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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Orientou sempre a sua vida pelo desejo, como cidadão, de não ser nocivo a ninguem e de poder cumprir honestamente o seu dever. (Apoiados).

Que não tem sido nocivo a ninguem, prova o o não se ter ninguem ainda julgado affrontado, pondo-se defronte d'elle, orador, discutindo direitos feridos. Nunca, pelo seu procedimento, foi accusado de prejudicar fosse quem fosse. Não merece, por isso, censura alguma. A esse ponto tem limitado as aspirações da sua vida.

Significa, porem, um tal procedimento que tenha tido uma existencia tranquilla e não eivada de difficuldades?

Não. Na luta pela vida tem sido assaltado pela calumnia, não por invejas, que a sua posição não permitte, mas por outras circunstancias.

Entretanto, graças á Divina Providencia, foi educado naquelle espirito philosophico que ensina que a maior força para destruir a calumnia é o desprezo, confrontando-se com a propria consciencia!

Em taes condições, pedindo ao Governo uma serie de providencias ou medidas, foi unicamente inspirado por um sentimento de patriotismo e amor, que lhe dá direito a ser respeitado. E, se depois de assim falar, a morte o surprehender, não lhe dando tempo a fazer testamento, roga simplesmente que no seu tumulo seja posta esta singela frase de Abéllard: "Logica me perdidit", o que os passageiros poderão traduzir assim: "Coitado, foi a tolice que o matou!".

Vozes: - Muito bem, muito bem..

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para falar sobre o projecto os Dignos Pares Alpoim, e Condes de Arnoso e Bomfim.

Peço a V. Exas. que declarem se falam a favor ou contra.

O Sr. José de Alpoim: - Se eu disser que falo contra, V. Exa. dá-me a palavra immediatamente?

O Sr. Presidente: - Como não está presente o Digno Par Sr. Conde de Arnoso, pergunto ao Digno Par Conde de Bomfim se é contra ou a favor.

O Sr. Conde de Bomfim: - A favor.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Digno Par Alpoim.

O Sr. José de Alpoim: - "Falar para quê?. . . Lutar, de que serve?. . .

Os fados hão de cumprir-se!.. . Vêem-se no ceu sinaes que não falham!.. . Nas pessoas, como nas collectividades, passa ás vezes um vento de loucura, que é presago de morte . . . Para quê?... Se os homens quererá, e as Instituições querem tambem, porque despertar aquelles que tacteiam com o pé a beiça do abysmo, como somnam bulos, de olhos abertos e fixos que se obstinam em não ver?"

Foram estas as palavras com que abri o meu discurso, vae já passado mais de um anno, na resposta ao Discurso da Coroa.

"Nas pessoas, como nas collectividades, passa ás vezes um vento de loucura, que é presago de morte". Só lhe não sentia as lugubres rajadas quem tinha os ouvidos cerrados! A morte veio: as Instituições não resvalaram á sepultura sobre que se debruçavam, mas nella desappareceram para sempre, numa funesta tragedia de sangue, filhos da nossa terra.

Os meus agouros realizaram-se, porque a historia me dizia, e o espectaculo do país me ensinava, que um povo livre não podia governar-se pela maneira como já então se desenhava a acção politica da Coroa e dos seus Ministros.

Não se chegara ainda áquella febre intensa de desvario e paixão, áquella loucura de força e de arbitrio que passou sobre o país como um pesadelo tragico e mau.

Mas nesta Camara já haviam occorrido factos que faziam prever, pela sua violencia, os sinistros attentados politicos da ditadura. A semente estava lançada á terra. Progressistas e regeneradores liberaes, conchavados em nome da lei e da liberdade, já a haviam falseado.

A dissolução arbitraria das Côrtes, a recusa de inqueritos parlamentares, a defesa dos crimes policiaes de 4 de maio, a falsificação eleitoral dos desdobramentos, o acto desassisado da publicação das Cartas Régias e a recusa em deixá-las discutir, o palacianismo.. tão opposto á doutrina do glorioso e grande liberal que foi Gladstone, de que não devem permittir se em Côrtes questões parlamentares sobre a maneira como os Soberanos cumprem os seus deveres publicos, o caso estranho dos adeantamentos illegaes feitos á Casa Real, denunciados pelo Governo, que se recusou a trazer ao Parlamento as provas da sua denuncia, tudo isso soava já como um pregão de desgraça e como um dobre de finados.

Nos actos do Governo de então, gerado da concentração liberal, nascido da alliança esponsalicia de progressistas e regeneradores liberaes, já se achavam em germen os ataques á Constituição, os aggravos ao Thesouro Publico, a suppressão das garantias individuaes, essa ditadura violenta que teria como suprema coroa o decreto de 31 de janeiro mais cruel que a famosa lei de 22 de Prairiai, que foi o formidavel instrumento do Terror.

Por esta lei, um tribunal odioso, mas legalmente constituido, julgava, sem advogados, sem testemunhas; mas era um tribunal, votado e criado por uma assembleia legislativa.

Aqui, ao Governo, arvorado por si proprio em tribunal, a sete homens que a elles mesmos se attribuiram funcções judiciaes, com desrespeito de todas as leis de justiça humana, com offensa de todos os principios de organização social e politica, eram outorgadas faculdades de dispor da liberdade, da honra, da vida dos cidadãos, que podiam ser atirados até á morte em longinquos e mortiferos climas, ou arremessados para uma existencia de miseria e de desterro em países estrangeiros.

Eis a obra final da ditadura, o ukase sinistro que parece elaborado nessa Russia autocratica e feroz, onde a politica é mais feia do que as congeladas aguas do Neva, mais cruel dós que as alcateias de lobos a uivar nos steppes nevados da Siberia - a terra do frio, da dor e da morte! Tudo isso já se desenrolava no horizonte.

"Nas pessoas, como nas collectividades, passa ás vezes um vento de loucura, que é presago de morte".

E é por isso que aqui em pleno Parlamento, perante o retrato do Rei, á face do país inteiro, eu soltei estes gritos de sinistra profecia e disse ao Chefe do Estado o que sentia e pensava, respondendo a El-Rei com áquella verdade e sinceridade que deve animar os membros de um poder do Estado, falando a outro poder do Estado.

Disse-o d'aqui, d'este mesmo logar, "... d'esta casa que é do povo e não salão do Paço, no meu modesto vestuario plebeu, que não é farda de cortesão, com o desassombro de membro do poder legislativo, que é um poder do Estado, como o moderador".

Não me arrependo, não!

Os tempos justificaram os meus conselhos, que irrompiam de um coração sincero e liberal, cada vez mais convencido de que só no respeito fanatico da lei, que é superior ao Throno, só no culto apaixonado da democracia, que hoje é a suprema dominadora dos povos, a Monarchia portuguesa pode encontrar a força e a robustez, que já não basta a dar-lhe o prestigio da tradição.

E essa mesma intemerata paixão democratica, esse sincero amor da verdade, que não atraiçoarei nunca, é que hoje me põe nos labios palavras de applauso e de fé, confiando plenamente nas palavras do novo Rei: buscarei ins-