220 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
conselho, mas, cuidado! que a moderação não vá tão longo que se converta em ignominia nacional.»
Eu sou moderado por indole e por escola, mas ha occasiões em que entendo que é preciso que cada um se ponha no seu logar e se firme no seu posto.
Já que estou a referir-me a historia antiga da nossa epocha liberal, vou suscitar ainda a lembrança de um acontecimento que vem a proposito.
Como v. exa. sabe, este ministerio diz-se descendente em linha recta de Passos Manuel, do marquez de Sá da Bandeira, do duque de Loulé, de José Estevão, emfim dos homens mais importantes do partido progressista. Eu, sem muito esquadrinhar na respectiva arvore genealógica, concebo graves duvidas sobre a sua pureza, quando lhe examino os fructos.
Quando vejo o sr. presidente do concelho fazer as eleições de Alijo e Ovar, quando vejo que Ovar ainda se conserva hoje em estado de sitio, e que se não dá ali satisfação de justiça, porque a propria justiça tambem está envolvida na politica; quando vejo que o governo, subindo aos conselhos da coroa, pouco tempo depois de reformada, por accordo, a constituição, teve por primeiro cuidado pol-a de parte e postergal-a em todos os actos da sua administração, a fim de poder seguir arrogante pelo caminho dos seus triumphos de dictador; quando o vejo ratificar a concordata com a Santa Sé, sem ser approvada previamente pelo parlamento, ao passo que a de 1857 veiu duas vezes ás camaras, uma quando. se exigiram as notas reversaes, outra para se approvarem as notas obtidas; quando vejo o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarar-se mais papista que portuguez, osculando com a maior devoção as sandálias de Sua Santidade; quando vejo finalmente que ia quinze dias está preso ás ordens do governo um deputado da nação, sem obter nota de culpa, e quando penso que este é o partido que se diz mais avançado e que ousa proclamar a sua putativa nobre ascendencia, não posso conter-me que não rememore um facto occorrido em 1820.
O facto é sabido, mas é conveniente repetir a historia, como nas escolas, que assim, fica mais firme na memoria,
Deu-se o facto em 1820, n’esta sempre nobre cidade de Lisboa.
N’aquelle tempo, com a vinda dos patriotas do Porto organisou-se aqui um governo provisorio; este governo tratem de publicar um programma para as eleições dos deputados constituintes e indicava tambem as bases da futura constituição. Ora aconteceu que os liberaes d’aquella epocha acharam acanhadas ou mesquinhas aquellas bases e houve uma revolta de força armada que saiu para as das da capital proclamando que queria uma constituição mais liberal que a de Cadix, de 1812.
E sabe v. exa. quem foram os caudilhos liberaes que andaram a commandar as tropas, e a fazer a exigencia?
Um d’elles chamava-se Gaspar Teixeira; foi depois visconde do Peso da Régua; um façanhudo miguelista! O outro chamava-se Telles Jordão.
É verdade que tambem entre elles havia um homem de boa fé, um liberal convicto; esse homem chamava-se Bernardo de Sá Nogueira.
Quando se recordava ao nobre marquez de Sá aquelle acontecimento, costumava elle redarguir:
— «Infelizmente não foi só então que me enganei com as companhias »
Tenho dito.
O sr. Adriano Machado: — Peço a v. exa. consulte a camara sobre se consente que se porogue a sessão até terminar este incidente.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. D. Luiz da camara Leme (sobre a ordem): - Sr. presidente, em virtude das prescripções do regimento passo a ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Sr. presidente, ha muito tempo que estou, por uma pertinaz e cruel doença, afastado das discussões do parlamento, e hoje mesmo preciso fazer um grande esforço, prejudicial á minha saude, para tratar da questão que se debate. Não creia v. exa., sr. presidente, que eu venha aqui, com intuitos politicos, fazer opposição ao governo,
Actualmente a minha posição politica nesta camara é mui diversa da que foi n’outro tempo.
Desde 1851 que milito, como simples soldado, no partido regenerador, e pertenço á velha guarda. Tive por chefes os homens mais distinctos do nosso paiz: marechal Saldanha, o vulto proeminente d’aquella epocha memoravel, o grande estadista Joaquim Antonio de Aguiar, e por ultimo o meu chorado amigo e chefe Fontes Pereira de Mello. Sr. presidente, perdi já, hão sei se por effeito da idade, as rainhas crenças, principalmente as politicas, tão grandes teem sido as decepções que tenho experimentado neste longo periodo de luctas parlamentares. Hoje só tenho crenças religiosas, que estão, como sempre estiveram, bem arreigadas no meu espirito, e creio piamente em Deus.
Sr. presidente, a questão que se ventila, importante como c, não a vou tratar debaixo do ponto de vista juridico. Isso seria improprio da minha parte,- não só por me faltar a competencia, mas ainda .porque já por aquelle lado foi ella tratada, com grande lucidez e admiração, pelo- meu particular amigo e collega o sr. Barjona de Freitas.
Nada digo tambem a respeito do flagrante delicto. Apenas quero tratar á questão sob o ponto de vista da disciplina militar, que foi um dos principios que os srs. ministros invocaram para mandar prender o deputado Ferreira de Almeida, violando a lei fundamental do estado.
Sr. presidente, ha nesta camara distinctos generaes que poderiam, por serem mais competentes do que eu, tratar a questão neste terreno; mas eu, sr. presidente, o mais humilde entre todos, vendo que nenhum pediu a palavra, sempre direi alguma cousa com relação ao assumpto, que julgo muito importante.
Logo lerei á camara a opinião de um illustre e valente general, que foi uma das glorias do partido progressista, pela sua grande illustração, pelo seu talento, pelo seu nobre caracter e pelos principios liberaes que professava.
Refiro-me ao sr. marquez de Sá da Bandeira, que não póde ser suspeito aos membros do actual governo, nem á maioria desta. camara.
Estou certo que a sua opinião ha de sor acceita por todos.
Quando, ha poucos dias, na outra casa do parlamento, se tratou de uma questão de indisciplina militar, disse um illustre deputado que um official do exercito se tinha vendido a um galopim eleitoral!
Eu sinto que numa questão tão importante como esta, que prende com a disciplina do exercito, não esteja presente o meu antigo amigo o sr. ministro da guerra, porque desejava perguntar a s. exa. se era verdadeiro o facto. A mim, sr. presidente, custa-me a acreditar que elle se desse, porque não creio que um official, que tem sobre o seu capacete a cruz de Aviz precedesse d’essa fórma.
O sr. ministro da guerra, que negou o facto, com o que eu muito folguei, disse n’essa occasião que uma das causas que podia concorrer para a indisciplina do exercito era a lei do recrutamento ser fundada no principio da remissão a dinheiro.
Ninguem tem combatido mais este principio, como altamente prejudicial a toda a boa organisação militar, do que eu, já levantando a minha humilde voz no parlamento, já nos meus pobres e modestos escriptos e ainda nos projectos de lei que tenho apresentado.
Muito folgo que o meu particular amigo o sr. marquez de Rio Maior partilhe a opinião do sr. visconde de S. Januario; mas parece-me que s. exa. dirigiu uma censura ao ministro da guerra e a muitos generaes que com este cavalheiro fizeram parte da commissão nomeada pelo sr. Fontes para estudar a nova organisação do exercito, quando