SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1887 217
maioria da camara dos senhores deputados declara que só depois de fechadas as côrtes, ou de terminada a legislatura, póde seguir o seu processo e ser julgado.
D’aqui vae-se perfeitamente até ás galés de El-Rei, aos tempos, que são para a liberdade de ignominiosa memoria.
Precisámos de saber isto, pois que o governo julga ter recebido da camara dos senhores deputados poderes descricionarios e porque se vê muita negrura já no procedimento passado do governo e muito maior negrura nos seus intuitos futuros.
Sr. presidente, a camara dos pares não póde satisfazer-se com o silencio do governo, e estou em crer que n’elle persiste.
Precisa de explicações, e categoricas, e aqui as peço.
Pois os pares do reino consentem, porventura, que um cidadão portuguez, que tem direito a toda a protecção das nossas leis, esteja ha quinze dias preso sem culpa formada e sem que se lhe dê nota d’essa mesma culpa?
Pois consentem isto?
Eu não peço cada ao governo, porque elle nada mo faz; mas peço á camara que proteste contra similhante attentado. (Apoiados.}
Propuz-me demonstrar que as maiorias parlamentares não são omnipotentes e que a disposição do artigo 21.° da carta não é absoluta.
Vamos ver pausadamente alguns artigos da constituição, e peço á camara que veja bem se as votações das maiorias de ambas as casas do parlamento podem alguma cousa no sentido de modificar os que vou ler ou se podem Conferir-se a outro poder do estado os direitos e deveres que n’elles se estatuem.
Onde nos levaria, sr. presidente, a preterição e a presumpção do governo, de que o voto de confiança de ambas as camaras é ou seria uma auctorisação larga e absoluta para fazer o que quizer?
As maiorias das camaras tudo o que n’este sentido fizessem seria, alem do attentorio, irrito e nullo, porque os seus poderes são restrictos embora o governo agora finja crer que o não são.
Vamos ás attribuições das côrtes; vamos ver quaes são essas attribuições:
«Artigo 15.° § 1.° Tomar juramento ao Rei, ao Principe real, ao regente ou regencias.
«§ 2.° Eleger o regente ou regentes.»
Paremos aqui.
V. exa. comprehende que as camaras possam dizer ao governo: «Faça. isto por nós? Receba lá o juramento? Eleja o regente? »
Podem dizel-o, mas está postergada a constituição e desmoronado pela base o nosso edificio social.
O artigo 1.° da carta diz que o reino de Portugal «forma uma nação livre e independente».
Podem as maiorias votar o contrario?
E tem valor legal esse voto?
Podem dar uma auctorisação ao governo para elle decidir se somos um povo livre e independente?
O artigo 4.° diz que o governo portuguez é «monarchico, hereditario e representativo».
Podem as maiorias das camarás, nos limites das respectivas procurações, decidir de outro modo ou commetter ao governo a decisão?
O artigo 25.° diz que os membros de cada uma das camaras são «inviolaveis pelas opiniões que proferirem».
Podem as camaras prescindir desta inviolabilidade e tornarem-se responsaveis ante o poder executivo pela sua opinião?
Mas estes direitos são inalienaveis e são intransmissiveis, (Apoiados.) não são dos pares nem dos deputados, são da nação e são fundamentaes na sua constituição;
O artigo 24.° da carta constitucional illudiu p sr. presidente do coselho; n’esse artigo diz-se:
«Os negocios se resolverão pela maioria absoluta dos membros presentes.»
Mas ha negocios de negocios e ha disposições na carta que não soffrem discussão dos corpos legislativos que não tenham poderes constituintes, a não se transformarem revolucionariamente em convenções ou em oligarchias.
N’este caso estão os artigos 3.° e 4.° do novo acto addicional.
A camara dos senhores deputados não póde dar ao poder executivo auctoridade de prender os seus membros nem o seu voto de louvor ou de confiança suppre a sua falta essencial.
Se as camaras votassem a abolição hoje da inviolabilidade de que falla o artigo 25.° da carta, podia o governo aproveitar-se d’esta prodigalidade? Elle sabe que não.
Outro exemplo: no artigo 75.° § 8.° da carta diz-se «que ao governo compete fazer tratados», e diz o artigo 10.° do primeiro acto acidicional interpretado pela carta, de 2 de maio de 1882 que «antes de ratificado tem de ser approvado pelas côrtes».
Folgo que esteja presente (o acaso ás vezes parece providencia!) o sr. ministro dos negocios estrangeiros, visto que vou expor a minha opinião franca e clara, apesar de não discutir agora o assumpto, sobre a ratificação da ultima concordata; se estiver em erro, peço a s. exa. encarecidamente que me responda.
Torno a ler o artigo 10.° do acto addicional.
(Leu.)
Ora diga-me o nobre ministro se entende em sua consciencia que uma votação da camara póde sanccionar, póde approvar a preterição desta formalidade essencial, que resulta destas palavras: — «.todo o tratado, concordata ou convenção ... será, antes de ratificado, approvado pelas côrtes.».
Podem as camaras dizer ao governo: — fez e seu e o nosso trabalho? por si ratificou e, por nós, approvou? aqui tem um voto de louvor? — E tudo fica assim legalisado? É impossivel.
É mais um acto de dictadura, mas para o qual se não pede o respectivo bill de indemnidade.
Podem as maiorias dar quantos votos de confiança quizerem, mas o tratado é nullo e nullas as consequencias que d’elle derivam.
Assim tambem póde dar quantos votos de confiança quizer sobre o assumpto d’esta discussão, porque com elles não se dispensa de dar cumprimento aos artigos 3.° e 4.° do ultimo acto addicional á carta.
Sr. presidente, ha quinze dias que um deputado da nação está preso á ordem do governo e ha outros tantos que lhe estamos a indicar e a reclamar o cumprimento do seu ver sem nada havermos conseguido; obtendo apenas como resposta, ou o silencio, ou algum gracejo de mau gosto e de tristes effeitos.
Ha quinze dias estamos dando á Europa inteira o espectaculo pouco edificante do poder legislativo se submetter ao poder executivo, louvando-o ainda pelas suas violencias criminosas.
Sr. presidente, lavro d’aqui o meu protesto, porque não acceito os mandamentos do governo, senão os que promanarem da lei e que forem applicados com as formas legaes, porque só assim me conformarei com elles.
Os parlamentos foram sempre em toda a parte a maior força das nações; mas, quando elles se tornam exageradamente acommodaticios, são, em vez de correctivo, a tentação dos governos.
Sr. presidente, tenho demonstrado o que tinha a demostrar na minha these; mas preciso dizer ainda algumas palavras e algumas d’ellas para satisfação do digno par, o sr. marquez de Rio Maior,
O digno par, quando quiz provar as preeminencias do ministro da marinha sobre todo o pessoal que faz parte do seu ministerio, referiu-se á organisação da secretaria da marinha por mim decretada, lamentando que eu me tivesse