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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

longe adivinhava o que se tecia já, de enredos e conluios da velha politica á beira do ataude real. Não" imaginei que semelhante Ministerio pudesse ir por deante, não só por esses e ainda varios motivos, mas porque até quando a tentativa se fizesse os dissidentes não poderiam entrar nelle senão reclamando condições taes e immediatas de uma politica democratica, legalista, que seriam acceitas pela Coroa - a qual teem visto agora ser sensata e liberal- mas não o seriam por elementos preponderantes na politica portuguesa. As minhas previsões realizaram-se.

Dias depois soube que o Ministerio se organizara sob o influxo dos chefes dos dois partidos: o Sr. Ferreira do Amaral ainda ha dias declarou que entrara pelas mãos d'elles e pelas d'elles saíria.

O nobre almirante, cujo caracter liberal e alta dedicação monarchica, e cujo espirito de sacrificio me merecem rasgados. elogios, acceitou os Ministros que os partidos lhes deram, reservando-se dois amigos pessoaes.

Os chefes dos partidos não entraram no Governo., nem nelle entraram os antigos Ministros, leaders parlamentares na ultima sessão. Nada d'isto importou ou importa aos dissidentes. Haviam os dois partidos combatido a ditadura por maneira ao espirito publico ver nelles os defensores intemeratos dos direitos e regalias populares? Tinham elles lutado pela lei e pela liberdade de maneira a imprimir confiança em que as saberiam amar e defender? Não tinham sido elles que haviam commettido uma serie de erros, de onde derivara o Governo do Sr. João Franco? Não havia um d'elles, o progressista, esquecido os seus antagonismos enormes com o franquismo ao ponto d'este alcançar o poder, de onde derivaram tantos males e catastrophes, somente pela sua influencia e apoio? Acaso não se podendo formar um Ministerio com todos os partidos, não se deveria fazer um. fora de todos elles? Eram cousas que os dissidentes poderiam adduzir nos jornaes, ou allegar como motivo para uma intransigente hostilidade. Não cuidaram d'isto os dissidentes, nem agora o discutem.

Para elles não houve considerações officiaes nem extra-officiaes. Não se maguaram com isso: nem isso moveria a sua acção.

Disse-se que, durante semanas consecutivas, se travou rija peleja para a nomeação das autoridades administrativas, e que os dois partidos, mal soldado ainda o tumulo real, se occuparam sobretudo de retalhar o país em morgadios locaes para os seus apaniguados.

Uns districtos pertenciam a um partido, outros ao partido contrario; concelhos para uns e concelhos para outros ; e parece que não só houve brigas entre os partidos, mas ainda a dentro dos proprios agrupamentos.

Eram, a um tempo, os threnos funebres por alma do Rei morto e os primeiros hymnos triunfaes do reinado novo, para gloria e prosperidade do Senhor D. Manuel.

Foi verdade tudo que se contou? Que tristeza!

O certo é que o país, governamentalmente, pertence aos partidos. Pela sua mão entrou o Sr. Ferreira do Amaral; pela sua mão diz que quer sair. Elles é que aconselharam a Coroa. Não se dá um passo, portanto, sem que sejam ouvidos.

Se houvesse a menor duvida, ahi estão as declarações feitas, ha dias, no discurso em resposta ao Digno Par Sr. Baracho.

O Discurso da Coroa foi obra sua, ou inspiração sua, ou pelo menos da sua tolerancia.

Feito um Governo pelos partidos, elles decerto traduziram, no primeiro discurso do Rei ao Pais. os principios fundamentaes de uma politica de reinado novo - dynastia nova, melhor deve dizer-se! - que deve iniciar uma revolução pacifica nos nossos costumes politicos e contrapor-se á politica, reaccionaria e pessoal, dos ultimos dezoito annos, em que, pouco a pouco, foram abolidas as liberdades e introduzidas na legislação portuguesa as leis de excepção que a maculam e deshonram.

Que se annuncia no Discurso da Coroa com respeito áquellas liberdades fundamentaes, sem as quaes não ha um povo livre, uma nação regendo-se por si propria?

O que se promette no primeiro discurso de um novo Rei, e quando se quer um regimen novo, com respeito áquellas liberdades essenciaes, cujo desapparecimento é a morte de toda a instituição democratica?

Liberdade de imprensa, liberdade de associação, liberdade de reunião, liberdade da nação, traduzindo-se por um Parlamento livremente eleito sem candidatura official, Parlamento nacional, independente - eis as liberdades fundamentaes.

Não ha no Discurso da Coroa uma palavra sequer acêrca da liberdade de imprensa, de reunião, de associação!

Acêrca do Parlamento, promette-se uma nova lei eleitoral, sem se designar sequer as suas bases.

Já disse, no Discurso da Coroa da sessão anterior, a minha opinião acêrca do que ella devia ser para se acommodar ás circunstancias do país e ás necessidades inadiaveis de fazer uma lei que, pelo alargamento do suffragio, por uma remodelação no processo de organizar os recenseamentos eleitoraes, pela representação das classes operarias, pela restricção do direito do voto ás praças da policia militarmente organizada, com a eleição por lista uninominal, mas criação de pequenos circulos com minorias, e eleição por lista plurinominal nos concelhos que tiverem por sede uma cidade (capital de districto) com mais de 15:000 habitantes, pela restauração do subsidio aos Deputados, seja a restauração de um verdadeiro regime parlamentar. Mas uma lei eleitoral que não seja acompanhada do desenvolvimento da liberdade de escrever, de se associar, de se reunir, é uma ficção.

Para as eleições serem livres, os cidadãos hão de poder pensar livremente, associar-se para a defesa das suas ideias, reunir-se para a exposição das suas doutrinas e protestos contra os abusos do poder, fazer, pela imprensa, a propaganda que todos os publicistas modernos acham ser a fundamental caracteristica das democracias.

Que pensa o Governo? Pensa que se contenta com a legislação existente! Isto é, os dois partidos pensam assim.

Os dissidentes, não. Entendem que urge uma reforma radical na legislação existente, porque não ha liberdade politica sem a liberdade de reunião, de associação e de imprensa. A liberdade de reunião não existe entre nós. E necessaria participação previa á autoridade ; são exigidas formalidades restrictivas aos presidentes e promotores das reuniões; subsistem restricções policiaes; não podem fazer-se reuniões de empregados do Estado senão em condições de verdadeira dependencia do Governo e da autoridade: pesam taes imposições que as reuniões dos professores de instrucção primaria, os modestos funccionarios que teem a alta missão de educar a mocidade, não podem realizar-se senão em condições deprimentes e vergonhosas. Porque não ha de adoptar-se a lei da Republica Francesa, lei votada com applauso dos proprios reaccionarios e até para, na questão da separação da Igreja do Estado, servir os seus interesses? É nitida essa lei. Tem dois artigos. O primeiro é:

Artigo 1.° As reuniões publicas, qualquer que seja o seu objecto, podem realizar-se sem declaração previa e a toda a hora.

No artigo 2.° derogam-se todas as leis em contrario.

Não ha nada mais simples. E com respeito ao direito de associação? A lei actual, pela exigencia da approvação dos estatutos, por varias providencias de caracter policial, pelo direito de dissolução dado ao Governo, deixa de ser uma ideia liberal.