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62 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe fazer uma pequena observação. Não é licito, nem é uso em nenhum parlamento do mundo fazerem-se interrogações sobre o que se passa no conselho privado do soberano, conselho que é por sua natureza essencialmente secreto, e por isso os ministros não podem nem devem responder cousa alguma a perguntas do genero d'aquellas que o digno par fez.

O sr. Miguel Osorio: - Auctorisou as perguntas que dirigíra com precedente que presumia em paridade.

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe observar que o facto que v. exa. acaba de citar não tem paridade alguma com este. Cumpre-me sustentar, por dever do logar em que estou, que não é licito a um membro d'esta camara interrogar os ministros sobre factos passados em conselho privado. Se eu hontem tivesse ouvido a s. exa., tinha-lhe feito esta observação.

O sr. Ferrão: - Sr. presidente, limitar-me-hei, como relator da commissão, a justificar o parecer que se discute; mas devo declarar previamente que não sympathiso com as dictaduras, nem me incumbo de as justificar, como homem de lei.

Não encontro fundamento legal para as justificar, porque a carta nem se quer conhece a possibilidade da dictadura, e por mais que recorra todos os seus artigos, não vejo que o seu augusto legislador prevesse esta hypothese.

Mas as dictaduras têem sido praticadas n'este paiz depois da promulgação da carta. Temos precedentes.

E n'esta conjunctura, que resta a fazer ao parlamento, depois d'esta aberração constitucional?

Accusar os ministros da corôa, em conformidade da carta, pelo excesso e abuso do poder, ou relevalos.

E a consequencia immediata d'este acto, a que se dá o nome de bill de indemnidade, é a approvação ou rejeição das medidas? Póde não ser uma consequencia geral e absoluta; póde a camara ou o parlamento fazer aqui excepções; mas quando as não faz, como as não fez a camara dos senhores deputados, entendo que esta camara tambem as não deve fazer. Entendo mesmo que as não póde fazer, sr. presidente, porque não é possivel dar consideração especial a um projecto de lei e não a dar a todos. Dá-la a todos é materialmente impossivel.

Em todas as dictaduras, as principaes, e esta é uma d'ellas, são tão numerosos os decretos, tantas as suas disposições, que não seria possivel a ninguem, em um, nem em dois, tres ou quatro mezes de estudo, apreciar as suas disposições, para conscienciosamente proferir um voto de approvação ou rejeição total ou parcial.

Eu dei-me ao trabalho puramente material, como já noutra occasião o fiz, de contar, em sete ministerios, e em tresentas e doze paginas, o numero de artigos que contêem estes decretos.

São seis mil seiscentos e vinte e tantos! Mas, sr. presidente, não contando mesmo os paragraphos e os numeros, os mappas e as tabellas, o que eleva a conta a mais de vinte mil, e ainda se ha de descobrir pela analyse em cada artigo duas, tres e quatro disposições differentes que contenham outros tantos preceitos do legislador!

Ora, como se póde fazer um exame consciencioso?... É impossivel.

É pois necessario fechar os olhos e votar o projecto em geral, como fez judiciosamente a camara dos senhores deputados, e n'esse intuito toda a commissão votou a favor d'elle.

Sr. presidente, o governo tinha ao principio formulado a sua proposta de lei nos seguintes termos:

"São confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, as medidas de natureza legislativa contidas nos decretos promulgados pelo governo desde 26 de janeiro a 24 de abril do corrente anno, e que constam da relação junta, que fica fazendo parte d'esta lei."

O projecto, porem, que temos presente, apparece redigido nos termos seguintes:

"Os decretos de natureza legislativa promulgados pelo governo desde 28 de janeiro a 24 de abril do corrente anno continuam em vigor emquanto não forem alterados pelo poder legislativo."

Vê se pois que a camara dos senhores deputados, não aproveitou textualmente a proposta do governo, fez lhe alterações essencialissimas, que têem alguma significação, e nós, como intrepretes da lei, temos obrigação de l'ha dar.

Nas leis não se tiram nem põem palavras, sem uma significação, porque não ha inutilidade nem no espirito nem no texto do legislador, assim como não ha excrescencias, quando d'elle se retira qualquer palavra.

O governo foi legislador, foi homem de lei, homem moral, pois que promulgou as suas leis; fez depois sua proposta de sanação em certos termos, que não foram de todo aceitos. O bill de indemnidade foi concebido n'outros termos.

Agora quer ver a camara quaes foram as profundas e essenciaes alterações que se fizeram á proposta do governo?

Dizia ella: "São confirmadas", retirou-se a confirmação, assim como as palavras: " para terem força de lei".

Sabemos, todos os jurisconsultos, o que é um decreto com força de lei; pois foram tambem supprimidas as palavras: "para terem força de lei"; ficou só: "continuam em vigor".

Não só isto, retirou-se tambem toda a expressão do artigo 3.°: "fica revogada toda a legislação em contrario". E ainda mais, retirou-se a relação que fazia parte integrante da proposta de lei.

Eis-aqui um acto altamente significativo, um acto politico que não entra na ordem ordinaria das leis que se apresentam ao parlamento.

Este procedimento da camara dos senhores deputados salva as consciencias de todos, e tem um grande alcance, porque reserva as iniciativas parlamentares.

Ámanhã estamos auctorisados a fazer uma proposta revogando quaesquer d'estes decretos, pois se diz: continuam em vigor emquanto não forem alteradas pelo poder legislativo.

(Interrupção do sr. visconde de Fonte Arcada que não se percebeu,)

Tanto n'esta como na outra camara. Em materia de impostos, conforme a carta constitucional, ha de vir de lá a iniciativa, mas em tudo o mais temos o mesmo direito.

Que quer isto dizer, sr. presidente? Quer dizer nenhuma outra cousa senão que estas disposições continuam em vigor pura e simplesmente; que a legislação em contrario não ficou revogada, o que significa virtualmente que o vigor d'essa legislação ficou apenas suspenso.

Em vista d'este precedente não aceito, não interpreto de outro modo este projecto de lei.

Ora, coherente com estas idéas, tambem não aceito a separação do decreto eleitoral, nem de nenhum dos outros que estão n'esta collecção, apesar de haver alguns que a minha consciencia repelle, e que não approvaria do primeiro artigo até ao ultimo, se se tratasse de uma proposta de lei especial.

Não indicarei agora quaes são. Não me faço cargo d'isso. Reservar-me-hei para outra occasião.

Sr. presidente, foi incriminado o parecer da commissão por se interpretar que elle dava a sua approvação a estas medidas, quando o projecto não faz mais do que mandar continuar em vigor já existente, do que homologar um acto consumado, que não é seu, e ao qual só lhe dá uma confirmação provisoria, o cunho da sua auctoridade para continuar a ser cumprido. O projecto não faz mais do que isto.

Admiram-se que no parecer da commissão se escrevesse "Attendendo, que nos termos do projecto se propõe uma confirmação restrictamente provisoria".

Oh! sr. presidente, pois como foi a approvação do codigo civil n'esta camara? Precedeu-o uma lei, que foi a que