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162 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

o homem de estado de primeira plana que n’essa dupla qualidade de si póde dizer um dia em pleno parlamento hespanhol,— sem immodestia como sem possivel replica, quando logrou realisar a restauração monarchica: «que esteva ali á frente do governo para continuar a historia de Hespanha» (Apoiados), interrompida, como que apagada durante e pelo periodo revolucionario». (Muitos apoiados.)

O nobre extincto, a desgraçada victima do mais feroz e detestavel dos fanatismos, era para mim,— para nós portuguezes,— (e posso affirmal-o com mais auctoridade que muitos) um amigo em muitos lances provado de Portugal, um constante respeitador, sincero e convicto, de todas as nossas aspirações e sentimentos de independencia.

Ainda mais, sr. presidente; Cánovas del Castillo, o eminente e mallogrado homem de estado, cuja alta memoria venho commemorando, era sobre tudo isto um d’aquelles dois braços fortes, um daquelles dois meneurs dfhommes como que escolhidos, fadados pelo destino, em que, na nação amiga, irmã e vizinha se firmam e apoiam instituições similares daquellas que nós aqui queremos, respeitámos e amámos, e que nós todos estaríamos promptos a defender, se necessario fosse, á custa das nossas fazendas, das nossas vidas, do nosso sangue. (Apoiados unanimes.) _ Acrescentarei, sr. presidente, que nenhum successo politico importante que occorra em Hespanha nos deve ser indifferente!

No meio do profundo lucto que envolve em funebres crepes o coração de toda a Hespanha, apenas uma consolação póde attenuar a immensa dor que acabrunha neste momento a alma de todo o hespanhol patriota: é que o vilissimo, o nefando, o cobarde e execrável attentado não foi commettido por mão de um hespanhol, senão de um estrangeiro.

A Hespanha inteira póde ao menos ensoberbecer-se, orgulhar-se de poder affirmar que um hespanhol, qualquer que fosse a sua proveniencia ou o seu pensamento politico, não era capaz de apunhalar a propria patria, destruindo a vida do seu homem mais eminente dos tempos modernos. (Apoiados repetidos.}

Algumas poucas palavras e concluo. V. exa., sr. presidente, permitte, de certo, não me leva seguramente a mal que eu, completando o seu pensamento, faça á sua proposta um pequeno additamento, que aliás, e naturalmente della mesma resulta: é que o voto de sentimento que a camara vae seguramente votar seja communicado, não só ao governo hespanhol. mas á familia do illustre finado. (Apoiados.)

O sr. Antonio Candido: — Sr. presidente, depois das eloquentes palavras com que v. exa. apresentou á camara a sua proposta, e das palavras não menos eloquentes que proferiram os srs. ministro dos negocios estrangeiros e o digno par, sr. conde de Macedo, eu poderia retirar a inscripção do meu nome. Quando, numa assembléa profundamente commovida, se diz uma vez o que todos teem no coração, não é preciso repetir o que foi dito; se a commoção é, como neste momento, de dor e de espanto, não ha meio de proferir todas as palavras de justiça e de verdade que a occasião pede e não permitte, que a alma sente e a voz não póde articular!

Que dolorosas surprezas nos dá o tempo! Que tremendas realidades perturbam, ferem, sacodem, desnorteiam as illusões necessarias da esperança no bem e da confiança na vida!

Eu sei que da morte de Cánovas dei Castillo, da sangrenta tragédia que poz remate à sua longa vida de trabalho, de prestimo e de gloria, se poderia tirar uma grande lição: lição para os parlamentos e para os governos, que de tão pequenas cousas se preoccupam, e não sabem ver os perigos maiores que ameaçam terrivelmente as sociedades humanas.. . Mas não sacrificarei á politica, ainda que seja a mais elevada de todas, os direitos do coração nesta hora.

Já v. exa. propoz, sr. presidente, que na acta da sessão de hoje se gravasse o intimo e profundo sentimento de toda f, camara pela morte violenta do grande homem d’estado que ainda ha pouco presidia ao ministerio hespanhol; eu peço que fique tambem, mas bem patente, bem visível, a expressão do nosso profundo horror pelo nefando attentado que arrebatou á Hespanha uma vida tão cheia, do digna, tão honrada, tão preciosa ainda para o serviço da sua patria, (Muitos apoiados.} e tirou á consciencia humana o prazer de venerar e respeitar, vivo, um dos maiores homens da nossa raça: da mais bella, da mais fecunda, da mais amavel entre todas as raças do mundo! (Apoiados geraes.)

Sr. presidente, Cánovas dei Castillo era, nesta hora e desde muito, um dos primeiros nomes da politica europea; (Apoiados.) e para que a justiça universal o acclamasse, considerando-o grande entre os mais distinctos, não foi preciso que a morte, prostrando-o, deixasse medir-lhe a grandeza em todo o sentido! Depois de Gladstone, que é, ha quarenta annos, o maior financeiro do mundo e o primeiro orador da incomparavel tribuna ingleza, e depois de Bismark que, pela diplomacia e pela guerra, fez a assombrosa unidade alemã, seguia-se Cánovas dei Castillo, que realisou a admiravel restauração hespanhola. (Muitos apoiados.)

E este insigne homem d’estado, que tinha .no seu passado a restauração hespanhola, planeada, levada a effeito, consolidada depois em condições extremamente difficeis, era ao mesmo tempo orador eloquentissimo, escriptor de primeira ordem, historiador notavel, academico erudito e perfeito! (Muitos apoiados.)

Nem sempre é possivel admirar por grandes qualidades de espirito aquelles que o interesse dos partidos ou a predilecção dos chefes de estado põem á frente dos governos: mas em Cánovas del Castillo o talento de commandar homens era apenas um dos seus talentos, a eloquencia parlamentar era apenas uma das formas da sua eloquencia, e, se não deixasse o nome na memoria politica do nosso tempo, elle ficaria, com luzida gloria, na bibliographia litteraria, critica e historica da sua terra! (Apoiados.)

O seu caracter de homem de estado era da mais pura, rija, inquebrantavel tempera. Não é facil encontrar quem se lhe compare. Os grandes chefes conservadores da Inglaterra não se parecem com os chefes conservadores no continente. Quando Guizot governou a França, o espirito do tempo era bem diverso do espirito de hoje: e, transportado para a Hespanha dos nossos dias, o genio do rigido doutrinario sossobraria aqui mais depressa e mais lamentavelmente do que na sua patria. Na lógica coherencia do systema, e na valente firmeza da acção o parallelo será possivel; mas Cánovas tinha, a mais, a habilidade compativel com fortes convicções, e a faculdade de transigir dentro de limites possiveis á dignidade politica e á altivez pessoal.

Foi pelo processo de governar, mais do que pelas doutrinas politicas professadas, que Cánovas affirmou a sua indole conservadora. Dentro das mesmas leis, e cumprindo-as, podem dividir-se e extremar-se escolas differentes e partidos contrarios; e por isso este homem de estado, para ser energico, para fazer respeitar a auctoridade e o poder publico, para manter a ordem social, não precisou nunca de viciar a constituição do seu paiz! Era o primeiro a acata-la e a cumpri-la; podia, por isso, melhor que ninguem fazel-a cumprir e respeitar por todos. (Apoiados.)

Do seu patriotismo, Cánovas dei Castillo deixou exemplo e lição, aos seus e aos estranhos, em cada grande acto publico que praticou, em cada discurso que proferiu, em cada livro que escreveu; e o que fez quando morreu Affonso XII, e toda a obra brilhante deste seu ultimo ministerio, em que a maxima força foi precisa para defender a integridade da patria, e, mais do que a integridade