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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 14

EM 29 DE AGOSTO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Seabra de Correia Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta.- E lida uma carta regia nomeando Vice-Presidente da Camara o Digno Par Augusto José da Cunha.- O Sr. Presidente agradece a elevadissima honra que Sua Majestade se dignou conferir-lhe, promette cumprir o regimento e espera que os Dignos Pares o auxiliarão na direcção dos trabalhos parlamentares.- O Digno Par Sebastião Baracho envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Governo. É expedido.

Ordem do dia: - Continuação da discussão a proposito da ultima crise ministerial. Usam da palavra o Sr. Ministro do Reino e Digno Par Jacinto Candido.- O Sr. Ministro da Justiça começa o seu discurso, mas tendo dado a hora pede que lhe seja reservada a palavra para a sessão seguinte.-Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu á sessão o Sr. Presidente do ' Conselho e Ministros da Fazenda, Obras Publicas, Negocios Estrangeiros, Marinha e Justiça.

Pelas 2 horas e 3ô minutos da tarde, verificando-se a presença de 52 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mandou para a mesa o seguinte requerimento.

Foi lido, expedido e é do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, me seja enviado, com urgencia, um exemplar do Limo Branco correspondente a 1873, e outro exemplar do Livro Branco que se publicou sequentemente ao de 1873, já mencionado. = Baracho.

Foi lida na mesa uma Carta Regia que nomeia Vice-Presidente da Camara o Digno Par Augusto José da Cunha.

O Sr. Presidente: - Assegura o seu agradecimento a El-Rei pelo elevado testemunho de apreço com que acaba de ser honrado, confiando na benevolencia de todos os seus collegas para o bom desempenho das suas funcções perante a Camara.

Promette cumprir o regimento, esperando que os Dignos Pares o auxiliem na direcção dos trabalhos parlamentares. (Apoiados geraes).

(S. Exa. a não reviu).

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Cabe-lhe a honra n'esta altura do debate de responder ao Digno Par o Sr. Sebastião Baracho. Mas a Camara, e o proprio Digno Par, certamente hão de concordar que, antes de se referir ao discurso de S. Exa., tem em primeiro logar de responder tambem ás considerações do Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro.

Desde o momento em que S. Exa., no auge da discussão da crise, entendeu dever usar do seu direito, que respeita, de se dirigir directamente a elle, orador, mais de uma vez, seria em primeiro logar uma descortezia da sua parte não responder ao Digno Par, e seria por outro lado collocar-se na situação de que se conformava com as apreciações ou formulas de accusação que o Digno Par lhe dirigiu do alto da tribuna parlamentar.

Podia esperar do Digno Par aprecia coes severas, aos seus actos ministeriaes, mas o que não podia suppor era que S. Exa. trouxesse para a discussão actual da crise politica os seus actos, como membro d'esta Camara, quando os exercia no uso do seu direito e no desempenho dos seus deveres parlamentares.

É doloroso ter de falar de si proprio, mas a isso se vê forçado.

Se quizesse dar ao discurso do Digno Par, na situação em que elle se collocou, qualquer outra interpretação de intuitos elevados, que não chega a comprehender, pediria licença ao Sr. Hintze Ribeiro para não lhe responder, significando-lhe apenas que esse silencio não importava descortezia alguma, porque, pelo lado propriamente politico em que o Digno Par collocou a questão, S. Exa. limitou-se a repetir o que elle, orador, dissera em tempos n'estas luctas parlamentares.

É preciso significar á Camara que no exercicio do seu direito de defesa não ha nenhuma arguição que o Digno Par trouxesse para a discussão que não tivesse sido completamente esclarecida nos debates parlamentares em que tomou parte.

Desde o momento em que tal demonstre, julga ter cumprido o seu dever parlamentar e os preceitos da deferencia devida ao Digno Par, podendo assim dar este incidente como terminado.

Apreciou um periodo historico, e exerceu assim o seu direito. Se quizesse alongar o debate traria agora para aqui a repetição d'esses factos historicos; mas não o fará, porque não é seu intento dar logar á politica retrospectiva.

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Leu o Digno Par trechos de tres discursos d'elle orador. Collocando a questão n'esse ponto, é claro que não pode ser mais conciso e preciso do que, em parcimoniosa defesa, referir-se a esses mesmos factos por S. Exa. mencionados.

Ha de ter occasião de citar as proprias palavras do Digno Par; e, se não occultará as occasiões em que S. Exa. lhe foi desagradavel, não é menos certo que poderá apontar outras em que tem sido, por vezes, excessivamente benevolente para elle, orador.

Em tres sessões parlamentares, em 1902, apreciou os factos historicos a que S. Exa. se referiu, e então e para então, trouxe para o debate, no uso do seu direito, apreciações que o Digno Par agora nota terem sido mais ou menos respeitosas para com a Corôa e para as suas prerogativas.

Deve dizer á Camara que respondeu já então amplamente ao Digno Par sobre esta questão. E, se ella ficou n'esse tempo liquidada, para que resurgil-a?

Vae ler o que então disse, na replica que dera ao Digno Par, pedindo á Camara desculpa se porventura for demasiado extenso.

Tendo sido porem accusado, tem de responder, e, vindo de tão alto a accusação, isso lhe impõe o dever de assim proceder.

Deve dizer que não reviu esse discurso; d'isto tem talvez de pedir desculpa á Camara. Não se recorda se as respectivas notas lhe foram enviadas, porem o que é certo é que ellas estão redigidas por uma forma concisa e com a respectiva declaração de que não foram revistas.

Pleiteava então ao chefe do Governo o seguinte: (Leu).

Ora pergunta á Camara se, tendo n'aquelle periodo historico restabelecido 'a verdade dos factos, poderia ter sido menos correcta a sua maneira de expor, mas o que nunca poderia ser era a sua ignorancia tão inqualificavel que não soubesse que não podia discutir um alto poder do Estado. O que porem nunca poderia suppor é que isto lhe fosse hoje lançado em rosto, nem comprehende a importancia que esse assumpto possa dar ao debate politico.

Quem lhe diria em 1902, ao alludir ás prerogativas da Coroa, que passados cinco annos ainda havia de resurgir essa questão quando n'aquelle momento não deixou passar em julgado essa accusação, e nunca ô Sr. Presidente do Conselho de então - apesar do talento que todos nós lhe conhecemos - o accusava d'essa forma, que elle, orador, deixasse ficar sem resposta prompta e immediata, restabelecendo a boa doutrina.

A Camara vae ver a forma como n'aquella sessão tambem se discutiu ou apreciou os actos do Conselho de Estado.

Com a lealdade que o caracteriza deve dizer a S. Exa. e á Camara que a insistencia do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro em o increpar, com relação ao Conselho de Estado, o ferira e magoara, tanto; mais que não merecia essa accusação, porque as suas respostas, boas ou más, teem sido sempre promptas, e já então dizia ao Digno Par, como o sustenta hoje, com respeito ao Conselho de Estado, o seguinte: (Leu).

Ora aqui tem o Digno Par, a resposta ao seu discurso de ante-hontem com respeito ás accusações que lhe formulara sobre a indole d'aquella instituição,

Com respeito á pergunta que o Digno Par dirigiu ao chefe do Governo, se as actas do Conselho de Estado eram ou não secretas, querendo saber se elle, orador, tinha a esse respeito opinião differente á do chefe do seu partido, vae a Camara ver como essa argumentação respondera com cinco annos de antecipação.

Pede á Camara que o desculpe se é immodesto, mas a culpa é do Digno Par a quem tem de responder e que era o chefe do Governo de então. Ás suas palavras replicou nos seguintes termos: (Leu).

Eis o que disse, o que sustentou.

Pede á Camara que reflicta na ultima conclusão para ver se é ou não justificado o que declarara, que tinha o direito de não responder agora a esse assumpto, que já tinha ficado completa mente esclarecido, quando se derimia o pleito.

Mas elle, orador, tem ainda a desgraça de em outra discussão parlamentar, aliás viva e vehemente, apreciar o Conselho de Estado. S. Exa. maguou-o, não pela accusação ou pela forma como falou, mas por ter dito que elle, orador, havia maculado a instituição do Conselho de Estado. Entretanto os registos parlamentares é que falam e as accusações do Digno Par estão amplamente respondidas no logar competente, no proprio Jogar onde S. Exas. as leu.

Sempre disse e repete que tem o maior respeito por aquella veneranda instituição, onde se chega por direito de conquista a troco de largos e relevantes serviços prestados ao paiz. Esta convicção, porem, não obsta a que se possa pensar que essa instituição não corresponda talvez sempre aos seus elevados intuitos politicos.

Disse tambem, quando se referiu ao Conselho de Estado, que não era inovador nas opiniões que expendia, por quanto tinha a apoial-o no seu criterio auctoridades politicas como o Conde do Lavradio, Joaquim Antonio de Aguiar, Thomaz Ribeiro e Conde de Bertiandos que, como se sabe, apresentou n'esta Camara um projecto pelo qual era remodelada aquella instituição.

Não tem, pois, que modificar as suas opiniões, nem que penitenciar-se das ideias que sustentou. Desde que se discute uma questão de alta politica, não pode nem deve haver convencionalismos. Entendeu dever dizer o que disse, perante uma conjunctura grave.

Mas tem ainda a citar, em defesa da sua doutrina, a opinião do Conde de Casai Ribeiro, politico cuja envergadura intellectual era assaz notavel.

O Conde de Casal Ribeiro apreciou, como entendeu, a missão politica do Conselho de Estado. Apreciou-o tambem n'um dos momentos mais graves da vida politica da Nação.

As apreciações de tão eminente homem publico estão nos Annaes parlamentares. Discutia-se a dissolução das Camaras de 1880, e um Digno Par de então sustentou que a Carta Constitucional não auctorizava dissoluções caprichosas como a que se fizera, que só tinha por consequencia immediata evitar que na Camara se apreciassem os actos do Governo.

(Leu).

Era o Sr. Casal Ribeiro, membro do Conselho de Estado, que dizia isto á Camara.

O Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, a quem tem a honra de responder, quer dizer ao Chefe do Governo que quem fala como elle, orador, falou, não pode sentar-se nos bancos do poder!

Sr. Presidente, pretende-se classificar de menos correcto o que disse numa das sessões de 1903, quando aqui se discutiram as largas auctorizações para resolver o problema do fomento agricola.

O Digno Par leu um trecho do seu discurso d'essa epoca.

Nada elle encerra que possa merecer a mais leve censura. N'aquelle momento historico estava-se n'um periodo agudissimo. Houve um movimento ruidoso do norte ao sul do paiz.

Nas vesperas de se encerrar o Parlamento, os viticultores do sul por tal maneira se mostraram indignados, tão vehemente e energicamente representaram, que no norte repercutiu essa attitude como um grave acontecimento.

Talvez aquellas autorizações fossem um presente funesto das Camaras ao Governo.

Nada ha mais correcto do que a exposição que então teve a honra de fazer á Camara.

Se foi mais longe do que era necessario na defesa que precisava fazer e na forma de chegar á conclusão de que, tanto n'este, como n'outros discursos parlamentares, nunca se lhe fizeram accusações d'essa natureza que não tivessem uma resposta prompta,

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immediata e mais ou menos categorica.

Agora permitta-lhe a Camara que, voltando a referir-se á crise ministerial, diga que o Governo acceita o debate como lh'o queiram dar, e que não se apavora. O que está em discussão é a crise, mas sob esse pretexto tem-se tratado de varios assumptos cuja relação com a crise é mais ou menos remota. O Governo porem, não faltando ao seu dever, tem dado conta dos seus actos, respondendo ás considerações que teem sido apresentadas sobre todos esses assumptos; comtudo é-lhe licito não prescindir do seu direito de repor a questão nos seus termos e declarar que o que está em discussão é a crise e as causas que a determinaram. ;

A este respeito será tambem muito conciso, porque o assumpto não se presta a grandes declamações.

No seio da cominissao de fazenda da Camara dos Senhores Deputados sur giu uma discordancia sobre um ponto capital do contrato dos tabacos de 4 de abril, qual era a juncçao da conversão com o exclusivo. O Governo, que tinha a sua responsabilidade ligada á realização do contrato com essa clausula, e porque não sobreviessem motivos que aconselhassem a modificação d'ella, não póde acceitar o que pretendia a maioria d'aquella commissão, que era a separação das duas operações. Deu se, portanto, uma divergencia entre o Governo e a commissão de fazenda da camara dos Senhores Deputados. Essa divergencia, todavia, não promoveu, nem podia promover uma crise ministerial, porque as commissoes são, é certo, delegadas da Camara, mas não recebem d'ella mandato imperativo. (Apoiados).

rie a maioria da commissão tivesse elaborado o seu parecer e esse parecer fosse approvado pela Hamara, então é que se poderia produzir uma crise ministerial.

Vejamos como foi então que surgiu a crise, mas digam se as cousas como ellas são, porque não ha nada que mais convença e que mais facilite a resolução das questões, tanto em politica como de outra ordem, do que expol-as como ellas são. (Apoiados).

Uni dos Ministros apoiou abertamente a opinião manifestada pela maioria da commissão.

Não deseja discutir os motivos de caracter politico e financeiro que preponderaram no espirito da maioria da commissão de fazenda da Camara electiva. Deixa isso para a historia, para quem quizer cavar fundo nos meandros da politica contemporanea, Basta-lhe, portanto, referir as suas conclusões.

Houve uma divergencia no ponto capital ; mas desde o momento em que

um Ministro de Estado, preso á solidariedade ministerial, se declara abertamente ao lado da maioria da commissão, estava aberta a crise politica.

Foi só esse facto a origem da actual crise.

Qual é a consequencia de tudo isto?

É elementar. Desde que no seio do Gabinete se rompe a solidariedade ministerial, desde que desapparece a identificação do pensamento, quem diverge ou vence, ou triumpha ou sae. Não ha outra conclusão.

Uma vez que o chefe do Governo, expondo a questão aos seus collegas, estes em sua maioria se puzeram ao seu lado, a questão estava resolvida: tinha de sair o divergente.

Mas ha n'este caso, de longe ou de perto, clara ou occultamente, melindre seja a quem for?

Não ha. (Apoiados).

E do regimen parlamentar.

Deve dizer á Camara que tem uma certa magua em se referir a este assumpto, mas primeiro que tudo Infan-dum regina jubes renovare dolorem. Desde que o Ministro não pede a de-

issUo, o expediente a seguir, e que está no regimen parlamentar, é exo-neral-o.

Não quer alongar o debate nem fazer litteratura facil, mas deseja dizer que está na indole do regimen parlamentar que um Ministro que discorde em facto substancial da maioria dos seus collegas, desde que está rota a solidariedade ministerial, tem de sahir e o chefe do Gabinete levar o decreto de exoneração ao Chefe de Estado, declarando n'esse decreto que o Ministro divergente pediu a demissão.

Podia citar o nome de um homem que tanto preponderou nas letras e na politica, que não tendo pedido a demissão de Ministro appareceu no Diario do Governo o decreto da sua demissão, declarando que a pedira.

Sabe que se maguou com isso, mas o seu dever lhe impunha • acceitar os factos como elles tinham sido.

Portanto a crise manifestou-se, definiu-se e resolveu-se de uma maneira clara e singela e surprehende-o como isso deu margem a tão longa e demorada discussão.

Mas ha aqui um facto que pede licença para contar á Camara.

É preciso que se não repita porque foi desastroso em seus eifeitos, o precedente d'essas chamadas jornadas de enganados, como disse um Deputado il-lustre, o Sr. Marianno de Carvalho, a respeito do que occorreu n'uma commissão de fazenda, quando era chefe do Gabinete o Sr. Dias Ferreira.

Essa commissão de fazenda que era um pequeno Parlamento, porque tinha vinte e sete membros, discordou não na

essencia das cousas, mas no methodo a seguir nos trabalhos parlamentares.

O chefe do Governo de então disse que não podia prescindir, com preferencia a tudo, de se discutir a proposta relativa aos credores externos, e a commissão de fazenda, sem atacar de frente a vontade do Ministro, objectava que era preferivel discutir em primeiro logar ,o orçamento, para se sa-ser até que ponto se podiam fazer oncessões aos credores.

E o Sr. Dias Ferreira, chefe do Gabinete, com aquella linguagem que é tanto sua, com aquella clareza que não xclue tambem a sinceridade, limitou-se a dizer - que estava inteirado.

Por mais explicações que lhe pedissem, por mais deferencias que para com alie tivessem, não saia d'isto: "Estou nteirado".

Mas o Sr. Presidente do Conselho de então não podia ter intenção de levantar uma questão politica, porque governava com a cooperação de todos os partidos, e por isso só o dominava a ideia de resolver a situação criada em os credores externos; isto é, na ommissão de fazenda tratava-se ape nas de uma questão de altissima administração.

Como, porem, a commissão de fazenda "insistia na sua resolução, o chefe do Governo d'essa epoca recorreu para o Parlamento, e assim uma questão fundamental de administração publica se transformou numa questão politica, de que resultou pouco depois a saida do Gabinete do Sr. Dias Ferreira.

S. Exa. entendeu no seu alto criterio que devia pedir um adiamento, porquanto as circumstancias a isso o levavam e são muito conhecidas para que as aprecie agora. E que ficou d'isso? Ficou que então, como hoje, é preciso que se não repita o precedente de que uma commissão de fazenda, qualquer que seja o seu merito ou dotes de espirito que ali estejam representados, pode antepor por auctoridade propria a consideração de qualquer proposta de ordem economica ou politica, ás conveniencias superiores do paiz e da maioria parlamentar. (Apoiado do Sr. Conde de Lagoaça).

Sobre este assumpto dirá só mais o seguinte:

O Sr. Hintze Ribeiro, discutindo a crise, referiu-se ao adiamento.

Pede ao seu amigo Sr. Baracho que algumas respostas que tem dado ao Sr. Hintze Ribeiro as tenha como dadas a S. Exa. % n'aquillo em que ellas se conformam com os pontos de que S. Exa. tratou.

No decorrer dos debates houve aqui quem sustentasse que o chefe do Governo tinha pedido á Coroa um adia-

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mento por dois motivos: a pacificação das paixões politicas e a maior facilidade da resolução do assumpto, e que elle serviu para, aggravar a situação, e acirrar os odios. A isso replicou o Sr. Presidente do Conselho e por isso não se alonga mais.

O chefe do Governo declarou ao Digno Par Sr; Hintze Ribeiro que, longe d'isso, não deixou de aproveitar todos os ensejos que se lhe forneceram para não só não excitar o debate, mas trazer a serenidade aos espiritos, o que elle tanto desejava como chefe do Governo.

Ha ainda outras considerações que, segundo o Digno Par, determinaram o não cumprimento dos desejos do chefe do Governo, pedindo o adiamento e S. Exa., com aquella opinião que é tanto sua, como quem tanto preza e sabe tomar as suas responsabilidades, peremptoriamente, de um modo franco, intimou o Governo a sahir.

Mas, suppondo que se não praticou o fim do apaziguamento das paixões, pode, em bom criterio, accusar-se um acto porque uma medida de prudencia, uma tentativa conciliatoria não produziu o seu resultado?

(Apoiado do Sr. Laranjo).

Pois se o Governo praticou tudo que lhe pareceu conveniente para trazer a serenidade que é precisa, para que as paixões não avassallassem os espiritos, e se o não conseguiu, será porventura motivo constitucional para que o Governo abandonasse o poder? O que vale é que aquella intimação é inoffensiva, e que não ha perigo em não obedecer.

Como é que se pode affirmar que o Governo não conseguiu alcançar o que desejava no outro motivo que invocou no Conselho de Estado, para justificar o adiamento? Pois a Camara tem já conhecimento das alterações que se fizeram no contrato dos tabacos, dos seus pormenores, confrontando-os com o que se havia feito? Já houve uma discussão como é mister, larga, franca e leal? Pois se ainda não tem esses elementos para julgar, se é inopportuno mesmo esse julgamento, n'esta conjunctura, como se pode dizer que o Governo, aconselhando o adiamento das Côrtes, não conseguiu una dos fundamentos para que o pediu?

Mas o Sr. Hintze Ribeiro concluiu depois por intimar o Governo a sair do poder. O Governo não recebe intimação seja de quem for, pois tem todos os elementos de vida constitucional.

Com respeito ao incidente que se levantou na commissão de fazenda quem tinha razão era o Governo.

Quanto ás manifestações da opinião publica contra o projectado sobre os tabacos, tem a dizer que o Governo, tanto n'esta Camara como na Camara dos Senhores Deputados, não tem conhecimento d'essas manifestações.

Tão em segredo, tão cautelosas ellas são, que ninguem as percebe.

Pois então o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro não viu, quando foi do convenio, multiplicarem-se as representações contra a forma por que esse compromisso internacional era resolvido?

Pois apesar d'isso o Sr. Hintze Ribeiro, chefe do Governo, entendeu que não tinha necessidade de sair do poder. Agora que nada d'isto existe, como quer o Digno Par que o Governo, tão officiosamente e tão amavelmente aconselhado, entregue as cadeiras do poder.

O Governo não pode corresponder a tão santa e pura intenção.

Mas a razão capital não é essa.

O que maguava o Digno Par eram os acontecimentos politicos lamentaveis, é certo, que se desenrolaram e que affligiam e atemorizavam o seu espirito.

O que fez o Digno Par quando em 1900 surgiu um conflicto com um seu partidario?

O seu primeiro cuidado não foi defrontar-se com os seus adversarios; o seu. primeiro cuidado foi correr veloz á Coroa e alcançar a dissolução das Côrtes. (Apoiados).

Ora quem assim procedeu não provocou a agitação parlamentar. (Apoiados).

Prefere as tempestades parlamentares, prefere as liberdades em toda a sua plenitude porque as tem como superiores á tyrannia do mando. (Apoiados).

Certamente não ha, não pode haver discussões violentas, mais ou menos apaixonadas, em frente de um Governo, se elle, quando lhe apraz, encerra o Parlamento e, quando lhe apraz, dá á Europa e ao mundo o exemplo de estar um anno inteiro sem abrir as Côrtes, como entre nós já aconteceu ainda não ha muito tempo.

Dando como respondidas, com estas considerações geraes, aquellas que o Digno Par invocou como razões constitucionaes, para intimar ao Governo a sua saida dos Conselhos da Corôa, vae responder a outras questões sobre as quaes ainda não se pronunciou.

Quanto ás leis excepcionaes, em que o Digno Par Sr. Baracho falou, a rés posta é simples.

As leis podem ser boas ou más, podem merecer mais ou menos as nossas criticas, mas crê que não imperava no animo do Digno Par o desejo de que as revogássemos sempre que não partissem da nossa iniciativa.

Teria graves inconvenientes para a administração do paiz enveredar por esse caminho.

Disse tambem o Digno Par que o Governo mandara pelos jornaes que lhe são affectos ameaçar a Camara dos Deputados e a dos Dignos Pares por causa da questão dos tabacos.

Já o seu illustre chefe, o Sr José Luciano de Castro, declarou da maneira a mais peremptoria que tudo isso é inexacto.

É preciso, porém, não confundir as questões.

O Governo responde pelos seus actos: não acceita nem rejeita o que possa dizer a imprensa d'esta ou d'aquella parcialidade.

Ainda hontem o Digno Par se referiu a uma noticia que vinha num jornal, e o Sr. Hintze Ribeiro se levantou para lhe responder que era completamente inexacta.

Nem conhece Governo que viesse ao Parlamento responder pelo que se escreve nos diversos jornaes.

Mas é preciso, repete, não confundir as questões.

O Governo pode não pensar agora em determinadas questões a que se refiram os jornaes, mas quer isto dizer que abdique do seu direito e iniciativa sobre qualquer assumpto, principalmente em reformas politicas? De modo nenhum, porque está no programma do seu partido.

Um dos actos politicos mais qualificados do partido regenerador foi o de pedir á Coroa a dissolução da Camara Constituinte, sem ella ter realizado a sua missão, e notem os Dignos Pares que, tendo a Camara dos Senhores Deputados approvado a reforma constitucional, poucos dias de discussão bastariam para que esta Camara lhe desse a indispensavel sancção.

Não conhece, em todos os paizes do mundo que se regem por principios liberaes, nenhum precedente de uma Camara Constituinte ser dissolvida, antes de ter findo o seu mandato. (Apoiados).

O programma do Governo de então é o programma do Governo de hoje.

O Governo de então reconhecia n'esse tempo, como agora, que era conveniente uma remodelação d'esta Camara, mas isto longe de ser censuravel, não era mais do que um acto de coherencia com o seu passado, e não mais do que o resultado da convicção em que estava de que assim devia proceder.

A reforma foi apresentada a esta Camara, mas não foi approvada.

Releve-lhe o Sr. Ministro da Justiça que se refira agora a uma phrase do Digno Par o Sr. Baracho, mas tanto na sua qualidade de membro do Governo, como membro da magistratura a que se honra de pertencer, não pode deixar sem reparo essa phrase e de apresentar acêrca d'ella algumas considerações.

Não sabe se os seus ouvidos o trahiram. O orador, que tanto confia no ca-

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racter do Digno Par, suppõe que n'um momento de irreflexão foi injusto, porque na sua accusação envolveu toda a magistratura portugueza.

A magistratura é um dos poderes do Estado.

Quer o Digno Par envolver n'uma atmosphera de suspeição toda a magistratura portugueza, só porque algum facto que o Digno Par conhece, algum ponto concreto, alterou ou desorganizou as normas estabelecidas?

Disse o Digno Par que ha tres ou quatro leis de excepção, sem se lembrar que ha dezenas de leis excepcionaes.

Sabe S. Exa. o que essas leis significam em relação á magistratura portugueza?

São outros tantos votos de confiança que lhe são dados pelo Parlamento, composto de todos os matizes politicos. A organização dos serviços judiciaes, a que muitos se referem, e que poucos conhecem, ajudou a implantar n'este paiz a liberdade, como os annaes historicos registam.

Com respeito á liberdade de imprensa, tem a dizer ao Digno Par que o seu desejo de que este assumpto seja discutido não é mais vivo nem mais intenso do que d'elle, orador. Creia S. Exa. que está ao seu dispor, para tratar d'este assumpto em occasião opportuna.

O Digno Par já annunciou uma interpellação e espera em Deus que, se não convencer S. Exa., o que bastante sentirá, ao menos ha de demonstrar á Camara que, no que respeita á censura previa, na sua execução, nunca se preteriram os preceitos consignados na lei e deve tambem declarar que nunca no seu Ministerio se deram quaesquer outras instrucções em relação a qualquer jornal. Tudo é que se tem dito é inexacto.

Na lei estão bem definidos os casos em que o agente do Ministerio Publico tem de proceder.

Espera, repete, em occasião opportuna dar á Camara esclarecimentos completos; se não convencer o Digno Par o Sr. Dantas Baracho, ha de provar á Camara que o Governo n'este assumpto procedeu por forma, não diz a merecer louvores, mas a que lhe não dirigissem as accusações de que tem sido alvo.

Tem grande empenho em discutir esse assumpto e não se poupará a aprecial-o, logo que tenha ensejo de o fazer. Pede á Camara desculpa do tempo que lhe tomou e ao Digno Par o Sr. Baracho dirá que, se não respondeu a todos os seus capitulos de accusação, referentes á gerencia da pasta a seu cargo, o fará n'outra occasião.

Vozes: - Muito bem, muito bem. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Raras vezes, por certo, o Sr. Ministro do Reino era occasião de ver tão promptamente satisfeitas as suas pretensões a respeito de se discutir uma questão, como tio caso sujeito.

Pede o Sr. Ministro do Reino que nos restrinjamos, tanto quanto possivel, ao assumpto concreto da crise.

Vae collocar-se exactamente no terreno estricto, em presença da crise, das questões de alto interesse publico que a proposito e durante a discussão da crise se suscitaram n'esta e na oura casa do Parlamento, e que naturalmente apparecem ao espirito de quem vê n'ellas a symptomalogia de um estado latente que significa e que constitue, realmente, a pathologia politica de que enferma o funccionamento normal do nosso regimen constitucional.

Não quer definir mais uma vez quaes são os termos da crise que se debate. Acceita perfeitamente a situação, tal ella foi collocada pelo Governo, para n'esses termos a apreciar e, discutindo-a assim, parece-lhe estar perfeitamente de accordo com o que acabou de expor o Sr. Ministro do Reino.

Qual foi o aspecto que a crise manifestou perante o paiz? A crise revelou-se de dois modos: A crise ministerial e a crise parlamentar. Foi uma crise dentro do Governo e do Parlamento.

Porque foi essa crise? Qual a razão d'ella?

Os motivos que a determinaram foram diversos. Tivemos um motivo politico-partidario, um motivo politico-admistrativo e um motivo pessoal.

O Governo limita-se, simplesmente, a dizer que a crise foi de caracter partidario. Se elle é que lhe dá essa forma, sem bem a definir, não esquecendo os motivos, - não desenvolvendo,- não explicando, - insinuando apenas,- partidario é uma palavra, apenas, - partidario em quê? partidario, por quê? partidario para quê? Não o disse o Governo. Houve allusões, referencias vagas e indirectas, conjecturas, supposições. Assertos positivos, terminantes, não. Ao contrario. O mesmo Governo, dando parte da crise ás Côrtes, só se referiu ás divergencias administrativas. Esta foi a causa que se apresentou. Só mais tarde, depois, no calor apaixonado do debate, foi insinuado, - sem provas - sem mesmo affirmar terminantemente o aspecto partidario. Do outro lado, essa feição foi abertamente contestada, e foi só posta a questão com mero caracter administrativo.

Se, pois, as cousas assim se passaram, e n'estes termos estão submettidas á apreciação das Côrtes, manifesto é que o aspecto meramente partidario não tem que ser considerado. Afastado, pois o caracter partidario, e não querendo, porque entendia não dever, occupar-se da feição pessoal do incidente, fará somente a analyse do aspecto administrativo da crise.

Em que? No contrato dos tabacos. Porque? Por quererem separação de operações.

Para que? Para proceder de conformidade com esse principio. Aqui a divergencia. A maioria da commissão de fazenda da outra casa do Parlamento entendeu que devia manter a opinião que o partido progressista tinha sustentado na opposição, com respeito ao contrato dos tabacos, isto é, á separação das duas operações, e essa doutrina foi mantida.

O Sr. Ministro da Justiça d'essa epoca entendeu que, desde que aquella opinião vinha da maioria da commissão de fazenda elle, embora retirasse a sua acceitação ao projecto do Governo, devia seguir aquella orientação, acompanhando assim a maioria da commissão, retirando-se portanto dos Conselhos da Coroa. Era o melhor caminho que tinha a seguir.

Não tem que apreciar o procedimento da commissão de fazenda, nem a do ex-Ministro da Justiça que hoje tem logar nesta Camara.

Perante elle, orador, está apenas o Governo, que é o responsavel perante o Parlamento. Ao Governo pede contas do seu procedimento e não lhe compete, repete, apreciar nem o procedimento de um ministro que deixou o poder, nem o da maioria da commissão de fazenda, que pertence á Camara dos Senhores Deputados, e com a qual nada temos e que elle, orador, ali não pode discutir.

Portanto, Sr. Presidente, circumscripta fica a questão a dois pontos:

Por um lado temos uma divergencia de uma commissão parlamentar, seguida de uma divergencia ministerial, sobre uma questão essencial e substancialissima do contracto dos tabacos.

E, portanto, uma crise administrativa ou financeira.

Trata-se de uma divergencia de caracter administrativo e chamou-se-lhe pomposamente crise; porque d'isso resultou a saida de um Ministro dos Conselhos da Corôa.

Mas não discute se o Sr. Ministro saiu bem ou mal. Entende que saiu bem.

Não discute tambem a constitucionalidade da resolução da crise. Não é essa a questão, mas sim a de saber as outras condições especiaes em que esse facto decorreu, quando as circumstancias eram principalmente graves, notavelmente graves, porque se tratava de um contrato que affectava importantissimos interesses do Thesouro Publico.

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164 CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sabe a Camara que se ha de resolver esta questão dentro de um prazo fatal. Os poderes constituintes teem de proferir o seu Aparecer dentro de um periodo certo e determinado.

Quanto mais tempo se perder com este importante assumpto, tanto peor se collocam os poderes publicos, para a solução de tão importante problema.

Por outro lado, ainda ha a considerar que, se as circunstancias financeiras e economicas actuaes dos mercados são favoraveis para a realização d'esta operação, podem, n'um prazo mais ou menos largo, essas condições prejudicar as vantagens já obtidas, mercê de uma melhoria geral que não está dependente da intervenção dos Governos, mas que obedece a leis economicas superiores á vontade dos homens. (Apoiado do Sr. Ministro da Justiça).

O orador folga muito com o apoiado do Sr. Ministro da Justiça, e vae-lhe agora mostrar como é que o Governo, em vez de se compenetrar d'este grave principio, perante a crise que no seu seio se desenvolveu, apenas teve em vista o seu interesse partidario.

O apoiado do Sr. Ministro da Justiça, para ser lógico e coherente, era preciso que lhe demonstrasse que o Governo não desperdiçara tres mezes, aggravando a situação, muito mais do que ella estava no tempo em que a crise surgiu. Vamos analysar o incidente.

A questão é o facto das divergencias n'um ponto fundamental do contrato. É baseada n'esta origem, e só n'este campo deve ser collocada. É preciso despil-a dos arrebiques e das franjas com que sé tem tentado confundir e enredar o assumpto, difficultando a sua apreciação.

Simplificar a questão e collocal-a bem, é o primeiro dever lógico do critico. Collocar bem a questão, ha pouco disse o Sr. Ministro do Reino, é tel-a meio resolvida.

- Posta, pois, n'estes termos a crise - qual é o procedimento do Governo?

É o que vamos ver.

O Sr. José Luciano tinha, possivelmente, duas hypotheses em face da crise.

1.ª Tinha a força e condições de vida para vencer.

2.ª Não as tinha.

No primeiro caso seguia no seu caminho. No segundo caso submettia a questão ao Poder Moderador com duas soluções: demissão do Ministerio - dissolução das Côrtes.

Era a logica que parece afastada do criterio governativo.

O Sr. José Luciano achou porem uma terceira solução - o adiamento.

É dos costumes da terra, como diz o Sr. Dias Ferreira.

Adiar é afastar a dificuldade; não é arcar com ella.

Mas que fundamento achou para pedir á Coroa o adiamento?

Achou dois fundamentos: melhoria do contrato dos tabacos - acalmação das paixões.

Vejamos o primeiro.

Seria logico e procedente e fundamentado o pedido, se fosse para tentar a separação das duas operações, rendendo-se o Governo á maioria da commissão de fazenda. Mas não sendo para esse fim em que sequer se pensou, não se comprehende o procedimento do pedido; porque a questão entre o Governo e a commissão - isto é, a crise,- continuou de pé.

Portanto, como meio de debellar a crise não servia. Para melhorar o contrato? Mas então a um mez de data já era preciso um adiamento para melhorar o que estava feito? Que cuidado se poz, visto isso, no contrato? Então é preciso um adiamento para cada melhoramento que appareça? Qual é o papel das Côrtes n'esta collaboração? E o de simples chancella?

Como Par do Reino, repelle essas funcções automaticas. Se os Dignos Pares, seus collegas, não teem outras funcções senão as de chancella, o melhor é retirarem se para casa.

O Sr. Ministro do Reino disse ha pouco o seguinte:

"Isto é um facto muito simples. A commissão dissentiu, divergiu, mas anda para deante, a Camara é que julga".

Mas agora pergunta?

Porque não pensou assim o chefe do Governo?

Porque não pensou assim quando essa crise surgiu?

E para que foi o adiamento das Côrtes?

A situação clara, definida da crise perante os factos que tinham sobrevindo no funccionamento normal do regimen parlamentar, devia ser feita pelo Governo, perante o Parlamento, evidenciando assim que tinha forças para vencer essa resistencia, porque o que havia era a divergencia no seio da commissão com respeito a uma clausula do contrato.

A maioria da commissão de fazenda votava-a n'um certo sentido, e se o Governo tivesse força na Camara para vencer, provocava uma votação, ficando assim bem definida a situação politica.

referiu-se o adiamento. O que representava elle?

O addiamento dava porventura a possibilidade da commissão de fazenda se render á convicção do Governo?

Então o adiamento era o meio do Governo reduzir a commissão de fazenda ás suas opiniões, fazendo assim
desapparecer o obice, a difficuldade, um dos obstaculos que se oppunham á sua marcha?

Onde está a logica d'isto? Como é que o adiamento podia fazer desapparecer essa difficuldade.

A Camara comprehende bem que a divergencia assentava apenas na apreciação do modo como se devia realizar o contrato, separando ou juntando a conversão e o exclusivo.

Era isto e nada mais.

Esta questão devia ser, desde que surgiu, dirimida pela discussão parlamentar, pelo convencimento.

Não havia outro processo é claro, porque o orador exclue a ideia, o pensamento de aproveitar o periodo de um largo tempo de interregno parlamentar para empregar a corrupção.

Exclue a ideia de que passasse pelo pensamento do Governo o recurso a esses meios de acção para reduzir elementos da commissão de fazenda dissidentes, como indignos dos membros do Governo, como indignos dos membros da commissão de fazenda e indignos de todos nós. (Apoiados).

Podia o adiamento trazer elementos novos em ordem, a fazer desapparecer neste ponto restricto, concreto, tão limitado está elle, a dissidencia radical entre a maioria da commissão de fazenda e o Governo?

Por acaso houve alguma cousa do adiamento? De interromper as sessões da commissão e as do Parlamento?

Podia resultar que a commissão de fazenda se convencesse, se rendesse no intervallo parlamentar?

Não é admissivel semelhante criterio.

Sendo inadmissivel a hypothese absurda de se pretender corromper e subornar os membros d'essa commissão, quer, elle, orador, saber quaes eram esses meios, quaes as tentativas de conciliação que o Sr. Presidente do Conselho disse que tinha empregado no intervallo da sessão parlamentar.

Por tentativas de conciliação!

Pois então ha sete homens, representando sete Deputados da Nação n'uma commissão parlamentar, que declaram qual é o seu ponto de vista sobre assumpto tão importante como este, e ha tentativas de conciliação possivel que não seja a reconsideração pelo convencimento da impossibilidade de se realizar o que elles pretendiam, e realizar só o pensamento do Governo?

Ha porventura outra tentativa a empregar?

Que tentativas foram estas que o Sr. Presidente do Conselho empregou, e a respeito das quaes disse: "se não tiveram effeito, a culpa não foi minha".

Que tentativas foram essas?

Ora já vê V. Exa. e a Camara que, dentro d'esta questão circumscripta.

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SESSÃO N.° 14 DE 29 DE AGOSTO DE 1905 165

como o Sr. Ministro do Reino expoz, deve perguntar ao Governo, no uso legitimo de um direito: porque adiou a Camara?

Diz elle: o seu fundamento foi a acalmação das paixões.

Acalmação das paixões! Quaes paixões? A crise era de paixões ou de divergencias sobre o contrato dos tabacos?

Mas onde estavam as paixões? Em uns quererem a separação, e outros não?

Quaes eram as agitações publicas, as perturbações de ordem, onde o tumulto revolto das massas?

O Sr. Ministro do Reino ainda ha pouco declarara á camara que os acontecimentos politicos de maio não tinham tido a menor repercussão no paiz, e que o Governo não podia pensar em exonerar-se, visto que o paiz se não manifestou ainda contra elle. Mas haveria divergencias apaixonadas? Então como vencer essa paixão opiniativa, sobre um ponto tão limitado e concreto, com o adiamento das Côrtes ? Onde se deu a divergencia? Na commissão de fazenda.

Como fazer a conversão dos divergentes? Pelo convencimento.

Onde? Na mesma commissão.

Por que meio? Pela discussão, pela demonstração, pela convicção.

Logo o adiamento era contrario á acalmação das paixões.

Pois quê? Que meios se podiam empregar para reduzir os insurgentes contra a clausula do contrato, alem dos que ficaram indicados? O suborno? A corrupção ? Pretendiam-se empregar meios d'esta ordem?

Elle, orador, mais uma vez põe de parte semelhante hypothese aviltante e deprimente, tanto para os dignos membros da commissão de fazenda, como para o illustre chefe do Governo.

Mas então o que? Que se tentara fazer?

Que se tentou fazer? Porque ali ouvira dizer já ao Sr. Presidente do Conselho - que elle havia tentado a conciliação, e que não fôra por culpa sua que se não fizera?

Mas qual conciliação? Qual que não fosse a adopção, pelo Governo, do parecer da commissão, ou vice-versa? Que outra solução podia haver em ponto tão concreto? Ou sim, ou não. Não havia meio termo.

O Governo diz que o adiamento foi preciso para introduzir modificações no contrato dos tabacos, mas note a Camara que no que se falava era no ponto concreto da separação das duas operações.

Como é pois que o Governo pediu o , adiamento para conseguir modificações J no contrato dos tabacos, quando todo o seu empenho era não mais entrar em negociações que dessem em resultado a separação das operações?

Como é que se podia pensar em alterações, se o Governo tinha aquelle ponto fundamental como intangivel?

Pois seria necessario pedir o adiamento e perder assim tanto tempo, unicamente para conseguir alterações em pontos relativamente secundarios.

Veja-se que falta de lógica e que falta de coherencia!

Desde que o Governo se convenceu da necessidade e da possibilidade da introducção no contrato dos tabacos de modificações que eram convenientes e uteis para o paiz, melhor era que viesse apresentar essas alterações ao Parlamento, e aqui se debateria o que fosse julgado mais conveniente e util para o paiz.

Seria esta a melhor maneira do Governo conseguir o seu desideratum.

Mas no que se não pensa é no Parlamento.

Entendem que o Parlamento é uma simples chancella dos actos governativos, e contra isto protesta elle, orador, porque não abdica dos seus direitos. (Apoiados).

Senos estamos aqui unicamente para sanccionar os actos do Governo, então é melhor irmo-nos embora, e deixar mós que o Sr. Presidente do Conselho governe e administre o paiz.

O convenio tambem veio á discussão parlamentar, e foi modificado; foram acceitas as emendas apresentadas, tanto nesta Camara como na outra casa do Parlamento.

O projecto veio ao Parlamento e saiu d'aqui approvado com a inserção de novas clausulas, que as Côrtes entenderam introduzir-lhe para salvaguardar os interesses do paiz.

Portanto, se isto é assim, se o Parlamento tem estes direitos que lhe não podem ser contestados, como é que se vae pedir á Coroa o adiamento de tres mezes, perdendo-se um tempo tão precioso, tão valioso, como era aquelle em que, no decurso dos debates parlamentares, entrava exactamente na apreciação da Camara electiva um assumpto tão importante como é esse que se relaciona com o contrato dos tabacos.

Com que fundamento pediu o Governo este adiamento ?

Já demonstrou que esse facto é completamente desligado da crise, como ella se apresentou, pois que as modificações do contrato não se referem ao ponto concreto da divergencia, mas precisamente teem referencia com outros assumptos que lhe dizem respeito.

Vê-se pois que o procedimento do Governo, em relapso a esta crise, foi absolutamente illogico, arbitrario tendo em vista tão somente as conveniencias de mesquinho caracter partidario, sacrificando os mais valiosos interesses do paiz.

Agora, vae passar á terceira parte da questão.

Como a Camara vê, anda muito rapidamente na exposição das suas considerações, porque o tempo aperta e elle, orador, não quer fatigar demasiadamente a attenção da Camara.

Durante este debate, n'esta e na outra casa do Parlamento, surgiram factos a respeito dos quaes nós temos o direito, corre-nos até o dever, de dizer da nossa justiça e apreciarmos conforme entendermos em nossa consciencia, sob o ponto de vista do que elles valem em si, e sob o ponto de vista do que elles representam como symptoma de um estado pathologico, a que urge prover de remedio.

Esses factos referem-se a varios grupos de questões.

Umas d'essas questões são de caracter politico e referem-se a processos politicos e normas governativas; outras a costumes publicos e formulas partidarias, e outras ainda e principalmente que se referem ao nosso regimen constitucional ou antes formalismo constitucional.

Quanto ás questões de costumes publicos e normas governativas, o facto primordial, mais importante e que mais feriu a attenção do paiz, foi seguramente a revelação feita ha pouco do famoso caso Reilhac.

Com respeito a este famosissimo caso Reilhac, vae fazer algumas considerações, mas apenas sobre o ponto restricto em que o Governo apresentou a questão, tal como esse facto veio ao conhecimento das duas casas do Parlamento, e procurando ao mesmo tempo ser fiel e preciso, cingindo-se ás proprias palavras do Sr. Presidente do Conselho.

O illustre Chefe do Governo disse ali ter declarado na commissão de fazenda que a questão Reilhac ficaria liquidada em consequencia d'este contrato; pois que entende S. Exa. ser essa a consequencia do facto do Governo Francez ter garantido aos contratadores a cotação das obrigações na Bolsa de Paris.

O Sr. Presidente do Conselho affirmou que não tinha trocado uma só palavra a respeito do caso Reilhac com os contratadores, O Sr. Presidente do Conselho affirmou que a este respeito não havia nenhuma clausula secreta no contrato, não havia convenio de especie alguma directa ou indirectamente. Foi tambem o Sr. Presidente do Conselho que fez a affirmação de ficar liquidada por este contrato a questão Reilhac.

Taes foram as declarações do Presidente do Conselho. Parece-lhe fiel a reproducção; mas, caso o não seja,

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queira S. Exa. rectifical-a e dizer onde elle, orador, errou. (Pausa).

O silencio do Sr. Presidente do Conselho confirma plenamente que a reproducção das suas declarações era exacta, como fiel era tambem a interpretação do seu pensamento.

Sendo assim, bom será que se apreciem os factos e d'elles se tirem as competentes illações, no que elle, orador, empregará a mais rigorosa deducção logica ou se esforçará por conseguil-o.

Desde que o Sr. Presidente do Conselho affirmava que a liquidação do caso Reilhac representa um corollario, uma consequencia natural do facto do Governo Francez ter assegurado a cotação das novas obrigações na bolsa de Paris, é porque tinha a certeza de que aquelle Governo apoiava ou protegia a pretensão do mesmo Reilhac. Ora, partindo d'esta permissa, é licito fazer supposições.

Não quereria elle, orador, entrar no campo das conjecturas, mas desde que o Sr. Presidente do Conselho declarou que não tinha trocado uma unica palavra sobre o caso e que a sua declaração representava apenas uma consequencia, um corollario do seu espirito, era-lhe licito deduzir que essa declaração derivara do conhecimento previo e pessoal que S. Exa. tinha de que o Governo Francez impunha a liquidação Reilhac como condição para a cotação das novas obrigações. De duas, uma. Ou essa liquidação seria final, e o termo liquidação significa - saldo de contas, ultimação de uma questão - ou podia, sem ter esse caracter definitivo, não passar de um pagamento por conta de uma dada quantia, de uma concessão que se fizesse momentaneamente, continuando porem em aberto a solução completa da questão. Elle, orador, não sabe se foi bastante claro na exposição do seu raciocinio, e por isso releve lhe a Camara que repita as suas considerações.

O Sr. Presidente do Conselho partiu do principio que o Governo Francez não concedia a cotação das novas obrigações na Bolsa de Paris, sem haver uma entente com Reilhac, pelo que elle orador, deduziu estar feita essa entente.

E agora pergunta:

Quaes foram os termos d'essa entente?

Trata-se de uma liquidação final ou de um pagamento de occasião?

A entente seria feita no sentido d acabar-se com o maior obstaculo ás nossas operações financeiras na Bois de Paris ou restringir-se hia á simples conversão das obrigações actuaes!

Isto é que o Sr. Presidente do Concelho não disse, pois confessou não haver focado um unica palavra a tal respeito. Faltando portanto os elementos reaes, somos forçados a argumentar só pela força do raciocinio.

Como é que o Sr. Presidente do Conselho podia saber se a questão ficava liquidada soccorrendo-se apenas de consequencias logicas?

Como podia S. Exa. affirmar o facto sem ter outra indicação a mais da que iça exposta á Camara? Não se comprehende.

A Camara vê bem que elle, orador, não entra propriamente na questão diplomatica, nem faz o exame minucioso da melindrosa situação em que o Sr. Presidente do Conselho se collocou. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que faça a tal respeito as suas declarações, porque, desde que a questão foi nesta no Parlamento, elle, orador, em o direito de tirar as illações que d'ella derivam.

Veja agora a Camara as consequencias d'este procedimento em assumpto ao grave e melindroso.

A questão é publica e preoccupa licitamente a opinião; mas a verdade é que se o Governo entendia conveniente que se pagasse a Reilhac, a fim de obtermos a cotação das novas obrigações na Bolsa de Paris...

(Sussurro).

O Orador: - Roga ao Sr. Presidente que peça aos Dignos Pares para prestarem attenção ás suas palavras. O facto d'elle, orador, não ter atrás de si um partido, não lhe tira o direito, que está resolvido a reivindicar, de usar da palavra e reclamar o silencio dos que o escutam, tanto mais que não fala pro domo sua, mas em nome dos altos interesses do paiz. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Pode assegurar ao Digno Par que fará manter o silencio na Camara.

O Orador: - Dizia, pois, que, desde o momento em que o Governo entendia que era preciso pagar a Reilhac o que deveria fazer -e tal seria o procedimento d'elle, orador - era ter a coragem d'essa opinião, sem procurar intermediarios, vindo declarar francamente á Camara o que havia sobre o casa e pedir-lhe a necessaria auctorização para o resolver.

Pois não seria isso preferivel a valer-se de subterfugios?

A Camara deve saber o que já anteriormente se passou com a mesma questão, que só a insensatas medidas deveu o ficar outra vez de pé.

Quem garante que assim não sue cederá agora?

Qual a maneira do Governo saber se a margem de lucros que fica nas mãos dos contratadores para se pagar a Reilhac tem ou não o devido destino?

Pois o Governo imagina que com disposições d'esta ordem os contratadores vão pagar a Reilhac, sem terem previamente alcançado um accrescimo tia margem dos lucros que lhes são garantidos?

Porque é que esse accrescimo não ia de ir para a mão do Governo, permittindo-lhe liquidar directamente com Reilhac?

Que falta de brio, que incoherencia haveria n'isto?

Pois não é melhor, mais decoroso pagar o Governo por uma vez e directamente, do que fazel-o por intermedio de banqueiros, do que fazer apenas pagamentos de occasião, de momento, occultando se com um culpado?

Pois não é um acto de rasgada honradez o pagar-se?! E se porventura qualquer questão de direito se oppõe a esse procedimento, diga abertamente ao paiz que não se tem pago porque não ha esse dever, mas que, em vista de tratar-se de um facto embaraçoso para as nossas operações financeiras na Bolsa de Paris e que se pretende fazer desaparecer de uma vez para sempre, urge pagar.

Então, reduzindo-se tudo a uma mera questão de dinheiro, para que nós não olhamos, nós, que sempre fomos fidalgos, não regateamos e pagar-se-ha; mas a fazel-o que seja de vez, sem deixarmos o dinheiro nas mãos de banqueiros, porque a questão pode mais tarde renascer, continuando sempre a perseguir-nos, e isto por havermos deixado ficar o dinheiro nas mãos de intermediarios. (Apoiados do Digno Par o Sr. Laranjo).

Elle, orador, folga muito com os apoiados do Sr. Laranjo, porque vêem de um homem de bem, consciencioso, de um, espirito culto, de um caracter recto. (Apoiados).

Porque não seguir-se este caminho?

Consulte o Sr. Presidente do Conselho a sua consciencia e declare por que se não procedeu assim, por que é que o Governo não vem dizer claramente á Camara o que pensa e o que tenciona fazer.

Que receia o Governo? Elle, orador, quereria que alguem lhe dissesse quaes as difficuldades que a tal se oppunham.

Não será muito peor qualquer debate parlamentar, sobre o qual podem incidir mil suspeições, que attingem tanta gente ? Não é muito peor collocar a questão no terreno em que está, do que pôl-a n'um campo aberto e franco?

Em 1902, elle orador, pronunciara n'esta Camara um discurso que depois intitulou "Vida nova e vida velha", isto

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a proposito de mu projecto de lei em discussão sobre o sêllo.

Por essa occasião apresentara a synthese em que podiam concatenar-se os vicios da vida velha e a synthese do que deveriam ser os principios da vida nova.

O Digno Par o Sr. Pereira de Miranda affirmara então que elle, orador, havia dito um punhado de verdades, que ha mais tempo deveriam ter sido proferidas, pelo que o applaudia calorosamente.

Registou então esses apoiados pela qualidade da pessoa de que partiam.

Elle, orador, clamava contra o regimen do segredo e da mystificação que dominava na organização de todo o nosso plano financeiro.

Por tal forma se difficultava a discussão das questões financeiras, tão embrulhadas ellas eram que, por exemplo, para discutir o orçamento, seria necessario haver ás mãos uma verdadeira bibliotheca, tantas são as leis a que elle se reporta.

É por isso que os diplomas de caracter financeiro teem, no nosso paiz e por uma justificada ironia, a classificação de malabar ices financeiras e por isso tambem se inventou a celebre palavra orçamentologia, que quer dizer sciencia occulta de todas as contas da nossa administração publica ou das que com ella mais ou menos estreitamente se ligam.

Se agora resuscitou as considerações que fizera em 1902, pedindo a concatenação de toda a lei do sêllo, é porque ellas podem bem applicar-se ao assumpto que tão vivamente interessa e desperta a opinião publica - a liquidação da questão Reillac. A nossa legislação e a nossa contabilidade são cousas de tal maneira confusas que poucos as percebem ou tentam percebel-as.

Passando a tratar mais directamente do contrato dos tabacos, estranha que o Sr. Presidente do Conselho dissesse que tal contrato havia sido discutido em sessões consecutivas do Conselho de Ministros, no qual foram approvadas uma a uma todas as suas clausulas, delegando se mais tarde no Sr. Ministro da Fazenda a redacção definitiva do contrato, cujo texto, só depois de assignado pelo Sr. Espregueira, é que veiu a Conselho de Ministros.

Ora o Governo deve saber perfeitamente que existem, para dificultar a interpretação das leis, a letra d'ellas e o seu espirito, e que é sempre pouco o maximo escrupulo e cuidado na redacção de um documento que contenha ou envolva a solução de um negocio importante, para mais tratando-se de um contrato que de perto se ligue com a vida e situação financeiras de qualquer país.

O Sr. Ministro da Justiça, por exemplo, bem podia dizer aos seus collegas que as palavras de uma lei devem ser pesadas como o ouro.

Se a prudencia e a lógica mandam que assim se proceda, como é que um contrato de tal magnitude só foi apresentado definitivamente a Conselho de Ministros depois de assignado, quando já não havia meio de se lhe introduzir qualquer modificação?

Com tal processo, aonde vae parar a systematização de todos os preceitos legaes?

Então todos os homens que lidam com leis não sabem que a simples modificação de um artigo influe no espirito d'ellas?

Então n'um assumpto d'esta ordem, deixa-se correr livremente a parte technica da lei que o regula?

Bom fôra que o Sr. Presidente do Conselho, homem pratico e jurisconsulto distincto, que assumira papel tão importante nas negociações do contrato, houvesse avocado a si a redacção de um documento de tamanha magnitude, não a delegando no Sr. Espregueira, que nem sequer é homem de leis. E é tal a redacção do contrato, tão cuidada se revela, que logo os primeiros artigos tiveram de soffrer erratas!

Mas ha mais. O Sr. Presidente do Conselho, fazendo opposição ao Ministerio anterior, combateu energicamente pela imprensa - e era esse o meio de combate de que então podia dispor - o contrato dos tabacos, com o fundamento de que era necessario separar as duas operações. Agora o Sr. Ministro da Marinha procurou explicar que o Governo tinha subido ao poder com o proposito de honrar effectivamente as declarações feitas, na opposição, mas que, com pesar seu, vira naufragar todos os esforços e tentativas que para esse fina empregara, sendo obrigado a sacrificar a propria coherencia, para não prejudicar as altas conveniencias publicas, porque reconhecera que da juncção das duas operações resultariam maiores vantagens ao paiz.

Ainda, segundo a explicação do Sr. Ministro da Marinha, podia o Governo ter realizado o contrato com a separa cão das duas operações, e assim ser co-herente com as affirmações feitas, mas sacrificava os interesses do paiz e, entre uma cousa e outra, preferira collocar-se no mau terreno de faltar á sua coherencia.

Elle, orador, crê haver sido esta a argumentação seguida pelo nobre Ministro da Marinha na sua explicação.

S. Exa. sabe quanta consideração lhe merece o seu caracter e quanto elle, orador, venera o seu talento. Não é de agora que se honra com as relações de S. Exa.; tem já tido occasião de dar publico testemunho do seu apreço pelo Sr. Dr. Moreira Junior; por isso, não serão suspeitas as palavras que vae dizer.

A logica dos acontecimentos não é a que S. Exa. apresentou.

Se o partido progressista subiu ao poder com o proposito de realizar o contrato dos tabacos, obtendo a separação das duas operações, ou podia realizal-o n'essas condições e sem sacrificio dos interesses do paiz, e então ficava, ou não podia, e, n'esse caso, abandonava o poder. Continuar n'elle, mas contradizendo-se, sendo incoherente comsigo proprio, era prejudicar o prestigio do poder.

Creia a Camara que um dos males de que enfermam os nossos costumes politicos é a contradicção flagrante e constante como norma de procedimento, entre as promessas na opposição e as obras no Governo. Na opposição, promette-se moralidade, economia, boa administração, tudo; no Governo desmentem-se, pela forma mais accentuada e revoltante, todas as promessas feitas.

Esta contradicção, esta incoherencia permanente entre o procedimento na opposição e o procedimento no Governo, ou significa uma anciã cega de conquistar o mando, ou então falta de civismo em não saber sacrificar o exercicio d'esse poder á confirmação das convicções e á coherencia dos principies.

Elle, orador, garante á Camara que se houvera estado no logar do Sr. José Luciano de Castro, depois de ter tão formalmente affirmado principios sobre pontos concretos da questão dos tabacos, ao chegar ao Governo teria verificado se, sem sacrificio para o paiz, poderia pôr em pratica os principios a que se tinha obrigado na opposição; e, se o não pudesse conseguir, dirigir-se-hia a El-Rei e dir-lhe-hia: - Senhor, eu não posso cumprir as promessas a que formalmente me obriguei perante o paiz, n'este assumpto grave e importante. Vejo que o Ministerio que me antecedeu procedeu como devia; elle que venha realizar o contrato, porque eu deponho nas mãos de Vossa Majestade a minha demissão e vou apoiar a conjuncção das duas operações, mostrando que o verdadeiro interesse do paiz a reclama. O que não posso é ser incoherente, é abdicar dos meus compromissos, é desmentir as minhas convicções."

Assim é que o Sr. Presidente do Conselho devia ter procedido.

O que não teria S. Exa. subido no conceito publico, na estima e consideração de todos, dando este nobilissimo exemplo de dedicação e sacrificando o poder, a majestade da sua propria consciencia, das suas proprias convicções, ao superior interesse do paiz !

Elle, orador, bem sabe que vão dizer que vive na Lua, que isto são pensa

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mentos theoricos, proprios do seu espirito, que anda afastado das cousas terrenas e não as vê como ellas são; que quem está no poder tem a obrigação de aguentar-se n'elle. Estas é que são as normas, a lei de defesa, o poder pelo poder!

Pois continuem a proceder assim; elle, orador, é que não vae n'esse caminho, embora seja na Camara a vox clamantis in deserto, inteiramente isolada.

E isso que lhe importa? Ficará bem comsigo proprio e continuará na mesma linha de conducta, certo de que se um dia, que não sabe se chegará, que não espera, que não solicita, que mesmo propositadamente afasta, tivesse de assumir o encargo do poder saberia mostrar como a coherencia se mantem, e teria a abnegação bastante de saber retroceder depois de haver avançado.

É que ninguem é insubstituivel, e mal vae ao homem suppondo-se insubstituivel em qualquer circumstancia politica.

Outro grupo de questões que naturalmente surgiram do debate-e note a Camara que elle, orador, não tratará de um assumpto que não esteja logicamente relacionado com o debate parlamentar, porque nada trouxe de sua casa, nada inventou nem conjecturou, limitando-se a frisar os factos apresentados a debate e a exercer sobre elles o seu legitimo direito de apreciação - o outro grupo de questões diz respeito aos costumes politicos e ás formulas dos partidos.

O que não quer, porém, é deixar de manter a linha da mais estricta neutralidade ante o duello politico travado entre o Sr. José Luciano de Castro e o Sr. Alpoim. Não pugna nem pelo Sr. José Luciano nem pelo Sr. Alpoim. É questão em que não quer intervir, por dever proprio; mas, ainda que o quizesse fazer, melindraria por certo aquelle em favor de quem quizesse pronunciar se, visto cada um dos contendores ter recursos proprios para defender-se nessa questão pessoal, que está fora da observação d'elle, orador.

Mas o que é certo, o que representa um facto, e triste facto! é a Camara ter ouvido o Sr. Presidente do Conselho, referindo-se ao Sr. Alpoim, alludir á circumstancia de o ter feito Grã-Cruz, Par do Reino e duas vezes Ministro.

Nenhuma nota irritante quer pôr no debate, e a Camara ha de ver o melindre com que elle, orador, se refere a este caso, mas o que não pode é deixar de applicar a sua critica a um facto do qual dimana o corollario de que as honras concedidas aos que militam num partido se resumem em actos de favor do chefe, que obriga pela gratidão e obriga pela disciplina. Que noção de gratidão!

Que noção de favor!

Que noção de disciplina!

Que noção de criterio para a escolha dos Ministros!

Então os Ministros são feitos pelo simples favor do chefe do Governo?!

Não preside á sua escolha nem a austeridade moral, nem a sua competencia, nem as provas dadas em publico, perante o país, nem os serviços prestados ao partido, que os eleva, mas unicamente a vontade desdenhosa de um chefe?!

Se um partidario é feito Ministro ou promovido em qualquer posto de honra, é porque o merece como homem publico.

E se antecipadamente tinha ganho a nobilitação que lhe foi dada, onde está o favor?

Mas o Sr. Presidente do Conselho apresentou, em these, um principio diverso.

O chefe, como senhor omnipotente e supremo, concede as graças a que o partidario se vê obrigado pela gratidão, pela subserviencia e pela disciplina.

É esta a noção do laço moral que entre si deve unir os homens nas agremiações politicas, verdadeira formula de um poder autocrata, absoluto, que dispõe das vidas e da fazenda, de tudo e de todos!

Atravessamos, pois, um verdadeiro periodo de servidão politica, vinculado pela reminiscencia dos patronos e dos clientes da velha Roma!

E depois de haver alludido aos pretendidos favores feitos a um correligionario, o Sr. Presidente do Conselho exclamava ainda, com referencia ao Sr. Alpoim:

"Eu fiz-lhe tudo isto, só não pude fazel-o meu amigo!"

Em materia de amizades, lembrará a S. Exa. o que a elle, orador, tem acontecido de mais curioso.

Durante a vida academica, que tantas saudades deixa, manteve sempre com os seus collegas a mais franca amizade; pois quando saiu de Coimbra e trocou as luctas e discussões do club academico pela vida publica, os seus mais dilectos amigos de então eram agora seus acerrimos adversarios politicos.

Ao pé d'elle, orador, senta-se hoje um cavalheiro que nas suas relações particulares preza como se fôra a um irmão, mas que politicamente é o seu mais intransigente adversario, como de resto o foi sempre.

É certamente muito agradavel accumular a amizade pessoal com a amizade politica.

Quando elle, orador, entrou na vida publica, ha vinte e dois annos, e começou pouco depois, ha dezanove annos, a terçar as suas primeiras armas no Parlamento, os vultos mais importantes do partido regenerador, em que teve a honra de militar e a que dedicou o melhor do seu tempo, reuniam-se todas as noites nas salas da Gazeta de Portugal, que era então o orgão do partido, e ali, Pares e Deputados accordavam com o seu chefe na attitude a assumir perante as Camaras, no dia seguinte. Alguns dos Dignos Pares que o estão ouvindo admirar-se-hão talvez de que isto se tivesse feito, já tão esquecidos vamos d'estas normas de que os Governos agora quasi não fazem uso. Cada um que se governe, porém, conforme entenda.

Mas não seria mau que taes normas se seguissem, pois vêem de um tempo em que a evolução dos partidos tendia, innegavelmente, para a maxima espansão da liberdade, dentro, é claro, dos mais justos limites de compatibilidade com a auctoridade dos chefes.

É que o progresso é a ordem e o progresso sem ordem, a anarchia.

O progresso dentro da ordem, a maxima somma de liberdades dentro do respeito devido ao chefe, taes são os principios salutares por que os partidos devem reger-se.

Sem elles, nunca deixarão de concentrar-se numa estreiteza feroz.

Elle, orador, não quer dar conselhos, nem tem auctoridade para isso; mas desejaria sinceramente que os chefes dos actuaes partidos, cujas qualidades pessoaes admira, seguissem essa orientação, de modo que as agremiações politicas, em vez de constituirem oligarchias apenas sujeitas á vontade de um homem, fossem livres na sua iniciativa, e de tal sorte, que da peripheria d'esse partidos fossem convergindo para o centro as grandes e generosas ideias que devem inspirar a vida de taes collectividades e que hoje exclusivamente dimanam do chefe que as dirige.

Proclama estes principios com toda a convicção e a prova é que os está pondo em pratica no agrupamento partidario a que pertence.

É um erro suppor-se que na phase evolutiva que vamos atravessando, não só em Portugal como em toda a Europa, a lei reguladora dos corpos sociaes não seja a da differenciação, mas sim a da integração.

A differenciação constitue a lei proficua, a lei já seguida em muitos países da Europa.

De começo empirica, tem na actualidade foros de verdadeira lei scientifica, e, quer queiram, quer não, ha de por fim generalizar-se e prevalecer, porque deriva de principios superiores á vontade dos homens.

Elle, orador, não fará a demonstração d'estes principios e assertos, mas não pode deixar de chamar para elles

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a attenção da camara e dos homens de governo.

E, ao terminar com esta ordem de ideias, fará apenas sentir que a lei evolutiva da desintegração, applicavel a todo o organismo social, não é mais do que a reproducção da lei physiologica da divisão do trabalho, base do aperfeiçoamento organico, sempre reveladora da maior regularidade funccional e sempre estreitamente ligada á harmonia e á ordem.

Querer sujeitar um partido á vontade exclusiva de um homem, não pode ser, repugna á dignidade humana, e ao principio de liberdade.

Ora no nosso paiz a preponderancia, a supremacia da corrente centrifuga sabre a corrente centripeta é, na organização e evolução dos partidos, um facto indiscutivel.

Vae agora referir-se a um terceiro grupo de questões, suscitadas pelo actual debate e que poderá englobar-se sob a designação de formalismos constitucionaes.

Todas as vezes que n'esta Camara ou na Camara dos Senhores Deputados qualquer orador se refere ao Augusto Chefe do Estado, acode logo pressuroso o nobre Presidente do Conselho, a dizer: "Alto lá! Não falem de El-Rei; não toquem na pessoa de El-Rei; El-Rei paira em regiões tão superiores, tão altas, que a ellas não são accessiveis as nossas discussões parlamentares".

Elle, orador, respeita muito a pessoa de El-Rei; não aprecia, nem discute os seus actos.

Mas ao que tem incontestavel direito é a dirigir-se-lhe, porque, na sua qualidade de representante da Nação, está no pleno gozo d'esse privilegio.

E, como representante da Nação, tem o dever de, em nome d'ella, falar a El-Rei.

Pois por que processo ha de a Nação, dirigir-se ao Chefe do Estado?

É preciso que na rua as multidões lhe falem?

Os representantes da Nação, dirigindo a sua voz calma, cheia de justiça e de verdade ao alto poder do Estado, estão dentro das garantias da Constituição que nos rege, estão no pleno uso dos seus direitos, das regalias que lhes são licitas, que elle, orador, reivindica e que ha de exercer sempre com respeito, com acatamento, mas tambem com isenção, porque a isenção não exclue o respeito.

Bem sabe que o Governo tem a responsabilidade effectiva dos actos do poder moderador; mas a que vêem este panico, este receio, como se se commettesse um attentado nacional, quando exactamente a doutrina legal é esta?

Mas elle, orador, que se dirige á Corôa somente para trazer perante Ella as queixas dos erros governativos, solicitando as providencias que os interesses da Nação reclamam, está com o direito, e quem está com o direito está com a força e com a justiça, e quando se tem a força e a justiça não se recua.

A Carta Constitucional estabelece num dos seus artigos, não se lembra ao certo qual, o que tambem não importa, que a mais efficaz garantia das liberdades publicas deriva precisamente da independencia funccional dos differentes poderes do Estado.

Mal vae, portanto, a quem exorbita dentro da sua propria esphera de acção e vae invadir as prerogativas dos outros.

O poder legislativo é o representante directo da soberania popular; é mister, portanto, que os Governos, que todos os poderes do Estado saibam que quando se defrontam comnosco, com os que fazemos parte das assembleias legislativas, não o fazem perante um grupo de homens, mas perante a Na cão inteira, que está aqui, legal e legitimamente representada.

O principio da divisão dos poderes não é um principio theorico estabelecido e consignado na Carta, mas um principio pratico e effectivo, em virtude do qual cada um d'esses poderes se sente forte, á vontade, seguro de si mesmo, e não, a cada passo, ameaçado de que o possam tolher no desempenho das suas funcções.

Que importa que venham as reformas politicas?

Se vierem, será para aqui as discutirmos e votarmos. O Governo não ou saria fazer dictadura em tal assumpto nem seriamos nós que votássemos a nossa exclusão do Parlamento ou depuzessemos as nossas cartas regias nas mãos do Governo.

Mas por que havia de vir á discussão parlamentar uma lei que tendesse a exauctorar este corpo legislativo? Simplesmente porque surgem aqui luctas apaixonadas em consequencia da fiscalização exercida sobre os actos ministeriaes? Elle, orador, prefere estas luctas, estes embates, e folgou de ouvir o Sr. Ministro do Reino quando S. Exa. se referiu a este ponto.

Isto é que é a vida constitucional. São precisas estas luctas, que se assemelham ás tempestades no mar. Quando as ondas do oceano estão encapelladas, respirar-se um ar puro, vivido, perfumado de fragrancias acres; mas junto das superficies calmas e tranquillas dos lagos, em que as aguas estagnam e se putrefazem, desenvolvem-se miasmas que corrompem, que viciam, que gangrenam e matam. (Vozes: - Muito bem). É por isso que elle, orador, quer estas tempestades. Deseja-as e sente-se bem n'ellas, porque se sente bem com a sua propria consciencia, que lhe proclama que trabalhe para beneficio do seu paiz, e n'essa ordem de ideias o impulsiona.

(Vozes: - Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro: - Pedira hontem a palavra quando o Digno Par Sr. Dantas Baracho se referira ao procedimento dos magistrados judiciaes e do Ministerio Publico. O que a esse respeito já hoje dissera o Sr. Ministro do Reino dispensal-o-hia a elle, orador, de outras considerações. A sua situação, todavia, e a injustiça que, no seu entender, eiva as apreciações do Digno Par, levam no a referir-se ainda a esse assumpto para patentear a sua discordancia com S. Exa.

Os magistrados portuguezes teem sempre sabido cumprir o seu dever, teem procedido sempre com uma rectidão e uma imparcialidade que tornaram essas qualidades tradicionaes na nossa magistratura.

Podem ter errado algumas vezes. Não ha ninguem perfeito. Podem por vezes alguns d'elles ter saido da esphera do direito em que se deviam manter; mas contra os erros das suas apreciações judiciaes, contra as faltas que porventura commetterem, ha remedios e recursos nas leis.

Crê que as palavras do Digno Par Sr. Baracho se referem a um ponto concreto, com o qual S. Exa. não concorda, no pleno uso do seu direito.

Suppõe que as palavras do Digno Par envolvem uma apreciação geral porquanto a magistratura portugueza já ouviu da boca de S. Exa. palavras de benevolencia, a proposito do mesmo assumpto agora ventilado.

Não quer examinar o caso particular que serviu de thema ás apreciações syntheticas de S. Exa., nem sabe mesmo qual seja, porque nos seus apontamentos não encontra nota da decisão tomada, nem mesmo crê facil tel-a; mas como na sua qualidade de advogado frequenta os tribunaes e conhece mais ou menos as leis do seu paiz e as decisões dos tribunaes, pode dizer que nenhuma tem encontrado que mereça censuras identicas ás do Digno Par.

Quando porém tal succedesse, o recurso seria o meio suficiente e proprio para sanar defeitos.

É preciso attender-se a que ha fundamentos mais ou menos desenvolvidos.

É fundamento indicar um crime, e apontar a lei que o pune, mas isto dentro de certos limites, pois chegaria a ser censuravel dar-lhe tal desenvolvimento que na sentença se exarasse o

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170 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

artigo incriminado, de sorte que no dia seguinte os jornaes o publicassem com toda a ingenuidade.

E o facto não é novo entre nós.

A prudencia dos magistrados não os levará a insistir n'um procedimento que na pratica tenha evidenciado consequencias perigosas.

Quem, incriminando um facto, marca o artigo da lei :em que o mesmo facto está comprehendido, fornece um despacho nos termos em que, no seu entender, uma sentença pode ser fundamentada. (Apoiados).

Já que o acaso da discussão o chamou a este campo, deve dizer qual a acção do Governo em materia de liberdade de imprensa.

Nenhumas, absolutamente nenhumas instrucções elle, orador, havia dado aos delegados do Ministerio Publico para que, nos tribunaes, se procedesse de maneira especial acêrca da imprensa; e, emquanto for Ministro da Justiça, ha de exigir o cumprimento exacto da lei.

As instrucções que o Governo tem dado são exclusivamente as que apontou á Camara e essas hão de ser cumpridas.

O que pode dizer é que as decisões proferidas confirmam algumas apprehensões e não confirmam outras.

Isto é a prova indiscutivel da absoluta imparcialidade que, no assumpto, tem mantido a magistratura portuguesa. (Apoiados).

Elle, orador, tem á mão, e escusava de ter, porque, as suas palavras são acreditaveis e nem tinha necessidade de occultar a verdade, documentos que, para o caso, podem ser requisitados e que comprehendem sentenças de absolvição e de condemnação, o que quer dizer que os magistrados não confirmam as apprehensões quando entendem que ellas são injustas.

O seu desejo é que todos sejam imparciaes.

Diz-se que o Governo tem commettido abusos e perseguições mas veja-se a lista dos processos sujeitos ao Ministerio Publico. Ao lado d'essa lista ponhamos outra, a lista dos artigos dos jornaes.

Elle, orador, pergunta então ao Digno Par e á Camara se a imprensa portugueza, nos ultimos mezes, se tem portado de maneira que não justifique um procedimento judicial contra ella? E qual foi o procedimento do Governo?

Nem uma apprehensão de jornaes.

Comparem-se os dois procedimentos.

E em relação a este ponto não quer alongar-se em considerações, mas o que não podia era ter-se conservado calado perante a censura que o Digno Par o Sr. Dantas Baracho entendeu dever dirigir á magistratura portugueza.

E em relação ao procedimento politico do Governo, o Sr. Ministro do Reino já hoje deu á camara todas as explicações, que entendeu dever dar acêrca dos reparos levantados pelo Digno Par o Sr. Baracho; unicamente accrescentará que, para justificação do procedimento do Governo e dos seus intuitos liberaes, basta comparar a portaria do 4 de Dezembro, publicada a este respeita, com o que estava estabelecido pelo Codigo Administrativo.

Ha, todavia, um facto que elle, orador, não comprehende: e vem a ser a maneira de executar-se uma lei preventiva, começando por deixar praticar o delicto que ella procura impedir!

Já que está no uso da palavra, não quer excusar-se tambem á honra de responder ao Digno Par o Sr. Jacinto Candido, honra que lhe dá bastante prazer.

S. Exa. no seu longo discurso, que elle, orador, analysará ligeiramente, porque não quer fatigar a attenção da Camara e mesmo porque não tem a honra de ser Par do Reino, usando apenas da palavra para dar explicações por parte do Governo, começou por dizer que a crise de que se tratava era uma crise parlamentar, uma crise de Governo.

O Digno Par concordou com a saida do Sr. Alpoim, achava que, politicamente, essa saida estava na lógica dos factos. A isto não responde, porque a opinião do Digno Par não envolvia censura aos actos do Governo.

Em seguida, o Digno Par affirmou que a questão dos tabacos era gravissima e que á gravidade d'essa questão accrescia a gravidade da urgencia de tempo para liquidai-a e, na occasião em que S. Exa. proferia essas palavras, a elle, orador, saiu-lhe dos labios um apoiado.

Arrependeu-se depois de tal haver feito, porque de mais a mais, não sendo membro d'esta Camara, ia fortalecer uma opinião com que concordava, e cujo valimento unicamente podia deprehender-se da qualidade da pessoa que a expendera.

Elle, orador, tem assistido ás ultimas discussões politicas no Parlamento, mas confessa que odeia taes discussões e talvez por inveja, por isso que não é orador, nem sabe fazer discursas politicos.

E emquanto assistia as sessões d'esta e da- outra Camara, sentia-se naturalmente preso com a palavra dos oradores; mas, ao pensar nos negocios do Estado, dizia:

"Que bello tempo se está a perder!"

Pensou sempre que o contrato dos tabacos era uma questão gravissima, que devia ser de um grande alcance para as finanças portuguezas; d'ahi o estranhar que os dias se fossem passando, uns após outros, depois da segunda abertura do Parlamento e que o contraio ainda não tivesse vindo á discussão.

O Sr. Jacinto Candido: - Não tinha S. Exa. pensado, nos tres mezes de adiamento, n'essa perda de tempo de que o Governo foi a causa?

O Orador: - Mas que culpa teve o Governo d'esse facto?

ozes: - Toda.

O Orador: - Os actos que determinaram o adiamento provieram acaso do Governo?!

Não. Deram-se occorrencias que tornaram necessarios o adiamento e esse acto representa a medida mais branda de que o Governo podia lançar mão.

Se tanto se tem estranhado o adiamento é porque não estavamos acostumados a ver questões d'estas resolvidas com tamanha cordura.

O Digno Par Sr. Jacinto Candido affirmou ainda que o adiamento fôra esteril.

Ora, no entender d'elle, orador, nunca houve maior razão para um adiamento ou então desconhece as noções mais elementares de direito publico.

Para que são os adiamentos?

Quando surgem questões sobre as quaes se suppõe que a acção do tempo pode ser benéfica, de que outra medida lançar mão senão do adiamento? Suppõe que nada justifica mais esse acto do que uma divergencia de opiniões politicas.

Foi esteril o adiamento?!

Mas o Governo, na primeira sessão posterior ao adiamento, apresentou, por intermedio do Sr. Ministro da Fazenda, o resultado dos trabalhos a que se tinha dedicado durante esses tres mezes. O Governo, a proposito do contrato dos tabacos, mostrou-se de uma condescendencia inexcedivel, e negociou-o com a ponderação que taes operações requerem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a observar ao Sr. Ministro da Justiça que a hora regimental para o encerramento das sessões terminou n'aquelle momento.

Se S. Exa. quer ficará com a palavra reservada.

O Orador: - Como tenha ainda a fazer algumas considerações pede ao Sr. Presidente que lhe reserve a palavra para a sessão seguinte.

(S. Exa não reviu).

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é amanha.

A primeira parte da ordem do dia

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é destinada á eleição de dois vogaes para a Junta do Credito Publico, e a segunda parte a continuação da que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 29 de agosto de 1905

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Calcedonia; Condes: do Bomfim, de Castello Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Villa Real, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Athouguia, de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Dr. Antonio de Lencastre, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto, Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Côrtez, João Arrojo, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado,
Correia de Barros, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Affonso Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Pedro Victor, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores.

JOSÉ FRANCISCO GRILLO.

(De pag. 159, a pag. 165, col. 3.ª)

ALBEETO PIMENTEL, FILHO.

(De pag. 165, col. 3.ª, a pag, 171, col. l.ª)

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