Como não posso nem devo obrigar s. exa. a faltar aos seus deveres, só aqui estiver durante a discussão de hoje ou de ámanhã, eu dirigir-me-hei a s. exa. na sua presença, mas no caso contrario, como já disse, dirigir me-hei então a qualquer outro membro do governo, que esteja presente, a pedir-lhe a responsabilidade dos actos praticados.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Agradeço ao digno par a delicadeza das suas expressões, e sobretudo a delicadeza da sua intenção. Provavelmente não poderei estar aqui amanhã, e n'esse caso qualquer dos meus collegas do governo responderá a s. exa., mas se não tiver conhecimento especial do assumpto, dar-me-ha parte das observações do digno par, e eu depois darei todos os esclarecimentos.

(S. exa. não reviu.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 42,

O sr. Coelho de Carvalho: - Entende que se outros motivos não justificassem o adiamento que vão propor, bastava a essa justificação o facto do Sr. presidente do conselho declarar que tem de retirar-se, tendo dito o sr. José Luciano de Castro que não póde entrar na discussão na ausencia de s. exa.

Vae justificar a sua proposta que importa um adiamento, e a discussão que sobre ella possa haver, será um meio indirecto de conseguir a presença do chefe do gabinete.

Entra no debate completamente despreoccupado de quaesquer considerações partidarias.

A camara sabe perfeitamente que a eleição de Bragança foi disputada entre o partido regenerador e o partido progressista, e portanto os amigos politicos do orador não intervieram n'ella.

Vem, pois, ao debate, como já disse, absolutamente desinteressado de conveniencias partidarias.

Considera legitimas as paixões politicas, mas não admitte excessos nem demasias, porque acima de tudo estão os principios, e elles dizem, que os parlamentos perdera a au-

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260 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ctoridade quando não são ou não representam a genuina expressão da vontade nacional.

Vê que o parlamentarismo tem entrado n'uma phase de decadencia pela facilidade com que a camara dos senhores deputados tem acolhido diplomas viciados.

A camara dos pares, desde que pela primeira vez é chamada a apreciar uma eleição na qual houve irregularidades, tem de proceder com muita circumspecção, para que mais tarde não seja invocado o precedente de qualquer deliberação menos em harmonia com os rigorosos principios de justiça, deliberação que só conseguira accentuar cada vez mais a decadencia parlamentar.

Arredando completamente as questões pessoaes e abstrahindo os nomes dos individuos que interferiram na eleição a que se refere o parecer em ordem do dia, encarará unicamente a lei, que deve ser cumprida, para o que o poder executivo tem obrigação de enviar ao tribunal competente todos os que delinquiram.

O digno par, sr. Pereira Dias leu hontem os documentos que provam as irregularidades que se deram na eleição de Bragança, e como as illações d'essa leitura deduzidas, não soffreram impugnação por parte do illustre relator, vê-se o orador na necessidade de proceder a uma summula dos factos occorridos para d'elles apurar as devidas consequencias.

Em seguida historiou e apreciou minuciosamente os factos occorridos em algumas assembléas do districto de Bragança, e diz depois que é necessario estricto acatamento á lei, porque o desrespeito a ella, alem de ser cousa muito condemnavel, favorece em extremo os inimigos da monarchia.

Estimaria que houvesse um governo que tivesse a coragem de deixar a uma desassombradada de pressões e crê que uma eleição assim exercida livremente não traria ás camaras grossas maiorias, mas sim uma representação condigna e em tudo a expressão da vontade popular.

Termina, por que se sente fatigado, e não porque a materia se não preste a mais considerações, e fazendo votos para que se pare n'esta carreira desordenada, manda para a mesa a sua proposta.

Foi lida na mesa e admittida á discussão a proposta do digno par, que é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que se proceda a inquerito parlamentar ácerca das ultimas eleições de delegados municipaes e de pares do districto de Bragança, elegendo-se para este fim uma commissão de nove membros (por lista de seis nomes), e suspendendo se a discussão do parecer n.° 42, até ser presente á camara o resultado do inquerito.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, não posso deixar de declarar, em nome da commissão, que não acceita o adiamento proposto pelo digno par e meu amigo o sr. Coelho de Carvalho.

Não posso tambem concordar em que se nomeie uma commissão de inquerito parlamentar, como deseja o digno par. A verdadeira commissão de inquerito parlamentar, com relação ao processo eleitoral de Bragança, já foi nomeada pela camará: é a commissão de verificação de poderes.

Fazer a camara o que deseja o digno par, é o mesmo que approvar uma moção de desconfiança á commissão de que tenho a honra de fazer parte. Com respeito ao adiamento, o proprio digno par provou claramente a sua inutilidade, mostrando-se tão esclarecido e elucidado sobre o objecto em questão.

S. exa. durante todo o seu discurso, não fez senão pedir a annullação da eleição, e a final terminou por propor um adiamento que, repito, não posso acceitar.

Esta eleição realisou-se ha tres mezes, o parecer está impresso ha quinze dias, é por consequencia de suppor que a camara esteja completamente ao facto do assumpto.

Sinto não ter sido bastante claro quando tratei hontem esta questão, ou que o digno par o sr. Coelho de Carvalho não me tivesse querido perceber.

Não entrarei agora na apreciação das considerações feitas por s. exa., porque pediu a palavra o sr. Firmino João Lopes que pôde, com mais vantagem para todos, esclarecer completamente a camara.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Começou por dizer que não pediu a palavra para discutir o parecer que está em ordem do dia, nem a eleição a que elle respeita. Pediu a palavra quando ouviu dizer hontem ao digno par e seu amigo o sr. Pereira Dias que esta camara se desauctorisava e deshonrava approvando o parecer que é objecto da discussão que se ventila.

Encara a questão debaixo de um ponto de vista mais superior, e empregará quantos esforços de si dependam para que os cavalheiros que interferem na administração do paiz e na confecção das leis, se convençam, emquanto é tempo, de que se torna urgente pôr termo a certas experiencias, que um movimento de furia partidaria ou qualquer outra circumstancia anormal possam ter determinado.

Quando o orador entrou nesta camara não se apreciava o procedimento do regedor de parochia nem se tratava de averiguar se o governador civil ou o administrador do concelho tinham assistido ao acto eleitoral com a compostura que lhes é propria.

A responsabilidade d'esta innovação não pertence ao orador, que a combateu com toda a vehemencia. Accentuou então que taes experiencias eram a negação do systema representativo, e que vinham destruir os principies consignados na carta constitucional.

Estranhou que o chefe de um dos partidos mais importantes d'este paiz dissesse hontem que não podia discutir o parecer que está em ordem do dia na ausencia do sr. presidente do conselho.

Não estranharia que um digno par electivo se entretivesse a demonstrar a pureza da sua eleição; mas surprehende-o o facto de ver que um par vitalicio, e um antigo membro da camara, o sr. Pereira Dias, venha contar minuciosamente as diversas peripecias eleitoraes, occorridas em Carção e outras localidades, que fazem parte do circulo de Bragança.

Não se lhe afigura ser este o laboratorio mais apropriado para taes analyses.

Deixem que a discussão tenha logar na imprensa, visto que se accordou, crê que por inteiro consenso dos partidos, na organisação de um tribunal especial de verificação de poderes.

Se, pois, entenderam que discussões d'esta ordem não devem ser ventiladas na outra camara, onde a expansão das paixões é, e precisa de ser, muito mais livre, convençam-se de que este ramo do poder legislativo, pela experiencia dos seus membros, deve arredar controversias que desnaturam a feição que lhe é propria.

Entende que esta questão não estaria na téla do debate, se o digno par sr. Pereira Dias, a quem o orador dedica uma antiga amisade e uma forte sympathia, a não tivesse iniciado.

Acredita que não havia muitos dignos pares que tivessem, permitta-se-lhe a expressão, a audacia de apresentar esta questão na camara dos dignos pares.

O sr. Pereira Dias: - Peço a palavra.

O Orador: - Audacia no bom sentido da palavra.

Não empregou a palavra audacia com o intuito de maguar o digno par na mais pequena cousa.

Alem dos merecimentos especiaes que reconhece e sempre reconheceu no cavalheiro a quem se refere, diz e repete que é preciso que s. exa. tenha audacia para não te-

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SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1890 261

mer um debate como o que actualmente occupa a attenção da camara.

Se alguem julga que nas suas palavras se contém a sombra da mais leve insinuação, declara que, affirmando a audacia parlamentar do sr. Pereira Dias, se reputa muito mais audaz que s. exa.

Foi feita uma referencia á prisão de um deputado eleito que foi ministro da situação transacta.

Não querendo repetir o que mais de uma vez tem dito a este respeito, recorda comtudo que a immunidade inherente aos representantes da nação, longe de representar um privilegio, importa apenas uma excepção que os colloca fóra do direito commum.

Só uru par ou deputado for preso á ordem da respectiva camara, póde estar na prisão o tempo que os seus collegas lá o quizerem deter, ao passo que o mais simples cidadão tem, segundo as prescripções da lei, assegurado o tempo que póde durar a detenção.

Não vê que possa merecer reparos a prisão de um deputado eleito realisada por um administrador, quando no seio do parlamento, e no exercicio das suas funcções é preso um representante da nação á ordem do governo.

Entende que é tanto mais desculpavel o facto, quanto maior é a inferioridade intellectual e social da pessoa que o pratica.

Nem de leve pretende assentir ao procedimento d'aquella auctoridade administrativa, mas não póde deixar de reconhecer que a prioridade do abuso cabe principalmente a um governo d'este paiz.

Accentua que não convem discutir n'esta camara uma eleição de pares e melhor fôra que não existisse o electivo.

Tem declarado mais de uma vez que é adverso á actual organisação d'esta camara, mas este seu modo de ver não exclue o respeito que igualmente tributa a todos os membros que a compõem.

O orador apresenta algumas considerações condemnando o tribunal especial de verificação de poderes, e n'isto diz ser coherente com opiniões constantemente adduzidas, mas não comprehende que aquelles que concorreram para a innovação, venham hoje pedir uma resolução d'esta camara em contradição com a decisão d'esse tribunal judicial. Se aquelles que sempre combateram a existencia desse tribunal fizessem uma tentativa para levar a camara a estabelecer essa contradição, comprehendia-se perfeitamente; mas o que se não comprehende é que similhante idéa venha dos auctores da invenção, d'aquelles que conseguiram o meio de congregar n'um tribunal mais senso, mais imparcialidade e moralidade do que n'uma camara de representantes do povo eleitos pelo paiz. Respeitem a sua obra, e quando a apregoarem como a melhor expressão da sabedoria e da justiça não se encarreguem, - ao menos n'esta camara, porque na imprensa já o fizeram, - não se encarreguem de demonstrar que o idolo que adoravam hontem e a que prestaram ou fingiam prestar um culto sincero, só lhes serve hoje para o apedrejarem e cobrirem de lama.

(O discurso do digno par será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. haja restituido as notas tachygraphicas.)

O sr. Firmino João Lopes: - Mando para a mesa um requerimento.

(Leu.)

Foi lido na mesa o requerimento, e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pela presidencia d'esta camara, sejam pedidos á dos senhores deputados:

1.° Nota dos papeis que foram remettidos e presentes ao tribunal especial de verificação de poderes, relativos á ultima eleição de um deputado pelo circulo de Mirandella.

2.° Nota dos papeis que não foram enviados, especificando se esses papeis são as actas feitas dentro das igrejas de Mirandella, Douro, Chama e Passos.

"3.° Nota de haverem apparecido, onde e quando. = Firmino João Lopes, par do reino.

O sr. Presidente: - Vae ser expedido com urgencia.

Ha sessão ámanhã, continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de junho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, da Praia e de Monforte de Vallada; Condes, das Alcáçovas, de Alte, d'Avila, da Arriaga, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, da Ribeira Grande, de Thomar; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Moreira de Rey, de Paço de Arcos, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Mendo; Agostinho de Ornellas, Sousa e Silva, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Coelho de Carvalho.

O redactor - Carrilho Garcia.

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