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SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1887 215

ciso, para accusar o governo, de entrar nas particularidades do acontecimento lamentavel que o nobre presidente do conselho nos veiu noticiar.

Eu não trato de acontecimentos que teve logar no dia 7, finda a sessão na camara dos senhores deputados, a não ser como referencia indispensavel, venho fallar do criminoso attentado do governo, que violou uma das mais importantes garantias politicas e uma das mais sagradas franquias individuaes, que reconhece e estatue a lei fundamental da nação.

E d’este attentado ainda o governo se acha em flagrante.

(Depois de uma pequena pausa motivada por um colloquio do sr. ministro dos negocios estrangeiros com o sr. presidente do conselho.)

Peço perdão 5 mas eu costumo prestar sempre todo o respeito ás pessoas a quem me dirijo e não me parecia bem estar a perturbar a conversa, que aliás devia ser interessante, dos srs. ministros; agora que terminaram, prosigo.

Eu por mim não presenciei ainda, e já sou antigo no parlamento um attentado como aquelle que originou esta discussão. Disse o sr. marquez de Rio Maior que deixássemos este assumpto e que nos occupassemos de outros mais importantes que ha, e de maior gravidade, mais urgentes para os interesses da nação.

Não vejo, de entre os assumptos que temos a discutir, e não conheço mesmo para assembléas politicas assumpto de mais alta importancia ou de mais levantado alcance pelos preceitos que affecta e pelas consequencias a que póde levar-nos do que este que se discute. Os outros podem ser, e são de certo, importantes, este porem é fundamental.

E agora, sr. presidente, vae v. exa. ver, e verá a camara, como eu discuto só sob este ponto de vista, e como não desliso do caminho que me tracei e que é o que mais agrada a v. exa.

Está preso um deputado da nação portugueza. Não lhe sei o nome, ou não careço de o pronunciar; sei só que é um representante da nação,, e que tem um logar na outra casa do parlamento. Este homem ouvi dizer que foi tratado como um altissimo criminoso, e que ao governo parece haver merecido o castigo supremo das nossas leis penaes. Tambem consta que o governo o prendeu em flagrante delicto.

Concedo, por hypothese, e que tudo isto seja verdade, (só por hypothese, entenda-se bem) e até, se fosse preciso, eu esqueceria ou deixaria de mencionar que este cidadão é deputado da nação portugueza.

Basta-me, para ter direito de tomar ao governo as contas mais severas, affirmar que se trata da prisão e detenção de um cidadão portuguez, durante quinze dias sem que se lhe haja entregue nota de culpa nas primeiras vinte e quatro horas, nem intimado despacho de pronuncia, nos termos da lei civil.

É por isso que, em face do artigo 103.° da carta, afirmo que o governo commetteu delicto, por abuso, do poder, por falta de observancia da lei, e pelo que obrou contrariamente á liberdade e segurança dos cidadãos.

Sr. presidente, dignos pares do reino, para que ouçaes repito: ha quinze dias que está preso um cidadão portuguez, sem que se lhe tenha ainda communicado nota de culpa ou despacho de pronuncia, na forma por que o dispõe a carta constitucional e a novissima reforma judiciaria!

Está preso um cidadão que é deputado, que é representante do paiz, o que constitue uma verdadeira suspensão de garantias na presença das camaras e uma violação das immunidades parlamentares. Qual de nós, absolvido este crime do poder executivo, este novo attentado contra artigos fundamentaes da constituição, póde ter a certeza de que não amanhecerá ámanhã n’uma prisão? Qual de nó póde confiar na justiça?

E ha quinze dias está este governo em flagrante delicto dr um crime que elle mesmo já chamou de traição, e as camaras a sustental-o, a louval-o, em seu proprio menos cabo! Este flagrante, sim, é incontestavel!

Toda a gente, sem ordem superior nem inferior, está no direito de o prender; se o não faz é porque a força nem sempre está com o direito.

Em vez d’isso, votos de louvor e de confiança, que o governo toma como auctorisações e até como incitamentos a exorbitancias maiores.

Eu singularmente me associo aos que lavram protesto honrado contra esta iniquidade e contra esta submissão. Votem louvores, votem, as duas casas do parlamento para absolvição, mais ainda, para santificação deste crime, que u protesto contra a afronta e contra o louvor. Votem ambas as camaras. .. Ambas talvez não. Está-me parecendo esta não votará nada. A camara dos pares ha de poupar-se, parece-me, a votar cousa que se pareça com louvor; cousa que o governo possa julgar consagração ou ratificação dos seus actos, ou como desistencia por parte do parlamento em favor do governo de direitos sagrados e intransmissiveis. A tanto chegámos!

Peço á camara que não vote, e menos cousa que pareça moção de confiança, cuja traducção s. exa. sabe tão bem preparar em abono da sua politica!

Sr. presidente, é melhor que não votemos nada, porque mais vale ao governo e ao paiz conservar a camara indemne d’esta febre de condescendencias, que não tiram ás ousas a sua essencia, e que, não revigorando o governo, enfraquecem a nossa auctoridade moral; é melhor do que envolver todos os poderes numa cumplicidade, contra a qual muitos protestam como eu protesto.

Que, mais que o facto, são perigosos os commentarios.

O governo apresentou-se n’esta camara a dizer-nos que tinha havido um crime praticado na sala das sessões da camara dos senhores deputados, uma semana depois do lamentavel acontecimento.

Disse-nos tambem o sr. presidente do conselho que desde esse dia se estava tratando do processo, e acrescentou que a maioria da camara dos senhores deputados, havendo-lhe respondido com uma moção de confiança, note bem a camara, tinha sanccionado o procedimento do governo, equivalendo, aquelle votoá o rdem, de prisão dada pela camara, na conformidade do artigo 3.° do ultimo acto addicional.

Sr. presidente, isto é exorbitante e illusorio. A camara não dá ordem de prisão senão dando-a, nem aquella prerogativa é susceptivel de delegação.

Neste ponto, ou eu não entendo a carta constitucional, o que é possivel, ou não a entende o governo, ou finge que não a entende.

Um voto de confiança quer dizer, no meu entender, e se o não quer dizer ali está o governo para mo contestar e ali estão os seus amigos, tambem; um voto de confiança quer sempre dizer: nós estamos persuadidos de que defen-mos um governo que está com a lei; de que é garantia da execução das leis, e de que todos os seus actos hão de merecer ou merecem a nossa approvação. Um voto de confiança é a certeza de que o governo tem a ajudal-o e a defendel-o a maioria da respectiva camara; não é, não póde ser uma procuração bastante em que delegam, poderes constitucionaes intransmissiveis que se exercem por delegação em procurações que não trazem direitos de substabelecer.

Pois o sr. presidente do conselho não o entendeu assim. O sr. presidente do conselho entendeu e entende que a votação da moção na camara dos senhores deputados não era simplesmente um voto estricto de confiança, mas um voto de auctorisação para s. exa. fazer sobre este incidente tudo quanto quizer.

Ora, sr. presidente, a minha opinião sincera e inabalavel é que as maiorias nos corpos legislativos não são omnipotentes; que ainda mesmo que a maioria, a unanimidade, se quizerem, da camara dos senhores deputados votasse uma auctorisação ou uma delegação expressa n’este assum-