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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios, os Srs. Pimentel Freire.
Margiochi.
Aberta a Sessão pela uma hora e um quarto da tarde, verificado o numero de 31 D. Pares presentes, fez-se a leitura da Acta e foi approvada. — Concorreu o Ministerio, excepto os Srs. Ministro da Fazenda, e da Justiça.
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
Um Officio do D. Par V. da Serra do Pilar, fazendo sciente, que por falta de saude não tem concorrido ás Sessões, nem poderá por ora concorrer.
O Sr. C. de Lavradio — V. E.ma estará lembrado, de que em uma das Sessões passadas eu pedi a palavra, para quando estivesse presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, porque desejava fazer uma pergunta a S. Ex.ª, a qual na sua ausencia fiz ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros, que teve a bondade de me responder.
Agora, Sr. Presidente, seja-me permittido cumprir a promessa que hontem fiz á Camara, de apresentar-lhe um documento que eu considero de muita importancia, sobre tudo depois de se ter negado o que eu acabára de dizer. É uma carta desse desgraçado estrangeiro (que se diz estar em mui triste estado de saude), dirigida ao Vice-Presidente da Agencia Financial de Londres, em consequencia das Portarias do nobre Duque de Palmella, que eu li nesta Camara, e estão publicadas no Diario do Governo. Para provar o que eu disse, bastaria lêr a ultima parte dessa carta, mas se a Camara me permitte lerei toda. (Vozes. — Leia).
«Mornington Place n.º 15. = Hampstead Road 9 de Julho de 1846. = Confidencial. = Ill.mo Sr. = Em referencia á vossa communicação de hontem, muito sinto ter de declarar-vos, que a grande descida ultimamente occorrida nos Fundos Portuguezes de tal modo me envolveu em uma transacção separada da nella, que vós tendes dirigido por minha parte, que de todo me impossibilita de fechar desde já a compra que tendes feito de minha conta. Tão confiado estava eu na estabilidade das cousas em Portugal, e tão illudido a respeito da derrota dos guerrilhas, segundo as noticias publicadas, que continuei até mui recentemente a transacção que conservava em aberto, em consequencia do que soffri um prejuizo de libras 1:500, cujo pagamento, segundo ajustei com os correctores, deverá realisar-se aos quarteis, pela metade dos meus vencimentos. Isto inhabilita-me a satisfazer as libras 900 que, ao preço actual dos fundos, seriam necessarias para fechar a transacção que tendes feito de minha conta, segundo as instrucções do Conde do Tojal; porém como ha toda a probabilidade de que os fundos subam brevemente a 53 e meio, ao qual preço se poderá fechar esta transacção sem prejuizo, confio que o Duque de Palmella consentirá que ella continue em aberto até então, para se fechar logo que este preço se possa obter, pois que tendo solemnemente resolvido não tirar della vantagem alguma, tambem desejava evitar qualquer perda. O facto de ter conservado os Bonds por tanto tempo é a prova mais clara, tanto da sinceridade da minha convicção de que Portugal podia fazer face ás suas despezas, como da impressão honesta, debaixo da qual eu escrevi, e que ainda conservo, de que com tranquilidade e uma Administração illustrada, todas as difficuldades se poderiam vencer, circumstancias que concorrerão poderosamente para que os Fundos Portuguezes subam muito além do valor porque presentemente são cotados.
«Eu tinha esta convicção, e ainda a tenho, não obstante ser victima della. A intelligencia em que fiquei com o Conde do Tojal quando comprastes os Bonds por minha conta, foi de que este negocio ficava tendo um caracter amigavel, e nunca seria considerado como transacção official, e nessa mesma época eu recusei com indignação o dinheiro que me foi offerecido por Costa Cabral, como antes já havia recusado Commenda da Ordem de Christo que Fulano me offerecera de parte de Costa Cabral e de Fulano. = Tenho a honra de ser etc. etc. = T. M. Hughes.»
E proseguiu — Peço tambem licença para lêr outros documentos.
«Manda A RAINHA pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, declarar á Agencia Financial em Londres, em additamento á Portaria confidencial de 29 de Junho ultimo, e em resposta á sua representação tambem confidencial de 16 do corrente, relativamente á compra de libras 20:000 de Bonds de 4 por cento por conta de T. M. Hughes, feita em virtude das Portarias do 1.º de Outubro e 4 de Novembro de 1811, que o Governo desejando antes que o ajustamento desta transacção se possa fazer sem prejuizo do interessado, não póde comtudo acceder a que se corra o risco de maior difficuldade
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em ser o Thesouro embolsado de qualquer differença: difficuldade que, sem duvida, augmentará, se, o que não é de esperar, progredir a baixa dos fundos, e a responsabilidade de T. M. Hughes não tiver sido bem devidamente reforçada. = Deve por tanto a Agencia, regulando-se pelo que fica exposto, dar prompta execução ás determinações constantes da citada o Portaria de 29 de Junho, na certeza de que é firme intenção do Governo continuar a conservar-se estranho a similhante transacção. Paço em 29 de Julho de 1846. = Julio Gomes da Silva Sanches.»
«Hamwell Middlesesc, 19 de Agosto de 1846. = Ill.mo Sr. = Accusando a recepção da vossa carta de 15 do corrente em que me annunciaes a grande perda resultante da venda das libras 20:000 de Fundos Portuguezes, tenho a chamar a vossa attenção ás minhas cartas anteriores, nas quaes vos informei das causas que me impossibilitam de poder desde já satisfazer parte do dito prejuizo, e agora peço-vos que solliciteis do vosso Governo que me conceda tempo para eu me habilitar a pagar esta divida, na certeza de que me obrigo a satisfazê-la no menor prazo que me fôr possivel.
«Tenho a honra de ser etc. = T. M. Hughes. = Ao Ill.mo Sr. João Maria de Carvalho e Oliveira. = Vice-Presidente da Agencia do Governo o Portuguez.»
Ainda proseguiu — Sr. Presidente, eu não tinha tenção de fazer leitura senão do 1.º documento, porque o meu desejo não foi, não é, nem nunca será fazer escandalo. Eu apresentei as primeiras Portarias, por entender que ellas eram necessarias para minha defeza, e da Administração a que pertenci; e sobre tudo para mostrar, que havia duas especies de credito — um verdadeiro e outro falso: o credito verdadeiro fundado sobre realidades; o outro credito falso fundado sobre não realidades, e fundada tambem sobre uma defeza desse credito, que até certo ponto não posso deixar de dizer, comprada. Os factos, Sr. Presidente, teem provado, que o nosso credito era fantastico: desejo não passar do ponto em que estou; mas se fôr excitado, serei obrigado a ir além da situação em que me colloquei.
O Sr. C. de Thomar —.....(1)
O Sr. Fonseca Magalhães — O D. Par já me deu toda a explicação que era de esperar da sua urbanidade. Eu pedi porém agora a V. Em.ª a palavra para uma explicação, e a minha explicação é esta. Eu não trouxe esse ponto para a ordem do dia; a discussão della estava terminada; o que eu fiz foi apresentar uma carta desse individuo, que me pedia a apresentasse, porque desejava se soubesse a verdade; porque, dizia elle, que pelos papeis que se tinham aqui lido parecia, que havia um certo arbitrio a favor de alguem, relativamente a esses fundos, mas que tal não havia, e que é calumnioso o que se dizia do Sr. Ministro da Fazenda, o D. Par Conde do Tojal, sobre essa transacção. É isto, Sr. Presidente, o que se passou, não houve má fé da minha parte, nem má vontade, e eu só tractei de usar da faculdade, que a Camara me deu para expor este negocio.
O Sr. V. de Sá da Bandeira — Sr. Presidente, eu pedi a palavra unicamente para uma explicação, porque tendo sido membro da Administração, de que fez parte o D. Par Sr. Conde de Lavradio, devia declarar que eu vi a carta do individuo, de que se tracta, remettida á Agencia de Londres, em que elle se considerava devedor ao Estado de uma somma, de que me não recordo, mas parece-me que seriam umas 2:800 libras, pela differença que havia entre a venda dos fundos, e em cuja carta tambem pedia se tivesse contemplação com elle, por não ter então dinheiro para pagar. Esta carta guardou o Sr. Duque de Palmella, e não devia ficar na Secretaria: o Sr. Carvalho Oliveira, que estava na agencia estrangeira, melhor poderá explicar este negocio. Em quanto á parte relativa á offerta da Commenda, não me recordo de a ter visto, mas pessoa que a viu me disse o mesmo, que acaba de repetir o Sr. Conde de Lavradio.
O Sr. C. do Tojal —......(2)
O Sr. C. de Lavradio — Eu peço a V. Ex.ª que me conceda a palavra.....
O Sr. Presidente — Tem a palavra.
O Sr. C. do Lavradio — O D. Par o Sr. Conde de Thomar terminou a sua explicação dirigindo-se para mim, e dizendo que eu tinha vindo aqui accusa-lo falsamente, e era uma calumnia.... Eu nem accusei nem calumniei (O Sr. C. de Thomar — Não foi á pessoa, foi á accusação): pelo contrario, eu apresentei um documento, e delle se póde S. Ex.ª servir para mostrar se a accusação é falsa, ou calumniosa. Torno a repetir a minha these, que se pretendia por meios não licitos, e do que toda a Camara e o Paiz inteiro estão convencidos, fazer acreditar que o nosso credito não era aquelle que realmente era (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra para uma explicação). Trouxe o testemunho desse homem, que foi accusado de tal corrupção, esse homem quiz defender-se, e quasi que diz neste officio, que foi um laço que lhe armaram; mas não querendo deixar-se corromper, e tendo uma conferen com o Sr. Conde de Thomar, este lhe offerecèra dinheiro e elle o recusára. Eu não sei nada disso, nem vi; mas diz este homem, que lhe offereceram dinheiro para o comprar, e vendo que resistira lhe mandára por interposta pessoa offerecer uma commenda da Ordem de Christo. A vista disto poderá dizer-se que eu venho aqui calumniar?! Julgue-o a Camara como entender, e o D. Par combata com os documentos.
O Sr. C. de Thomar..... (3)
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, respeitando eu muito, como respeito a V. Em.ª, e considerando-o um sabio regulador de nossos trabalhos, V. Em.ª não me ha de levar a mal; que respeitosamente lhe faça algumas observações, quando qualquer cousa me não pareça regular. V. Em.ª sabe que os usos parlamentares desta Casa e passarem as explicações para depois da discussão da materia a que respeitam, e portanto peço a V. Em.ª que siga este uso, que é na verdade o mais regular.
O Sr. Presidente — Eu devo dizer ao D. Par, que eram explicações de factos proprios dos topicos, em que ia fallando o Orador (apoiados); e apesar de ser contra o que quer o D. Par, e proprio do Regimento, tambem muitas vezes se tem praticado darem-se logo as explicações, porque corria melhor a discussão, e póde muitas vezes corrigir-se mesmo o enunciado, que um D. Par possa fazer, mal informado (apoiados). Mas se a Camara quer, que eu observe toda essa disposição do Regimento, de ficarem as explicações para depois da discussão, eu o farei restrictamente (Vozes — Não póde ser). Eu não sei se o D. Par está satisfeito, ou se quer que ponha á votação.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, eu estou não só satisfeito, mas satisfeitissimo, e até me considero na obrigação de dar a V. Em.ª uma satisfação. Eu não o disse de maneira nenhuma para censurar o procedimento de V. Em.ª, como Presidente; mas para obstar a que se sahisse dos objectos principaes desta discussão.
O Sr. Presidente — Vamos entrar na Ordem do dia, e tem a palavra o Sr. Visconde de Fonte Arcada.
ORDEM DO DIA.
Resposta (4) ao Discurso da Corôa, começada a pag. 112, col. 4.ª, e seguida a pag. 117, col. 4.ª, pag. 128, col. 4.ª, pag. 141, col. 4.ª, pag. 151, col. 2.ª, e pag. 154, col. 1.ª
O Sr. V. de Fonte Arcada — Quando pedi a palavra, Sr. Presidente, foi para responder a uma allusão, que fez um D. Par a que eu precisava responder: não era para entrar já na discussão do Projecto de resposta ao Discurso do Throno.
Agora porém depois de a pedir entrarei nesta discussão, discussão que me parece até agora ainda não ter sida o objecto dos diversos discursos dos D. Pares, senão em muito pequena parte: todos os discursos versaram sobre os actos dos dous Ministerios do Sr. Conde de Thomar, e do Sr. Duque de Palmella, e outros factos relativos, e escuso de dizer á Camara, que uma tal discussão tanto me não tem parecido inutil, que antes julgo muita utilidade se tem tirado das explicações, que se deram sobre diversos factos, e de certas declarações que alguns D. Pares fizeram relativamente a outros.
Sinto muito, Sr. Presidente, ver-me obrigado ainda uma vez, a levantar nesta Camara uma voz de censura, de censura que senão daria, se tivesse sido attendida não só a minha voz, mas a de muitos D. Pares, que se assentam deste lado, e o paiz não se teria despenhado num abysmo de que só tarde, oh! bem tarde poderá resurgir! Na verdade, Sr. Presidente, ardua é a minha tarefa, porque conheço a minha inhabilidade, e ainda mais penosa se me torna essa tarefa, quando tenho de fazer ouvir a minha voz nesta Camara, onde ainda soam os echos da eloquente voz do D. Par, que me precedeu, do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, pessoa em quem eu reconheço todos os dotes, que constituem um perfeito orador. As circumstancias, pois, em que voz fallar são-me desfavoraveis porém conto com a benevolencia e tolerancia da Camara para ser attendido. Terei de recorrer a diversos documentos e notas, que me serão precisas, para melhor poder entrar na materia; e espero que a mesma benevolencia da Camara me permittirá, a fim de eu melhor desempenhar a tarefa a que me vejo obrigado.
Devo declarar neste logar, que concordo em todas as expressões de respeito para com Sua Magestade a Rainha, exaradas na Resposta ao Discurso do Throno, em que toda a Camara me acompanhará na manifestação deste sentimento.
No Discurso do Throno se declara o desejo que anima o Coração da Nossa Augusta Soberana, para que cessem os effeitos dos abalos politicos, de que a Nação Portugueza tem sido victima a algum tempo a esta parte; e eu, Sr. Presidente, igualmente uno os meus votos aos de Sua Magestade, posto que poucas esperanças tenha, de que se realisem, para cujo resultado não se tem caminhado.
Para que estes abalos podessem acabar por uma vez, era preciso que depois da desastrosa guerra civil, por que temos passado, começássemos a entrar no caminho da legalidade, dando-se a cada um aquillo que lhe pertence, e que o Governo cumprisse rigorosamente este grande preceito constitucional, porque assim o Paiz já teria entrado na ordem; mas não é isto o que se tem seguido!
Um dos primeiros passos, Sr. Presidente, era dar-se occasião, a que a Nação Portugueza podesse livremente manifestar a sua opinião (apoiados), e que sem coacção podesse eleger os seus legitimos representantes (apoiados), para que estes fossem com a sancção da sua opinião, com a sancção de uma livre eleição, sarar os males de que esta Nação tem sido victima; porque, sem isto, Sr. Presidente, ainda que as medidas, que se publiquem sejam muito justas, ellas não terão força do acalmar as paixões. É necessario fazer vêr á Nação, que taes medidas são tendentes ao seu bem, o prosperidade, mas isso só o podem fazer pessoas que sejam da sua livre escolha, este caso não se póde dar, senão quando a Nação livremente eleger os seus representantes. Isto, Sr. Presidente, não tem acontecido, e para o que, bastam esses recenseamentos, que são todos filhos das falsificações (apoiados), e então como é....
O Sr. Presidente — Peço licença ao D. Par para lhe fazer uma observação, que eu julgo conveniente. Ainda que eu repute, que qualquer D. Par póde emittir a sua opinião sobre a falta de cumprimento da Carta Constitucional, ou das Leis do Reino, com tudo ha certa conveniencia, que deve regular o exercicio desta Camara, e esta conveniencia parece-me que deve ser regulada de maneira, que nunca se possa deixar de respeitar a competencia da outra parte do Corpo Legislativo, a quem está commettido o juizo desses actos, e ao mesmo tempo o desejo de não se augmentarem as desgraçadas discordias, que teem reduzido e consumido esta desgraçada Nação. Eis-aqui os sentimentos que eu peço ao D. Par tenha presente, para regular o exercicio do seu legitimo direito, que eu não contesto, nem quero restringir; mas só faço esta declaração da minha opinião, agradecendo com tudo a V. Ex.ª a benevolencia com que me tem attendido.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Começo por dizer, que eu não podia deixar de ouvir a V. Em.ª com toda a attenção, porque era esse o meu dever, não só como Par do Reino, mas até como particular, pelo muito respeito e veneração que lhe tributo. Mas permitta-me V. Em.ª lhe diga, que eu desejo como V. Em.ª, que possa haver entre a Nação uma completa união; mas não me parece que ella se possa obter á vista dos factos que, ainda quando eu me calasse, fallam muito alto, e demonstram claramente, que se não quer contribuir para essa união tão desejada, e que eu tanto como V. Em.ª desejo: entretanto, posto que eu não possa ter outra opinião, alem daquella que annunciei, uma vez que V. Em.ª julga, que eu nesta Camara não devo continuar na exposição daquelles factos, neste caso eu me submetto ás observações de V. Em.ª
O Sr. Presidente — O que eu disse não foi mais, do que expor a minha opinião, porque entendo que ao Poder Moderador é que compete I julgar aquelles factos, depois de serem maduramente examinados. Agradeço comtudo ao D. Par em concordar com este fim de utilidade e conveniencia, sem restringir (nem era essa a minha mente) o direito de S. Ex.ª, nem a discussão, pois o que eu desejo é, que o exercicio desse direito se use de uma maneira, que se tire o maior bem de paz e de união. São estes os meus desejos, os quaes entendo que o D. Par reconhecerá nascerem do meu coração.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Mas, Sr. Presidente, permitta V. Em.ª que eu faça mais alguma observação. Eu no meu discurso ia examinar o estado do paiz, e as causas que dão occasião a esse mesmo estado; mas uma vez que eu seja obrigado a seguir um caminho inteiramente diverso daquelle que eu julgava dever seguir, para devidamente examinar os acontecimentos do paiz, ver-me-hei obrigado a calar-me. (Sussurro. — O Sr. Presidente — Peço silencio, porque o D. Par está no seu direito). Sr. Presidente, parece-me que estou justificado, quando digo o que geralmente todo o mundo diz, e tem dito, e que foi reconhecido pelo Governo, que precedeu o actual, no seu celebre Decreto de 22 de Setembro. Aquelle Decreto reconheceu, que effectivamente os recenseamentos se não haviam feito como deviam; que os preparos para as eleições não foram feitos como a lei o exigia; reconheceu tudo isto, e verdade; mas não o remediou, e nem mesmo o podia fazer no tempo em que se mandaram tomar certas medidas, por isso que o seu conhecimento não podia chegar a tempo conveniente a toda a parte do paiz, a fim de que se entrasse naquelle objecto com toda a sisudeza, que demandava o negocio.
Ha um outro documento que falla mais alto, é a Ordem do Exercito n.º 80, que reconhece os graves males que se tinham seguido, da interferencia dos militares no ministerio das eleições; mas esta Ordem nenhum effeito produziu.
Lancemos os olhos para o que aconteceu na Cidade de Braga, quando um D. Par, que ha pouco acaba de tomar assento; foi para alli nomeado Governador Civil. Permitta a Camara que eu leia parte de uma caria do Secretario daquelle Governo Civil, a qual por ahi anda impressa, e se o que nella se diz não fôr exacto, o D. Par a quem me referi terá logar de o rebater.
«O Sr. Arrochella foi então advertido de que as hostilidades romperiam apenas elle adoptasse qualquer medida, que podesse contrariar as conveniencias dos que se inculcavam como defensores das idéas da commissão (eleitoral). S. Ex.ª não quiz acreditar estes avisos, que lhe davam pessoas assaz de confiança, nem podia convencer-se sem ouvir sobre este ponto o general: dirigiu-se por tanto ao Conde de Vinhaes, e fallou-lhe nestes termos Sr. Conde, resolvi retirar-me porque não posso deixar correr as cousas como ellas por aqui vão; o Governo quer liberdade para todos, e muitos eleitores tem receio de ir á urna; o Governo deseja conciliação, e aqui querem preponderar os agitadores intolerantes e exclusivos. Eu devia intervir e assegurar a todos o meio legal de manifestarem o seu voto; mas temo que apenas adopte algumas medidas, haja ahi alguma commoção violenta, e que a tropa rompa em excessos ainda a despeito das optimas intenções de V. Ex.ª, e das suas ordens e esforços.»
«E assim, respondeu o General, é grande a exaltação; e talvez eu mesmo não a possa reprimir; é tarde: as cousas estão muito preparadas; não podem já transformar-se; os bons desejos de V. Ex.ª é impossivel realisa-los.»
E proseguiu — Nada ha mais claro!... Nem sei que possa haver!... Sr. Presidente, quando os factos fallam deste modo, para que é que um D. Par, referindo-se a este objecto disse (respondendo a um D. Par deste lado), que queria que a respeito das eleições, que se acabavam de fazer, quando se quizessem impugnar se trouxessem factos averiguados?
Sr. Presidente, ha cousas tão evidentes, que em si mesmo tem a sua prova; porque, quem precisará provar que a luz do sol brilha? e que os animaes são dotados do movimento? A luz do sol prova-se pelo seu fulgor; e o movimento dos animaes vendo-os mover. O que é claro, manifesto, evidente, não carece de provas. Com tudo esta opinião do D. Par mostra que S. Ex.ª encetára o caminho do progresso, pois que se eu não estou enganado, quando aqui em 18Í6 se tractou do mesmo objecto, talvez em resposta ao que eu então disse, S. Ex.ª foi de opinião contraria, impugnando por isso toda e qualquer avaliação, que se fizesse sobre a legalidade das eleições. Agora, Sr. Presidente, não se pretende dizer que esta Camara não tem direito de entrar nessa avaliação porque se exigem provas; por quanto, reconhecendo-se que tem obrigação de manter a Carta e velar pela sua execução, está claro que temos direito a averiguar o modo porque se exerceu; isto é um progresso nas idéas do D. Par, espero que elle não pare era tão bom caminho.
Agora, Sr. Presidente, é chegado o momento d'eu responder a uma allusão, que o mesmo D. Par me fez, e estimo que elle me desse occasião de lhe poder responder, se bem que em qualquer occasião, que eu tomasse a palavra, teria o cuidado de dizer algumas palavras sobre esse mesmo objecto: diz o D. Par, Sr. Presidente, estas são as suas palavras «Que as pessoas, que fizeram representações ao governo, e reclamações aos ministros estrangeiros, não as deviam ter publicado; que tinham produzido a irritação, que se tinha manifestado na Nação; que isto fizera que não mandasse ninguem da opposição ao Parlamento.»
(O Sr. Gomes de Castro — Que fóra uma das causas.) Bem; mas parece-me que as palavras do D. Par não destroem o meu argumento.
Sr. Presidente, a publicidade dos Governos representativos é igualmente obrigatoria, tanto para os actos do Governo, como das pessoas ligadas á politica do Paiz; e Deos nos livre de que assim não fosse; porque a publicidade, longe de fazer mal é ella a base mais firme desta fórma de Governo; alem do que, Sr. Presidente, as pessoas a quem se allude tinham direito de reclamar a quem julgassem que lhes podia fazer effectivos os direitos constitucionaes, e dizer — a Carta Constitucional de 1826 concede ao povo o direito de eleger livremente, por que sem isso não ha eleição — e como poderão, Sr. Presidente, os representados votar conscienciosamente nos seus representantes, quando esses representantes lhes sejam impostos (apoiados)? Portanto, Sr. Presidente, uma vez que os representados se julgaram burlados no direito que lhes assistia, tinham direito de por todos os modos exigir, que lhes fosse mantido o que ahi se concede e está consignado na Carta como um dos principios constitucionaes.
Além disto, Sr. Presidente, depois dos acontecimentos desastrosos, de que proveio o Tractado de 21 de Maio, nelle pelo artigo 3.°, se exige a immediata convocação das Côrtes, isto é, uma verdadeira representação nacional; mas como é isso possivel, quando os elementos que lhe hão dar a essencia estejam falseados na sua origem; quando finalmente, para aquelles que devem formar esse corpo tão respeitavel, não haja uma escolha livre e independente da parte daquelles, que tem direito para o fazer? Por consequencia, foi fundado nestes principios, que eu julgo incontestaveis, que assignei, e ainda hoje me honro muito de ter assignado esses papeis com outras pessoas mais. Mas como se póde dizer, que foi isto uma das causas desse movimento contra a liberdade da eleição, do que o D. Par se queixa, quando em consequencia daquelle movimento, é que as reclamações foram feitas? Pois então se estas representações foram feitas depois daquella irritação como lhe deram ellas logar? Permitta-me o D. Par lhe diga, que não posso conceber como isto se possa entender?
Não se póde pois presumir, Sr. Presidente, que a exaltação que se manifestava no Paiz (não da Nação) fosse devida ás reclamações: primo, porque a maior parte dessa gente não via esses papeis; secundo, porque foi em consequencia dessas manifestações, e de outros actos anarchicos daquelles, sobre quem a authoridade tinha um poderio mais immediato, que se fizeram essas reclamações: logo, repito eu, não foram estas a causa, mas antes essa irritação o que produziu as reclamações.
O D. Par disse tambem — que a guerra pela qual acabamos de passar não era guerra civil, porque não se disputara o Chefe do Estado. Julga o D. Par que só as guerras de successão são guerras civis? Não senhor: ha as por differentes motivos, e n'um extracto que tenho presente do mesmo, auctor, a que o D. Par se referiu, mostra-se, que para haver uma guerra civil, basta que haja dous campos diversos, em que nenhum delles reconheça um centro de governo commum; e isto aconteceu na guerra ultimamente passada. Aqui está, Sr. Presidente, o que diz o auctor a que S. Ex.ª se referiu, «Sempre que um partido numeroso se julga com o direito de resistir ao Soberano, e lança mão das armas, a guerra deve fazer-se do mesmo modo como se fossem duas nações diversas; e ambos os partidos devem não só evitar os excessos, mas procurar por todos os meios o estabelecimento da paz.»
Eis-aqui na phrase deste auctor o que constitue uma guerra civil, e desgraçadamente, essa guerra civil tivemos nós com todos os seus horrores.
Sr. Presidente, resta-me continuar o meu discurso, tractando de examinar até que ponto o tractado de 21 de Maio está executado, ou está violado — 1.º artigo. — Uma amnistia completa e geral de todos os delictos politicos commettidos desde os principios do mez de Outubro ultimo.
Sr. Presidente, de que a amnistia foi cumprida quanto ás pessoas envolvidas em processos regu-
(1) Não vai consignado este discurso, por não ter chegado a tempo á redacção, revisto pelo Orador, o que se fará logo que seja restituido.
(2) Este discurso não póde inserir-se, por não se ter a tempo aclarado uma duvida que sobre elle teve a redacção.
(3) Vide nota n.º 1,
(4) Vid Diario do Gov. N.º 23, pag. 92.
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lares estou eu convencido posto talvez haja um ou outro caso, em que não fosse cumprida; mas parece-me que quando esse caso se manifestou ao Governo, o Governo proveu logo; porém, Sr. Presidente, se a amnistia foi cumprida judicialmente, por outro lado foi substituida por uma perseguição systematica; porque, diversos bandos de individuos assalariados teem perseguido por toda a parte aquellas pessoas, que serviram a Junta do Porto; tem havido, para assim dizer, um proceder systematico de perseguição contra estas pessoas; e quando isto tem logar póde por vantura dizer-se que ha amnistia! No Porto, Algarve, e Beja, tem sido acutilados os que serviram a favor da Junta, e até defronte dos palacios reaes, o foi um individuo pelo mesmo motivo; e entretanto não sei que tenha havido procedimento, em que se tenha mostrado que taes pessoas, desenfreando a sua furia contra aquelle individuo, a isso fossem excitados por qualquer offensa, ou que os agressores fossem castigados por similhante procedimento.
Outro artigo, Sr. Presidente, é a revogação de todos os decretos anti-constitucionaes, publicados depois do dia 6 de Outubro. Alguns foram effectivamente derogados, e eu fiz um requerimento, que ainda não foi respondido, o qual me habilitaria a poder entrar nesta discussão com mais propriedade; mas comtudo farei quanto me fôr possivel para o fazer, apesar de conhecer que a difficuldade talvez não fosse tamanha, que trabalhando-se mais uma hora ou duas nas Secretarias, senão podesse mandar esses documentos, que já não são pedido meu, mas sim da Camara: por consequencia levemente tractarei do objecto; mas não posso deixar de fallar sobre um desses decretos, que ainda não foi derogado.
Sr. Presidente, a Constituição do Estado reconhece duas forças: a força de linha, e a da guarda nacional organisada. Ora quando por diversas vezes se teem organisado batalhões, teem elles sempre existido só em quanto as circumstancias o exigem; mas logo que cessam essas circumstancias teem sido dissolvidos; e para lembrar um facto á Camara, que é o mais recente, veja-se o que aconteceu em 1840, quando se formaram batalhões em consequencia de se recear uma guerra com a Hespanha, e logo que esse receio cessou, tendo-se por esse tempo convocado as Côrtes, deu o Ministerio parte ás mesmas Côrtes dessa creação, requerendo a sua conservação, o que não lhe foi concedido. E eu acho-me authorisado para dizer, que em todas as circumstancias extraordinarias, em que se tem lançado mão desta força, logo que cessam essas circumstancias, essa força é dissolvida.
Já fallei a respeito do artigo relativo á convocação das Côrtes, resta-me agora fallar sobre o artigo 4.°, é este: «A nomeação do Ministerio composto de pessoas, que não pertençam ao partido a dos Cabraes.»
Peço licença ao Sr. Conde de Thomar de assim me exprimir, porque são as palavras do artigo.
Este artigo não podia ter por fim excluir do Ministerio uma pessoa determinadamente (O Sr. C. de Thomar — Apoiado): seria extremamente ridiculo que tres nações se occupassem de tal; o seu fim foi excluir os principios de administração do Sr. Conde de Thomar, aos quaes se deveram as inquietações do paiz; e então e claro que todas as pessoas, que apoiaram o systema politico do D. Par Conde de Thomar, estão comprehendidas nas disposições desse artigo; e olhando eu para os bancos dos Srs. Ministros, lá vejo nelles pessoas, que foram denodados campeões da administração do D. Par Conde de Thomar. (Apoiados sussurro). Eu espero que os D. Pares tenham paciencia de ouvir-me, e senão fôr por outra razão, ao menos lembrados de que a tolerancia é uma virtude social, sem a qual se não póde viver na sociedade.
Sr. Presidente, no discurso diz-se isto — durante a melindrosa situação, etc.: —é isto o que diz Sua Magestade, ou pelo menos os Seus Ministros. Eu sei distinguir, que n'um Governo constitucional todos os actos publicos do Governo são dos Ministros, bem como que o Rei não póde querer senão o que é justo e bom. Eu pois posso descorrer como entender livremente sobre os actos governativos.
Sr. Presidente, as melindrosas circumstancias foram creadas pela sedição militar de 6 de Outubro, porque o paiz, sob a Administração do Ministerio de Maio ia acalmando a pouco e pouco, porque havia confiança nas pessoas que dirigiam os seus destinos. Sem confiança nas authoridades, Sr. Presidente, não póde haver socego: poderá haver terror; mas o terror não póde tranquillisar o paiz. Veio porém a noite de 6 de Outubro, e um dos primeiros actos que se seguiu, foi a suspensão das garantias, sem que então houvesse rebellião no paiz, sem que houvesse invasão estrangeira (apoiados). Sr. Presidente, eu pedi a este respeito um documento, que mostre se havia rebellião ou invasão, e a que estou convencido se não dará resposta, e não se póde dar; porque é facto, que não havia rebellião no paiz, nem tinha havido invasão estrangeira.
Diz mais o discurso — «Foram suspensas as garantias affiançadas pelo artigo 145, etc.» Limitou-se acaso o Ministerio, que então estava á frente dos negocios, a suspender as garantias na conformidade da Carta? Não senhor; e para o provar bastará lêr o Decreto do 27 de Outubro de 1846 que diz assim: «Em quanto durarem as actuaes circumstancias de rebellião armada etc.» Isto não é suspensão de garantias segundo o disposto na Carta; e, noto Sr. Presidente, que o Ministerio nem uma só palavra dissesse a este respeito no discurso da Corôa; mas pelo Decreto se vê, que se assumiu um poder absoluto, que talvez os nossos antigos Monarchas absolutos não tivessem, porque não sahiam fóra das regras estabelecidas.
Sr. Presidente, vejo-me forçado a dizer algumas palavras sobre um acontecimento, que eu não posso deixar de lamentar, mas a respeito do qual eu não posso deixar de fazer agora algumas observações: fallo a respeito dos prisioneiros de Torres Vedras. Esses prisioneiros foram considerados como prisioneiros de guerra: as leis que governam as nações no estado de guerra civil, são as mesmas que as regem no estado de guerra estrangeira. Pergunto pois: se elles eram prisioneiros de guerra, como se mandaram para a costa d'Africa? Se eram simplesmente sediciosos, como se poderam mandar para lá sem serem sentenciados? Isto não tem resposta; e o facto verdadeiro é, que esse procedimento foi tão escandaloso, que produziu um resultado contrario ao que se esperava; foi isso effeito de uma politica má e irreflectida, da qual novos inimigos surgiram ao Governo em toda a parte; porque se viu, que nem as circumstancias a tanto obrigavam, nem havia motivo para se tomar tal medida (apoiados). Este acto pois não póde deixar de ser estygmatisado por mim, e o será sempre, especialmente por ser praticado no Reinado de uma Senhora: todos sabem porém que os seus Ministros é que são os responsaveis. Eu desejarei muito que o nobre Duque de Saldanha se explique a este respeito, pois não posso persudir-me de que S. Ex.ª tomasse parte em tal medida, porque o valor é generoso, o valor é justo, e nesse procedimento não houve nem generosidade, nem justiça.
Diz-se que a deportação dos prisioneiros de Torres Vedras tinha sido uma represalia; mas admittido o principio das represalias, stygmatisado por escriptores distinctos, que horrores não se seguiriam? Para se dar um similhante passo, era necessario que se confiasse muito na Junta do Porto, de que não seguiria o mesmo principio de represalia, e felizmente a Junta correspondeu a esta confiança.
O fim desta medida foi um fim politico, para vêr se pelo terror se acabava com a revolução; mas o terror é uma arma perigosa, que de ordinario se volta contra quem a emprega.
Sr. Presidente, diz-se que se quer paz e união: paz e união quero eu, quer a nação toda, porque carece della, porque não póde viver sem ella, o porque ha mais de dous annos Portugal não tem nem paz nem união; e eu apoiarei qualquer Ministerio que dér paz e união ao paiz, venha elle donde vier; porque a mim não me importa donde elle vem, importa-me só para onde vai. Vejo porém, Sr. Presidente, que se está mui longe disso, e que o caminho encetado não é para ter paz nem união.
Ainda ha dias se leu aqui um requerimento de varios cidadãos de Leiria, alguns dos quaes conheço eu de perto, e sei que são pessoas muito respeitaveis, porque os tractei quando tive a honra de ser Administrador Geral daquelle Districto, os quaes se queixam nesse requerimento de arbitrariedades que lhe foram feitas pelo respectivo Governador Civil. Eu confio em que as palavras nesta Camara pronunciadas pelo Sr. Presidente do Conselho se cumprirão, e que se puna o auctor de taes attentados.
Aqui tenho eu na mão uma carta de um amigo meu, na qual me diz o seguinte:
«Em Pernes arde tudo com prisões das pessoas que não votaram com o Administrador do Concelho. Em Villa Nova pertencentes aquelle Concelho, prenderam, ha dias, um rapaz de vinte e seis annos, que trabalhava com bois de seu pai, sómente porque este é aleijado e de quasi de oitenta annos não foi votar com o Administrador.»
Na presença de taes actos, praticados tão despoticamente pelas Authoridades, como é que póde haver paz e união no paiz? Não é possivel.
Ainda ha pouco em uma sala, onde se reunem muitos illustres cavalheiros, em quem reconheço todas as qualificações, menos uma, se proferiram uma fataes palavras: a nação que as ouviu, que as avalie. Não me admiraram, porque
Impera alli terrivel divindade,
Que de torvos ministros se rodeia.
Disse o D. Par Conde de Thomar, que em 1838 tinha livrado Lisboa da contribuição imposta pelos marcas, e que a Guarda nacional de 1836 não linha aquella organisação que devia ter: é verdade; ella tinha um principio máo em si, que era o da paga do serviço, o que se deve evitar, logo que ella se haja de organisar (o que desejo seja quanto antes): a troca do serviço só se deve consentir de pai para filho, entre irmãos, ou de caixeiro para patrão: quando isto assim se fizer teremos uma boa guarda.
Ora, Sr. Presidente, contra aquelle máo principio, em que tambem tive a honra de ser Deputado ás Côrtes Constituintes, mais de uma vez combati, não fui attendido, bem como agora não o tenho sido, mas a isso já estou acostumado.
Mas esta guarda nacional mal organisada não sahiria da orbita do seu dever, se nas reuniões da travessa de André Valente e do Arsenal não se lhe estivessem incutindo exaggeradas desconfianças contra tudo o que ha demais respeitavel no paiz. Sr. Presidente, assim mesmo a guarda nacional repelliu certas horrorosas exigencias que se lhe faziam, e um dos Commandantes destes corpos deu a resposta que dera Mr. A'Orte, Governador de Baiona, quando Carlos IX exigiu a matança dos protestantes: esta resposta é bem conhecida da Camara, e escuso de a repetir.
A respeito do Ministerio de Maio nada tenho a dizer, depois que tão illustres como conspicuos oradores explicaram e defenderam os seus actos. Direi unicamente, que a Administração de Maio deixou apoz si um rasto de luz, que foi a lei eleitoral, e cujas bases muito me apraz agora vêr approvadas por um D. Par, que está sentado á minha esquerda, e teve parte nella.
Esta lei eleitoral deve servir de base a toda a lei que se queira fazer, para que dahi venha uma boa representação nacional ao paiz Esta lei eleitoral ha de certamente, quanto aos seus principios, ser tida em consideração quando se tractar de fazer uma lei sobre este objecto; e repito ao D. Par a quem me referi, que muito me apraz que S. Ex.ª no seu discurso emittisse a idéa de elevar os circulos eleitoraes: esta idéa é minha ha muito tempo, e na constituinte tambem a defendi e propuz; mas desgraçadamente não fui attendido. Que quer dizer 30 ou 40 Deputados eleitos por um circulo? Assim nunca se poderá dar uma verdadeira representação do paiz. Por consequencia estimo bem, que uma pessoa tão conspícua, e que cedo ou tarde estará outra vez á testa da Administração do paiz. (O Sr. F. Magalhães. — Não Sr.) não sei: poderá estar porque tem todos os requisitos para isso (apoiados sussurro). Estimarei pois quando chegue essa occasião se realise este pensamento.
Sr. Presidente, tenho apresentado o principal do meu discurso, é verdade que mais extenso o queria fazer, mas as minhas forças não satisfazem á minha vontade; reservo-me pois para quando a discussão continue sobre este objecto; e se ella se demorar e eu tiver tempo, hei de outra vez pedir a palavra.
O Sr. M. do Reino — (Sobre a Ordem.) Na penultima Sessão, estando eu ausente desta Camara, um D. Par quiz saber, qual o procedimento do Governo relativamente aos acontecimentos de Leiria, de que o D. Par acabou de fallar. O Sr. Presidente do Conselho de Ministros, que estava presente, deu as explicações genericas, que estavam ao seu alcance, e certificou que logo que chegasse á noticia do Governo, daria as providencias devidas: o D. Par pareceu dar-se por satisfeito.
Não sei se a Camara quer agora occupar-se deste objecto; mas depois da affirmativa do Sr. Presidente do Conselho, parece estar o caso resolvido: agora, quando muito, apenas terá logar expor o estado da questão, e até que ponto póde neutralisar-se a imputação feita á Authoridade Administrativa, pelo modo porque se houve naquelle acontecimento, sendo por esta occasião impellido a fazer algumas considerações. O que posso dizer e, que apenas me foi communicado o procedimento, de que se argue o Secretario Geral do Governo Civil de Leiria, mandei logo suspender o procedimento, que não approvei, e verdade seja dita, já estava suspenso pela Authoridade, quando recebeu o aviso a que me refiro; e digo eu, que ajuizemos de uma Authoridade que vê divagar pelo Districto a seu cargo, escandalosa, e impunemente os conspiradores; que apprehende correspondencias que tornam suspeitos alguns individuos, que além de já classificados por seus precedentes, se tornam emissarios dos conspiradores, e tractam de acarretar novas calamidades ao nosso malfadado paiz (apoiados); e não ha de a authoridade por momentos ao menos, poder oppôr-se á torrente revolucionaria? No Concelho de Alvaiasere tem apparecido desenvolvido o espirito de revolta; os agitadores tem para alli applicado suas attenções, e para alguns Concelhos visinhos daquelle; e a Authoridade responsavel pela conservação da tranquillidade publica lá está attenta; e quer-se que esteja indifferente a tudo? é impossivel; porque, primeiro que tudo está a segurança publica e do Paiz (apoiados), que se não assegura pela inercia das Authoridades, e pela impunidade dos anarchistas. (Apoiados.)
O Sr. C. de Lavradio — Eu não desejava de modo nenhum interromper a discussão, que é muito importante; mas parece-me que a materia sobre a qual o Sr. Ministro dos Negocios do Reino acaba de chamar a attenção da Camara, é de tal modo importante, que me parece digna de se interromper a discussão da ordem do dia: tracta-se nada menos do que atacar a segurança individual, e S. Ex.ª acabou de emittir uma opinião ante-constitucional.
A Constituição, penso que ainda não disse, ser permittido á Authoridade Administrativa tomar medidas preventivas contra a liberdade individual! Esta materia é da tal importancia, que me parece merecia ser tractada immediatamente, e então direi, que não é a primeira Authoridade Administrativa que sahiu da orbita das suas attribuições a atacar a liberdade individual. Ainda hoje, esta manhã, recebi uma carta que desejava mostrar á Camara, que é de um D. Par que me escreveu dizendo, que não tinha comparecido ás Sessões, por que tendo-se dirigido a esta Camara a respeito da prepotencia que contra elle tinha praticado um Administrador de Concelho, não se tendo dado attenção nenhuma á, leitura do seu officio, elle julgava não vir tomar assento nesta Camara em quanto não fosse desaffrontado. Este D. Par é o Sr. Conde de Avillez, que recebeu a mesma intimação dos habitantes de Leiria, para se apresentar ao Governador debaixo de pena de prisão! Isto ao Par do Reino, que a Carta Constitucional diz nunca poderá ser preso sem declaração da Camara! E este Par do Reino foi ameaçado de que não querendo sujeitar-se a esta ordem injusta seria preso, e ainda não se deu satisfação nenhuma!...
O Sr. Presidente — Eu peço licença ao D. Par para lhe dizer, que poderá vêr na Secretaria as providencias que a presidencia tomou a respeito daquelle D. Par, para fallar com mais exactidão.
O Sr. Conde de Lavradio — Mas trouxe isto para mostrar, que a Administração deu disposições secretas para se proceder com medidas preventivas contra os cidadãos! horriveis medidas preventivas para atacar a liberdade do cidadão, e della passar á da propriedade! A vista disto peço á Camara, que considerando a gravidade da materia, julgue conveniente que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino dê as explicações, que elle disse estava prompto a dar, pois que só tractou de defender a Authoridade Administrativa.
Eu quiz fazer esta interpellação ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, mas como V. Ex.ª deixou de assistir ás Sessões desta Camara dous ou tres dias, e estava presente o Sr. Presidente do Conselho, julguei que devia dirigir-lhe a interpellação; e S. Ex.ª respondeu então de uma maneira que me satisfez, e dei-me por satisfeito, porque S. Ex.ª disso, que o Governo apenas tinha tido conhecimento daquelle facto, tinha tomado as medidas necessarias para elle se não repetir, e parece-me até haver dito, que reprehendêra a Authoridade para não sahir da orbita das suas attribuições...
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Que immediatamente tinha sabido do facto, expedira ordem em contrario, e procurara as informações necessarias para proceder a este respeito.
O Sr. Conde de Lavradio — Era o que devia fazer: bem, e então estou satisfeito, e não diria agora mais nada, se o Sr. Ministro dos Negocios do Reino não tivesse apresentado como desculpavel, e medida necessaria, aquella de proceder contra os cidadãos sem ser em virtude da Lei.
O Sr. M. do Reino — Se eu quizesse apoiar o procedimento da Authoridade administrativa, não teria determinado immediatamente que elle cessasse. Eu disse que — se desculpa póde ter uma Authoridade administrativa, é neste caso, em que vendo perturbada a tranquillidade publica; a anarchia prompta a proromper; diante de seus olhos aquelles que a fomentam; chama os cidadãos de que ha fundada suspeita, que tem frequentado os pontos onde se manifesta a agitação, e lhes ordena se abstenham de sahir para aquelles pontos, sem ser legalisados com passaportes, a fim de os poder fazer vigiar; e que prescreve o modo de vereficar se a ordem é cumprida. Eis o que fez o Secretario Geral do Governo Civil de Leiria; nem foram presos nem privados do gozo da sua liberdade: mas quando quizessem sahir para pontos como Alvaiazere, e outros do Districto. não o fizessem sem passaporte, como o tinham feito até então por vezes; e não quero nomear esses individuos, a respeito dos quaes ha motivo para bem fundadas suspeitas. A Camara não o exigirá, mas disse, e digo, que são conhecidos pelos seus precedentes, e de cujo procedimento politico a Authoridade deve tomar escrupulosa informação.
Agora quanto ao procedimento de Portalegre, creio ser de antiga data; mas se alguma couza ha de novo, eu me informarei (O Sr. V. de Fonte Arcada — Policia secreta!...) Policia secreta!.. porque não? Policia que não avize os criminosos; policia que possa ter resultados quando os deva ter; policia rija e forte bem preciosa pelas circumstancias, porque os agitadores, segundo seu costume, acobertam-se com as formulas do systema constitucional contra o systema constitucional, e valem-se dos preceitos da Carta para subterrar a mesma Carta. Repito, que a posição das Authoridades é difficultosissima, mas que a pezar disso hão de seguir á risca as instrucções do Governo, não disposições vexatorias, porque as que tenho dado ahi estão consignadas nas columnas do Diario, todos sabem as medidas que o Governo tem tomado: mas affianço que na sua execução ha de fazer, que as Authoridades não durmam, e que cheguem até onde podem chegar, marchando a par das circumstancias; porque, assim como não quero que exorbitem, tambem não quero que deixem de prevenir e proceder, logo que haja motivo para isso. A ordem e tranquillidade merecerão incançavel cuidado ao Governo; elle véla: se algumas individualidades se tornarem necessarias, ellas serão tidas em consideração; ninguem será tolhido do uso de sua liberdade legal: mas logo que essa liberdade perca esse requisito essencial para ser respeitada e mantida, o Governo procederá como lhe cumpre, tendo em vista que a impunidade tem sido a origem dos males, que tem dilascerado este Paiz, e que o póde anniquilar inteiramente (apoiados).
O Sr. C. de Lavradio — Acaba de dizer o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que nenhuma violencia se praticára contra aquelles individuos, e a unica cousa que se exigira delles fóra munirem-se dos competentes passaportes quando houvessem de sahir a certa distancia, creio que é á de cinco legoas que a lei obriga a tirar passaportes: como quer que seja, não foi disso que aquelles cidadãos se queixaram, e ahi está o requerimento que elles dirigiram a Sua Magestade pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, e que eu já li na Camara, no qual se queixam de terem sido intimados pelo Governo Civil para nelle comparecerem todas as vinte e quatro horas. E não só se queixam desta violencia (de que se queixam muito bem), mas ainda de outra que é de lhe não quererem dar cópia da ordem, quando elles a pediram, e isto com o fim de lhe tirarem este documento; porque, Sr. Presidente, tem-se usado desta arte — de não dar documentos, e até de os tirar quanto possivel, para senão poderem queixar das Authoridades!
Eu tambem quero, como o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e desejo, que se tomem todas as medidas preventivas, todas quantas forem necessarias para evitar, que pe perturbe a ordem; porque isto não só é de S. Ex.ª, mas até é do seu dever: entretanto, essas medidas não devem ser taes, que vão atacar o direito dos cidadãos, e é sobre isto que eu faço a advertencia a S. Ex.ª, para que as Authoridades administrativas, o os seus subordinados, não commettam excessos tomando medidas de violencia tão grave.
O Sr. Ministro do Reino — Eu passo a lêr a participação do Secretario Geral, servindo de Governador Civil, de que tenho aqui o extracto (leu-a).
O Sr. V. de Fonte Arcada — Direi duas palavras, ainda que muito teria a dizer. Disse-se naquella participação, que alguns dos cidadãos intimados são pessoas reconhecidas por anarchistas; oh! Sr. Presidente, pois ao Sr. Athayde, que é um dos proprietarios mais ricos de Leiria, e um dos moços mais socegados, póde-se-lhe chamar anarchista? Isto parece incrivel!... Ainda ha pouco eu me queixei do modo pelo qual a
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amnistia foi entendida, e aqui vem agora o Sr. Ministro confirma-la!
O Sr. Ministro do Reino — Não se procede por factos anteriores, por elles classificam-se certos individuos; mas procede-se por factos recentes, nem eu creio que lhes fosse concedida indulgencia plenaria para todo sempre (apoiados).
O Sr. V. de Fonte Arcada — V. Ex.ª disse, que aquelles cidadãos haviam tomado parte na revolução passada, e isto é muito diverso do que S. Ex.ª acaba agora de dizer.
O Sr. C. de Thomar -....(5)
O Sr. Presidente — Ámanhã continúa a mesma discussão — Está fechada a Sessão.
Eram mais de quatro horas e um quarto.