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N: 14

SESSÃO DE 9 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios – os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa

Conde de Bertiandos

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta,— Expediente.— O sr. presidente propõe um voto de pesar e o encerramento da sessão em homenagem á memoria de Cánovas del Castillo.— Em nome do governo, associa-se o sr. Mathias de Carvalho á proposta do sr. presidente— O sr. conde de Macedo profere palavras de preito e louvor á memoria de Cánovas e propõe que o voto da camara seja communicado ao governo hespanhol e á familia do finado. — Celebram com a sua palavra a commemoração da morte de Cánovas os dignos pares Antonio Candido, Hintze Ribeiro, bispo de Coimbra e conde do Casal Ribeiro.— É approvada por acclamação a proposta.— Encerra-se a sessão.

Foram presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros, da guerra e da marinha.

Pelas duas horas e dez minutos da tarde, verificando-se a presença de 25 dignos pares, foi aberta a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente. Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do ministerio da justiça, datado de 5 do corrente, declarando, para satisfação ao requerimento do digno par Jeronymo da Cunha Pimentel, que é de sessenta e sete o numero de juizes que, tendo pertencido aos extinctos tribunaes administrativos, foram collocados em comarcas ou tiveram outra colocação até ao dia 30 de junho ultimo, e bem assim que é de quinze o- numero de agentes do ministerio publico que, tendo tambem pertencido aos mesmos extinctos tribunaes, foram collocados em comarcas até ao referido dia.

Para o archivo.

O sr. Presidente: — Victima de um repugnante e odioso attentado falleceu hontem em Hespanha o sr. Cánovas dei Castillo, presidente do governo d’aquella nação, e um dos seus homens mais distinctos e benemeritos, e que ali gosava de um grande prestigio e consideração, pelas suas brilhantes qualidades de estadista eminente, de escriptor abalisado e de eloquente orador parlamentar.

Creio que interpreto os sentimentos da camara, propondo que seja consignada na acta a expressão da sua profunda magua por tão doloroso acontecimento, (Muitos apoiados.) que em seguida se encerre a sessão, não só para honrar a memoria d’aquelle glorioso estadista, mas como protesto de indignação contra tão abominavel attentado. (Muitos apoiados.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Mathias de Carvalho): — Sr. presidente, o execrando attentado de que ha pouco foi victima o sr. Cánovas del Castillo não póde deixar de levantar em todo o mundo civilisado um brado unanime de horror e de indignação. (Apoiados.)

Perdeu a Hespanha um dos seus filhos mais dilectos, a Europa um estadista notavel, entre os mais notaveis de todos os tempos, (Apoiados.) e nós perdemos, por tão infausto acontecimento, um amigo sincero e verdadeiro. (Apoiados.)

A orientação politica d’aquelle grande espirito, no tocante ás relações internacionaes entre a Hespanha e Portugal, foi sempre de estreitar cada vez mais os laços de amizade que existem felizmente entre os dois povos da peninsula, conservando cada um delles a sua inteira e completa independencia.

Sr. presidente, a nação portugueza toma parte a mais sincera na dor pungente, no immenso pesar, que aflige neste momento a nobilissima Hespanha, (Apoiados.) e o governo, interprete destes sentimentos fraternaes, associa-se com profunda emoção á sentida proposta que v. exa. acaba de apresentar á camara, e que me parece corresponder perfeitamente ao sentir desta illustre assembléa, do governo e do paiz. (Muitos apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Conde de Macedo: — Sr. presidente, cumpre-me começar por declarar que me associo com inteira convicção e do fundo de alma á proposta que v. exa. acaba de submetter á approvação da camara.

Direi mais, sr. presidente; fui prevenido por v. exa. na apresentação dessa proposta, que eu, antes de ouvir a v. exa., tomara in mente sobre mim o encargo de apresentar em termos quasi identicos, convencido de que procedendo assim cumpria o duplo dever que para mim resulta da circumstancia especial de ser a um tempo membro desta casa e representante de Portugal em Hespanha.

Não lamento, porem, o facto de ter sido prevenido por v. exa. sr. presidente. O facto desta proposta vir da presidencia da camara imprime-lhe um cunho de auctoridade, dá-lhe alcance e importancia, que não teria, formulada pela minha humilde voz.

Não se interrompeu, sr. presidente, não cessou ainda a larga serie nefasta de calamidades e desditas com que á Providencia apraz de ha muito como que pôr á prova todas as energias sempre vivas e a cada golpe crescentes da nobre nação hespanhola.

O espantoso, o infausto successo de que v. exa. acaba de nos dar noticia, o infame e execrando attentado de que foi victima o sr. Cánovas del Castillo, é, por agora, e oxalá que o seja por muito tempo, o ultimo elo (e tambem um dos mais pesados) de uma longa cadeia de notorias e tão immerecidas como enormes desgraças que teem ferido aquella grande nação, para nós mais que amiga, irmã.

Sr. presidente, não foi apenas como particular, não foi só em nome da amisade pessoal, contrahida e, — vanglorio-me de dizel-o, — conquistada no trato constante que desde ha quatro annos tive a honra e o gosto de manter com o sr. Cánovas dei Castillo; não foi só tambem como portuguez amante e respeitador da nação vizinha e irmã; foi tambem como par do reino e como homem publico que eu formulei na minha mente a proposta que v. exa. tão opportunamente apresentou; e sobravam-me para isso os impulsos e as rasões.

É que o sr. Cánovas dei Castillo não era só o parlamentar eminente que tantos de nós tivemos o gosto de ouvir; não era só o primoroso e notabilissimo homem de letras, cujas obras todos nós tivemos occasião de ler; não era tambem apenas o philosopho e historiador profundo,

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o homem de estado de primeira plana que n’essa dupla qualidade de si póde dizer um dia em pleno parlamento hespanhol,— sem immodestia como sem possivel replica, quando logrou realisar a restauração monarchica: «que esteva ali á frente do governo para continuar a historia de Hespanha» (Apoiados), interrompida, como que apagada durante e pelo periodo revolucionario». (Muitos apoiados.)

O nobre extincto, a desgraçada victima do mais feroz e detestavel dos fanatismos, era para mim,— para nós portuguezes,— (e posso affirmal-o com mais auctoridade que muitos) um amigo em muitos lances provado de Portugal, um constante respeitador, sincero e convicto, de todas as nossas aspirações e sentimentos de independencia.

Ainda mais, sr. presidente; Cánovas del Castillo, o eminente e mallogrado homem de estado, cuja alta memoria venho commemorando, era sobre tudo isto um d’aquelles dois braços fortes, um daquelles dois meneurs dfhommes como que escolhidos, fadados pelo destino, em que, na nação amiga, irmã e vizinha se firmam e apoiam instituições similares daquellas que nós aqui queremos, respeitámos e amámos, e que nós todos estaríamos promptos a defender, se necessario fosse, á custa das nossas fazendas, das nossas vidas, do nosso sangue. (Apoiados unanimes.) _ Acrescentarei, sr. presidente, que nenhum successo politico importante que occorra em Hespanha nos deve ser indifferente!

No meio do profundo lucto que envolve em funebres crepes o coração de toda a Hespanha, apenas uma consolação póde attenuar a immensa dor que acabrunha neste momento a alma de todo o hespanhol patriota: é que o vilissimo, o nefando, o cobarde e execrável attentado não foi commettido por mão de um hespanhol, senão de um estrangeiro.

A Hespanha inteira póde ao menos ensoberbecer-se, orgulhar-se de poder affirmar que um hespanhol, qualquer que fosse a sua proveniencia ou o seu pensamento politico, não era capaz de apunhalar a propria patria, destruindo a vida do seu homem mais eminente dos tempos modernos. (Apoiados repetidos.}

Algumas poucas palavras e concluo. V. exa., sr. presidente, permitte, de certo, não me leva seguramente a mal que eu, completando o seu pensamento, faça á sua proposta um pequeno additamento, que aliás, e naturalmente della mesma resulta: é que o voto de sentimento que a camara vae seguramente votar seja communicado, não só ao governo hespanhol. mas á familia do illustre finado. (Apoiados.)

O sr. Antonio Candido: — Sr. presidente, depois das eloquentes palavras com que v. exa. apresentou á camara a sua proposta, e das palavras não menos eloquentes que proferiram os srs. ministro dos negocios estrangeiros e o digno par, sr. conde de Macedo, eu poderia retirar a inscripção do meu nome. Quando, numa assembléa profundamente commovida, se diz uma vez o que todos teem no coração, não é preciso repetir o que foi dito; se a commoção é, como neste momento, de dor e de espanto, não ha meio de proferir todas as palavras de justiça e de verdade que a occasião pede e não permitte, que a alma sente e a voz não póde articular!

Que dolorosas surprezas nos dá o tempo! Que tremendas realidades perturbam, ferem, sacodem, desnorteiam as illusões necessarias da esperança no bem e da confiança na vida!

Eu sei que da morte de Cánovas dei Castillo, da sangrenta tragédia que poz remate à sua longa vida de trabalho, de prestimo e de gloria, se poderia tirar uma grande lição: lição para os parlamentos e para os governos, que de tão pequenas cousas se preoccupam, e não sabem ver os perigos maiores que ameaçam terrivelmente as sociedades humanas.. . Mas não sacrificarei á politica, ainda que seja a mais elevada de todas, os direitos do coração nesta hora.

Já v. exa. propoz, sr. presidente, que na acta da sessão de hoje se gravasse o intimo e profundo sentimento de toda f, camara pela morte violenta do grande homem d’estado que ainda ha pouco presidia ao ministerio hespanhol; eu peço que fique tambem, mas bem patente, bem visível, a expressão do nosso profundo horror pelo nefando attentado que arrebatou á Hespanha uma vida tão cheia, do digna, tão honrada, tão preciosa ainda para o serviço da sua patria, (Muitos apoiados.} e tirou á consciencia humana o prazer de venerar e respeitar, vivo, um dos maiores homens da nossa raça: da mais bella, da mais fecunda, da mais amavel entre todas as raças do mundo! (Apoiados geraes.)

Sr. presidente, Cánovas dei Castillo era, nesta hora e desde muito, um dos primeiros nomes da politica europea; (Apoiados.) e para que a justiça universal o acclamasse, considerando-o grande entre os mais distinctos, não foi preciso que a morte, prostrando-o, deixasse medir-lhe a grandeza em todo o sentido! Depois de Gladstone, que é, ha quarenta annos, o maior financeiro do mundo e o primeiro orador da incomparavel tribuna ingleza, e depois de Bismark que, pela diplomacia e pela guerra, fez a assombrosa unidade alemã, seguia-se Cánovas dei Castillo, que realisou a admiravel restauração hespanhola. (Muitos apoiados.)

E este insigne homem d’estado, que tinha .no seu passado a restauração hespanhola, planeada, levada a effeito, consolidada depois em condições extremamente difficeis, era ao mesmo tempo orador eloquentissimo, escriptor de primeira ordem, historiador notavel, academico erudito e perfeito! (Muitos apoiados.)

Nem sempre é possivel admirar por grandes qualidades de espirito aquelles que o interesse dos partidos ou a predilecção dos chefes de estado põem á frente dos governos: mas em Cánovas del Castillo o talento de commandar homens era apenas um dos seus talentos, a eloquencia parlamentar era apenas uma das formas da sua eloquencia, e, se não deixasse o nome na memoria politica do nosso tempo, elle ficaria, com luzida gloria, na bibliographia litteraria, critica e historica da sua terra! (Apoiados.)

O seu caracter de homem de estado era da mais pura, rija, inquebrantavel tempera. Não é facil encontrar quem se lhe compare. Os grandes chefes conservadores da Inglaterra não se parecem com os chefes conservadores no continente. Quando Guizot governou a França, o espirito do tempo era bem diverso do espirito de hoje: e, transportado para a Hespanha dos nossos dias, o genio do rigido doutrinario sossobraria aqui mais depressa e mais lamentavelmente do que na sua patria. Na lógica coherencia do systema, e na valente firmeza da acção o parallelo será possivel; mas Cánovas tinha, a mais, a habilidade compativel com fortes convicções, e a faculdade de transigir dentro de limites possiveis á dignidade politica e á altivez pessoal.

Foi pelo processo de governar, mais do que pelas doutrinas politicas professadas, que Cánovas affirmou a sua indole conservadora. Dentro das mesmas leis, e cumprindo-as, podem dividir-se e extremar-se escolas differentes e partidos contrarios; e por isso este homem de estado, para ser energico, para fazer respeitar a auctoridade e o poder publico, para manter a ordem social, não precisou nunca de viciar a constituição do seu paiz! Era o primeiro a acata-la e a cumpri-la; podia, por isso, melhor que ninguem fazel-a cumprir e respeitar por todos. (Apoiados.)

Do seu patriotismo, Cánovas dei Castillo deixou exemplo e lição, aos seus e aos estranhos, em cada grande acto publico que praticou, em cada discurso que proferiu, em cada livro que escreveu; e o que fez quando morreu Affonso XII, e toda a obra brilhante deste seu ultimo ministerio, em que a maxima força foi precisa para defender a integridade da patria, e, mais do que a integridade

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da patria, o decoro e a dignidade della — hão de valer á sua memoria os fervorosos cultos que o reconhecimento dos povos presta sempre aos que os amaram e serviram lealmente. (Apoiados.)

Sr. presidente: a solidariedade humana é cada vez maior. Sente-se, manifesta-se sempre que a occasião apparece. É consolador poder affirmar que nisto—e não apenas nisto — a moral social tem progredido enormemente. Para que o sentimento pelas grandes desgraças se diffunda e communique universalmente, não são impedimento as fronteiras das nações, á diversidade das crenças, a opposição das raças, e muito menos a differença de escolas e de partidos: e a esta hora todo o mando culto se unirá sympathicamente á grande nação hespanhola, posta a uma provação durissima.

Mas, para nos associarmos ao grande luto da Hespanha, para soffrermos com a sua grande dor, para lhe endereçarmos o nosso pezame sentidissimo, nós temos mais rasão e mais direito que povo algum da terra. A Hespanha é, por affinidades de toda a ordem, a nação que mais amámos entre todas as nações; e o homem illustre que ella perdeu merece-nos, alem de outras homenagens, uma gratidão especial, porque nas suas relações comnosco elle foi sempre correcto e digno, como era proprio do seu genio,— gentil, generoso e nobilissimo, como o pedia a fidalga tradição da sua patria. (Muitos apoiados.)

Deus de ao coração da Hespanha a resignação que lhe é precisa!

Vozes: — Muito bem.

O sr. Hintze Ribeiro: — Sr. presidente, á sentida homenagem prestada por v. exa. á memoria desse grande estadista, associou-se o sr. ministro dos negocios estrangeiros em nome do governo; associou-se o sr. conde de Macedo, nosso representante na côrte de Madrid; associou se com a sua palavra brilhante, em nome da maioria, o sr. Antonio bandido; e agora, em nome da minoria, permitta-me v. exa. que eu tambem diga algumas palavras.

Sr. presidente, toda a Hespanha, nação nossa irmã e amiga, está neste momento possuida, repassada de um cruciante sentimento de dor. Morreu Cánovas del Castillo, o grande estadista que, depois de restaurar a actual monarchia em Hespanha, soube, com suprema isenção, com lucidissimo criterio, com uma coragem nunca desfallecida, com uma dedicação que em todos os momentos, a todas as horas, foi sempre superior ás difficuldades, aos perigos, ás vicissitudes da vida publica e particular, defender sempre os direitos, o brio e a honra d’aquella grande e leal nação. (Apoiados.)

Arrebatou-o a morte quando elle, intemerato e firme, proseguia numa campanha, que era o assombro de todos nós. Prostrou-o a mão vil de um fanatico, mas desse fanatismo, que é o mais perigoso das sociedades modernas, fanatismo de que foi victima Carnot em França, e de que o ia tambem sendo, ainda ha pouco, o Rei de Itália.

Que vida e que morte!

A vida foi uma epopeia de trabalho, de abnegação, de gloria. A morte foi tudo o que ha de mais sublime. Cánovas, nas vascas da agonia, deixou que o sentimento vivissimo do seu amor pela patria se lhe exhalasse da alma, com a ultima golfada do sangue do seu coração, com um viva á Hespanha!

Sr. presidente, façamos saber á Hespanha, á nossa irmã e amiga, que nós, os portuguezes, compartilhamos bem fundo a dor que a opprime; digamos-lhe que a morte de Cánovas produziu em nós, no nosso coração, no nosso animo, um abalo bem profundo, uma commoção de pesar e de saudade, mas ao mesmo tempo um protesto caloroso, vibrante, de indignação, contra os miseraveis fautores da anarchia social. (Apoiados.)

Faça v. exa., sr. presidente, consignar na acta ao mesmo tempo a homenagem do nosso sentimento pela perda do grande vulto que se chamou Cánovas del Castillo, e o protesto, o brado de indignação geral contra o infame attentado de que elle foi. victima e que o fez rolar no pó do tumulo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Bispo Conde de Coimbra: — Sr. presidente: A minha palavra, a mais humilde e obscura desta camara não é para fallar de um homem como Cánovas.

De um astro de tanta grandeza, que mereceu sempre o respeito e a admiração de toda a peninsula e de toda a Europa pelo seu talento, pelo seu saber, pela sua diplomacia, pelos seus principios fortes de ordem, de auctoridade e de governo, e pela firmeza inquebrantavel do seu caracter, e das suas convicções, só podem fallar homens tambem de primeira grandeza como os que acabo de ouvir, e que militam na politica portugueza como elle militava na de Hespanha.

Sr. presidente, Cánovas não foi só um politico, um estadista e um sabio; foi tambem a honra da humanidade; porque raro, e só de quando em quando apparecem nella homens como elle; e de um heroe assim só devem fallar aquelles a quem Deus concedeu tambem a centelha do genio, e não um humilde bispo provinciano que nada mereceu e nada teve nesta concessão.

Mas, sr. presidente, a gratidão e a saudade não são privativas só dos grandes homens, sentem-nas tambem e do mesmo modo todos os corações; e é tão grande a dor e tão funda a saudade que abriu no meu a noticia, que ainda ha pouco recebi, de tão nefando e horroroso attentado que não posso deixar de desafoga-las nesta camara, tanto ellas me opprimem, e tanto me pede este desafogo o muito que devi ao glorioso morto.

Sr. presidente, quando fui a Madrid tomar parte na sessão da real academia de historia, destinada a honrar a memoria do nosso grande historiador Alexandre Herculano, não cessei de admirar aquelle grande e inolvidavel estadista, um dos primeiros da Europa neste seculo, como acaba de affirmar a palavra eloquentissima do sr. Antonio Candido; e jamais esquecerei em toda a minha vida as bondades e finezas com que tanto me captivou e confundiu. E, todavia, sr. presidente, não fazia elle isto por causa da minha humilde pessoa que nada vale e nada merece. Fazia-o, certamente, para, na minha qualidade de bispo catholico, honrar a religião que tanto respeitava e protegia, e o episcopado e a nação portugueza, de quem era tão amigo.

Não é, pois só a Hespanha que deve chorar a sua morte, e tão grande desgraça. Devemos nós chora-la tambem, porque o nosso Portugal, pela força da sua auctoridade e das suas doutrinas, pelo affecto que nos tinha, e pelo que por mais de uma vez lhe ouvi, tinha nelle uma garantia e uma barreira forte contra sonhados iberismos, e contra a propaganda, na peninsula, de idéas impias, anarchicas e dissolventes.

Portanto, sr. presidente, se a minha qualidade de amigo pessoal e gratissimo d’este grande luzeiro, que se apagou na Europa e no mundo, mas cuja memoria não se apagará nunca em meu coração, me faz verter aqui lagrimas de intensa dor, faz-mas verter mais ainda a minha qualidade de bispo catholico, amigo da religião, e de cidadão portuguez amigo da minha patria. E neste ponto parece-me poder dizer que sou acompanhado por todo o episcopado e por todo o clero do meu paiz.

O sr. Arcebispo de Évora: — Apoiado. O Orador: — Sr. presidente, quando una estadista como Cánovas, com a comprehensão sempre nitida dos seus deveres, e com a sua consciencia e vontade sempre forte para os cumprir, honra e protege tanto a religião, a igreja e os seus ministros com a sua auctoridade, com a sua palavra e com o seu exemplo, bispos e padres, devem cobri-lo de louvores e bençãos na vida, e de suffragios, lagrimas e prantos na morte.

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Mas, sr. presidente, não nos limitemos só a lastimas e prantos, porque infelizmente elles não podem já chamar outra vez á vida esse grande vulto, que um assassino traiçoeiro e mais que scelerado derrubou para sempre, levando o lucto, a consternação e o horror a todos os estados e côrtes da Europa, e -principalmente á excelsa e preclara Rainha Regente, a esse anjo bom da Hespanha, que tanto merece a gratidão publica pelas suas virtudes, e pelo seu juizo e tino governativo, como a compaixão de todos pelas suas continuas amarguras e tribulações.

Aproveitemos a lição que nos vem de fora, para que amanhã não nos succeda o mesmo em casa. E, visto que parece tramar-se nas trevas contra a ordem social e contra os grandes representantes da auctoridade publica, unamo-nos todos — partidos e governos, homens publicos e particulares, padres e leigos — e combatamos com efficacia e sem fraquezas essas doutrinas anti-religiosas e anti-sociaes que para ahi se publicam sem rebuço nenhum, e que põem em perigo constante os depositarios do poder publico. Cuidemos da educação religiosa do povo portuguez, cuja necessidade tive a honra de demonstrar nesta camara não ha muitos dias; desterremos das nossas escolas ò ensino sem Deus e sem fé, e procuremos em uma propaganda, perseverante e efficaz, de justiça, de moral, e de caridade para todos, o remedio desses crimes hediondos e monstruosos que affrontam e desmentem a civilisacão, e que ultrajam e envergonham a humanidade. (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Sr. presidente, depois das eloquentes palavras que acabam de ser proferidas nesta camara em homenagem ao eminente homem na politica, na sciencia e nas letras, Cánovas dei Castilho, não ousaria tomar a palavra, se não fora em cumprimento de uma divida sagrada.

Quero dizer, permitta a camara que relate o facto, que em Madrid, depois de receber as mais honrosas homenagens de sentimento, na occasião em que passei o profundo desgosto de perder meu pae, e quando me retirei ao meu aposento particular no hotel onde me alojara, tive a honra de ser procurado por Cánovas, cuja morte enlucta hoje a nobre nação hespanhola e, no grande sentimento, tambem enlucta a nação portugueza, e delle ouvi as seguintes palavras:

«Perdi em seu pae um amigo. Peco-lhe que de hoje para o futuro seja o herdeiro de seu pae, na amizade que elle me tinha, e que desde já lhe declaro intima e sincera.»

Sr. presidente, é pois em nome dessas nobres palavras, que me foram ditas, tendo Cánovas as lagrimas nos olhos; é, pois, em nome dessa honrosa herança, que me legou Cánovas, que, alem de me associar, como membro desta camara, á proposta do sr. presidente e a tudo quanto se tem dito em memoria do grande vulto, Cánovas del Castillo, eu. desejei expressar aqui, de todo o coração, como amigo verdadeiro, o meu maior sentimento e gratidão em memoria do leal e dedicado amigo de meu pae, que tanto me honrou.

O sr. Presidente: — A camara quer, de certo, que tanto esta proposta, como o additamento do digno par, o sr. conde de Macedo, sejam approvados por acclamação. (Geraes apoiados.)

Vozes: — Por acclamação, por acclamação.

O sr. Presidente: — Está approvada por acclamação.

A proxima sessão é na quinta feira, 12 do corrente, e a ordem do dia é a mesma que estava dada para a sessão de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram duas horas e quarenta e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de agosto de 1897

Exmos. srs. José Maria Rodrigues de Carvalho, Marino João Franzini; Marquezes, da Graciosa, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Évora; Bispo Conde de Coimbra; Condes, de Bertiandos, da Borralha, do Casal Ribeiro, de Macedo, de Paraty; Viscondes, de Athouguia, de Chancelleiros; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Barres Gomes, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme, Luiz Bivar, Pereira Dias, Mathias de Carvalho.

O redactor = Alves Pereira.

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