112 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
da corôa. Tambem, não era um obice a legalidade. A lei fundamental da monarchia diz expressamente e por duas vezes que «o rei póde nomear pares sem numero fixo».
Parece que, para algum dos nossos adversarios dizer —sem numero fixo — equivale a dizer — com numero fixo. — Admittem implicitamente certo numero mysterioso em que finalisa a arithmetica politica, especie de fronteira ou de columnas de Hercules que ao poder moderador não é dado ultrapassar. Para alem d’esse ponto não ha pares possiveis; a numeração acaba ahi.
O sr. Barjona de Freitas: — Peço a palavra.
O Orador: — Continuou o sr. Fintes censurando a imprensa progressista por ter combatido a restauração de 1878; e quem censura é o sr. Fontes, que confessa ter commettido um erro n’aquella restauração! O sr. Fontes que declara que não estava retemperado nem ainda o está hoje, não julgando propicia a conjunctura para assumir o poder! — Non bis inidem, disse s. exa. Promette não reincidir. Pois errou, e estranha que lhe censurem o erro, que o arguam, que o discutam!?
Diz o digno par: «Eu não era obrigado a deixar essas cadeiras. Vós não conquistastes o poder. Eu, aconselhando a coroa, facilitei a entrada dos meus adversarios». Como admittir taes explicações?
S. exa. não podia faltar ao seu dever. Como estadista, como chefe de partido, como presidente do conselho, se tinha por si a opinião publica, a confiança da coroa, a maioria de ambas as casas do parlamento — cumpria-lhe manter-se no poder. Se aconselhou a corôa a chamar ao governo o partido progressista, não foi, não póde ter sido sob o ponto de vista das conveniencias pessoaes ou dos interesses partidarios. Foi de certo no interesse da causa publica.
Saíu? E que entendeu ser esse o seu dever. Aconselhou a nossa entrada no poder? E que reconheceu ser esse o nosso direito.
A estas considerações de politica geral acrescentou o digno par outras deduzidas da questão de fazenda.
«O systema financeiro do governo é falso, disse s. exa. O deficit não póde ser extincto gradualmente. Erro grande e erro do partido! O deficit ou acaba de uma vez ou não acaba nunca.»
E o digno par que aventou esta formula, ou que a repetiu, pois não é nova na boca de s. exa., o digno par esqueceu-se de dizer qual o modo por que o deficit podia acabar de um golpe.
Pois valia a pena contrapor systema a systema, escola a escola, e doutrinar o publico sobre as garantias que ha de offerecer-lhe quando, pela rotação natural dos partidos, tiver de assumir as rédeas do governo.
Protesta o digno par que não inventou o deficit. Não o inventou, decerto; mas... cultivou-o; e cultivou-o com esmero.
Citando o tempo do seu governo, de 1851 a 1806, allegou s. exa. que já então encontrara deficit. É verdade que encontrou, legado pela situação anterior, na importancia de 171:000$000 réis; mas, quando em 1856 deixou o poder, negava aos seus successores um deficit de 1.725:000$000 réis. Appellou s. exa. para o deficit medio de 1851-1852 a 1855-1856, que computou em 500:000$000 réis, e que foi de mais de 1..400:000$000 reis...
O sr. Fontes Pereira de Mello: — Quem fez o calculo dos 500:000$000 réis foi o sr. conde do Casal Ribeiro.
O Orador:—E o meu está publicado nas contas do thesouro. S. exa. era então ministro da fazenda; não póde declinar no sr. Casal Ribeiro a sua responsabilidade.
É verdade que o sr. Fontes allegou ter deixado aos seus successores um saldo superior a 1.500:000$000 réis. A allegação é exacta, e cumpre tomal-a em conta. Mas tambem deve ser contado o saldo que s. exa. recebeu da gerencia anterior e que excedeu bastante 1.900:000$000 réis. De modo que, feitas bem as contas, o deficit medio de todo aquelle periodo foi de cerca de 1.500:000$000 réis, e não de réis 500:000$000, como se affirmou. E eis como, aproveitando o exemplo adduzido por s. exa., se mostra que, se não inventou o deficit, lhe cabe ao menos a gloria de o ter alimentado por motivos, talvez muito ponderosos, mas que não destroem as minhas asserções.
N’isto se differençam os dois partidos. Se um administra, o deficit engrossa; se administra o outro, o deficit diminue.
Acrescentou o illustre estadista que nós recorriamos exclusivamente ao imposto directo, o que tambem era um erro de partido. Ora, nem isto é exacto, porque foi o governo progressista o que regulou o real de agua, e já em outras epochas as situações progressistas têem recorrido ao imposto indirecto; nem s. exa. se lembrou que os impostos indirectos estão, na actual conjunctura, condemnados por si e pelos seus amigos. E o sr. Antonio de Serpa, collega do digno par no ministerio transacto, quem, no seu relatorio de 1879, nos ensina que «o imposto indirecto sobre os generos de primeira necessidade tambem já é entre nós suficientemente elevado, para que possamos sobrecarre-gal-o sem graves inconvenientes economicos e vexame para os consumidores de todas as classes». São estas as palavras do ministro da fazenda da situação passada nos ultimos tempos da sua administração. E não creio que as circumstancias do paiz estejam modificadas tão profundamente, que já hoje seja exequivel o que em epocha tão proxima era reputado inconveniente economico e para todos um vexame.
O sr. Fontes foi injusto com o governo e com o partido progressista, considerando erro não recorrermos ao imposto indirecto, quando o digne par sabe, melhor que ninguem, que estava estancada aquella fonte. E a qual dos impostos indirectos recorrer?
Ao real de agua? Mas esse depende de um regulamento que o governo de s. exa. não fez, e que foi traçado e executado pelo actual governo.
Ao imposto do sal? Mas, d’esse fiava em tempo s. exa. que obteria um saldo positivo; e a final a proposta caiu nos limbos da commissão de fazenda, d’onde espera, para sair, que lhe toquem ainda a trombeta da resurreição.
Ao imposto de circulação? Mas esse foi proposto polo sr. Serpa, e até votado e convertido em lei, sendo, todavia, letra morta, porque o mesmo sr. Serpa teve de o engeitar.
Ao imposto de consumo? Mas essa levantou em tempo a animadversão do paiz.
As pautas? Essas carecem effectivamente de revisão, mas não no sentido do aggravamento, salvo um ou outro artigo; e seria mais que arriscado ir correr aventuras antes do consolidarmos a fazenda publica.
Digamos a verdade toda.
A distincção entre impostos directos e indirectos não serve para extremar escolas. Em todos os paizes os impostos directos e indirectos se contrabalançam de maneira que, sendo uns a fonte mais abundante das receitas geraes, suo os outros a mais copiosa das receitas locaes. Ha entre estas duas ordens de impostos ponderação e equilibrio. O sr. Fontes, tão lido nas cousas da Gran-Bretanha, não ignora que, se n’aquelle paiz o imposto indirecto é a principal receita do estado, em compensação o imposto directo constituo a principal receita das localidades. O mesmo succede na Dinamarca. Noutros paizes succede o contrario, mas o equilibrio encontra-se sempre na harmonia compensadora e jogo dos dois impostos.
Referindo-se ao imposto do rendimento, notou o illustre parlamentar, que a cobrança fora adiada para o mez de agosto, talvez, não sem malicia, querendo inculcar que deixavamos difficuldades aos nossos successores.
Seria malicioso o adiamento, por um anno, da cobrança da contribuição industrial em 1872, adiamento que é da responsabilidade de s. exa.? De certo que o não foi. S. exa. não ignora quaes as dificuldades inherentes ao lançamento