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SESSÃO DE 29 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios-os dignos pares
Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.

(Assistiam os srs. ministros, do reino, fazenda, marinha e obras publicas.}

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Margiochi: - Pediu a palavra para dar uma explicação á camara a respeito de um facto que na precedente sessão avançára, e se convenceu depois não ser exacto...

O sr. Presidente: - Peço attenção á camara, e rogo ao digno par que, emquanto não estiver restabelecido o silencio, não continue a usar da palavra, pois é necessario que o presidente ouça o que os oradores dizem, a fim de poder encaminhar devidamente os trabalhos.

O Orador: - Continuou expondo que, depois do sr. visconde de Chancelleiros ter, na precedente sessão, dirigido algumas perguntas a respeito do estado dos pagamentos a diversos fornecedores d'esta camara, como elle orador era o unico membro, então presente, da commissão encarregada de tomar contas ao sr. marquez de Niza, pedira a palavra e dissera que ella em breve apresentaria o respectivo parecer; isto porem fora no supposto de que o delegado do sr. marquez de Niza já havia apresentado as contas á mesma commissão, e n'esta conformidade já se estariam examinando.

Soube depois que a pessoa encarregada pelo digno par se tinha dirigido ao sr. presidente da commissão a pedir esclarecimentos, mas que não fizera ainda presentes as mesmas contas; portanto não é possivel á commissão apresentar o seu parecer emquanto se lhe não entregarem os documentos e contas correntes em relação ao que se gastou, e a alguma receita que o sr. marquez de Niza recebesse depois de ser approvado o parecer apresentado em tempo pela commissão especial.

Pelo que respeita ás diversas representações que têem sido dirigidas á mesa, pedindo pagamento de algumas contas, a commissão não póde apresentar á camara a sua opinião emquanto não examinar essas contas, porque não tem os necessarios dados para formular a sua opinião sobre a justiça das reclamações, que é de suppor sejam justas.

Era o que tinha a dizer em rectificação ás suas declarações na anterior sessão.

O sr. Conde d'Avila: - Pedíra a palavra para completar as explicações que acaba de dar o sr. Margiochi; e que talvez elle, orador, fosse o culpado na confusão das explicações que s. exa. deu na ultima sessão, porquanto desejava dizer a s. exa. e á camara, que o sr. marquez de Niza, antes de declarar á camara que tinha de ir para fóra, o procurára e lhe perguntara se haveria algum inconveniente na sua saída com relação ás contas, acrescentando que deixava encarregada uma pessoa da sua confiança para se entender com elle, presidente da respectiva commissão, a respeito d'este objecto.

Respondêra-lhe que não presumia inconveniente na saída de s. exa. por alguns dias.

Depois apresentou-se-lhe em casa um cavalheiro, perguntando-lhe o modo de formular as contas.

A camara já approvou as contas do digno par o sr. marquez de Niza, com relação ao periodo decorrido até 15 ou 16 de janeiro de 1867, e por consequencia o que actualmente ha a examinar são as contas d'essa data em diante.

O digno par, o sr. Margiochi, participára-lhe o occorrido na sessão anterior, e passando elle, orador, a informar-se em casa do sr. marquez de Niza se s. exa. ainda se demoraria, soube que s. exa. deve regressar muito brevemente. No entanto pedira ao cavalheiro delegado pelo sr. marquez a apresentação das contas com brevidade, por ser necessaria uma solução aos requerimentos dos fornecedores, solução que todavia não póde ter logar emquanto as contas não forem verificadas.

Quando presentes á commissão as examinará com toda a attenção, como procedeu com relação ás de 1867, que a camara já approvou.

O sr. Costa Lobo: - O digno par, o sr. visconde de Algés, encarregou-me de participar á camara que estava hoje tão incommodado, que lhe é absolutamente impossivel comparecer a esta sessão.

O sr. Secretario (Conde de Fonte Nova): - Tenho a fazer igual declaração por parte do digno par visconde de Ovar.

O sr. Ferrão: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara, que o digno par, o sr. conde de Fornos, não tem comparecido ás sessões por motivos de doença.

O sr. Presidente: - A camara vae entrar na ordem -do dia, e continua a ter a palavra o sr. Miguel Osorio.

Antes porem de conceder a palavra a s. exa., rogo aos dignos pares que tomarem parte n'este debate, se não afastem da questão principal; e igualmente rogo aos dignos pares, bem como aos srs. ministros que, quando fallarem, o façam de modo, que da presidencia se possa ouvir o que dizem, porque de outro modo é impossivel poder dirigir a discussão com ordem.

Hontem deu-se n'esta casa um pequeno incidente, a respeito do qual eu teria feito as observações que devia, se tivesse ouvido os oradores que estavam fallando; mas não ouvi o digno par que orava, nem o sr. ministro do reino que 5 interrompia. S. exa. o sr. ministro, de mais a mais, voltou as costas á presidencia, de maneira que não pude ouvir as suas palavras.

É preciso pois que a presidencia ouça convenientemente as discussões, para bem dirigir os trabalhos (apoiados).

Continua a ter a palavra o digno par o sr. Miguel Osorio.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu, exercendo funcções legislativas

O sr. Miguel Osorio: - Continuou o discurso interrompido na precedente sessão, protestando manter o debate na conveniente altura, para não dar motivo a censuras. Reportando-se a ter anteriormente, quando fez a censura das dictaduras separando aquellas materias em que poderia dar seu voto, por serem essas a que alludia assumptos puramente administrativos, não tivessem a commissão e o governo feito igual separação.

Passando a tratar mais detidamente da nova lei eleitoral, e a alteração dos respectivos circulos; e dos decretos que retiraram os subsidios ao palacio de crystal e ao banco ultramarino, procurou demonstrar que estes actos do governo eram a quebra da fé dos contratos, e atacavam os principios do credito nacional.

Reportou-se ás perguntas que na sessão anterior dirigira ao governo.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando devolver revistas as notas tachygraphicas.)

(Durante o discurso de s. exa. entrou. sr. presidente do conselho.)

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O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe fazer uma pequena observação. Não é licito, nem é uso em nenhum parlamento do mundo fazerem-se interrogações sobre o que se passa no conselho privado do soberano, conselho que é por sua natureza essencialmente secreto, e por isso os ministros não podem nem devem responder cousa alguma a perguntas do genero d'aquellas que o digno par fez.

O sr. Miguel Osorio: - Auctorisou as perguntas que dirigíra com precedente que presumia em paridade.

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe observar que o facto que v. exa. acaba de citar não tem paridade alguma com este. Cumpre-me sustentar, por dever do logar em que estou, que não é licito a um membro d'esta camara interrogar os ministros sobre factos passados em conselho privado. Se eu hontem tivesse ouvido a s. exa., tinha-lhe feito esta observação.

O sr. Ferrão: - Sr. presidente, limitar-me-hei, como relator da commissão, a justificar o parecer que se discute; mas devo declarar previamente que não sympathiso com as dictaduras, nem me incumbo de as justificar, como homem de lei.

Não encontro fundamento legal para as justificar, porque a carta nem se quer conhece a possibilidade da dictadura, e por mais que recorra todos os seus artigos, não vejo que o seu augusto legislador prevesse esta hypothese.

Mas as dictaduras têem sido praticadas n'este paiz depois da promulgação da carta. Temos precedentes.

E n'esta conjunctura, que resta a fazer ao parlamento, depois d'esta aberração constitucional?

Accusar os ministros da corôa, em conformidade da carta, pelo excesso e abuso do poder, ou relevalos.

E a consequencia immediata d'este acto, a que se dá o nome de bill de indemnidade, é a approvação ou rejeição das medidas? Póde não ser uma consequencia geral e absoluta; póde a camara ou o parlamento fazer aqui excepções; mas quando as não faz, como as não fez a camara dos senhores deputados, entendo que esta camara tambem as não deve fazer. Entendo mesmo que as não póde fazer, sr. presidente, porque não é possivel dar consideração especial a um projecto de lei e não a dar a todos. Dá-la a todos é materialmente impossivel.

Em todas as dictaduras, as principaes, e esta é uma d'ellas, são tão numerosos os decretos, tantas as suas disposições, que não seria possivel a ninguem, em um, nem em dois, tres ou quatro mezes de estudo, apreciar as suas disposições, para conscienciosamente proferir um voto de approvação ou rejeição total ou parcial.

Eu dei-me ao trabalho puramente material, como já noutra occasião o fiz, de contar, em sete ministerios, e em tresentas e doze paginas, o numero de artigos que contêem estes decretos.

São seis mil seiscentos e vinte e tantos! Mas, sr. presidente, não contando mesmo os paragraphos e os numeros, os mappas e as tabellas, o que eleva a conta a mais de vinte mil, e ainda se ha de descobrir pela analyse em cada artigo duas, tres e quatro disposições differentes que contenham outros tantos preceitos do legislador!

Ora, como se póde fazer um exame consciencioso?... É impossivel.

É pois necessario fechar os olhos e votar o projecto em geral, como fez judiciosamente a camara dos senhores deputados, e n'esse intuito toda a commissão votou a favor d'elle.

Sr. presidente, o governo tinha ao principio formulado a sua proposta de lei nos seguintes termos:

"São confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, as medidas de natureza legislativa contidas nos decretos promulgados pelo governo desde 26 de janeiro a 24 de abril do corrente anno, e que constam da relação junta, que fica fazendo parte d'esta lei."

O projecto, porem, que temos presente, apparece redigido nos termos seguintes:

"Os decretos de natureza legislativa promulgados pelo governo desde 28 de janeiro a 24 de abril do corrente anno continuam em vigor emquanto não forem alterados pelo poder legislativo."

Vê se pois que a camara dos senhores deputados, não aproveitou textualmente a proposta do governo, fez lhe alterações essencialissimas, que têem alguma significação, e nós, como intrepretes da lei, temos obrigação de l'ha dar.

Nas leis não se tiram nem põem palavras, sem uma significação, porque não ha inutilidade nem no espirito nem no texto do legislador, assim como não ha excrescencias, quando d'elle se retira qualquer palavra.

O governo foi legislador, foi homem de lei, homem moral, pois que promulgou as suas leis; fez depois sua proposta de sanação em certos termos, que não foram de todo aceitos. O bill de indemnidade foi concebido n'outros termos.

Agora quer ver a camara quaes foram as profundas e essenciaes alterações que se fizeram á proposta do governo?

Dizia ella: "São confirmadas", retirou-se a confirmação, assim como as palavras: " para terem força de lei".

Sabemos, todos os jurisconsultos, o que é um decreto com força de lei; pois foram tambem supprimidas as palavras: "para terem força de lei"; ficou só: "continuam em vigor".

Não só isto, retirou-se tambem toda a expressão do artigo 3.°: "fica revogada toda a legislação em contrario". E ainda mais, retirou-se a relação que fazia parte integrante da proposta de lei.

Eis-aqui um acto altamente significativo, um acto politico que não entra na ordem ordinaria das leis que se apresentam ao parlamento.

Este procedimento da camara dos senhores deputados salva as consciencias de todos, e tem um grande alcance, porque reserva as iniciativas parlamentares.

Ámanhã estamos auctorisados a fazer uma proposta revogando quaesquer d'estes decretos, pois se diz: continuam em vigor emquanto não forem alteradas pelo poder legislativo.

(Interrupção do sr. visconde de Fonte Arcada que não se percebeu,)

Tanto n'esta como na outra camara. Em materia de impostos, conforme a carta constitucional, ha de vir de lá a iniciativa, mas em tudo o mais temos o mesmo direito.

Que quer isto dizer, sr. presidente? Quer dizer nenhuma outra cousa senão que estas disposições continuam em vigor pura e simplesmente; que a legislação em contrario não ficou revogada, o que significa virtualmente que o vigor d'essa legislação ficou apenas suspenso.

Em vista d'este precedente não aceito, não interpreto de outro modo este projecto de lei.

Ora, coherente com estas idéas, tambem não aceito a separação do decreto eleitoral, nem de nenhum dos outros que estão n'esta collecção, apesar de haver alguns que a minha consciencia repelle, e que não approvaria do primeiro artigo até ao ultimo, se se tratasse de uma proposta de lei especial.

Não indicarei agora quaes são. Não me faço cargo d'isso. Reservar-me-hei para outra occasião.

Sr. presidente, foi incriminado o parecer da commissão por se interpretar que elle dava a sua approvação a estas medidas, quando o projecto não faz mais do que mandar continuar em vigor já existente, do que homologar um acto consumado, que não é seu, e ao qual só lhe dá uma confirmação provisoria, o cunho da sua auctoridade para continuar a ser cumprido. O projecto não faz mais do que isto.

Admiram-se que no parecer da commissão se escrevesse "Attendendo, que nos termos do projecto se propõe uma confirmação restrictamente provisoria".

Oh! sr. presidente, pois como foi a approvação do codigo civil n'esta camara? Precedeu-o uma lei, que foi a que

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se votou, e não houve votação alguma especial sobre os artigos da materia que continha o codigo e nem mesmo por livros, titulos ou capitulos.

E lá está nessa lei da sua promulgação, que votámos, um artigo expressos creando uma commissão temporaria, a que tenho a honra de pertencer, para no fim de cinco annos se ver definitivamente quaes são as disposições que carecem de reforma.

O presente projecto pois, é de lei provisoria, que por isso mesmo que tem uma duração indefinida, póde cessar a todo o momento que o governo, ou iniciativa de alguma das casas do parlamento levantar questão especial.

Sr. presidente, não consinto na separação indicada pelo digno par, porque se trata de um acto politico, de um acto de conveniencia publica, de um acto complexo e indivisivel, que nem posso censurar ao governo n'este logar, n'esta occasião.

Sr. presidente, a camara dos senhores deputados tem a attribuição exclusiva de accusar o governo; e como não o accusou, está prejudicada qualquer censura n'esta occasião, e muito especialmente a respeito do decreto eleitoral.

Oh! sr. presidente, não approvámos nós já, por nossos actos, a existencia da outra camara? Então como havemos de censurar a lei eleitoral, que lhe deu origem? Hoje ninguem póde sobre a terra ter direito de annullar aquelle acto, porque uma camara electiva depois de constituida é facto consummado.

E quaesquer que fossem os defeitos da lei ou decreto eleitoral, a eleição fez se, a camara constituiu-se, e constituiu-se a si mesma. E a camara dos pares ha de aceitar esse acto, ainda que outro motivo não tivesse para tanto mais que o de altissima conveniencia publica.

Inconveniencia completa se daria se nós não reconhecessemos a legal constituição de um ramo do poder legislativo, ao qual temos de prestar a nossa cooperação.

Não podemos portanto deixar de reconhecer e de respeitar a camara dos senhores deputados; e quando se tratar de alguma proposta de lei que diga respeito a uma futura eleição, tenho tambem as minhas idéas, e direi então o que entendo sobre esse objecto.

Sr. presidente, eu não posso deixar de lamentar as circumstancias gravissimas em que nos achamos, circumstancias que eu previ ha mais de dez annos n'um relatorio que offereci ao governo pelo ministerio da fazenda, sendo ministro o sr. Casal Ribeiro, depois de largos estudos, investigações e conferencias que tive em França e na Belgica sobre o que mais conviria adoptar em Portugal, tendo tambem presentes umas instrucções que me deu o digno par que está presente, o sr. conde d'Avila, não posso deixar de lamentar, digo, que esteja desconhecido o resultado d'essas investigações e d'esse trabalho, não pelo que procede de mim, mas pelo que vem de mais alto; o caso é que somos chegados a este estado que é tão anti-normal que faz lembrar o caso do doente a quem se muda a cabeceira sem contar que por isso melhore, e isto me desarma completamente com relação ao governo.

As minhas idéas, as minhas intenções, são justamente conformes com o mais decidido proposito de não causar, pela minha parte, o menor embaraço ao governo; não pertenço a partidos, não tenho animo de opposição, nem tambem sou ministerial, porque não privo com os actuaes ministros, não tenho despeitos, nem me acho possuido de quaesquer considerações que me possam desviar da unica idéa que tenho, que é procurar maior bem do meu paiz (apoiados). E o que eu mostro querer conseguir por differentes trabalhos a que de coração me tenho dedicado, e, com certa particularidade para o caso, n'esse relatorio a que alludi e de que não me occuparei agora para não tomar tempo, limitando-me apenas a dizer que ali se acham muitas considerações especiaes para a occasião, e não podendo neste pequeno discurso fazer todas as referencias a ellas, julgo conveniente todavia que a camara tome conhecimento d'esse trabalho (apoiados), e para isso vou concluir com um requerimento, que vem a ser para que a camara permitta que elle se imprima, não digo com a sessão, posto que eu o podesse offerecer como parte integrante do discurso, mas, porque é longo, parecia-me melhor que fosse distribuido pelos dignos pares em fórma de folheto, separado da sessão. Eu conservo o autographo, e se a camara permitte, offereço-o para que o faça publicar, concordo em que n'isto ha realmente alguma conveniencia.

O sr. Presidente: - Rogo ao digno par que mande o seu requerimento para a mesa para se consultar a camara sobre a fórma do seu pedido.

(Pausa.)

O sr. Ferrão: - O requerimento vae redigido n'estes termos (leu).

Foi lido na mesa, e posto á votação, foi approvado.

Era do teor seguinte:

"Requeiro que o relatorio, a que me referi, dirigido por mim ao ministerio da fazenda em 1859, seja mandado imprimir por esta camara, a fim de ser distribuido, pelos dignos pares. = Silva ferrão."

O sr. Costa Lobo:- Se ha algum digno par que tenha de fallar contra o parecer da commissão, posto que eu siga agora na ordem da inscripção, parecia-me mais regular ceder eu o logar, para fallar depois, visto que estou assignado no mesmo parecer.

O sr. Presidente: - É verdade que no principio da discussão eu devia ter lembrado que se pedisse alternadamente a palavra pró e contra, mas entretanto dei a palavra a v. exa. porque ninguem mais se acha agora inscripto.

O sr. Costa Lobo: - Sou obrigado pois a fallar agora para que se não feche a discussão sem eu ter explicado a declaração que oppuz á minha assignatura, e aproveito a occasião para defender o parecer da commissão, posto que se possa julgar desnecessario depois que fallou o digno relator.

É difficil, sr. presidente, imaginar uma posição mais embaraçosa do que aquella em que me encontro ao dirigir-me hoje a esta camara. Tenho em frente de mim um governo que, por um lado violou a lei organica do direito eleitoral, que, por outro lado, encetou a unica politica, capaz de salvar este paiz da ruina a que parece votado a politica da austeridade economica e do equilibrio financeiro por via de sacrificios impostos ao paiz; politica que eu tenho seguido invariavelmente desde que tenho a honra de pertencer a esta camara.

Assim, depois de ter pesado, em face do bem do paiz, as vantagens e damnos resultantes d'este procedimento encontrado, os meritos e demeritos do governo, as consequencias inevitaveis da sua conservação e da sua demissão, entendi que era do meu dever apoiar a politica geral do governo, e nomeadamente conceder-lhe a indemnidade pedida.

Eu não dissimulo o quanto tem de censuravel e inconveniente a mutilação da representação nacional por um acto dictatorial. É um precedente perigosissimo que, empregado por mãos mais audazes, póde ser no futuro instrumento fatal na subversão das liberdades publicas. Tenho-o por desnecessario por não se poder julgar incompativel a realisação da politica do governo com a constituição legal da camara electiva. E quando ella se tornasse, por esse facto mais difficil, o devera inspirar-se em sentimentos mais elevados. Aconselharam um dia ao conde de Cavour que declarasse em estado de sitio certa provincia revolucionada. Não o faço, respondeu elle, porque com o estado de sitio qualquer póde governar. Eu quero governar na plenitude das liberdades politicas.

É necessario porem que não exageremos a imputação do governo.

O decreto dictatorial roçou pelas raias que separam o crime constitucional da infracção legal. Mas violação constitucional não a houve. (Pediram a palavra os dignos pares

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visconde de Chancelleiros, Miguel Osorio e Rebello da Silva.) Se a houvera, a hesitação não era possivel. A todo o cidadão era rigoroso dever o levantar-se inexoravel contra esse sacrilegio. Não havia mais que fazer senão desembainhar a espada e deitar fóra a bainha para combater o governo a todo o transe.

Tal facto não se deu. No proprio interesse da constituição não devemos abrigar á sombra da inviolabilidade constitucional principios que não tem esse caracter.

Essa confusão não só desauctorisa a constituição, encorporando-lhe disposições profanas, mas tem por effeito empecer á marcha do progresso pelas difficuldades de que se acha estorvada pela propria constituição qualquer alteração constitucional.

Os principios constitucionaes elementares do direito eleitoral, acham-se consignados na propria constituição. São os que se referem ao censo ou outras qualidades do eleitor, ao censo ou outras qualidades do elegivel, á significação directa do voto. Tudo o mais, e nomeadamente o que se refere ao numero dos deputados, o qual deve ser relativo á população do reino, é da competencia da lei eleitoral, a qual, como lei, não tem mais prorogativas nem caracter mais respeitavel que qualquer outra lei.

São expressos os artigos 70.° e 144.° da carta constitucional, e o artigo 9.° do acto addicional.

Todavia essa lei, pela materia a que se referia, por ser a origem legal da representação nacional, por ser o regulamento da manifestação da soberania nacional, acha-se em tão intimas relações de solidariedade com as disposições constitucionaes, que a sua infracção constitue um verdadeiro golpe d'estado que eu não approvaria, se não fôra o conflicto com a camara electiva, as complicações politicas, sociaes e economicas, que o voto d'esta camara n'esse sentido importava necessariamente.

Essa é a declaração que eu tinha a fazer.

O que a mim me espanta é o silencio, ou antes, para dizer a verdade, o assentimento com que o acto dictatorial do governo foi recebido pelo paiz. Como assim? Pede o governo a sua demissão, e para o sustentar affluem perante o poder moderador petições de camaras municipaes, de comicios populares, de associações commerciaes, da colonia dos portuguezes no Brazil, e quando por elle é truncada a representação nacional ouve-se apenas um leve murmurio na capital?!

É este um phenomeno sobre o qual todo o homem publico deve concentrar a sua attenção, porque a sua explicação encerra o conhecimento de um grande perigo, uma ficção para o futuro, e ao mesmo tempo a indicação do procedimento que se deve seguir em relação ao governo.

A verdade é que o systema liberal está desconceituado na opinião publica. Com tristeza o digo, mas não ha que desconhecer o facto.

Percorrei o paiz, interrogae todas as classes e todas as ordens de cidadãos, e encontrareis a opinião generalisada de que os parlamentos, poderosos para o mal, são impotentes para o bem; e que se algum remedio se póde esperar para os nossos males, não póde elle provir senão de um poder forte exercido dictatorialmente.

Essa idéa é falsa e perigosissima.

Perigosissima, porque se não ha causa verdadeiramente grande, que não possa experimentar revezes crueis, reacções violentas, que não esteja sujeita á prova das lutas, dos trabalhos e de sangue, a liberdade não escapa a essa contingencia.

Falsa, porque a dictadura, ainda que possa enganar com o prestigio a prosperidade momentanea, não tem força para fundar edificio solido e duradouro.

Só a liberdade póde dar a verdadeira prosperidade, porque só ella actua sobre o individuo, que é fonte de toda a felicidade e de toda a riqueza.

Falsa e perigosa como é essa idéa, o facto é que ella se acha entranhada no espirito publico. E esse resultado é triste, depois de meio seculo de lides e trabalhos curtidos na consolidação do systema representativo.

Os effeitos grandiosos e benéficos da liberdade, que podem ser conhecidos e avaliados a priori pelo homem da sciencia, não podem ser apprehendidos pelas classes menos esclarecidas e mais numerosas da sociedade.

A liberdade deve, pois, ter uma outra prova pratica, constante, uma prova sensivel, palpavel, e que ponha a sua comprehensão ao alcance de todos.

Essa prova popular, esse pão quotidiano da sua demonstração, é a rigida e parcimoniosa administração dos dinheiros publicos, alcançados pelo imposto da fazenda do contribuinte.

Se esta severa economia se não realisar, começará o reinado dos deficits, da repugnancia do povo a pagar novos impostos, da desordem e da miseria publica. Não ha caminho mais direito para a reacção e para o absolutismo.

Então, quando uma nação é trabalhada pela anarchia ou cortada da miseria, se um homem se levanta e diz - o meu imperio é a paz, o meu imperio é a prosperidade-, esse homem encontrará echo nos sentimentos populares, porque o povo ha de sempre preferir os bens positivos ás formulas vasias da liberdade, porque elle ha de sempre preferir o livramento da miseria á integridade das garantias politicas. E todavia ha de originar-se a sua desgraça futura, porque sem a liberdade politica todas as outras liberdades elangues-cem e succumbem, e o definhamento da liberdade é o reinado da morte na ordem material e na ordem espiritual.

Mas estes são os factos; estudas a historia de todas as nações. Não encontrareis outra explicação.

Quereis portanto tornar a liberdade inexpugnavel e dar-lhe alicerces mais solidos que o pergaminho em que se envolvem as leis e as constituições? Identificae-a com a severa e, para empregar um termo ha pouco usado em França por um celebre historiador, com a feroz fiscalisação das despezas publicas.

Mas é isso que se tem feito? Têem os parlamentos sido fiscaes melindrosos da fazenda publica?

Não o têem sido?

O que têem elles feito?

É uma cousa já muita estafada e muitas vezes repetida, mas é do genero d'aquellas que se devem repetir opportuna e inoportunamente.

Para occorrer ás despezas crescentes com uma velocidade freneticamente progressiva, não se tem lançado mão de outro recurso senão o de lançar no mercado resmas de inscripções, as quaes, sugando como uma bomba de absorpção as mesquinhas economias do paiz, e augmentando a divida publica externa, têem saldado todas as velleidades precoces do progresso, e todas as generosidades dos governos e dos parlamentos. Este meio de attrahir o dinheiro para dentro de paiz dava ares de uma verdadeira prosperidade ao que não era senão uma miragem enganadora.

Era assim que as emprezas incipientes contavam no seu fundo social o auxilio do governe, e as emprezas infelizes encontravam allivio nos cofres do thesouro.

Dezenas de projectos de favor pessoal recebiam todos os annos a approvação parlamentar.

Um cidadão que em alguma das immensas convulsões civis, que temos atravessado, envergou uma farda militar, lembrava-se de requerer a sua reforma num posto de oficial, e alcançava-a. Mil outros, em iguaes circumstancias, requeriam identico beneficio. Assim se augmentavam os quadros enormemente desproporcionados do exercito.

Centenares de pensões eram approvadas nos ultimos minutos da ultima hora da sessão annual, sem exame, nem sequer attenção.

Os serviços publicos teem sido reformados sobre o modelo dos correspondentes em grandes paizes, sem consideração pela pouquidade dos nossos recursos, e pela exiguidade do trabalho.

A discussão do orçamento pelo parlamento não tem redun-

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dado em diminuição, mas sempre em augmento de despeza.

Mas era indubitavel que esse acrescimo constante da divida publica, acompanhado de um acrescimo proporcional de deficit, que salvava as difficuldades de momento, e que dissiminava essa chuva de oiro que trazia, e todos alegres e radiantes, augmentava grandemente os perigos da patria, e preparava agonias excruciantes para o dia do desengano.

Infelizmente os capitalistas estrangeiros começaram a desconfiar d'este incansavel appello para as suas bolsas, e desde o momento que se tornára esquivo e sem concurso, foi rapido o collapso de todo este fragil edificio de vidro.

Esse sonho encantado teve pois fim angustiado pelas amarguras e pelas privações dolorosas dos que hoje soffrem as consequencias da imprevidencia de que elles, não tiveram culpa.

A miseria do thesouro appareceu enlaçada com a miseria publica.

Ora, o povo será sempre indifferente á sorte da liberdade, quando se ache acabrunhado pela miseria, e descurará a manutenção das garantias politicas, uma vez que lhe vislumbre a esperança de remedio a seus males.

Se queremos pois dar á liberdade alicerces solidos é necessario que os parlamentos se identifiquem com a nação, e lhe satisfaçam os seus votos. É necessario que o parlamento nacional seja o digno successor d'aquellas antigas côrtes dos tres estados, que pugnaram sempre pelos direitos do povo, e padeciam muitas vezes perseguição e violencias por quererem chamar a exame e fiscalisar os desperdicios do governo.

Quer-se saber como os foros parlamentares ganham raizes no coração dos povos? Eu vou narrar um facto que, todas as vezes que n'elle medito, me encho de admiração.

No ultimo ministerio presidido pelo conde de Derby, este ministro, no pleno exercicio das suas attribuições, concedeu, da verba para esse fim votada, a um pobre preto irlandez, uma pensão de 20 libras. Vinte libras num orçamento de 70.000$000 libras. Vede que insignificancia.

Pois porque, segundo parece, o infeliz preto era mediocremente quisto das musas.

O governo foi asperamente interpellado em ambas as camaras a este respeito, e o primeiro ministro teve de se penitenciar na camara dos pares, allegando, para sua escusa, que elle nunca tinha lido as obras d'aquelle preto, e que tinha sido induzido em erro por altos dignitarios e pessoas que lhe mereciam toda a confiança, mas que similhante engano não lhe havia de acontecer mais. Agora comparemos.

Na ultima sessão da penultima legislatura, sessão em que se approvou um codigo administrativo, o codigo civil, e a abolição dá pena de morte, e muitos outros projectos, eu vi passar n'esta torrente de approvações tresentas e tantas pensões dadas a pessoas de que, ninguem está convencido, conhecia os direitos que para esse fim lhes assistiam.

O governo, effectuando largos côrtes nas despezas do estado, não só prestou um grande serviço á liberdade, mas satisfez a uma necessidade ha muitos annos reconhecida por todos os homens publicos, sem distincção de partido, apostolada por toda a imprensa, e que se entranhou por tal fórma no espirito da nação, que, obter d'ella um real de impostosem e previamente agorentar os encargos, publicos, seria uma impossibilidade invencivel.

A experiencia já o mostrou.

De que serve votar impostos? O voto do parlamento foi desgraçadamente annullado pelo voto do povo, veto não pronunciado em fórma solemne, como o dos tribunos romanos mas tão efficaz como o dos tribunos romanos para a annullação das resoluções legaes.

Ora, a nação não póde viver sem pagar mais impostos. O governo adoptando o unico meio adequado para os obter, e propondo o seu lançamento, presta o maior serviço que se póde fazer á sua prosperidade, á firmeza da ordem, á consolidação da liberdade, á estabilidade da autonomia nacional.

Não ha aqui senão dois caminhos a seguir. Aquelle que até hoje temos trilhado. No fim d'esse encontrado a bancarota, a ruina, a anarchia, a perda da liberdade, porventura a maxima desgraça para esta nação. O caminho indicado pelo governo. No fim desse encontra-se o equilibrio financeiro, a prosperidade consequente do paiz, a ordem assegurada, a liberdade acreditada, a autonomia inexpugnavel. Eu não hesito. Prefiro o segundo caminho, e por isso dou o meu voto ao governo.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães):-Explicou os fundamentos pelos quaes retirára o subsidio ao palacio de crystal, sendo em geral não ter esta empreza feito o emprestimo a que se compromettera, tendo o thesouro já concorrido com grandes valores para ella.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando devolver revistas as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Já deu a hora, vou portanto encerrar a sessão.

A primeira sessão terá logar na segunda feira proxima, e a ordem do dia será a continuação da que foi dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 29 de maio de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa, de Vallada; Condes, d'Avila, de Cabral, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Rio Maior, de Samodães, de Sobral; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Porto Covo, de Soares Franco, da Vargem da Ordem, de Villa Maior; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo Rebello de Carvalho, Silva Ferrão, Margiochi, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Fernandes Thomás, Ferrer.

RECTIFICAÇÃO

No discurso do digno par visconde de Fonte Arcada, proferido na sessão de 28 de maio, onde se lê, a pagina 57, linha 4.ª = até paginas tresentas noventa e tantas = deve ler se = até paginas duzentas noventa e quatro =.

Página 66

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