DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO l1l
mo. Querem, porventura, os dignos pares eliminar as eleições e banir de vez o systema representativo?
Sustentou o sr. Fontes Pereira de Mello, referindo-se não só a Portugal, mas ás nações onde vigora o systema representativo, republicas ou monarchias, que as eleições tinham um vicio de origem, que eram viciadas não só pelo influxo da auctoridade que convertia em arma eleitoral o recrutamento e as execuções fiscaes, mas tambem pela preponderancia dos influentes, citando as eleições de Inglaterra como inquinadas d’este ultimo vicio; n’uma palavra, as eleições são viciadas quer pela preponderancia dos influentes, quer pela da auctoridade.
Ora, se o vicio procede do elemento auctoritario, se acaso se deriva do mau uso das execuções fiscaes e do recrutamento, porque é que não acabou s. exa. com elle, tendo estado tantos annos á frente do poder?
Não o foz. Não póde, não soube, ou não quiz fazel-o.
Quem já procurou prover do remedio esse mal fomos nós. Fomos nós que apresentámos á camara uma proposta regulando as execuções fiscaes, e outra regulando o recrutamento, melhorando a um tempo a fazenda e o exercito, e cercando a liberdade de garantias.
Se o vicio procede da preponderancia dos influentes, se derivada desigualdade dos elementos sociaes, a critica vae longe, muito longe; acaba com o governo das maiorias, ferindo na raiz o systema representativo de que o sr. Fontes se diz apostolo fervoroso; investe de frente e mina pela base o principio da eleição, caindo no absolutismo ou na anarchia. Querer contrariar a lei natural das desigualdades humanas, querer que todos tenham o mesmo peso na balança social, querer que o principio da igualdade annuilo completamente a lei da «proporcionalidade e differenca de condições, em vez de a limitar, é desconhecer que a energia, a riqueza, a audacia ou a intelligencia são forcas legitimas; é desconhecer a physiologia do coração humano e a constituição natural da sociedade; é acabar com os estimulos e as forças impulsoras do progresso; é condemnar-nos á immobilidade esteril; é alimentar utopias. Quando ouvi o digno par pareceu-me que s. exa. esquecera de momento o estadista que é, o muito que sabe pelo trato dos homens e pratica dos negocios, elle que tudo parecia querer nivelar, como os ultra-socialistas. Essas influencias que surgem e se affirmam, em toda a parte são legitimas: e o digno par, insurgindo-se contra ellas, insurge-se contra um principio que não está no poder dos homens destruir.
As asserções do illustre estadista foram de certo proferidas em um momento de distracção, foram apenas um lapso.
O digno par não póde querer retrogradar para o absolutismo pela vereda auctoritaria.
A prova de que o principio eleitoral não labora nos vicios que a s. exa. aprouve attribuir-lhe, está nas suas proprias palavras: «Antigamente, disse s. exa., adulavam-se os réis, os imperadores, os poderosos da terra, a auctoridade, emfim; hoje adulam-se as multidões; mas em ambos os casos o que se adula é a força».
Em ambos os casos, quer só adulem uns, quer outros, o resultado é o mesmo, é sempre adular a forca onde ella reside. Então onde está a força?
Está na auctoridade, ou está nas multidões? Se está nas multidões, como suppõe o digno par que a influencia da auctoridade possa assoberbar um povo inteiro? Como explica a adulação do elemento popular, se o povo é dominado e não domina? A adulação para que serviria? Gomo conciliar estes termos contradictorios?
Mostrou-se s, exa. varão forte, por não cair n’esta adulação, nem em adulação alguma. Ninguem lh’o contesta, sem, todavia, lhe reconhecer o privilegio da isenção. Parece-me um singelo dever tomar por norma dos proprios actos os dictames da consciencia.
As indicações constitucionaes, e, na phrase do sr. Fontes, os coefficientes de correcção, foram por s. exa. apreciados para censurar o governo pela nomeação de novos pares, como se ao governo faltasse a confiança da corda, o apoio da representação popular, ou houvesse algum facto caracteristico do retrahimento da opinião publica.
É certo que o governo conheceu não poder, decorosamente, continuar n’estas cadeiras, não sendo nomeados novos pares. Esta declaração foi já feita, nem rasoavelmente póde ser impugnada. Nós não podiamos estar á mercê dos adversarios, nem viver da sua benevolencia. Para governar é necessario mais alguma cousa.
Que não tinhamos maioria n’esta casa do parlamento, sabem-no os dignos pares; appello para a consciencia de todos!
Que digam se estavamos, ou não, á mercê dos adversarios!
Accusou-nos o illustre chefe regenerador de «querermos assoberbar esta assembléa, dissolvendo a sua maioria». Que maioria é esta que disolvemos? Se é nossa, porque só queixam? Se é sua, como dizem que tinhamos maioria?
Esta confissão fóra já feita, na outra casa do parlamento, pelos chefes opposicionistas. Um proclamava que a opposição d’esta casa adoptara as providencias necessarias para não tolher a marcha governativa; outro, que nomear novos pares era pagar mal a benevolencia da opposição; outro, finalmente, que a recente nomeação deslocava immediatamente a maioria.
Estas confissões são a justificação do ministerio: são os adversarios que se incumbem de advogar a nossa causa: apresso-me porém, a reconhecer que a conclusão que tiravam era a retirada do gabinete.
«Se estavam em posição indecorosa, porque não pediram a sua exoneração?»
Não a pedimos, porque estamos aqui presos pelo dever: não podemos retirar-nos sem que a falta de confiança da corôa, ou a falta de confiança do paiz, claramente se manifestem.
O poder não se acceita nem se resigna por meros caprichos, nem por melindres ou interesses particulares; acceita se ou renuncia-se por motivos de ordem superior, que expliquem a mudança dos gabinetes, e ministrem á corôa indicações constitucionaes.
Estavam proximas as eleições supplementares, que mostrariam se, apesar dos impostos, a opinião publica se mantinha favoravel ao governo; esperámos por cilas, e na quasi totalidade dos circulos a opposição nem candidatos apresentou. Logo, o lançamento de impostos não alienara ao partido progressista a benevolencia popular; só então deliberou o governo solicitar a nomeação de novos pares.
Eu sei que a opposição tem insistido por muitas vezes em que o ministerio não carecia da nomeação de pares para governar desassombrado.
D’esta necessidade, porém, ninguem póde ser juiz senão o proprio governo. Havemos de governar com as nossas idéas, e não com as idéas alheias; somos nós, e só nós, que podemos apreciar se temos meios de governo; porque, sobre nós somente, impendem as responsabilidades governativas.
A modificação d’esta camara não se oppunham nem a jurisprudencia, nem o direito escripto. Tem-se argumentado umas vezos com a carta constitucional, cuja intrepretação se violenta; outras vezes como acontece com o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, argumenta-se com a opportunidade e com os precedentes.
Os precedentes são favoraveis ao governo. Já foram adduzidos pelo sr. ministro do reino, sem que ninguem os tenha impugnado. A interpretação opposicionista importa a annullação das faculdades que competem ao poder moderador, segundo a Carta. Da opportunidade já estão declarados os motivos.
Tinhamos as indicações parlamentares e extra-parlamentares, que aconselhavam o governo a continuar á testa da administração publica; tinhamos alem d’isso a confiança