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maior censura, ou haviam feito nomeações de bons empregados, e em tal caso é injustificavel o abuso e attentado do Governador geral, annullando todas essas nomeações; e neste segundo caso, se o Governo não exigiu a responsabilidade de seu Delegado, é tambem altamente censuravel (apoiados).

Parece-me ter percebido que o Sr. Ministro da Marinha, quando toquei a primeira hypothese da nomeação de pessimos empregados, deu a intender, que alguns eram da nomeação do Ministerio, que tive a honra de presidir… Quando assim fosse, o que não creio, pelo facto, da conservação depois de tantos annos, caberia a responsabilidade ao actual Ministerio; eu porém fallei em hypothese, sendo certo que pela maneira da minha argumentação, se conhece que o meu fim era collocar o Governo no dilema de se condemnar a si proprio, ou de condemnar o procedimento do ex-Governador de Angola.

O acto da substituição da quasi todas os commandantes de districtos e presidios, será tanto mais censuravel, se poder provar-se, que para se obterem similhantes cargos, se deram quantias fortes — do que resulta o maior vexame, mesmo para os habitantes desses districtos, porque tem a ser victimas do despotismo 8 voracidade dos taes commandantes, que não só tem em vista enriquecer-se, mas obter além disto as sommas, que largaram para obter os seus despachos. Estimarei, que tudo quanto se diz a tal respeito seja destituido de verdade; cumpre ao Sr. Ministro informar-se devidamente. Não me parece haver duvida, em que, pelo manos, esses commandantes foram nomeados para conseguir com a sua influencia o imposto da capitação a favor de quem os nomeou, porque a mesma Camara municipal de Loanda, em uma das suas sessões, Todos agradecimentos aos mesmos commandantes, pelos eminentes serviços que prestaram no pronunciamento voluntario a favor do Sr. Visconde do Pinheiro! Tambem me parece não haver duvida, em que os serviços prestados nesta occasião, começaram logo a ser premiados pelo ex-Governador geral: bastará attender, a que os dois vereadores, que mais se distinguiram na Camara municipal, mostrando o seu enthusiasmo pelo Visconde do Pinheiro, foram por elle agraciados, um com o governo do importante districto de Ambaca, outro com a patente de tenente-coronel do campo e reino! E se poder provar-se, que um destes individuos estava inhibido de poder ser despachado em consequencia de disposições governamentaes, que o Sr. Ministro da Marinha ha-de conhecer, então é forçoso admittir que o acto se torna muito mais reprehensivel (apoiados). Não me alargo mais sobre este objecto, porque o Sr. Ministro da Marinha me disse ter intendido muito bem.

Esquecia-me com tudo dizer, que essas nomeações novas de empregados, que mereceram inteira confiança do ex-Governador geral, muito embora não merecessem a do Ministerio, parece serem desenvolvimento de um plano denunciado mezes antes da partida do ex-Governador geral para Angola. Todos se recordarão, que toda a imprensa denunciou, que se projectava uma grande negociação de escravatura, a qual seria levada a effeito depois da chegada do dite Governador geral áquella possessão: se algum desses empregados fosse suspeito já a tal respeito, e se effectivamente do reino saíssem navios com aquelle destino, e se mais tarde se Verificasse que taes navios foram empregados no trafico da escravatura, o negocio torna-se muito mais grave, e não póde deixar de merecer a mais séria attenção do Governo e das Côrtes (apoiados). Todos se recordarão dos meus esforços na sessão passada, para conseguir que o Governo proseguisse nas mais escrupulosas investigações, a respeito de dois brigues saídos do Porto, e que eu sabia com certeza se dispunham ao infame trafico da escravatura. Perdoe-me o Sr. Ministro da Marinha, eu estou convencido de que o Governo não andou assas vigilante e activo neste negocio.

O Sr. Ministro muitas vezes declarou que ninguem mais que elle abominava o trafico da escravatura, assim o acredito, nem S. Ex.ª precisava fazer taes declarações, mas é lastima que continuem a praticar-se actos, que nos compromettem na presença da moral e da civilisação, na presença da Lei, e na presença dos tractados com uma grande nação. Eu quero ainda suppôr, que tudo quanto tem acontecido procede da falta da força necessaria para proseguir em um negocio em que certas notabilidades podem ficar compromettidas…

(Sensação).

Desejarei que o Governo mande vir á Camara ©processo deste importante negocio. Veremos se andou regularmente.

O nobre Ministro, respondendo ao meu quesito «obre a exportação de escravos de Loanda para a ilha de S. Thomé, disse, que nada mais e tinha feito senão exportarem-se dez escravos por cada colono, que em boa fé mudou a sua residencia de Loanda para a referida ilha de S. Thomé, o que é promettido pela Lei, e pelo tractado a que me referi. Pertenceu S. Ex.ª mostrar, que a verdadeira intelligencia da Lei e do tractado, não se oppoem a que no mesmo navio possa ir numero superior a dez escravos, uma vez que não pertençam a cada colono mais de deu. Não é essa verdadeiramente a minha questão. O que eu desejei saber é, se o Governo tinha noticia da exportação, verificada nos navios do Governo Trindade e Esperança, e se haviam sido satisfeitas as formalidades da Lei? Já se vê portanto, que a resposta dada por S. Ex.ª «ora referencia ás informações que recebeu, e correspondencia satisfactoria com o Ministro da nação alliada, não póde satisfazer-me.

Foi reconhecido pelo Sr. Ministro que a bordo desses navios se exportaram escravos de Loanda para a ilha de S. Thomé: e affiançado que a bordo desses navios foram por uma occasião setenta escravos, por outra cincoenta, e por outra dez. É fora de duvida, e foi asseverado pelo Sr. Ministro, que o Governador da ilha de S. Thomé, suspeitando que taes escravos eram destinados, não ao serviço dos colonos, que em boa fé diziam mudar de residencia, mas a serem vendidos, os fizera recolher a Uma fortaleza, até que procedendo ás devidas informações, e convencido de que não eram destinados á venda, os mandára entregar a seus respectivos senhores. Sinto dizer ao Sr. Ministro da Marinha, que tudo quanto disse para provar a legalidade da exportação dos escravos, me confirma mais e mais, que se commetteu um grande abuso, e que anda em todo este negocio um grande criminoso, que é necessario fazer punir na conformidade das Leis. Quando a Lei tem estabelecido o modo porque é permittida a exportação dos escravos, quando o tractado de accôrdo com a Lei contém disposições que é forçoso cumprir para se mostrar boa fé em taes exportações, de nada valem as informações dadas por esta, ou por aquella authoridade, e muito me, nos o juizo, que possa formar sobre o fim que se teve em vista, quando se verificou a exportação.: Que determina a Lei, quando permitte a exportação dos escravos de uma para outra possessão portugueza? Vejamos.

Diz o § 1.° do artigo 4.º do Decreto de 10 de Dezembro de 1836 «que o numero dos escravos exportados ou importados, segundo a permissão excepcional de que tracta o artigo 3.º in principio, nunca poderá ser mais de dez.»

Vem desde logo a questão — se foi legal a exportação de setenta e cincoenta escravos por uma só vez em cada um dos navios do Estado, que já mencionei — esta questão, porém, como já disse, não é o objecto que mais particularmente tenho em vista, o que me proponho demonstrar é, que se tem feito a escravatura nos navios do Estado, e com intervenção das authoridades; que uma tal exportação de escravos tem sido fraudulenta, e que ao Ministerio incumbe descobrir o auctor, ou auctores da fraude para lhes exigir a devida responsabilidade (apoiados).

Diz o § 2.º «Antes da exportação declarará o Senhor dos escravos perante a authoridade superior da alfandega do porto, em que embarca, o numero de escravos, que leva, preste tando fiança idonea, e correspondente ao duplo do valor dos escravos, que pertende exportar, de como effectivamente os ha de desembarcar no logar a que declarou destinar-se.»

Pergunto ao Sr. Ministro da Marinha, foi satisfeita esta exigencia da Lei? Affirmo que nem se fez a declaração exigida, nem tão pouco se prestou a fiança nos termos do artigo, que acabo de ler. Não basta em materia tão melindrosa vir dizer á Camara que o Governador de S. Thomé, depois de informar-se, ganhou a convicção de que os escravos assim exportados pertenciam a colonos, que mudavam de residencia, é necessario responder com o documento exigido pela Lei (apoiados).

Diz esta no § 3.° «De se haver prehenchido o que determina o paragrapho antecedente e lavrará auto em um livro especial, que para isso haverá na alfandega, inserindo-se no mesmo auto a declaração feita pelo Senhor dos escravos, e o termo da fiança por elle prestada.»

Pergunto ao Sr. Ministro: foi satisfeita esta exigencia legal? Pôde o Sr. Ministro apresentar certidão authentica deste auto? Não póde, porque não foi lavrado, o que prova ainda a fraude da exportação.

E não bastam as informações, ou investigações do Governador de S. Thomé pelo testimunho de pessoas, que no seu conceito mereciam credito, era necessario para considerar de boa fé a exportação dos escravos de que se tracta, que elle recorresse á authoridade superior da alfandega daquella ilha, para verificar se estava satisfeito o preceito do § 4.° do artigo 4.° do citado Decreto que diz assim:

«A authoridade superior da alfandega aonde «se lavrar o auto de que tracta o paragrapho antecedente enviará traslado authentico do mesmo auto, em carta cerrada de officio á authoridade superior da alfandega do porto, a que o Senhor dos escravos declarou destinar-se.»

Pergunto: exigiu o Governador de S. Thomé para convencer-se da verdade, que a authoridade superior da alfandega da ilha lhe apresentasse o traslado authentico de que tracta o artigo da Lei que acabo de ler? Não o poderia obter, porque tal auto nunca foi lavrado!

Mas isto ainda não é tudo: A Lei diz expressamente no artigo 5.º «Por cada escravo exportado segundo o modo prescripto no artigo 3.º in principio, se pagarão os mesmos direitos que se pagavam, quando a exportação dos escravos era permittida.»

Pergunto ao Sr. Ministro da Marinha: pagaram-se effectivamente alguns direitos por esses escravos que S. Ex.ª considera exportados bona fide? Não se pagaram, e em quanto S. Ex.ª procura uma resposta nas suas informações officiaes sobre este importante assumpto habilitarei eu a Camara a julgar esta questão em vista da certidão extraída dos livros da alfandega de Loanda, pela qual se prova, que taes direitos se não pagaram (sensação profunda).

Eis-aqui a certidão:

«Ill.mo Sr. Administrador da alfandega desta «cidade. — Diz Joaquim José Monteiro, que precisa que V. S.ª lhe mande passar por certidão: 1.° o numero de escravos, que foram «para a ilha de S. Thomé, no transporte portuguez Trindade que largou deste porto para «aquella ilha no dia 22 de Janeiro ultimo; bem como da importancia dos direitos que taes escravos pagaram na alfandega desta cidade.

«2.° O numero de escravos, e a sua importancia dos direitos pagos na mesma alfandega, e que foram no mencionado transporte para a dita ilha, e que partio deste porto em 8 de Abril ultimo.

«3.° O de escravos, e os respectivos direitos pagos na mesma alfandega, os quaes foram no transporte portuguez Esperança, que largou deste porto para a mesma ilha, em 19 d'Abril ultimo: portanto pede a V. S. lh'a mande passar e R. M. Loanda, 20 de Outubro de 1854. = Joaquim José Monteiro.

«Passe do que constar, não havendo inconveniente.

«Alfandega de Loanda, 2 de Novembro de 1854. = Ferreira.

«Certidão. — João Paes de Vasconcellos, escrivão das descargas da alfandega de S. Paulo d'Assumpção de Loanda, por Sua Magestade Fidelissima que Deos guarde, etc.

«Certifico que revendo o livro em que se registam os despachos desta alfandega, delle não consta terem-se despachado escravos alguns nos navios que o supplicante menciona na petição retro.

«E para constar aonde convier passei a presente em virtude do despacho proferido na petição retro, extraída do proprio livro a que a me reporto. Vai por mim assignada e sellada com o sello desta repartição. Alfandega de Loanda, 3 de Novembro de 1854. = João Paes de Vasconcellos.»

Parece impossivel que se tenha procedido por tal fórma, a fraude apparece mais clara, que a luz do dia — quem a commetteu? incumbe ao Ministerio o rigoroso dever de descobrir, e fazer punir os criminosos.

Ainda uma palavra sobre o assumpto: é provado pelas partes officiaes do registo da saída dos navios de Loanda, que não se faça a menor menção da exportação de similhantes escravos na companhia dos colonos, que mudavam de residência - nessas partes officiaes apenas se diz que sairam esses navios do Estado, com as suas tripulações, e tantos passageiros do Estado! Que vergonha para nós! É com o titulo de passageiros do Estado, e em navios do Estado, que se exportam escravos de Loanda para S. Thomé? (Sensação em todos os lados da Camara).

Tenho por mais de uma vez declarado que supponho os Srs. Ministros incapazes de concorrerem para similhantes fraudes, mas tenham SS. Ex.ªs a coragem precisa de profundar este desgraçado negocio — de punir o criminoso quem quer que elle seja (apoiados).

Como tenho occupado a Camara com a exportação fraudulenta dos escravos, peço licença para em seguida me occupar da pergunta, que fiz ao Sr. Ministro da Marinha, relativa ao modo barbaro, porque estão sendo castigados os escravos em Angola.

O Sr. Ministro referiu-se á Portaria do ex-Governador geral, sobre o castigo dos escravos, e não teve duvida em considerar aquella medida muito conforme aos principios da humanidade, no que estava de accôrdo o Governo de uma nação alliada, que até havia elogiado um similhante acto daquella authoridade. Tambem tenho conhecimento dessa Portaria, e tambem sei que no seu preambulo se falla em principios de humanidade, e que inculca grande compaixão pelos escravos, algumas vezes victimas do furor dos seus senhores, mas não basta inculcar essa compaixão, é necessario que os factos a justifiquem, que importa adoptar uma medida para acabar com o arbitrio do senhor do escravo, se a esse arbitrio for substituido outro ainda mais atroz, e tanto mais que é exercido pela authoridade publica?

Antes de tudo cumpre-me observar que a substituição do arbitrio pela maneira, porque se acha estabelecida no acto do ex-Governador geral de Angola, não póde sustentar-se, e é summamente odiosa para o Governo, porque se reduz a fazer passar o azurrague da mão do senhor do escravo para a mão da Authoridade administrativa. Eu sinto realmente vêr que o sangue, que até agora corria das costas dos infelizes escravos pela barbaridade do seu senhor, corre hoje a jorro dessas mesmas costas pela barbaridade do Delegado do Governo! Esses infelizes que até agora sentiam rasgar a pelle pelo azurrague do seu senhor vêem-se hoje amarrados ao pelourinho, ou a uma escada por ordem do Governo, e sentem as costas retalhadas pelo braço da Authoridade publica! Logo darei uma idéa á Camara da qualidade do instrumento com que o ex-Governador geral de Angola verificava os seus principios de humanidade nas costas dos infelizes escravos; cumpre-me neste momento fazer leitura á Camara dos documentos que provam o modo, porque aquella Authoridade mandava castigar os escravos, tenho presentes um grande numero desses documentos, mas farei sómente a leitura de alguns delles. Eis-aqui um delles:

«Governo geral da provincia de Angola. = Repartição civil. Livro 11.° n.° 124. = Com este será apresentado ao chefe do policia um preto pescador de nome, Manoel, e de ordem de S. Ex.ª o Visconde de Pinheiro Governador geral da provincia, mandará o mesmo chefe de policia castiga-lo com cem açoutes, por haver insultado o cabo Manoel Alves, do a batalhão de linha, que pertendia comprar ao dito preto, peixe para rancho das praças destacadas no Penedo, e ao proprio official encarregado do rancho, podendo depois ser entregue a seu senhor. Secretaria do Governo geral da provincia de Angola, 19 de Janeiro de 1854. = Carlos Possollo de Sousa, secretario geral.»

Eis-aqui outro documento:

«Governo geral da provinda de Angola. = Repartição civil. Livro 11.º n.° 214. = Determina S. Ex.ª o Visconde de Pinheiro, Governador geral da provincia, que sejam castigados com duzentos açoutes cada um os pretos

José, Arcenio e Joaquim, que se recusaram ao serviço de seu senhor Antonio José Coelho Villela; — com cento e cincoenta açoutes o preto José, de Antonio, d'Azevedo Ramos Pau, por ser fujão, ladrão e deboxado; — com cento e cincoenta ditos o preto Dala, de Manoel da Luz Carvalho e Araujo, por ser fujão; — com cento e eincoenta ditos, o preto Pretinho, por se ter recusado ao serviço que lhe foi ordenado por seu senhor Feliciano Gonçalves do Espirito Santo e Cunha; — com cem ditos, o preto Matheus, de Manoel Antonio de Magalhães e Silva, por ser deboxado e ladrão; — e finalmente com trezentos ditos, o preto Manoel José, escravo de Joaquim José Monteiro PELO ROUBO DE QUE TRACTA O OFFICIO do mesmo chefe de policia, n. 31 desta data, e ficando assim tambem respondidos os seus officios n.ºs 17, 18, 19, 20. e 28. Por esta occasião se previne ao mesmo chefe de policia — de ordem de S. Ex.ª — de que estes castigo só deverão ter logar na terça-feira proxima 31 do corrente. Secretaria do Governo geral dá província de Angola, 28 de Janeiro de 1854. Carlos Possollo d Sousa, secretario geral.»

A Camara, avaliará se os principios de humanidade tão pomposamente proclamados no preambulo da Portaria do ex-Governador geral de Angola foram tidos em consideração, quando e mandavam dar cem açoutes no pobre escravo pescador, que teve a infelicidade de desagradar ao soldado, que lhe comprava peixe para o rancho do seu destacamento! Quem sabe se este soldado queria haver o peixe por um preço, que não convinha ao infeliz escravo? A Camara avaliará se, mesmo no caso do roubo imputado a um escravo, o Governador geral de Angola póde julgar-se authorisado a mandar arbitrariamente applicar a um escravo o muito barbaro castigo de trezentos açoutes!

Cabe agora dar conhecimento á Camara do instrumento com que o Governador geral mandava, pelo seu chefe de policia, applicar taes castigos; lerei o respectivo paragrapho de uma memoria, que de Angola me foi remettida, dando esclarecimentos sobre negocios daquella desgraçada parte do territorio portuguez.

«Os castigos dos escravos, apesar do regulamento já citado do Visconde do Pinheiro, continuaram no tempo delle, e no tempo do Governo provisorio por ordem do mesmo Governo, não obstante ser presidente o Reverendo Prelado, comtudo se mostra pelas diferentes ordens ao chefe da policia ao diante juntas, a ser dados, ou no Pelourinho, ou junto á casa da policia, como d'antes, com azorragues de couro de boi cru partidos do meio por diante em cinco pernas retorcidas, que por muito seccas e duras cortam como facas. De fórma que um açoute equivale a cinco, e por consequencia cem açoutes a quinhentos. O preto posto de pé é amarrado de pernas e mãos ao pelourinho, ou aos degráos de uma escada portatil inclinada a uma parede, do modo que não possa mecher-se. Um empacaceiro com toda a sua força lhe arruma o numero de açoutes a que foi condemnado pelo Governador, ou pelo chefe da policia a instancias do senhor a do escravo, os quaes açoutes são contados em voz alta por um cabo, para não se enganar com os altos e com pungentes gritos da victima. A uma duzia de açoutes já o sangue do escravo corre a jorros pelas escadas do Pelourinho, ou pela terra ao pé da escada onde está amarrado. Ha dias em que na estação da policia duram estes castigos horas e horas, correndo a final o sangue dos escravos pela terra, como n'um matadouro de rezes, em que se não aproveita o sangue das mesmas!!

«A barbaridade destes castigos, só quem os presenceia a póde imaginar. Mas o que é para notar é que taes castigos, nem ao menos se a suspendessem durante o Governo do nosso Reverendo Bispo, que todos sabemos, e elle tambem, que não póde fazer sangue em gente christã, porque apesar de escravos, todos são seus irmãos, ainda que elle não quer que o sejam.»

Sinto que a Camara se ache, como eu, comovida, com os esclarecimentos que acabo de dar-lhe; diga-me agora o Sr. Ministro se póde ainda, á vista de tudo isto, fallar-se na medida adoptada para suavisar a sorte dos infelizes negros; venha S. Ex.ª dizer-nos ainda que o Governo inglez elogiou aquella medida: o Governo inglez podia elogiar os principios que se inculcava ter em vista, mas o Governo inglez ha do ser por certo o primeiro a condemnar, que o arbitrio da authoridade publica substituido ao arbitrio de senhor dos escravos, em logar de suavisar, aggravasse a sorte dos infelizes escravos (apoiados). Mas seja qual fôr o pensamento de um Governo estrangeiro sobre esta questão, ou sobre outra qualquer, a nós sómente compete julgar se o comportamento do Sr. Governador geral é censuravel, ou se é digno da approvação; e neste caso ainda pergunto ao Sr. Ministro da Marinha se approva o regulamento do castigo dos escravos, e se approva igualmente o modo barbaro, por que se está executando em Angola?

Passarei a fallar do facto da deslocação do retrato do Senhor D. João VI, para ser substituido pelo retrato do Sr. Visconde do Pinheiro! Devo antes de tudo declarar, que este facto teve logar depois da partida daquelle empregado para a metropole, e que portanto não fora ordem sua, mas do Governo provisorio intruso e illegal, que nomeou para governar a provincia durante a sua ausencia.

A historia deste celebre retrato é notavel desde o seu principio: está visto que não podia deixar de ser lembrança da Camara municipal do Visconde do Pinheiro: contra a Lei, e desviando õs rendimentos do municipio da sua legal applicação, intendeu a Camara municipal, que podia ajustar um retrato do mesmo Visconde pela quantia de trezentos mil réis; este retrato, feito