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SESSÃO N.° 14 DE 3 DE JUNHO DE 1908 7

pirar-me no exemplo dos imperantes que são, para gloria da monarchia e bem das nações, lição viva na arte de reinar: e reinarei, protesto-o, como manda a lei.

A essas palavras respondeu a Camara que o Rei de Portugal justificará no decurso do seu reinado as esperanças que os iniciou d'elle teem despertado, e reinará sempre - consoante solemnem ente protestou - como manda a lei.

Sim! tem esta nobre Camara razão: grandes e douradas esperanças!

Não serei eu que traga agora, aqui, as palavras de esquerdos agouros, de tristeza melancholica, que soaram na minha voz, a ultima vez que aqui falou um Rei de Portugal.

Hoje, agora, essas palavras são de confiança e de fé.

Ha ainda no ar nuvens escuras: mas avistam-se largas clareiras de luz.

Na terra, conhecem-se os sinaes da tormenta, mas a tempestade, se traz comsigo o graniso e o raio, tambem entorna sobre a terra a chuva vivificante e criadora.

Respira-se! Sente-se que acabou um regimen.

Não é só um reinado novo que se inicia: floresce uma Dynastia nova.

E é preciso que assim seja, para o inteiro esquecimento do passado, e para uma reconciliação sincera entre a nação, que é a democracia portuguesa, e o Rei, que deve ser o primeiro, campeão da democracia e liberdade.

Tudo faz prever que outros tempos vieram!

O novo Rei tem por si - e é uma grande qualidade nos homens publicos, e o Rei é o primeiro homem publico do seu país - esse conjunto de condições que produzem a grande força de sympathia popular.

O seu nome evoca o mais glorioso passado da nossa historia. Dá-se, nelle, a coincidencia de haver sido chamado ao Throno por uma morte como o foi o Principe Venturoso.

Não lhe cabem responsabilidades do passado.

E, mais que tudo, nos seus actos de reinar, transparece uma tão profunda vontade de acertar, um tão sincero desejo de ser um Rei liberal e bom, que a Nação, cansada dos longos annos de uma politica sem norte e sem lei, precisa até de repousar na fé de que essa criança não será perdida, nem por maus Ministros nem por maus conselheiros, e comprehenderá o seu officio de reinar - officio que obriga todos os portugueses ao respeito e ao amor, se é 'exercido com a liberdade e com a lei, officio que os solta de todo o juramento e desprende de todo o affecto, que tem como justa e honrada represalia o direito de resistencia, levada ás derradeiras consequencias, se o Soberano atraiçoa a lei e converte uma monarchia livre em regimen de arbitrio e de força.

Não esqueço, não, o dia em que o Rei veio ao Parlamento, no luzimento de pompas e galas, que são compativeis com a ideia democratica.

Não ha país mais liberal que o da Inglaterra, e conserva as velhas pompas como uma tradição: e a tradição é, na alma popular, uma força poderosa.

Na Inglaterra, que um grande republicano, Ministro da França, Hanotaux, diz ser o país onde, por uma sabia evolução, mais se têm realizado a doutrina da grande e sagrada revolução, ainda hoje, no dia da coroação dos seus Monarchas, um cavalleiro vestido de uma armadura antiga, atira o guante de ferro ao meio da multidão, reptando aquelle que queira disputar o Throno ao Rei que vae ser coroado.

O novo Rei veio aqui com o luzimento das velhas monarchias, com a sua Côrte. Quem não ficou, porem, com a impressão, nitida e profunda, de que na sua alma havia o ardente anceio de governar com a lei, que é superior aos Reis, com a liberdade, que é a condição da vida dos Povos e dos Principes? As palavras do seu discurso, o carinho com que accentuou, e sublinhou com a voz algumas affirmações legalistas e liberaes, causaram profunda impressão. Mas não foram essas palavras, a commovida vibração da voz, que feriram a ternura da nossa alma peninsular.

Foi que atrás d'essas palavras havia alguma cousa! Havia a libertação de presos atirados por odio politico para a sombra dos ergástulos; havia o regresso ao país dos foragidos que ameaçava o arbitrio e o rancor; havia a restauração do direito de reunião e de imprensa; havia o resurgimento das garantias individuaes; havia uma amnistia que é um acto de generosidade e de clemencia; havia, pela carta de 5 de fevereiro, o desinteressado repudio de dinheiros illegalmente arrancados aos cofres do Estado ; havia, emfim, um sepultar do antigo regimen e um alvorecer de vida nova.

Quem pode duvidá-lo? A justiça deve-se aos humildes como aos poderosos, aos Principes como aos Povos. Os meses do reinado do actual Soberano são uma radiosa esperança. E ao Governo eu não recuso o meu fervoroso applauso pela obra de reparação e de justiça, de que é, legalmente, o responsavel!

Ah! Como seria admiravel que essa obra pudesse ter sido mais larga e mais profunda! Se os dissidentes tivessem o poder, não se contentariam com o que se fez. Iriam mais longe. Dariam immediatamente a amnistia á imprensa, a amnistia aos marinheiros, a amnistia

para todos os crimes politicos, praticados até 31 de janeiro, fossem de natureza civil ou militar.

A amnistia não abrangeu os crimes militares. Porquê? Em nome da disciplina? São elles de uma feição tão revoltante que não merecessem a indulgencia? Mas, com dor. pergunta-se, pode comparar-se com esses crimes o attentado, sem nome, de um Governo rasgar a Constituição, manchar a Coroa, esmagar os direitos individuaes, roubar as garantias populares, e querer, para esta obra, associar a si o exercito, que deve ser o supremo defensor da ordem, da lei e da liberdade, o exercito, que é a mais bella e gloriosa instituição nacional, porque é o proprio prolongamento da nação? Pois a amnistia abrangeu os Ministros que commetteram taes attentados: e não a ha para militares do exercito português !

Não teriam os dissidentes annullado somente alguns decretos ditatoriaes:
tê-los-hiam annullado todos, com excepção d'aquelles que já representassem um facto consummado, ou implicassem perturbações difficeis de sanar.

Fariam o contrario do que praticou o Governo; a regra geral seria a annullação de todos os decretos: a excepção seria a conservação, para o Parlamento os estudar e analysar, d'aquelles que não pudessem logo ser suspensos. Mas podia fazê-lo o Governo, tão larga e audazmente enfeudado ás imposições e conselhos dos dois partidos que lhe dominam a acção, que o prendem e paralysam?

Não serei eu quem venha discutir a organização do actual Gabinete, até porque ignoro como foi o processo da sua gestação. Estava em Salamanca, quando os jornaes eppanhoes noticiaram que se constituiria um Gabinete para succeder ao Sr. João Franco, com representação de todos os agrupamentos monarchicos, excluido o que fôra precipitado do poder, no intuito de acalmar os espiritos e de se iniciar uma politica ampla e generosa, rasgadamente liberal, extinguindo se resentimentos perante as desgraças publicas havendo ao menos uma pax Dei nos odios pessoaes e politicos que talvez fossem o incentivo para a concentração liberal, a causa da alliança de progressistas e franquistas - alliança que uniu os mais oppostos inimigos da politica portuguesa, que trouxe tantos males á liberdade e foi a causa fundamental da ditadura com todos os seus horrores.

Emfim, não falemos do passado, até porque na minha alma não cabe sentimento de represalias. . . O certo é que essa noticia chegou. Não a acreditei, porque conhecia infelizmente as paixões politicas da minha terra, e de