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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Presente o sr. ministro da guerra.)

Ás tres horas da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do ex.mo sr. visconde de Fonte Arcada, communicando que por grave padecimento de peito foi obrigado a ir passar o inverno na ilha da Madeira.

Dito do ministerio da guerra, enviando a copia da portaria expedida em 28 de outubro de 1863, com referencia ao decreto de 2 de outubro de 1863, que instituiu a medalha militar.

Doze officios do ministerio da fazenda enviando os autographos dos decretos das côrtes geraes sobre os seguintes assumptos: fixação do contingente da contribuição predial nos quatro districtos administrativos das ilhas adjacentes; concessão á camara municipal do concelho do Sardoal de um edificio pertencente á fazenda publica; auctorisando o governo a proceder á reforma das alfandegas maiores e menores do continente do reino e ilhas adjacentes; concedendo ao asylo da villa da Praia da Victoria o granel e cerca de um edificio, sito na referida villa, denominado do extincto de Nossa Senhora da Luz; prorogando o praso estabelecido para a troca e giro das moedas mandadas retirar da circulação, e auctorisando o governo a fazer cunhar até á quantia de 200:000$000 réis, em moeda de prata, e á de réis 30:000$000 em moeda de cobre, especial para as ilhas dos Açores; concedendo varios predios nacionaes á camara municipal de Evora; concedendo ao secretario e directores do tribunal de contas a gratificação annual de 180$000 réis; auctorisando o governo ao pagamento da contribuição industrial nos districtos do Funchal e Açores em duas prestações iguaes; auctorisando a despeza feita com a compra de tres predios situados na rua do Jardim do Tabaco, os quaes pertenciam á sociedade denominada manutenção civil; fixando o numero e vencimentos dos empregados da junta do credito publico; augmentando o quadro dos empregados da repartição de fazenda do districto do Funchal com um logar de archivista; e auctorisando a transferencia dos emprezarios de typographias, incluidos na 6.ª classe da parte 1.ª da tabella B annexa á carta de lei de 30 de julho de 1860.

O sr. Miguel do Canto: — O digno par, o sr. D. Pedro Brito do Rio, encarregou-me de participar á camara que não tem comparecido ás sessões passadas, e não comparecerá a mais algumas por motivo de doença.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa a seguinte proposta:

«Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 423, que tem por fim applicar aos empregados dos governos civis do reino e ilhas adjacentes, as disposições do decreto organico da secretaria dos negocios do reino.

«Sala da camara dos dignos pares, 7 de fevereiro de 1865. = Miguel do Canto.»

O sr. Presidente: — Emquanto á participação do sr. D. Pedro do Rio, manda-se lançar na acta. Passâmos á ordem do dia, e tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO DE RESPOSTA AO DISCURSO DA CORÔA, NA SUA GENERALIDADE

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, quando eu tive a honra de ler á camara o projecto de resposta ao discurso da corôa, aproveitei logo a occasião para declarar qual tinha sido o sentido da commissão ao redigir este papel, isto é, que só tivemos em vista reduzir esta resposta a um simples cumprimento á corôa, ressalvando cada um de nós plenamente a liberdade de opinião, para quando se tratasse das questões que hão de ser trazidas por sua ordem á discussão, e guardando-se cada um de nós para em occasião competente entrar na apreciação dos actos do governo.

Julgando que todos os dignos pares annuiriam a esta interpretação, a commissão entendeu que devia dar esta resposta ao discurso do throno, unicamente como um cumprimento; e apenas o sr. Seabra aproveitou a occasião para nos fazer um eloquente discurso a proposito de uma phrase que, nunca mais innocentemente, podia ser lançada do que o foi n'esta occasião. A phrase é a seguinte (leu).

Isto é o que diz o discurso, e a resposta é esta (leu).

Em primeiro logar dizia o discurso que a eleição tinha sido feita pacificamente; e o juiz competente para apreciar a realidade d'esta asserção é a camara dos srs. deputados, a quem a carta concede esse direito.

Em segundo logar, mesmo pela voz publica não constou que tivesse sido alterada a ordem em parte alguma. Por consequencia repetindo o adverbio pacificamente, a commissão não fez mais que seguir esta opinião, e acrescentámos as phrases que formam o elogio da liberdade da uma e pureza do mandato, porque se entendeu, como eu tambem entendo, que quando um corpo como este, constituido em tão elevada dignidade, tem de se referir a actos da vida politica, deve faze-lo de modo que se estabeleçam as mais puras maximas o os principios mais claros de direito publico pratico e theorico; foi este o pensamento com que se apresentaram aqui estas palavras.

Sr. presidente, ácerca da maneira por que as ultimas eleições se verificaram, e ácerca de outras quaesquer, se algumas questões, se suscitarem aqui sobre este thema, hei de emittir sempre sinceramente a minha opinião. Eu entendo que ha muitas maneiras de uma eleição não corresponder á theoria dos principios: a violencia e a coacção brutal muitas vezes não são indicios da influencia da acção governativa, porque ellas tambem resultam do embate mais ou menos violento dos partidos que se gladiam; mas parece-me que nenhuma d'estas duas hypotheses se deu. A uma esteve desaffrontada e não houve violencia. Eu, que me achava na provincia, tive occasião de ver, mais do que uma vez, que as eleições correram com toda a placidez. Não se deram por certo d'esses casos, que todos sabemos se dão neutros paizes.

É verdade que se exercem em nome do governo, muitas vezes sem elle poder com justiça ser accusado, pressões de uma ou outra natureza, que tendem a invalidar o voto dos eleitores.

Ha uma entidade chamada commissão do recenseamento, cujos membros abusam largamente das suas attribuições, passando ressalvas para poder impor a sua lista e invalidar: assim o voto do eleitor. Mas o remedio parece-me simples, que é tirar-lhes a carta de inamoviveis, para assim obrigar estes funccionarios anão poderem passar ressalvas falsas; e se os povos comprehendessem os seus interesses, veriam que por cada um que é exemplo, o onus vae recaír em quem a lei não procura. Isto é objecto que um projecto de lei deve attender.

Sobre os outros pontos que tocaram aqui os srs. marquez de Vallada e S. J. de Carvalho, como não vejo presentes o sr. presidente do conselho nem outros membros do governo, á excepção do sr. ministro da guerra, abstenho-me de fazer algumas observações, mas reservo-me para quando ss. ex.as estiverem presentes.

Reservo o meu direito para depois apreciar essas questões apresentadas pelos dignos pares marquez de Vallada e Sebastião José de Carvalho. Prosseguirei dizendo, que desejo interpellar o sr. presidente do conselho e ministro do reino sobre se, com relação á instrucção publica, administração civil e segurança publica, estão preparados alguns trabalhos; como no discurso da corôa não se diz uma só palavra a este respeito, desejava eu saber se foi omissão de s. ex.ª ou se o governo effectivamente não tem nenhuns trabalhos preparados sobre estes negocios, ou mesmo se adoptou os projectos apresentados anteriormente pelo sr. Anselmo José Braamcamp. Já é tempo para se acudir a estes ramos, como a administração publica que esta em uma decadencia deploravel; a segurança publica é mais feita pelos bons costumes publicos do que pela auctoridade. A cidade de Lisboa, que por muitos annos se podia dizer modelo do respeito, esta hoje infamada, não de salteadores, mas de homens de industrias nocivas, que empregam umas vezes a astúcia, outras uma certa violencia, para assim extorquirem os bens de cada um.

Sobre a reforma da instrucção publica, ainda que eu seja de opinião que se deva reformar ao mesmo tempo os tres ramos, parece-me comtudo, quanto á instrucção primaria, que no fim de dez annos já era tempo de haver conhecimento do que convem adoptar.

Sobre a administração civil cada vez mais se nota a necessidade de uma reforma que comece pelos governadores civis e desça ás juntas de parochias, porque todos sabem que desde o mais inferior élo da cadeia até ao ultimo, estão completamente desorganisados todos os elementos, e aqui estão alguns dignos pares que praticamente têem conhecido isto nos districtos que têem administrado, não podendo por consequencia o governo pedir a responsabilidade nos governadores civis, nem estes aos agentes seus intermediarios. Paro aqui, porque entendo que se não deve fallar na ausencia dos srs. ministros (apoiados), e não levo o principio da solidariedade do governo a ponto de querer que o sr. ministro da guerra me responda sobre ramos de administração que lhe são completamente alheios, querendo, por assim dizer, que s. ex.ª defenda theses de omni scibili. Limito a isto as minhas observações.

O sr. S. J. de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que me diga se se acha inscripto algum dos srs. ministros.

O sr. Presidente: — Não se acha nenhum inscripto.

O Orador: — A resposta que eu acabo de ouvir por parte da mesa, é para mim uma prova de que eu na sessão anterior por qualquer demasia de palavra não saí fóra da esfera que me marcam as attribuições, que como membro da camara dos pares a lei me confere, invadindo as attribuições da camara dos senhores deputados por quaesquer considerações que fizesse com relação ao acto eleitoral, deixando de prestar o devido respeito que sempre me merecem os principios constitucionaes, e as relações de deferencia e consideração para com um corpo com o qual funccionâmos conjunctamente, como fazendo parte do poder legislativo. Se o houvesse feito, V. ex.ª como supremo regulador da ordem da discussão, ou qualquer dos srs. ministros, zelando a dignidade da outra casa do parlamento me teriam advertido.

Creio que alguem, na camara dos senhores deputados, se referiu ás poucas palavras que eu tive occasião de pronunciar aqui na sessão passada, attribuindo-me algumas asserções que eu não proferi, e que estava de certo muito longe de querer proferir, suppondo-se que eu contestava a legalidade dos diplomas dos srs. deputados. Não o podia fazer. Por muita curta que seja a minha vida publica, por muito pequeno que seja o meu tirocinio parlamentar, parecia-me estar ao abrigo de similhantes accusações. Por pouco conhecedor que me suppozessem dos principios do systema que nos rege, não deviam fazer-me a injustiça de suppor que pretendia entrar na apreciação de uma questão, que, por sua propria natureza, é absolutamente estranha á indole d'esta camara e ás attribuições que ella exerce.

Sr. presidente, em resposta ao discurso do sr. Seabra, eu tinha citado uma expressão de que s. ex.ª se servira, não n'esta casa do parlamento, mas na camara dos senhores deputados, sendo eu então collega de s. ex.ª Essa expressão era que depois da reforma eleitoral o digno par suppunha que a grilheta, que comprimia os movimentos da liberdade das maiorias, se tinha partido, porque ellas se apresentavam com uma independencia que s. ex.ª não conhecia nas maiorias trazidas á camara pela lei antiga. Eu respondi que a asserção não era rigorosamente exacta, e que o digno par devia hoje reconhecer que a reforma do systema liberal tem dado aos governos maiorias tão compactas como as maiorias antigas, e que na minha opinião a liberdade eleitoral seria uma realidade, apenas quando déssemos ao paiz uma lei eleitoral que se compadecesse com a educação constitucional e desenvolvimento moral que o paiz tem.

Já V. ex.ª vê que d'estas palavras não se podia deduzir o que disse na outra casa do parlamento o illustre deputado -que me fez a honra de se referir ao meu discurso, sentindo eu, por desgraça minha, que entre os srs. deputados que estavam n'esta sala quando fallei se não achasse o illustre deputado a quem me refiro.

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

Folgo do ver entrar na sala o sr. presidente do conselho. S. ex.ª se visse aggravada a situação que representa, por quaesquer das considerações que eu, o sr. marquez de Vallada e o sr. Seabra produzimos na sessão passada, não deixaria de pedir a palavra e justificar os actos do governo.

O digno par que me precedeu acaba de declarar o sentido que a commissão de resposta ao discurso da corôa deu á expressão pacificamente, empregada na resposta ao discurso da corôa; e pelo que disse s. ex.ª vê-se que a mesma commissão não fez mais do que aceitar o facto tal qual o governo o apresentára. O governo disse officialmente que as eleições se tinham feito pacificamente, e nós aceitámos a declaração na idéa firme de não levantar questão politica na resposta ao discurso da corôa, considerando-o apenas um simples cumprimento dirigido á magestade. Não podiamos deixar de nos referir á questão eleitoral; mas fize-mo-lo pesando as palavras do governo, e não contestando a verdade da asserção que perante o parlamento elle apresentou; o se podessemos deixar de responder ao paragrapho em que o discurso da corôa se referiu ás ultimas eleições geraes, de certo o feriamos feito, mas estavamos virtualmente obrigados a considera-lo, como todas as palavras que pela bôca do Rei o governo dirigiu ao parlamento.

Sr. presidente, não fui eu mesmo que disse que, segundo a minha opinião, não podia deixar de confessar que as eleições tinham sido feitas pacificamente? No que eu insistia porém, e no que insisto ainda hoje, é que da eleição verificada pacificamente vae uma grande distancia á eleição verificada livremente! E de fórma nenhuma se póde deduzir, pelo facto da eleição ter sido feita pacificamente, que a uma fosse respeitada e deixasse de ser affrontada pela acção inconveniente e illegal do governo.

Sr. presidente, todos sabemos o que se passou no districto de Villa Real, n'esse desgraçadissimo districto, tão esquecido da situação actual e principalmente do sr. presidente do conselho, como eu o provarei nas proximas sessões. Nesse districto, propriamente na cabeça do districto, a opposição não disputou a eleição ao governo, o que quer dizer que a eleição se exerceu pacificamente; mas o que significa este facto? E que a opposição estava debaixo da pressão do terror e da violencia da auctoridade, e por um espirito patriotico, que eu apoio de todo o coração, não quiz, aceitando a luta nas condições em que a auctoridade lha offerecia provocar conflictos que já em outras, occasiões deu provas de saber evitar.

O que succedeu em Villa Real creio que se deu tambem em mais de um circulo; por isso o paiz viu com assombro essa epidemia de popularidade, accusada no facto da unanimidade que se deu em muitas assembléas. Era a opposição deixando de ir á uma, porque não confiava que a auctoridade se conservasse impassiva e neutral, deixando a uma livre, acatando as disposições da lei, que são a salvaguarda dos direitos dos cidadãos, e a garantia da expressão genuina do suffragio popular. Não apresento factos; resolvi não levantar questão politica n'esta discussão, e nada me póde fazer demover do meu proposito. Se isso podem constituir uma parte do libello da accusação contra o governo, não será hoje que eu o formule, hei de faze-lo em tempo opportuno, e hei de demonstrar sobejamente á camara e ao paiz que este governo continua trilhando o errado caminho que