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N.º 15
SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. João Chrvsostomo de Abreu e Sousa
Secretarios — os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. — O sr. presidente convida para introduzirem na sala os dignos pares eleitos os srs. Candido de Moraes, Vicente Lourenço e Fernando Palha, aos dignos pares os srs. Lages, Bandeira Coelho, Pereira Dias, Antonio Augusto de Aguiar, marquez de Rio Maior e Thomás Ribeiro. S. exas. prestaram juramento e tomaram assento. — Ordem do dia, primeira parte: lido o parecer n.° 46, foi approvado por 44 espheras; foram escrutinadores os dignos pares Candido de Moraes e Vasco Leão. — Entrou-se na segunda parte da ordem do dia: usa da palavra o digno par Thomás Ribeiro, pedindo ao governo explicações sobre o meeting do Porto. O sr. presidente do conselho responde a s. exa. Continua o digno par Thomás Ribeiro, que termina o seu discurso. — O digno par Adriano Machado pede para que seja prorogada a sessão até terminar este incidente. A camara approva este requerimento. — Usa da palavra o digno par Camara Leme, que termina o seu discurso, mandando para a mesa uma moção. Lida na mesa ficou em discussão. — Usa da palavra o digno par José Joaquim de Castro sobre o mesmo assumpto. — Leu-se na mesa uma mensagem, vinda da camara dos senhores deputados, remettendo um projecto de lei. Foi remettido á commissão de fazenda. — O digno par Antonio de Serpa Pimentel usa da palavra sobre o assumpto. — O digno par Pereira Dias desiste da palavra. — O digno par marquez de Rio Maior pede para retirar a sua moção e a do digno par Barros e Sá. — O digno par Barjona de Freitas faz igual pedido, declarando achar-se auctorisado pelo digno par visconde de Moreira de Rey para pedir á camara permitia que retire tambem a proposta d’este digno par. — O sr. Camara Leme pede para retirar a sua proposta. — O sr. Vaz Preto fez igual pedido.— O sr. presidente pergunta á camara se apoia os pedidos dos dignos pares. — O sr. presidente do conselho manda para a mesa uma proposta de accumulação. E approvada. — Usam da palavra para explicações os dignos pares Franzini e Hintze Ribeiro. — O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia da sessão de quarta feira, 25 do corrente, na primeira parte a discussão do parecer u.° 47 e na segunda a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Ás duas horas e um quarto da tarde, estando presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estava presente o sr. presidente do conselho.)
O sr. Presidente: — Acha-se nos corredores da sala o digno par eleito o sr. João Candido de Moraes. Convido os dignos pares os srs. Lages e Bandeira Coelho a introduzirem s. exa. na sala.
Introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Presidente: — Está tambem no edificio o digno par eleito o sr. dr. Agostinho Vicente Lourenço. Convido a introduzirem s. exa. na sala os dignos pares os srs. Pereira Dias e Antonio Augusto de Aguiar.
Introduzido na sala, s. exa. prestou juramento e tomou assento.
O sr. Presidente: — Encontra-se ainda nos corredores da sala o par eleito o sr. Fernando Pereira Palha Osorio Cabral. Convido os dignos pares os srs. marquez de Rio Maior e Thomás Ribeiro a introduzirem na sala s. exa.
Em seguida foi s. exa. introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia.
Vae ler-se o parecer n.° 46.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 46
Senhores. — Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o diploma de par do reino, conferido pelo collegio especial composto dos delegados dos estabelecimentos scientificos, o dr Antonio dos Santos Viegas, lente de prima da faculdade de philosophia da universidade de Coimbra.
E considerando que o referido par tomou assento n’esta camara em 1386, na qualidade de par electivo pelo mesmo collegio especial, provando achar-se comprehendido na categoria 18.ª das mencionadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, e que se acha na regencia da cadeira de que é proprietario;
Considerando que já foi approvado por esta camara o respectivo processo eleitoral, que julgou valida a eleição de cinco pares do reino, a que no dia 30 de março ultimo se procedeu pelo mencionado collegio;
Considerando mais que o diploma apresentado se acha em fórma legal:
É a vossa commissão de parecer que o par eleito, dr. Antonio dos Santos Viegas, seja admittido a prestar juramento e a tomar assento nesta camara.
Sala das sessões da commissão, 18 de maio de 1887. = Conde de Castro = Sequeira Pinto = Mexia Salema == Hintze Ribeiro = José Joaquim de Castro, relator.
Illmo. e exmo. sr. — Tenho a honra de enviar a v. exa. a copia authentica da acta da sessão do collegio especial em que v. exa. foi eleito par do reino pelos delegados dos estabelecimentos scientificos.
Deus guarde a v. exa. Academia real das sciencias, 30 de março de 1887. — Illmo. e exmo. sr. dr. Antonio dos Santos Viegas, lente da faculdade de philosophia na universidade de Coimbra. = Conde de Ficalho.
Acta da sessão do collegio especial para a eleição de cinco pares do reino
Aos 30 dias do mez de março de 1887, pelas dez e meia horas da manhã, achando-se reunidos em uma sala da academia real das sciencias os delegados eleitos e approvados na sessão de 27 do corrente, o sr, presidente, conde de Ficalho, abriu a sessão.
O sr. presidente participou que tinha recebido do delegado da academia real das sciencias, José Maria Latino Coelho, um officio, declarando que por motivo justificado, não póde comparecer á sessão de hoje; e que disto tinha dado conhecimento ao sr. Thomás de Carvalho, supplente
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pela mesma academia. Achando-se presente o sr. Thomás de Carvalho, cujos poderes foram verificados e approvados na sessão anterior, o sr. presidente declarou que ia proceder-se á chamada dos eleitores para darem o seu voto, servindo-se da lista approvada na ultima sessão, substituindo o nome do sr. José Maria Latino Coelho pelo do sr. Thomás de Carvalho.
Feita a chamada e verificando-se que tinham entrado m, uma 36 listas, numero igual ao dos votantes, procedeu-se ao escrutinio, que deu o seguinte resultado:
Conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado 30 votos;
Dr. Antonio dos Santos Viegas.............. 29 »
Conselheiro Jayme Constantino de Freitas Moniz 27 »
Augusto- José da Cunha.................... 26 »
Antonio de Oliveira Monteiro................ 24 »
Conselheiro José Antonio de Arantes Pedroso .. 13 »
José Maria Latino Coelho................... 7 »
Francisco Gomes Teixeira.................. 2 »
Arnaldo Anselmo Ferreira Braga............. 2 »
José Antonio de Arantes Machado............ 1 »
Gramacho, lente jubilado da escola medico-cirurgica do Porto............... 1 »
José Joaquim Rodrigues de Freitas......................1 »
Oliveira Monteiro.......................... 1 »
Jayme Moniz............................. 1 »
Luiz de Almeida e Albuquerque............. 1 »
O. sr. presidente declarou pares do reino eleitos por este collegio especial os seguintes senhores, que obtiveram maior numero de votos e maioria absoluta: conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado, conselheiro Jayme Constantino de Freitas Moniz, dr. Antonio dos Santos Viegas, Augusta José da Cunha e Antonio de Oliveira Monteiro.
O sr. presidente declarou que, em virtude do artigo 43.º da lei de 24 de julho de 1880, os eleitores que formam este collegio especial outorgam aos cinco pares eleitos os poderes necessarios para que, reunidos com os outros pares do reino, façam, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.
Em seguida o sr. presidente mandou queimar todas as listas, em presença da assembléa, e, não havendo mais que tratar, levantou a sessão ás onze horas e meia. = Conde de Ficalho = Antonio Joaquim Ferreira da Silva = Augusto Maria da Costa e Sousa Lobo = Luiz Porfirio da Mota Pegado = Antonio de Assis Teixeira de Magalhães.
O sr. Presidente: — Está em discussão. Como ninguem pede a palavra vae votasse.
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: — Convido para servirem de escrutinadores os dignos pares os srs. Candido de Moraes e Vasco Leão.
Entraram na uma da approvação 44 espheras brancos e igual numero de espheras pretas na urna da contraprova. Está, portanto, approvado o parecer.
SEGUNDA PARTE DÁ ORDEM DO DIA
Continuação do incidente levantado, na sessão de 14 do corrente, pelo digno par o sr. visconde de Moreira de Rey
O sr. Presidente: — Vae passar-se á segunda parte da, ordem do dia, e tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.
O sr. Thomás Ribeiro: — Sr. presidente, costumo ser sempre parcimonioso no uso da palavra. V. exa. e a camara provavelmente repararam que tarde, muito tarde pedi a v. exa. o favor de me inscrever.
Desde muito que professo as doutrinas que me ensinou o homem que dirigiu os meus primeiros passos em politica, o homem que eu estimava como eminente e como honrado, o homem cujo nome eu não pronuncio e toda a gente sabe a quem me refiro,
Fallando n’esta sessão hoje pela primeira vez, julgo dever meu consagrar as primeiras palavras que pronuncio a este grande vulto, um dos maiores da nossa historia politica.
Era elle amante da liberdade e do principio da auctoridade, porque via na ordem social e no reciproco respeito individual e hierarchico a garantia das franquias que nos reconhece a constituição.
N’esta discussão tenho visto confundirem-se de tal fórma os pareceres que muitas vezes parece ao governo e aos seus partidarios pretender-se querer desacatar a auctoridade; ao passo que da parte d’aquelles que combatem o seu procedimento se affirma só o desejo de que se acate por parte do ministerio a liberdade, que está offendida, e a carta, que está ultrajada e precisa de uma reparação urgente da parte dos poderes publicos.
N’esta situação, sr. presidente, encontrei o debate e só pedi a palavra quando o sr. presidente do conselho, numa das suas irritadas impaciencias, tão frequentes no seu caracter, se levantou parai responder de uma fórma violenta, e insolita n’esta camara, ás palavras mais moderadas que se tem proferido aqui por parte da opposição.
Duas rasões, alem da gravidade do assumpto, me forçaram a quebrar o silencio que mantinha: ver que s. exa. fallava em tom altivo e provocante em dictaduras, um dos seus delictos, e isto inopportunamente por que se não discutia ainda, o bill de indemnidade, que ha de ser, creio eu, submettido á apreciação d’esta camara, e ouvir-lhe contar uma anedocta romana, de duvidosa authenticidade e d’um mau gosto supremo, impropria de um presidente de ministros e descabida nesta assembléa.
S. ex. contou a velha historia dos augures, que-se riam em secreto da gravidade com1 que mentiam em publico no exercicio das suas sacras funcções. Isto a proposito de dictadores e dictaduras. Já é franqueza!
S. exa. acrescentou que elles significavam o seu desdem por um gesto que, se o foi nos tempos de Roma, não é hoje de gente bem educada. Ora s. exa. póde ter imitado os augures, seus antecessores ou seu modelo, no desprezo que vota ás suas funcções proeminentes mas excedeu-os na franqueza; o que elles faziam em secreto e quando se encontravam a sós entre collegas quiz o digno presidente deste ministerio fazel-o á nação ou diante da nação que tanto vale tel-o reproduzido perante esta camara.
O sr. José Luciano de Castro não se lembrou, de certo, da gravidade que é preciso manter numa discussão em que se trata de um assumpto dos mais serios que podem preoccupar e tomar as attenções dos poderes publicos, discussão que tem logar n’uma das camaras legislativas da nação portugueza.
Sr. presidente, foi n’esta occasião que eu me levantei, que pedi a v. exa. a palavra.
Queria lavrar um protesto e fazer um pedido.
Não venho aqui, descanse v. exa. para tratar da questão propriamente, dite, que tanto tem preoccupado alguns dignos pares e traz principalmente preoccupado o governo da nação.
Não venho;, e comtudo é indispensavel referir-me a ella.
O sr. presidente do conselho veiu a esta camara dizer-nos que tinhamos um crime a julgar, affirmação que só póde fazer quando ha a certeza de ter sido lançado um despacho de pronuncia.
Era licito acreditar que o governo, assim como tinha prendido, havia pronunciado.
Podia estranhar pela sua declaração o seu procedimento e podia, apreciando os motivos do procedimento do governo, apreciar o facto, que retem encarcerado com menosprezo de todas as nossas leis um deputado da nação. Pois não o faço. E não é porque não possa, é porque não pre-
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ciso, para accusar o governo, de entrar nas particularidades do acontecimento lamentavel que o nobre presidente do conselho nos veiu noticiar.
Eu não trato de acontecimentos que teve logar no dia 7, finda a sessão na camara dos senhores deputados, a não ser como referencia indispensavel, venho fallar do criminoso attentado do governo, que violou uma das mais importantes garantias politicas e uma das mais sagradas franquias individuaes, que reconhece e estatue a lei fundamental da nação.
E d’este attentado ainda o governo se acha em flagrante.
(Depois de uma pequena pausa motivada por um colloquio do sr. ministro dos negocios estrangeiros com o sr. presidente do conselho.)
Peço perdão 5 mas eu costumo prestar sempre todo o respeito ás pessoas a quem me dirijo e não me parecia bem estar a perturbar a conversa, que aliás devia ser interessante, dos srs. ministros; agora que terminaram, prosigo.
Eu por mim não presenciei ainda, e já sou antigo no parlamento um attentado como aquelle que originou esta discussão. Disse o sr. marquez de Rio Maior que deixássemos este assumpto e que nos occupassemos de outros mais importantes que ha, e de maior gravidade, mais urgentes para os interesses da nação.
Não vejo, de entre os assumptos que temos a discutir, e não conheço mesmo para assembléas politicas assumpto de mais alta importancia ou de mais levantado alcance pelos preceitos que affecta e pelas consequencias a que póde levar-nos do que este que se discute. Os outros podem ser, e são de certo, importantes, este porem é fundamental.
E agora, sr. presidente, vae v. exa. ver, e verá a camara, como eu discuto só sob este ponto de vista, e como não desliso do caminho que me tracei e que é o que mais agrada a v. exa.
Está preso um deputado da nação portugueza. Não lhe sei o nome, ou não careço de o pronunciar; sei só que é um representante da nação,, e que tem um logar na outra casa do parlamento. Este homem ouvi dizer que foi tratado como um altissimo criminoso, e que ao governo parece haver merecido o castigo supremo das nossas leis penaes. Tambem consta que o governo o prendeu em flagrante delicto.
Concedo, por hypothese, e que tudo isto seja verdade, (só por hypothese, entenda-se bem) e até, se fosse preciso, eu esqueceria ou deixaria de mencionar que este cidadão é deputado da nação portugueza.
Basta-me, para ter direito de tomar ao governo as contas mais severas, affirmar que se trata da prisão e detenção de um cidadão portuguez, durante quinze dias sem que se lhe haja entregue nota de culpa nas primeiras vinte e quatro horas, nem intimado despacho de pronuncia, nos termos da lei civil.
É por isso que, em face do artigo 103.° da carta, afirmo que o governo commetteu delicto, por abuso, do poder, por falta de observancia da lei, e pelo que obrou contrariamente á liberdade e segurança dos cidadãos.
Sr. presidente, dignos pares do reino, para que ouçaes repito: ha quinze dias que está preso um cidadão portuguez, sem que se lhe tenha ainda communicado nota de culpa ou despacho de pronuncia, na forma por que o dispõe a carta constitucional e a novissima reforma judiciaria!
Está preso um cidadão que é deputado, que é representante do paiz, o que constitue uma verdadeira suspensão de garantias na presença das camaras e uma violação das immunidades parlamentares. Qual de nós, absolvido este crime do poder executivo, este novo attentado contra artigos fundamentaes da constituição, póde ter a certeza de que não amanhecerá ámanhã n’uma prisão? Qual de nó póde confiar na justiça?
E ha quinze dias está este governo em flagrante delicto dr um crime que elle mesmo já chamou de traição, e as camaras a sustental-o, a louval-o, em seu proprio menos cabo! Este flagrante, sim, é incontestavel!
Toda a gente, sem ordem superior nem inferior, está no direito de o prender; se o não faz é porque a força nem sempre está com o direito.
Em vez d’isso, votos de louvor e de confiança, que o governo toma como auctorisações e até como incitamentos a exorbitancias maiores.
Eu singularmente me associo aos que lavram protesto honrado contra esta iniquidade e contra esta submissão. Votem louvores, votem, as duas casas do parlamento para absolvição, mais ainda, para santificação deste crime, que u protesto contra a afronta e contra o louvor. Votem ambas as camaras. .. Ambas talvez não. Está-me parecendo esta não votará nada. A camara dos pares ha de poupar-se, parece-me, a votar cousa que se pareça com louvor; cousa que o governo possa julgar consagração ou ratificação dos seus actos, ou como desistencia por parte do parlamento em favor do governo de direitos sagrados e intransmissiveis. A tanto chegámos!
Peço á camara que não vote, e menos cousa que pareça moção de confiança, cuja traducção s. exa. sabe tão bem preparar em abono da sua politica!
Sr. presidente, é melhor que não votemos nada, porque mais vale ao governo e ao paiz conservar a camara indemne d’esta febre de condescendencias, que não tiram ás ousas a sua essencia, e que, não revigorando o governo, enfraquecem a nossa auctoridade moral; é melhor do que envolver todos os poderes numa cumplicidade, contra a qual muitos protestam como eu protesto.
Que, mais que o facto, são perigosos os commentarios.
O governo apresentou-se n’esta camara a dizer-nos que tinha havido um crime praticado na sala das sessões da camara dos senhores deputados, uma semana depois do lamentavel acontecimento.
Disse-nos tambem o sr. presidente do conselho que desde esse dia se estava tratando do processo, e acrescentou que a maioria da camara dos senhores deputados, havendo-lhe respondido com uma moção de confiança, note bem a camara, tinha sanccionado o procedimento do governo, equivalendo, aquelle votoá o rdem, de prisão dada pela camara, na conformidade do artigo 3.° do ultimo acto addicional.
Sr. presidente, isto é exorbitante e illusorio. A camara não dá ordem de prisão senão dando-a, nem aquella prerogativa é susceptivel de delegação.
Neste ponto, ou eu não entendo a carta constitucional, o que é possivel, ou não a entende o governo, ou finge que não a entende.
Um voto de confiança quer dizer, no meu entender, e se o não quer dizer ali está o governo para mo contestar e ali estão os seus amigos, tambem; um voto de confiança quer sempre dizer: nós estamos persuadidos de que defen-mos um governo que está com a lei; de que é garantia da execução das leis, e de que todos os seus actos hão de merecer ou merecem a nossa approvação. Um voto de confiança é a certeza de que o governo tem a ajudal-o e a defendel-o a maioria da respectiva camara; não é, não póde ser uma procuração bastante em que delegam, poderes constitucionaes intransmissiveis que se exercem por delegação em procurações que não trazem direitos de substabelecer.
Pois o sr. presidente do conselho não o entendeu assim. O sr. presidente do conselho entendeu e entende que a votação da moção na camara dos senhores deputados não era simplesmente um voto estricto de confiança, mas um voto de auctorisação para s. exa. fazer sobre este incidente tudo quanto quizer.
Ora, sr. presidente, a minha opinião sincera e inabalavel é que as maiorias nos corpos legislativos não são omnipotentes; que ainda mesmo que a maioria, a unanimidade, se quizerem, da camara dos senhores deputados votasse uma auctorisação ou uma delegação expressa n’este assum-
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pto, ella não tinha valor nenhum, visto que tal delegação importava a revogação ou modificação de um artigo da carta constitucional, e aos corpos legislativos ordinarios falta poder especial para tanto.
Não podem ir tão longe como pretende crer o sr. presidente do conselho.
Usurpar as attribuições do poder legislativo é processo de dictadura; pretender que o poder legislativo seja cumplice de dictaduras é um desacato.
Querem perpetuar a dctadura? Perpetuem, visto que estão n’um paiz que lh’o consente; mas tenham a coragem dos seus actos e não procurem cumplices no poder legislativo.
Façam o que quizerem! Aproveitem a força adquirida no declive das suas ilegalidades. Transformem os navios do estado em pontões de ominosa memoria ou nas galés de El-Rei.
Mandem porá a torre de S. Julião da Barra todos os deputados e pares que os encommodarem, mas não queiram fazer cumplices dos seus actos as camaras legislativas. Bem basta faltar-lhes ao respeito e despojal-as das suas attribuições.
E a proposito de dictaduras, o illustre presidente do conselho de ministros, em resposta a argumentação placida e luminosa do meu illustre amigo o sr. Barjona de Freitas, disse que tambem tinha tido o appetite de violar a constituição, para que se não podesse dizer que só os regeneradores eram réus confessos de similhante peccado.
Sr. presidente, chegará a occasião de se fazer o parallelo entre os dictadores e os dictadores. Chegará a occasião em que nós possamos dizer se os dictadores de 1881 e 1884 têem alguma sirnilhança com aquelles que tão depressa esqueceram os principios pomposamente apregoados no seu programma, e veremos então aquelle famoso projecto de lei de 1880, a respeito da responsabilidade ministerial, projecto de lei que é do actual sr. presidente do conselho, e pelo qual ha de responder, não porque seja lei ou porque s. exa. sequer se lembre de lhe renovar a iniciativa, mas porque estão ali reveladas e desenvolvidas as suas opiniões de então.
Veremos só os homens que assim defendiam tão escrupulosa doutrina,- podem vir hoje dizer que os regeneradores queriam para si o goso exclusivo de violar a constituição do estado.
Note v. exa. que eu fallo como se estivesse associado aos dictadores do meu partido. Não pertencia ao ministerio quando essas dictaduras se realisaram. O meu partido nada perdeu com a minha ausencia, mas a verdade é que não fazia então parte do gabinete.
Na minha vida ministerial, sendo ministro do reino, pratiquei, que me lembre, apenas um acto que accusaram de dictadura. Foi a prohibição de um meeting que o partido republicano desejava realisar. Declarei que não conhecia o partido republicano, e prohibi esse meeting, que tinha por fim dirigir não sei que reclamações ao representante da Santa Sé em Lisboa.
Sabe v. exa. sr. presidente, qual fui o accusador maximo d’este meu acto dictatorial, segundo o dizer dos meus adversarios? Foi o actual sr. presidente do conselho do ministros, que então fazia parte da camara dos senhores deputados. S. exa. disse-me que eu não podia prohibir o meeting, visto que o não podia permittir. Lembro me bem das suas palavras.
E agora no Porto?
Pois s. exa. não prohibiu o meeting no Porto? Pergunto ou: como é que s. exa. prohibiu uma cousa que não podia permitir?
É preciso que os homens que aspiram á governação publica, tenham muito cuidado nas accusações que fazem, porque no dia seguinte ao da sua entrada no poder são forçados a dar aos que governaram na vespera, e a quem aggrediram, as mais terminantes explicações, e ás vezes a proporcionar-lhes os mais agradaveis triumphos na contradicção dos seus actos com as suas palavras.
O ar. Presidente do Conselho de Ministro (Luciano de Castro): — O meeting do Porto foi dissolvido, não foi prohibido.
O Orador: — O meeting foi prohibido, e foi lida na rua uma representação dirigida a El-Rei...
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Affianço a v. exa. que meeting foi dissolvido.
O Orador: — Peço perdão, mas v. exa. está enganado, ou então as suas auctoridades não lhe dão parte daquillo que fazem, o que é mau, porque v. exa. é unico responsavel ante as côrtes pelos actos que ellas praticam. Até para approvarem os artigos de uma mensagem, ao governo, andaram os habitantes do Porto por viellas e becos a esconderem-se da municipal.
Fallaremos dos comicios do Porto e do modo como a respeito d’elles procedeu a auctoridade.
Agora voltemos á responsabilidade do governo pelo que respeita á sua prisão arbitraria de um deputado da nação, e á sua illegalissima detenção por quinze dias.
Renovo aqui a pergunta do digno par o sr. Manuel Vaz Preto Geraldes:
— Vem ou hão vem á camara dos dignos pares, para ser julgado, o processo a que nos estamos referindo?
Eu não percebo senão pelas palavras os pensamentos do governo.
O governo entrou aqui e declarou á camará: «vós não podeis discutir, porque tendes de julgar». Apparece depois, por parte do governo, o digno par o sr. Barros e Sá, e faz neste mesmo sentido uma moção de ordem que mandou para a mesa. A moção é neste sentido, e pouco mais ou menos diz: — A camara, reconhecendo que tem de julgar, não póde discutir.
Fallou depois neste mesmo sentido o digno par que hontem encerrou a sessão, o sr. Costa Lobo. Todos affirmaram a mesma cousa.
E quando eu julgava este ponto esclarecido, levanta-se <_ par='par' preto='preto' e='e' ou='ou' governo='governo' julgamos='julgamos' ao='ao' vaz='vaz' sr.='sr.' o='o' p='p' digno='digno' se='se' pergunta='pergunta' não='não'>
O governo agora, cousa admiravel, responde-lhe que não sabe!
Então, se não julgâmos, porque é que não havemos de discutir?
E se julgâmos, porque é que duvída affirmar a sua opinião o nobre presidente do conselho? (Apoiados.)
É preciso que o governa saia deste mutismo ou d’esta perplexidade.
A sua primeira palavra foi que nós eramos os juizes n’este processo crime, a segunda é que não sabia quem é o juiz d’este processo.
Insinuou o digno par o sr. Vaz Preto, que na sombra de tudo isto ha mysterios que é preciso desvendar, e disse que este processo é mais uma perseguição politica do que um desaggravo da justiça.
Porventura o digno par foi desmentido pelo sr. presidente? Não, senhores.
S. exa. calou-se. É commodo, mas é triste. (Apoiados.)
Saiba o sr. presidente do conselho que não se trata assim o poder legislativo; não póde desconsiderar-se assim n’uma questão d’esta ordem. É preciso que nós saibamos claramente o intento do governo, o que elle fez, o que tenciona fazer e quaes são os seus intuitos. (Muitos apoiados.)
O silencio obstinado nada diz e deixa suspeitar tudo.
Saiba o sr. presidente do conselho que eu vou formular uma suspeita, e desminta-a s. exa.
Do que o sr. presidente do conselho diz póde resultar o seguinte:
Supponha s. exa. que o deputado da nação portugueza que está preso é pronunciado sem fiança; supponha s. exa. (o que eu não quero suppor senão por hvpothese) que a
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maioria da camara dos senhores deputados declara que só depois de fechadas as côrtes, ou de terminada a legislatura, póde seguir o seu processo e ser julgado.
D’aqui vae-se perfeitamente até ás galés de El-Rei, aos tempos, que são para a liberdade de ignominiosa memoria.
Precisámos de saber isto, pois que o governo julga ter recebido da camara dos senhores deputados poderes descricionarios e porque se vê muita negrura já no procedimento passado do governo e muito maior negrura nos seus intuitos futuros.
Sr. presidente, a camara dos pares não póde satisfazer-se com o silencio do governo, e estou em crer que n’elle persiste.
Precisa de explicações, e categoricas, e aqui as peço.
Pois os pares do reino consentem, porventura, que um cidadão portuguez, que tem direito a toda a protecção das nossas leis, esteja ha quinze dias preso sem culpa formada e sem que se lhe dê nota d’essa mesma culpa?
Pois consentem isto?
Eu não peço cada ao governo, porque elle nada mo faz; mas peço á camara que proteste contra similhante attentado. (Apoiados.}
Propuz-me demonstrar que as maiorias parlamentares não são omnipotentes e que a disposição do artigo 21.° da carta não é absoluta.
Vamos ver pausadamente alguns artigos da constituição, e peço á camara que veja bem se as votações das maiorias de ambas as casas do parlamento podem alguma cousa no sentido de modificar os que vou ler ou se podem Conferir-se a outro poder do estado os direitos e deveres que n’elles se estatuem.
Onde nos levaria, sr. presidente, a preterição e a presumpção do governo, de que o voto de confiança de ambas as camaras é ou seria uma auctorisação larga e absoluta para fazer o que quizer?
As maiorias das camaras tudo o que n’este sentido fizessem seria, alem do attentorio, irrito e nullo, porque os seus poderes são restrictos embora o governo agora finja crer que o não são.
Vamos ás attribuições das côrtes; vamos ver quaes são essas attribuições:
«Artigo 15.° § 1.° Tomar juramento ao Rei, ao Principe real, ao regente ou regencias.
«§ 2.° Eleger o regente ou regentes.»
Paremos aqui.
V. exa. comprehende que as camaras possam dizer ao governo: «Faça. isto por nós? Receba lá o juramento? Eleja o regente? »
Podem dizel-o, mas está postergada a constituição e desmoronado pela base o nosso edificio social.
O artigo 1.° da carta diz que o reino de Portugal «forma uma nação livre e independente».
Podem as maiorias votar o contrario?
E tem valor legal esse voto?
Podem dar uma auctorisação ao governo para elle decidir se somos um povo livre e independente?
O artigo 4.° diz que o governo portuguez é «monarchico, hereditario e representativo».
Podem as maiorias das camarás, nos limites das respectivas procurações, decidir de outro modo ou commetter ao governo a decisão?
O artigo 25.° diz que os membros de cada uma das camaras são «inviolaveis pelas opiniões que proferirem».
Podem as camaras prescindir desta inviolabilidade e tornarem-se responsaveis ante o poder executivo pela sua opinião?
Mas estes direitos são inalienaveis e são intransmissiveis, (Apoiados.) não são dos pares nem dos deputados, são da nação e são fundamentaes na sua constituição;
O artigo 24.° da carta constitucional illudiu p sr. presidente do coselho; n’esse artigo diz-se:
«Os negocios se resolverão pela maioria absoluta dos membros presentes.»
Mas ha negocios de negocios e ha disposições na carta que não soffrem discussão dos corpos legislativos que não tenham poderes constituintes, a não se transformarem revolucionariamente em convenções ou em oligarchias.
N’este caso estão os artigos 3.° e 4.° do novo acto addicional.
A camara dos senhores deputados não póde dar ao poder executivo auctoridade de prender os seus membros nem o seu voto de louvor ou de confiança suppre a sua falta essencial.
Se as camaras votassem a abolição hoje da inviolabilidade de que falla o artigo 25.° da carta, podia o governo aproveitar-se d’esta prodigalidade? Elle sabe que não.
Outro exemplo: no artigo 75.° § 8.° da carta diz-se «que ao governo compete fazer tratados», e diz o artigo 10.° do primeiro acto acidicional interpretado pela carta, de 2 de maio de 1882 que «antes de ratificado tem de ser approvado pelas côrtes».
Folgo que esteja presente (o acaso ás vezes parece providencia!) o sr. ministro dos negocios estrangeiros, visto que vou expor a minha opinião franca e clara, apesar de não discutir agora o assumpto, sobre a ratificação da ultima concordata; se estiver em erro, peço a s. exa. encarecidamente que me responda.
Torno a ler o artigo 10.° do acto addicional.
(Leu.)
Ora diga-me o nobre ministro se entende em sua consciencia que uma votação da camara póde sanccionar, póde approvar a preterição desta formalidade essencial, que resulta destas palavras: — «.todo o tratado, concordata ou convenção ... será, antes de ratificado, approvado pelas côrtes.».
Podem as camaras dizer ao governo: — fez e seu e o nosso trabalho? por si ratificou e, por nós, approvou? aqui tem um voto de louvor? — E tudo fica assim legalisado? É impossivel.
É mais um acto de dictadura, mas para o qual se não pede o respectivo bill de indemnidade.
Podem as maiorias dar quantos votos de confiança quizerem, mas o tratado é nullo e nullas as consequencias que d’elle derivam.
Assim tambem póde dar quantos votos de confiança quizer sobre o assumpto d’esta discussão, porque com elles não se dispensa de dar cumprimento aos artigos 3.° e 4.° do ultimo acto addicional á carta.
Sr. presidente, ha quinze dias que um deputado da nação está preso á ordem do governo e ha outros tantos que lhe estamos a indicar e a reclamar o cumprimento do seu ver sem nada havermos conseguido; obtendo apenas como resposta, ou o silencio, ou algum gracejo de mau gosto e de tristes effeitos.
Ha quinze dias estamos dando á Europa inteira o espectaculo pouco edificante do poder legislativo se submetter ao poder executivo, louvando-o ainda pelas suas violencias criminosas.
Sr. presidente, lavro d’aqui o meu protesto, porque não acceito os mandamentos do governo, senão os que promanarem da lei e que forem applicados com as formas legaes, porque só assim me conformarei com elles.
Os parlamentos foram sempre em toda a parte a maior força das nações; mas, quando elles se tornam exageradamente acommodaticios, são, em vez de correctivo, a tentação dos governos.
Sr. presidente, tenho demonstrado o que tinha a demostrar na minha these; mas preciso dizer ainda algumas palavras e algumas d’ellas para satisfação do digno par, o sr. marquez de Rio Maior,
O digno par, quando quiz provar as preeminencias do ministro da marinha sobre todo o pessoal que faz parte do seu ministerio, referiu-se á organisação da secretaria da marinha por mim decretada, lamentando que eu me tivesse
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esquecido pelo facto, diz s. exa., de eu não ser militar, de escrever n’essa organisação que o ministro da marinha era o superior naquelle ministerio, o que não acontecera ao meu saudoso chefe Fontes Pereira de Mello, no que respeita ao ministerio da guerra.
Sr. presidente, enganou-se o digno par.
Não foi por esqueccimento que na reforma que eu referendei não vinha exarado esse principio ou preceito; a rasão d’essa omissão foi o eu nunca duvidar de que era o ministro da marinha a primeira auctoridade ali (Apoiados.), e que um ministro d’estado no seu ministerio é sempre a primeira auctoridade, a que dá ordens, a que todos têem de obedecer, quando são legaes.
Foi este o motivo por que nau inseri na reforma que decretei essa affirmação, que aliás estava e está na convicção de todos.
Parece, á primeira vista, sr. presidente, que eu estou a desdizer do discurso magnifico do digno par, o sr. Hintze Ribeiro, e que a minha opinião differe da que s. exa. apresentou; mas não é exacto. Em tudo estamos de accordo,
(Dirigindo-se ao digno par o sr. general Castro.)
Creio que o illustre general e meu amigo que está inscripto, vae logo mostrar que este principio é irrefutavel e que está nas suas idéas.
Ninguem nega, repito, que o ministro da marinha é, para, os negocios do ultramar e da marinha, a primeira auctoridade.
O sr. Hintze Ribeiro não teve nunca a idéa de negar, elle que tem sido ministro, que b ministro da marinha não era a primeira auctoridade na sua repartição.
O sr. Hintze Ribeiro: — Apoiado.
O Orador: — O que s. exa. quiz dizer, o que deviam ter comprehendido os dignos pares, e de certo comprehenderam, porque faço justiça aos meus adversarios politicos, é que o artigo 1.° d’aquellas celebres disposições dos artigos de guerra de 1799 não tinham applicação para o caso presente; o que s. exa. quiz dizer foi que, ante a boa hermenentica juridica, não se póde invocar similhante disposição.
A lei que se deparou, como unica applicavel, á attenção do governo foi a contida nos artigos de guerra de 1799; é por isso, para que possa ser applicavel esta lei, que só póde caber nos crimes militares, que se pretende considerar militar o ministro da marinha.
E aqui está porque ao argumento do sr. presidente do conselho, contestou o sr. Hintze Ribeiro. Não negou o digno par que o ministro da marinha fosse o superior no seu ministerio, contestou que fosse militar e que por isso tivesse applicação ao caso a legislação militar de 1799. E aqui está porque elle teimava em que no direito criminal não podia haver interpretação extensiva.
Ainda não quero terminar sem me dirigir tambem um pouco ao discurso do digno par o sr. Costa Lobo.
S. exa. quasi ia querendo defender o governo, mas fez-lhe as maiores arguições que um amigo póde fazer.
E é porque realmente o digno par não encontrou no seu arsenal, que é grande e bem provido, melhores meios de defeza, ou, antes, porque ha defezas impossiveis.
S. exa., referindo-se a uma das perguntas do sr. Vaz Preto, disse que, segundo o compendio de direito do sr. Nazareth, o juiz, no caso do conselho de investigação era o presidente do conselho.
Com o respeito que devo á memoria do meu antigo mestre o sr. dr. Nazareth, e aos conhecimentos juridicos do digno par, ouso dizer a s. exa. que o sr. Nazareth estava enganado...
(Os srs. ministros continuam a conversar.)
Depois de um intervallo.
Não sei se os augures estão fazendo aquelle gesto cupidineo a que se referiu o sr. presidente do conselho?... Com isto não pretendo perturbar s. exas. os srs. ministros, porque comprehendo que ha negocios urgentes e urgencias de conversa que fazem com que se não dê, a quem nos dirige, toda a attenção; mas eu espero; s. exas. conversam e eu continuo depois. Pretendi que me ouvissem, hão de ouvir-me, prezo muito os srs. ministros, mas respeito-me tambem muito a mim, pelo logar que occupo n’esta casa. Sou representante da nação e não acceito a sem ceremonia com que o governo está n’este debate.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Desculpe v. exa., mas a minha attenção tem acompanhado sempre o seu discurso,
O Orador (continuando): — Mas v. exa. está costumado a ser reincidente, e até n’isto.
Sr. presidente, vou continuar. O digno par o sr. Costa Lobo, apresentando as opiniões de Rogron, sobre flagrante delicio, em logar de defender, condemnou a interpretação do governo, porque ha affirmada e reconhecida a verdade incontestavel, no caso que temos discutido, de que houve um largo intervallo entre o conflicto e a ordem de prisão, de que resulta haver se dado uma verdadeira solução de continuidade. Ás seis horas e doze minutos, confessa o governo, deu-se o lamentavel incidente, ás seis e quarenta e cinco minutos foi dada a ordem de prisão.
Mas eu já dei de barato que houvesse o flagrante delicto; onde está uma nota da clupa?
Quinze dias em prisão rigorosa um deputado da nação, aberto o parlamento! Quinze dias á ordem do governo, que não tem direito sequer a passar mandados- de captura!
A carta constitucional é bem clara a este respeito. Que importa? O governo quer lá saber da carta?
Eu podia ler ainda uma vez os artigos que têem applicação n’este caso, mas não os leio, aporque os illustres ministros procedem a respeito d’ella com a semceremonia dos sacristães, que passam pelo Sacramento sem reverencia, pela muita, confiança que têem com Deus. (Riso.)
As opiniões aqui apresentadas pelo digno par a que me estou referindo, eram todas contra o governo.
S. exa. mesmo disse que era difficil conhecer dos casos de flagrante delicto.
Como póde no momento em que se pratica um crime a pessoa que o presenceia conhecer da voluntariedade desse crimo e mais ainda da premeditação?
Não é possivel?
Isto prova unicamente a grande difficuldade de saber quanto á apreciação sobre a maxima gravidade do delicto, por serem muitas e serias as circumstancias a que é preciso attender.
Isto prova tambem que o governo praticou um acto que não quero agora classificar, porque não sei ainda se terei de julgal-o, e o sr. presidente do conselho não me diz se sim, serei juiz, e é do governo que tudo nos vem.
Sr. presidente, o governo caminha ávante, mas não serei eu que o acompanhe na sua marcha triumphal.
O governo tem tido muitos votos desconfiança, muitas victmas felizes na camara dos senhores deputados. Todos os dias se pede ali o cumprimento da lei, porém debalde. Pois que vemos nós?
Um dia dá a maioria um voto de confiança ao governo, voto de confiança que o sr. presidente do conselho entende ser uma auctorisação para fazer tudo quanto quizer no incidente de que estamos tratando.
Outro dia essa mesma maioria nega a urgencia de uma proposta e no dia seguinte não a admitte á discussão.
No dia immediato acceita uma moção, que não é de confiança, mas não é tambem de desconfiança, discute-a e rejeita-a, e julga o governo que por esta fórma o seu erro está sanado e o seu delicto glorificado!
Não ha modo nenhum de sanar o erro, a que chamarei, o seu crime.
Está flagrante, ainda hoje e emquanto se não entrar na ordem cumprindo-se a lei.
O attentado do governo é mais grave quanto mais se
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prolonga. Hoje mais grave que hontem, ámanhã estará mais aggravado que hoje.
Não ha maiorias nem minorias nem unanimidades que possam desfazer os artigos da carta.
E de victoria em victoria, que eu nem saudo como os escravos no circo, nem applaudo como cidadão, vae-se approximando o governo de Villa Franca da Restauração, e nós, dos barracões de Plymouth; e se não chegou ainda o governo ao termo dos seus desejos, não por falta de vontade nem de esforços, é que um poder superior se oppõe a isso. (Riso — Apoiados.)
Não se riam os dignos pares, porque o governo só não realisa os seus intentos se não tiver força para chegar onde quer.
Desprezara a constituição e odeiam-a ingratamente, porque se não fosse ella não estavam sentados n’aquellas cadeiras. Já lá vão longe os tempos das crenças heróicas. Bem longe!
Não creio que o paiz esteja apodrecido, mas creio que .está envenenado, aliás não soffria o que está soffrendo. Creio que está envenenado e talvez, quem sabe, por culpa de todos nós.
O sr. Pereira Dias: — Apoiado.
O Orador: — Ainda bem que s. exa. apoia e secunda a minha desconfiança. Certo é que o paiz devia resistir, e não quer ou não póde, a estes continuados e multiplices attentados do governo.
O sr. Pereira Dias: — Diga antes dos governos.
O Orador: — Parece-me que não deve fallar-se em geral.
O sr. Pereira Dias: — Eu logo explicarei a v. exa.
O sr. Hintze Ribeiro: - Toda a explicação tem resposta.
O Orador: — Folgarei muito de ouvir as explicações de v. exa.; mas nunca poderá negar que a camara dos pares está ha oito dias a clamar que se faça justiça, e as circumstancias são exactamente hoje as mesmas que as do primeiro dia de discussão.
Póde estar extincta a inscripção, mas a questão, repito, encontra-se hoje mais aggravada do que hontem, e ámanhã estará mais do que hoje, porque mais e mais graves serão as culpas do governo que tem de lançar-se na balança da justiça.
O sr. Vaz Preto: — Apoiado.
O Orador: — Não é possivel, sr. presidente, que continue este estado de cousas, e dizendo isto não escondo a minha indignação pelo procedimento insolito do governo.
Mudaram os tempos e os homens, infelizmente.
Em 1823... Eu não trago livros, mas a camara fará a justiça de acreditar que não improviso historia; — em 1823, quando se tratava da expulsão dos deputados eleitos pelas provincias brazileiras, que se tinham sublevado contra a governação portugueza, dizia-se no congresso: «Nós somos as côrtes e precisâmos de manter os nossos direitos integros. Este pleito é nosso e sómente nosso.»
Querem que hoje, sessenta e quatro annos depois, as côrtes sejam o governo? Não póde ser.
Em 1826 iniciou-se uma revolta contra a constituição., Houve um deputado eleito pelo Algarve, chamava-se Figueiredo Mascarenhas, que se revoltou contra a constituição.
Ainda não tinha tomado assento.
Quando o prenderam queixou-se á camara dos deputados, e apesar de não estar ao abrigo da constituição., contra a qual elle combatia, achou vozes generosas em seu favor.
«Faça-se justiça, diziam, mas não deslisemos um apice das nossas attribuições, porque na manutenção das garantias constitucionaes reside a felicidade da nação.»
Era assim que n’aquelle tempo se acatavam os preceitos dos artigos fundamentaes da carta.
Tudo isso passou, sr. presidente, e hoje ha apenas o riso para os assumptos mais graves, e responde-se aos argumentos serios com os ares mofadores de um scepticismo politico a que eu me não posso associar.
O facto que vou citar agora deu-se na camara dos dignos pares.
Em 1827 as desordens eram mais accentuadas, tanto que d’ellas nasceram os tristes acontecimentos de 1828.
Quem sabe, a continuarmos n’este caminho, que futuro estamos preparando.
Em 1827, o ministro que então era dos negocios estrangeiros, fez clandestinamente sair do reino um cidadão portuguez, por appellido Gouveia, se não me engana a memoria.
A esposa deste homem chamava-se D. Maria Ignez de Mello e Castro.
Devia ser uma senhora de elevada classe a guiarmo-nos pelos seus appellidos.
Esta senhora veiu com um requerimento á camara dos pares, protestando contra a expulsão do seu marido, pedindo á camara que lhe fizesse justiça.
A camara recebeu esta queixa e mandou á secretaria dos negocios estrangeiros saber o que havia a similhante respeito, pedindo ao mesmo tempo os documentos relativos ao facto arguido.
O ministro dos negocios estrangeiros respondeu á camara, como agora o sr. presidente do conselho; que se o seu procedimento era culposo, á cantara dos deputados cabia a accusação e que os pares só tinham de julgar e não de accusar; que não podia mandar nenhum documento, mas affirmava que na sua secretaria os dignos pares os podiam ver e examinar.
O negocio tinha ido a uma commissão, que era composta dos srs. bispo do Algarve, conde da Ponte e marquez mordomo-mór.
Está nos registos parlamentares d’esse tempo a resposta que dou no seu parecer esta dignissima commissão.
O parecer dizia que os pares do reino não iam ás secretarias ver documentos, e que o governo tinha obrigação de os mandar, porque a camara tambem sabia guardar segredo e ter as devidas cautelas, quando fossem precisas; e quanto á maneira como estava redigido o officio e aos conselhos que n’elle se encontravam devia ser d’isso relevado o ministro, porque provavelmente tinha sido escripto por algum amanuense da secretaria, ò qual ignorava de certo a cortezia, o respeito e o decoro com que devia tratar-se um dos corpos legislativos.
O sr. presidente do conselho tambem disse: «vós tendes de julgar, não podeis discutir».
Quando ouvi esta doutrina insinuada pelo sr. presidente do conselho, a quem aliás respeito e considero, lembrei-me daquelle amanuense; e se lhe não lembrei a falta de originalidade, foi só por não fazer injuria a s. exa.
Sr. presidente, é preciso que os srs. ministros em qualquer circumstancia se lembrem de que de poder a poder não ha distancias, senão as que marca o reciproco respeito.
Sr. presidente, eu já disse a v. exa. que não sei sé as victorias do governo o levariam a Villa Franca; mas o que eu sei é que se proclama no parlamento com agrado dos ministros e com applauso de maiorias que as camaras legislativas são apenas uma secção do poder legislativo; que tambem com applauso de ministros e de maiorias se declara que ha liberdades exuberantes e exageradas.
Estes mesmos principios foram proclamados em 1832 n’um manifesto do sr. D. Miguel.
Ao chegarmos a este ponto não me admira nada que um dia as declarações vão mais longe e as immunidades e as garantias caiam mais perto.
Em 1823 dizia Borges Carneiro no congresso:
«Fallam-nos de moderação e é justo ouvir e seguir o
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conselho, mas, cuidado! que a moderação não vá tão longo que se converta em ignominia nacional.»
Eu sou moderado por indole e por escola, mas ha occasiões em que entendo que é preciso que cada um se ponha no seu logar e se firme no seu posto.
Já que estou a referir-me a historia antiga da nossa epocha liberal, vou suscitar ainda a lembrança de um acontecimento que vem a proposito.
Como v. exa. sabe, este ministerio diz-se descendente em linha recta de Passos Manuel, do marquez de Sá da Bandeira, do duque de Loulé, de José Estevão, emfim dos homens mais importantes do partido progressista. Eu, sem muito esquadrinhar na respectiva arvore genealógica, concebo graves duvidas sobre a sua pureza, quando lhe examino os fructos.
Quando vejo o sr. presidente do concelho fazer as eleições de Alijo e Ovar, quando vejo que Ovar ainda se conserva hoje em estado de sitio, e que se não dá ali satisfação de justiça, porque a propria justiça tambem está envolvida na politica; quando vejo que o governo, subindo aos conselhos da coroa, pouco tempo depois de reformada, por accordo, a constituição, teve por primeiro cuidado pol-a de parte e postergal-a em todos os actos da sua administração, a fim de poder seguir arrogante pelo caminho dos seus triumphos de dictador; quando o vejo ratificar a concordata com a Santa Sé, sem ser approvada previamente pelo parlamento, ao passo que a de 1857 veiu duas vezes ás camaras, uma quando. se exigiram as notas reversaes, outra para se approvarem as notas obtidas; quando vejo o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarar-se mais papista que portuguez, osculando com a maior devoção as sandálias de Sua Santidade; quando vejo finalmente que ia quinze dias está preso ás ordens do governo um deputado da nação, sem obter nota de culpa, e quando penso que este é o partido que se diz mais avançado e que ousa proclamar a sua putativa nobre ascendencia, não posso conter-me que não rememore um facto occorrido em 1820.
O facto é sabido, mas é conveniente repetir a historia, como nas escolas, que assim, fica mais firme na memoria,
Deu-se o facto em 1820, n’esta sempre nobre cidade de Lisboa.
N’aquelle tempo, com a vinda dos patriotas do Porto organisou-se aqui um governo provisorio; este governo tratem de publicar um programma para as eleições dos deputados constituintes e indicava tambem as bases da futura constituição. Ora aconteceu que os liberaes d’aquella epocha acharam acanhadas ou mesquinhas aquellas bases e houve uma revolta de força armada que saiu para as das da capital proclamando que queria uma constituição mais liberal que a de Cadix, de 1812.
E sabe v. exa. quem foram os caudilhos liberaes que andaram a commandar as tropas, e a fazer a exigencia?
Um d’elles chamava-se Gaspar Teixeira; foi depois visconde do Peso da Régua; um façanhudo miguelista! O outro chamava-se Telles Jordão.
É verdade que tambem entre elles havia um homem de boa fé, um liberal convicto; esse homem chamava-se Bernardo de Sá Nogueira.
Quando se recordava ao nobre marquez de Sá aquelle acontecimento, costumava elle redarguir:
— «Infelizmente não foi só então que me enganei com as companhias »
Tenho dito.
O sr. Adriano Machado: — Peço a v. exa. consulte a camara sobre se consente que se porogue a sessão até terminar este incidente.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. D. Luiz da camara Leme (sobre a ordem): - Sr. presidente, em virtude das prescripções do regimento passo a ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Sr. presidente, ha muito tempo que estou, por uma pertinaz e cruel doença, afastado das discussões do parlamento, e hoje mesmo preciso fazer um grande esforço, prejudicial á minha saude, para tratar da questão que se debate. Não creia v. exa., sr. presidente, que eu venha aqui, com intuitos politicos, fazer opposição ao governo,
Actualmente a minha posição politica nesta camara é mui diversa da que foi n’outro tempo.
Desde 1851 que milito, como simples soldado, no partido regenerador, e pertenço á velha guarda. Tive por chefes os homens mais distinctos do nosso paiz: marechal Saldanha, o vulto proeminente d’aquella epocha memoravel, o grande estadista Joaquim Antonio de Aguiar, e por ultimo o meu chorado amigo e chefe Fontes Pereira de Mello. Sr. presidente, perdi já, hão sei se por effeito da idade, as rainhas crenças, principalmente as politicas, tão grandes teem sido as decepções que tenho experimentado neste longo periodo de luctas parlamentares. Hoje só tenho crenças religiosas, que estão, como sempre estiveram, bem arreigadas no meu espirito, e creio piamente em Deus.
Sr. presidente, a questão que se ventila, importante como c, não a vou tratar debaixo do ponto de vista juridico. Isso seria improprio da minha parte,- não só por me faltar a competencia, mas ainda .porque já por aquelle lado foi ella tratada, com grande lucidez e admiração, pelo- meu particular amigo e collega o sr. Barjona de Freitas.
Nada digo tambem a respeito do flagrante delicto. Apenas quero tratar á questão sob o ponto de vista da disciplina militar, que foi um dos principios que os srs. ministros invocaram para mandar prender o deputado Ferreira de Almeida, violando a lei fundamental do estado.
Sr. presidente, ha nesta camara distinctos generaes que poderiam, por serem mais competentes do que eu, tratar a questão neste terreno; mas eu, sr. presidente, o mais humilde entre todos, vendo que nenhum pediu a palavra, sempre direi alguma cousa com relação ao assumpto, que julgo muito importante.
Logo lerei á camara a opinião de um illustre e valente general, que foi uma das glorias do partido progressista, pela sua grande illustração, pelo seu talento, pelo seu nobre caracter e pelos principios liberaes que professava.
Refiro-me ao sr. marquez de Sá da Bandeira, que não póde ser suspeito aos membros do actual governo, nem á maioria desta. camara.
Estou certo que a sua opinião ha de sor acceita por todos.
Quando, ha poucos dias, na outra casa do parlamento, se tratou de uma questão de indisciplina militar, disse um illustre deputado que um official do exercito se tinha vendido a um galopim eleitoral!
Eu sinto que numa questão tão importante como esta, que prende com a disciplina do exercito, não esteja presente o meu antigo amigo o sr. ministro da guerra, porque desejava perguntar a s. exa. se era verdadeiro o facto. A mim, sr. presidente, custa-me a acreditar que elle se desse, porque não creio que um official, que tem sobre o seu capacete a cruz de Aviz precedesse d’essa fórma.
O sr. ministro da guerra, que negou o facto, com o que eu muito folguei, disse n’essa occasião que uma das causas que podia concorrer para a indisciplina do exercito era a lei do recrutamento ser fundada no principio da remissão a dinheiro.
Ninguem tem combatido mais este principio, como altamente prejudicial a toda a boa organisação militar, do que eu, já levantando a minha humilde voz no parlamento, já nos meus pobres e modestos escriptos e ainda nos projectos de lei que tenho apresentado.
Muito folgo que o meu particular amigo o sr. marquez de Rio Maior partilhe a opinião do sr. visconde de S. Januario; mas parece-me que s. exa. dirigiu uma censura ao ministro da guerra e a muitos generaes que com este cavalheiro fizeram parte da commissão nomeada pelo sr. Fontes para estudar a nova organisação do exercito, quando
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disse que s. exas. não protestaram contra esse principio tão condemnado por todas as sumidades militares.
Mas, é natural, sr. presidente, foi o partido progressista, da outra vez que esteve no poder, que propoz aqui o principio da remissão a dinheiro, tornando-o.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O governo tenciona dentro em poucos dias apresentar ao parlamento uma proposta acabando com a remissão a dinheiro e estabelecendo o serviço militar obrigatorio.
O Orador: — Extensivo aos refractarios! O sr. Fontes não. fez mais do que adoptar as idéas do partido progressista, provavelmente por motivos economicos.
Sr. presidente, eu devo ser leal, e para mostrar a v. exa. a minha imparcialidade, cumpre-me tambem dizer que os jornaes se têem referido de um modo lisonjeiro ao novo projecto estabelecendo o serviço obrigatorio, que, segundo parece, o sr. ministro da guerra tenciona apresentar ás côrtes.
Dou os parabens ao governo, e por esta occasião devo igualmente lembrar que o chefe do partido regenerador, de saudosa memoria, não era contrario, nem nunca foi, a esse principio tão salutar nas organisações dos exercitos modernos. Como já disse, foram rasões economicas que levaram o sr. Fontes a adoptar a proposta do partido progressista. Quando na outra casa do parlamento o actual sr. presidente do conselho o interrogava ácerca do motivo por que não tinha consignado na lei o principio do serviço obrigatorio dizia: «deixo essa gloria ao illustre deputado. Acho que o espirito publico ainda não está bem preparado para o receber; mas, se for adoptado no paiz vizinho, comprometto-me a propol-o ás côrtes se estiver no governo».
Em Hespanha vae-se adoptar esse principio na nova organisação do exercito.
Pergunto agora se o governo tenciona ainda n’esta sessão aproveitar o projecto relativo ao serviço obrigatorio, acabando com a remissão a dinheiro.
Esta camara, que prestou intima homenagem á memoria do grande estadista Fontes Pereira de Mello, cuja morte prematura foi sentida em todo o paiz, não deixará de prestar tambem homenagem aos seus principios de organisação da força publica,, que rasões economicas inteiramente o obrigaram a retardar.
(Interrupção do sr. presidente do conselho.}
Desde já offereço ao governo o meu fraco apoio em favor dessa proposta.
Sr. presidente, os dignos pares que defendem o procedimento do governo com relação jaó conflicto entre um deputado e o ministro da marinha, deram como principal rasão a necessidade de manter a disciplina, e que por isso os srs. ministros julgavam indispensavel mandar prender o sr. Ferreira de Almeida.
Como esta camara póde vir a constituir-se em tribunal de justiça, não quero por isso antecipar a minha opinião sobre o facto que todos lamentamos:
Eu não conheço pessoalmente o sr. Ferreira de Almeida. Sei apenas que é um digno official da armada e illustre deputado, que está, contra lei, preso ás ordens do governo em nome da disciplina, do exercito.
O partido progressista nem sempre tem mostrado este interesse, esta solicitude pela disciplina militar.
A disciplina póde definir-se: obediencia do inferior para com o superior, ou a observancia dos regulamentos militares, que é o que constitue o principio vital e o motor de toda a organisação militar. A disciplina é, pois, de uma grande importancia, não só considerada debaixo do ponto de vista militar, mas tambem sobre é aspecto da existencia dos estados.
Diz o general Badin que o superior deve antes prevenir que remediar. Isto quer dizer que deve ser prudente e justo com os seus inferioresj para evitar conflictos que podem prejudicar o principio fundamental da existencia dos exercitos.
V. exa., sr. presidente, deve estar lembrado do facto que se deu de um soldado que assassinou, com premeditação, um official, e de que se estava n’essa occasião tratando de pôr em vigor um novo codigo de justiça militar. No projecto do codigo não havia attenuantes, mas alguns jurisconsultos illustres ponderaram a conveniencia de admittir attenuantes, embora não existissem em nenhum codigo penal militar da Europa.
O sr. Fontes sustentou no parlamento que não podia manter a disciplina no exercito se não se votasse o projecto do codigo. E sabe v. exa. o que aconteceu? O partido progressista fez politica com a disciplina militar. Os seus jornaes diziam que o sr. Fontes queria salpicar o manto real de nódoas de sangue, como se aquelle magnanimo coração, que já não palpita, não estivesse opprimido por se ver obrigado a cumprir a lei e manter os imperiosos principios da disciplina!
Agora vou recordar aos dignos .pares um outro facto, acontecido durante uma administração progressista.
O correio do ministro da justiça teve a ousadia de chicotear um official commandante de um pelotão, quando retirava de um funeral.
Eu pergunto ao partido progressista porque não desenvolveu então todo o seu zêlo pela disciplina e se não viu n’aquelle facto, attentatorio da disciplina, o flagrante delicto, hoje tão invocado pelo governo?
O facto foi tão extraordinario, todos se indignaram tanto com elle, que não póde deixar de haver procedimento judicial contra o delinquente.
Esse correio, que era praça da reserva, foi mandado responder a conselho de guerra, e o ministro da justiça d’essa epocha, o mesmo que acaba de fazer um requerimento para se prorogar a sessão até se votar este incidente, e que n’uma memoravel sessão nocturna fallou desde as nove horas da noite até ás sete da manhã do outro dia, mandou-lhe abonar, emquanto elle esteve preso, os seus vencimentos e dispensou-lhe toda a sua protecção. Eu levantei esta questão na camara e o sr. ministro da justiça só teve por defensor o meu amigo e collega o sr. Barros e Sá, que sabe em que consiste o principio da disciplina militar, porque o digno par é juiz togado do tribunal de guerra e marinha.
O correio foi condemnado n’uma das menores penas em relação á gravidade do crime, e o mesmo governo progressista, sete mezes depois, propunha ao poder moderador a commutação da pena!
Então, sr. presidente, não se pugnava pela disciplina do exercito, mas pugna-se agora para offender as immunidades parlamentares!
Eu podia referir muitos outros factos, e, talvez, mais caracteristicos, mais prejudiciaes á disciplina do exercito, mas abstenho-me de o fazer, porque não quero irritar o debate nem ser desagradavel a alguem que me escuta.
Trouxe este facto á memoria, para provar que o actual governo nem sempre mostrou a maior solicitude pela disciplina militar.
Sr. presidente, tem-se aqui citado muitas auctoridades e eu peço á camara para citar o nome de um valente general, que não pôde, como já disse, ser suspeito ao governo, nem á maioria, e ler algumas palavras pronunciadas por aquelle bravo militar, as quaes podem realmente lançar luz sobre o assumpto; mas antes de o fazer permitta-me a camara que lhe conte o que passei com s. exa., quando o governo, a que elle pertencia, foi auctorisado a reformar o exercito, reforma com a qual não me conformei, e então era eu um simples capitão.
Fiz tenção de vir á camara impugnar aquella reforma, porém na vespera entendi, por motivos de delicadeza, que devia pedir a minha exoneração da commissão que exercia no ministerio da guerra. Não era empregado de confiança, como o foi o sr. presidente do conselho, quando na outra casa do parlamento aggredia violentamente o sr. ministro.
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Procurei o sr. marquez de Sá e disse-lhe: a Venho rogar a v. exa. que me demitta da commissao que exerço no .ministerio a seu cargo.»
O sr. marquez perguntou-me porque lhe fazia similhante pedido. Respondi-lhe: «porque não estou de accordo com a reforma do exercito feita por v. exa., porque vou declarar-me contra ella na camara, e ainda que não sou empregado de confiança, parece-me que é do meu dever apresentar este pedido».
Sabem os dignos pares o que me respondeu o sr. marquez de Sá? O seguinte: «discuta quanto quizer a reforma; se commetter alguma falta na secretaria, então o demittirei.»
No dia immediato vim para o parlamento combater a organisação, fiz uma proposta, de que pedi a urgencia, e a camara approvou, para que o projecto fosse enviado á commissao de guerra. D’isto resultou saír do ministerio e sr. marquez de Sá, e com elle o sr. Braamcamp.
Ainda com relação á questão sujeita, peço á camara queira ouvir a opinião de tão benemerito general.
Dizia elle: «As funcções civis e politicas não estão sujeitas ás regras da disciplina. No seu exercicio o militarão livre.
«O superior nenhum poder legal tem sobre elle por actos estranhos aos deveres militares. A ordem é positiva, marcando os limites dentro dos quaes se deve obedecer; portanto, fóra d’elles nem ha obrigação de prestar obediencia, nem poder de castigar.
«Considerado como individuo, fora do serviço militar, o mais moderno dos officiaes póde discutir qualquer questão com um marechal do exercito, mas como membro da corporação militar, e figurando como ella, não é permittida a discussão.»
Aqui está a doutrina liberal do nobre marquez de Sá da Bandeira, doutrina repudiada agora pelos homens que representam hoje no poder o seu partido.
Ora, aqui tem v. exa., sr. presidente, aqui tem a camara e o governo, como o sr. marquez de Sá da Bandeira comprehendeu a questão.
Sr. presidente, eu tenho pelo sr. ministro da guerra a maior consideração e estima, assim como a tenho pelo nobre presidente do conselho e por todos os seus collegas.
Nem sempre militámos em campos diversos. Lembro-me que algumas vezes; em tempos que já lá. vão, combatemos juntos. Eu é que nunca pertencia a outro partido que não fosse o regenerador.
Desde 1851 que milito n’este partido. Acompanhei-o sempre, e com tanta dedicação, que muitas vezes, com prejuizo grave da minha saude, tomei parte nos trabalhos parlamentares defendendo a politica do meu partido. Hoje, que estou descrente e desconfiado, considero-me reformado politicamente. Só em occasiões solemnes como esta, em que se invoca a disciplina militar para prender iam deputado da nação portugueza, é que me animarei a usar da palavra.
Os soldados da velha guarda só em casos extremos, quando as liberdades patrias estão ameaçadas, quando sé offendem as irnmunidades parlamentares, é que vem. tomar parte nas discussões, ou luctar nos campos de batalha se periga a independencia da patria. Tinha aqui algumas opiniões auctorisadas que podia ler á camara para corroborar as minhas asserções; mas não o faço agora porque a hora está muito adiantada, e não quero abusar da benevolencia da camara. S. exa., alludhr a um facto historico, ao celebre movimento de 19 de maio. Eu peço ao digno par que não se esqueça de outros factos historicos que symbolisam o bastão do. marechal Saldanha. Tire o digno par a espada victoriada deste grande caudilho da scena portugueza, e verá onde fica a fundação da liberdade pela carta em 1826. O que aconteceria em 1833, 1834,e em 1851 se não existisse a espada brilhante do marechal Saldanha? O que seria do progresso e da civilisação? Se Fontes Pereira de Mello representa o alvião, como disse um distincto orador na outra casa do parlamento, o marechal Saldanha representa a espada gloriosa que abriu aquellas portas para nós termos o gosto de ouvir o digno par.
O sr. Costa Lobo: — Eu não quiz offender a memoria do marechal. Saldanha. Fiz apenas referencia a um facto historico.
Eu disse que em tempo entrara aqui um sargento, enviado pelo marechal Saldanha, e que declarara que os dignos pares que se achavam presentes podiam estar, mas que não era permittida a entrada aqui a mais nenhum membro d’esta camara.
O Orador: — O digno, par o sr. Costa Lobo acaba de me interromper para explicar o que s. exa. disse com relação ao facto que acabei de referir.
Sr. presidente, é preciso que não nos esqueçamos dos importantes serviços prestados ao paiz pelo marechal Saldenha.
Quem sabe, sr. presidente, se a desconsideração que este varão illustre recebeu do governo progressista na inauguração do monumento de D. Pedro IV, concorrera para o movimento de 19 de maio.
Eu não sei como a estatua do rei soldado não caíu do seu capitel, vendo que foi desconsiderado o seu primeiro general!
Já que fallei do Imperador, recordo ao sr. Costa Lobo, outro facto historico, que é bom não esquecer.
O Imperador desembarcando no Terreiro do Paço offereceu a mão á Rainha que pisava pela primeira vez a terra portugueza, e apontando-lhe o marechal Saldanha, pronunciou estás palavras memoraveis: «Maria não te apresento o tenente general Saldanha que já conheces, mas apresento te o marechal Saldanha a quem, depois de Deus, deves a corôa».
Eu não quero cansar a camara com mais factos historicos a respeito do marechal Saldanha. Apenas direi que, se, se elle commetteu alguns erros, esses erros desapparecem completa e inteiramente perante os seus feitos assignalados.
Não foi só elle que se revolucionou.
Deste peccado não estão isemptos os vultos politicos do nosso paiz, a não ser Fontes Pereira de Mello, que não tem que pedir a Deus perdão de similhante peccado.
Sr. presidente, se tomei mais algum calor ao lembrar os grandes e importantissimos serviços prestados ao paiz pelo marechal Saldanha, é porque uma das feições do meu caracter é a gratidão. Eu devo tantas finezas e distincção a este grande homem, que era uma alma aberta ás sensações nobres e elevadas, que não podia nem devia, neste momento, deixar de levantar a minha voz, fraca e débil, em favor de tão benemerito e convicto general. (Muitos apoiados.)
Permitta-me a camara que eu, antes de concluir, me refira ainda ao meu particular amigo o sr. Marquez de Rio Maior, a quem muito preso pelas suas estimaveis qualidades, virtudes e nobreza de caracter.
Disse s. exa. que a opposição pensa em derrubar o governo; mas que ainda era cedo para os ministros abandonarem as cadeiras do poder.
Concordo plenamente com o digno par; comtudo peço a s. exa. que aconselhe os ministros a não continuarem a desprezar ás leis, e a violar a constituição do estado.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. D. Luiz da Camara Leme.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Moção de ordem
A camara, julgando indispensavel a manutenção dos rigorosos principios da disciplina militar, seu offensa ás leis e constituição do estado, passa á ordem do dia.
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Sala da camara, 21 de maio de 1887. = 0 par do reino, D. Luiz da Camara Leme.
Foi admittida á discussão.
O sr. José Joaquim de Castro: — Sr. presidente, quanto mais se prolonga a discussão sobre o incidente que se debate, mais embaraçado se acha o orador a quem cabe tão tarde a palavra; pois se por um lado não deseja manifestar a sua opinião sobre um caso que posteriormente será chamado a julgar, - por outro não póde deixar passar sem reparo e como materia corrente, asserções de distinctos oradores que o precederam, por serem manifestamente contrarias á letra e ao espirito da nossa legislação da armada em materia criminal, a qual, embora antiquada, antinomica e incongruente, é a que ainda hoje rege a administração da justiça na marinha de guerra portugueza.
Tem-se, por vezes, invocado o artigo 41.° da carta constitucional da monarchia, no qual se estatue ser attribuição exclusiva doesta camara conhecer dos delictos individuaes commettidos por determinadas pessoas investidas dos mais altos cargos sociaes, e não ha a menor duvida que, conhecer dos delictos commettidos pelos deputados durante o periodo da legislatura, se acha incluido nas suas attribuições. É a letra do § 1.° do mesmo artigo, não alterado ainda por nenhum dos actos addicionaes á carta constitucional.
Tendo, porém, para o julgamento, a camara de constituir-se em tribunal de justiça para proceder ao julgamento, o artigo 1.° do regulamento interno prescreve que o tribunal dos pares se componha de tantos juizes quantos forem os pares que tiverem tomado assento na camara, e se acharem rosidindo no continente do reino. Impõe mais a todos obrigação de comparecer.
Estabelece o artigo 2.° do mesmo regulamento as condições necessarias para que a camara possa constituir-se em tribunal de justiça, e exclue os pares, que por motivo legal estejam inhibidos de serem juizes na causa que houver de ser julgada, devendo haver, como em qualquer processo da mesma natureza a intervenção, por um lado, do ministerio publico, por outro, a do advogado do réu, a fim de que este possa deduzir a sua defeza.
Ora, continuando esta discussão tão ampla e sem as convenientes restricções, não sei sr. presidente, se ficará numero sufficiente de juizes para o tribunal poder funccionar, quando forem admittidas as suspeições a que se refere o artigo 18.° que, podendo ser pedidas por um e outro lado, iuhabilitam para o julgamento os que mais ou menos claramente houverem manifestado a sua opinião, caso em que estão comprehendidos quasi todos, senão todos os oradores que teem discursado sobre a materia. E com quanto não tenha a menor duvida, assim como a não tem o sr. Costa Lobo, de que todos cumprirão igualmente o seu dever como juizes, pergunto: quantos poderemos ser dados por suspeitos, já a um, já a outro lado! Apello para os eminentes jurisconsultos que se acham presentes. (Apoiados.)
Sendo, pois, os dignos pares que me precederam, tão zelosos das regalias desta camara, das immuDidades parlamentares, da guarda da constituição e mais attribuições, que pela lei fundamental do estado competem ás côrtes, numa palavra dos seus direitos como esquecem os deveres correlativos, collocando esta camara, aliás sem o desejarem, em condições de não poder funccionar como tribunal de justiça. (Apoiados.}
Devia eu, pois, sr. presidente, em vista do exposto e do que se tem passado nesta discussão, desistir da palavra para não incorrer na mesma falta, mas pelas ponderosas rasões que tive a honra de propor a v. exa. e á camara, não posso ficar silencioso.
Procurarei, quanto possivel, separar da these a hypothese já tão discutida; não deixo, porem, de confessar que caso ha em que não é facil tratar de uma sem cair manifestamente na outra; e por isso não espero, apesar dos meus esforços, evitar o escolho, em que naufragaram os dignos pares que me precederam.
Disse eu, sr. presidente, que não podia deixar passar sem reparo algumas affirmações feitas pelos oradores precedentes; e refiro-me especialmente aos dignos pares, Hintze Ribeiro, Vaz Preto e ao inspirado orador, poeta mavioso, que acaba de fallar, cuja palavra sonora fluente, attractiva e sempre correcta, não póde ser escutada sem emoção.
Pena é, sr. presidente, que, começando de ordinario s. exa. os seus discursos, por um modo tão mellifluo na fórma quanto suasorio na materia, os termine, imprimindo-lhes o travor acido d’aquelles fructos que, tão doces ao paladar quando os provámos, tanto amargam por fim!
Suppunha eu que o digno, par, pelo modo como principiou o seu discurso, mirava só e exclusivamente a congrassar os animos um pouco irritados no incidente que se tem debatido, seguindo assim o caminho que havia já trilhado o digno par, do mesmo credo politico, o sr. Barjona de Freitas, cujos altos dotes oratorios e superior talento todos nós admirámos.
S. exa., porém, entendeu conveniente dar nova direcção ao debate, fazendo assim annuviar e entristecer a resplandecente luz do dia, cuja aurora começara tão radiante. E, carregando-se o horisonte mais que em houte, e noute de procella, s. exa. troveja, fulmina e prognostica tantos e tão grandes males, tamanhas calamidades, que advirão ao paiz se o actual governo se demorar nas cadeiras do poder, que me trouxe á memoria o maravilhoso episodio do nosso grande épico, quando nos diz: «Antes em vossas naus vereis cada anno (se é verdade o que meu juizo alcança). Naufragios, perdições de toda a sorte; que o menor mal de todos seja a morte.»
E não se diga que esta allusão é de todo o ponto fora de proposito: o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, tambem nos fallou em navios, nomeando commandante ao sr. presidente do conselho, não sei se terá ou não importancia, e mesmo applicação, o proloquio popular de «quem falla em barco, quer embarcar». O digno par o sr. Barros e Sá, que sinto não ver presente, referiu-se, mais ou menos, ao futuro commandante da frota. Eu, por mim, nada digo, porque nada sei, sobre o caso, sobre a hypothese, mas, em these, é certo que a frota não póde ser commandada de terra, é indispensavel o embarque. (Riso.)
Mas, voltando á questão, sr. presidente, não é menos verdade que o vaticinio de tão grandes calamidades não produziu o effeito desejado; taes vaticinios não atemorisam ninguem. E permitta-me s. exa. que lhe diga que a villa-francada, e outras passagens historicas a que alludiu nada colhem e de nada valem. As circumstancias da actualidade são inteiramente differentes das que se davam nas epochas em que taes successos tiveram logar.
As declamações e prognósticos feitos pelo digno par, sr. presidente, parece-me terem sido antes um desforço de s. exa., do que o desejo de passar por adivinho; s. exa. bem sabe que os adivinhos, na epocha actual, perdem completam ente o seu tempo. (Riso.)
Não acompanharei o digno par em todos os pontos do seu discurso, tão politico, quanto aggressivo; não analysarei agora a concordata celebrada ultimamente; se esta produzirá os seus effeitos, ou se será declarada nulla como o digno par nos prognostica. Igualmente não o acompanharei em materia de dictadura ou dictacluras; de meetings e de eleições; tudo terá o seu logar proprio e proximo, e então se discutirá.
Tambem não me proponho, sr. presidente, e por certo seria arrojo, fazer uma conferencia sobre direito publico constitucional; alguns oradores trataram já largamente o assumpto.
É meu unico fim chamar a questão para o verdadeiro terreno em que deve ser debatida, e mostrar que alguns
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dos oradores que me precederam, parecem um tanto esquecidos da nossa legislação em materia criminal, sobretudo em criminalidade militar, que differe um pouco da que se acha commettida ás justiças ordinarias, tanto pelo que respeita aos delictos e penas, como á organisação, competencia e fórma e processo, dos tribunaes respectivos. (Apoiados,)
O digno par, o sr. Thomás Ribeiro, quer o cumprimento do artigo 4.° do 2.° acto addicional á carta constitucional, que substituiu o artigo 27.° da mesma carta., no qual «e estatue que, se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado } o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara.
O digno par quer que o processo venha quanto antes. Todos nós o acompanhâmos nos seus justos desejos, e os vogaes do conselho de investigação, a que seguramente se estará procedendo pelo commando geral da armada, de certo o não desejam menos; mas sr. presidente, as cousas são como são e não como deveriam ser, na armada, não ha propriamente um codigo de justiça, e o inicio de qualquer processo criminal, é um conselho de investigação, como tinha logar analogamente no exercito até 1875, epocha em que começou a vigorar o codigo de justiça militar, não La na armada, como não havia, então no exercito, o corpo de delicto, propriamente dito; ha o conselho de investigação; os seus membros exercem funcções judiciaes definidas nas; leis.
Ha mais, sr. presidente, para determinados crimes, ha a jurisdicção militar cumulativa com a das justiças ordinarias e, se por estas vierem á camara dos senhorers deputados levantar o auto de corpo de delicto sobre o lamemtavel caso ali Decorrido, ninguem o deverá estranhar.!
As leis, tanto antigas como modernas, permittem que se proceda a todas as diligencias que necessarias forem parai chegar, a conhecer a verdade, dando até, para este fim, preferencia áquella das duas jurisdicções que primeiro tomar conhecimento do facto.
No conselho de investigação tem de ser ouvido o accusado e o offendido, bem como as testemunhas produzidas por uma e outra parte, e fazendo justiça a todos que por certo não se desviarão nem um ápice da verdade dos factos, é, no emtanto permittido ao mesmo conselho ouvir as mais testemunhas que julgar necessarias; só assim poderá dar o seu parecer com perfeito conhecimento de causa.
Uma tal inquirição não se faz sem tempo, e os dignos juizes, membros d’esta casa que me estão ouvindo, sabem melhor do que eu, as causas que muitas vezes demoram, bem a seu pesar, os processos que lhes são commettidos. (Apoiados.)
Como póde exigir-se do governo que interponha a sua acção para que o conselho dê quanto antes o seu parecer, como tem sido lembrado por alguns dignos pares?! (Apoiados.)
Em materia tão seria e grave, todas as diligencias, averiguações e exames, não são de mais para o descobrimento da verdade. (Apoiados.)
O conselho, cônscio dos seus deveres, não demorará seguramente á sua opinião quando tiver reconhecido que não ha mais diligencias a empregar para a fundamentar.
E, em vista da opinião do conselho, o commandante geral da armada, conformando-se ou não, com ella, lavrará o seu despacho provendo quanto aos termos ulteriores. E só então, sr. presidente, é que o processo ha de ser remettido á outra casa do parlamento, cumprindo-se assim a lei.
O resultado do conselho de investigação podendo ser. equivalente á pronuncia, e não existindo esta ainda, como é que o digno par queria que estivesse o processo já na camara? (Apoiados.)
Tambem s. exa., ministro que foi da marinha, alem de entender que já, de ha muito, devia ter sido entregue ao
supposto delinquente a nota da culpa, perguntando se julgaremos ou não julgaremos o caso?
A resposta encontra-a por certo o digno par, não só no artigo 4.° do segundo acto addicional, que já teve a bondade de ler á camara, mas na demais legislação referente ao assumpto, não obstante ser ella, como já disse, antiquada, antinomica e incongruente.
Repito, sr. presidente, o processo ha de vir á camara - manda-o a lei no artigo 4.° do segundo acto addicional, que é claro, terminante, é não póde admittir interpretações. Ha de cumprir-se.
Oxalá que todas as leis fossem igualmente claras — mas o que a lei não manda, sr. presidente, é que o processo tenha começo em nenhuma das casas do parlamento.
E, se assim não é, digam-me os dignos pares qual o artigo da lei onde se encontra similhante determinação. Manda, sim, que a respectiva camara decida se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado. São os proprios termos da lei.
E se algum dos dignos pares que vejo presentes e referendaram o mesmo acto addicional quando ministros, dois dos quaes já usaram da palavra, e não conformavam com estas disposições, proprias ou alheias, poderiam então não as ter proposto ou acceitado, poderiam r ter submettido ás côrtes a sua substituição ou alteração. E assim que, segundo me parece, deveriam ter procedido.
Vê-se, pois, sr. presidente, que, quer o processo fosse iniciado no foro militar, quer no foro commum, não póde ter seguimento em nenhum dos tribunaes desses foros; ha de forçosamente seguir nesta camara, constituida em tribunal de justiça.
Será possivel no caso sujeito, dizer, de sciencia certa, qual deveria ter sido a forma do processo, quanto ao seu inicio, e qual a mais harmonica com as leis attenta a dupla qualidade do presumido delinquente?
Os oradores que me precederam têem-se contradicto uns aos outros, o que, aliás, não admira porque as leis criminaes quanto aos réus pertencentes a armada, são não só confusas, mas mesmo incoherentes.
Era já tempo, sr. presidente, que a nossa marinha de guerra tivesse um codigo de justiça proprio, como tem o exercito de terra, o qual, não sendo aliás perfeito em todas as suas partes, pelo menos é harmonico na maioria das suas disposições, e serve de guia, de pharol na administração da justiça no exercito, espargindo a luz que falta na legislação da armada.
Sei que algumas diligencias se têem empregado tendentes a dotar a armada com um codigo analogo ao do exercito, e o ministro demissionario alguns passos deu tambem neste sentido; mas por emquanto as diligencias empregadas têem sido infructiferas.
A legislação criminal da nossa marinha de guerra encontra-se no estado descripto no decreto de 10 de novembro de 1869, aggravado ainda em parte, por disposições ulteriores.
Peço licença á camara para ler os considerandos que precedem este decreto, pelo qual foi nomeada uma commissão para organisar e redigir um projecto de codigo de justiça de marinha, devendo conter não só quanto respeitasse aos delictos e penas, mas tambem á organisação, competencia e fórma de processo d’estes tribunaes especiaes; dizem os considerandos:
«Sendo de reconhecida e urgente necessidade proceder á reforma das leis criminaes, que regulam a administração da justiça na marinha militar e armada;
«Considerando que as disposições dos artigos de guerra de 1799, e dos innumeros decretos, leis, regulamentos, avisos e ordens posteriormente publicados, constituem uma legislação confusa, incompleta e incoherente, em parte antiquada e repugnante aos bons principios consignados na constituição politica da monarchia;
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«Considerando que similhante legislação inflexivel umas vezes, e outras arbitraria em demasia, deve ser substituida por outra fundada nos solidos principios da justiça universal da equidade natural;
«Considerando que a legislação criminal da marinha deve estar, quanto possivel, em harmonia com a do exercito, e assentar nas mesmas bases, porque sendo communs as regras de disciplina, de obediencia, de fidelidade e do dever; «devem repousar sob as mesmas leis criminaes. Hei por «por bem... etc.»
Parece-me, sr. presidente, que estes considerandos, dispensam qualquer commentario, e servem de resposta ás exigencias e reparos de alguns oradores. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, se um tal codigo não chegou a organisar-se, tem continuado na armada a administrar só a justiça por leis extremamente rigidas, menos justas talvez, incoherentes sem duvida, e menos em harmonia com o espirito do seculo, por leis que se contrapõem, e que, pela sua confusão, permittem o arbitrio; note bem a camara, o arbitrio escudado na lei, como poderá avançar-se, qual seria o melhor caminho a seguir?
Disse-nos o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, que sendo a legislação de marinha tão deficiente e obscura, seria mais proprio recorrer subsidiariamente para a armada, ao codigo de justiça militar, do que seguir o arbitrio.
Estou de accordo com s. exa., e faço inteira justiça aos seus bons desejos, mas o que é certo é, que o codigo de justiça militar, salvas as excepções mencionadas nas leis de 1878, só têem applicação ao exercito de terra.
Na armada tem de seguir-se forçosamente a legislação existente, mais ou menos analoga á que regia para o exercito antes da promulgação do codigo de justiça.
No emtanto, sr. presidente, referir me-hei logo a alguns artigos do mesmo codigo, em que s. exa. não fallou.
Lamento profundamente que o digno par, o sr. Barjona de Freitas, aconselhasse o governo para que interviesse no processo, apressanto-o!
O processo ha de correr os seus tramites.
Ninguem duvida, por certo, de que o conselho de investigação cumprirá os seus deveres, e não será menos solicito do que nós. (Apoiados.)
Sinto, bem deveras, que o mesmo digno par até jurasse á camara, e tambem a v. exa., se a memoria me não falha, que se estivesse sentado nas cadeiras do poder o processo já de ha muito estaria na camara dos senhores deputados.
Não me é dado, nem por momentos, duvidar de tal juramento, nem de que s. exa. o cumpriria se estivesse no governo,. Só pergunto a v. exa. e á camara, se o digno par procedendo de tal forma, commetteria ou não um arbitrio? (Apoiados.}
E quem confessa que seria arbitrario se estivesse no poder, carece de auctoridade politica para condemnar o procedimento do governo actual!
O sr. presidente do conselho foi franco. Disse que o governo poderia ter-se enganado, mas estava convicto de que procedera em conformidade das leis; tinha por si a opinião de distinctos jurisconsultos versados em jurisprudencia criminal.
Parece-me que o procedimento do governo, atacado por uns, defendido por outros, mas em que se deixa ás primeiras justiças criminaes o livre exercicio das suas funcções e o tempo que for preciso para bem ajuizar dos factos incriminados, é muito differente do arbitrio a que o digno par se soccorreria se tivesse assento n’aquellas cadeiras.
E dado o caso da incompetencia de fôro não haverá tribunaes, quer no fôro militar, quer no commum, que possam conhecer dos conflictos de jurisdicção é competencia entre as diversas auctoridades judiciaes? Seguramente.
Poderá a circumstancia de ter sido instaurado o processo no fôro militar, illudir a disposição do artigo 4.° do segundo acto addicional que commette á respectiva camara o exame do processo quando elle se ache em determinado estado de andamento? De certo que não.
A consequencia a tirar d’esta argumentação não parece que fosse mais favoravel ao procedimento do governo se este seguisse o conselho do digno par.
Entrarei n’outra ordem de considerações, e parece-me poder avançar, sem receio de um desmentido, que assim como o ministro da guerra é a primeira auctoridade no exercito, e como tal tem competencia disciplinar, o ministro da marinha é igualmente a primeira auctoridade no seu ministerio, e as leis dão-lhe a mesma competencia, não carece para isto de ter grau hierarchico militar.
O digno par, o sr. Hintze Ribeiro, professando doutrina diametralmente opposta, com a qual concorda o sr. Manuel Vaz, pretendeu mostrar com a analyse de alguns artigos do codigo de justiça militar e do regulamento disciplinar do exercito, que era verdadeira a sua opinião, de que o ministro da marinha não tem, nem garantias especiaes, nem mais competencia do que os outros ministros da corôa, excepto o da guerra; este sim, exclamou s. exa., dá-lha o artigo 33.° do regulamento disciplinar de 1875!
Cabia agora perguntar ao digno par que auctoridade teria o mesmo ministro antes de 1875, epocha em que foi publicado aquelle regulamento? E que auctoridade terá um ministro da guerra de pequena patente, official reformado ou paisano, como já tem havido? A resposta encontra-a s. exa. no mesmo artigo que teve a bondade de ler á camara e no qual se allude aos altos deveres que competem ao ministro, como primeira auctoridade do exercito, para a conservação da ordem e da disciplina.
Nunca entrou em duvida, sr. presidente, de que a primeira auctoridade é o ministro. O digno par poderia ter lido o artigo seguinte do citado regulamento, e ahi encontraria exaradas as attribuições do ministro qual a sua competencia disciplinar, devendo usar quanto a esta, e segundo as circumstancias, das faculdades que as leis lhe concedem, correspondentes á superior auctoridade de que se acha investido. Perguntarei ao digno par quem é que na marinha tem competencia disciplinar para impor as pena8 na armada, analogas ás que pelo indicado artigo 34.° compete ao ministro da guerra impor no exercito? Ainda que a s. exa. muito custasse, ainda que muito lhe repugnasse, teria de. dizer, se fosse obrigado a dar resposta, «é o ministro da marinha»; ou então fecharia os olhos para não ler os documentos officiaes. (Riso.)
Não insistirei mais, sr. presidente, quanto á superioridado do ministro da marinha como primeira auctoridade do seu ministerio, o que, aliás, se encontra em muitos documentos officiaes e legislação correspondente tanto antiga como moderna, mesmo n’aquella a que o sr. Hintze Ribeiro se soccorreu; tenho aqui parte d’essa legislação, e não a lerei á camara para não abusar da sua benevolencia.
Uma outra rasão, não menos forte, que me leva a insistir, é a apresentada pelo digno par Thomás Ribeiro, com referencia ás leis de 1878, referendadas por s. exa. na qualidade de ministro da marinha e ultramar.
Disse-nos s. exa. que não introduzira nas ditas leis artigo algum n’aquelle sentido porque o julgara de todo o ponto ocioso; não suppunha que houvesse alguem que pozesse em duvida um tal principio; estava mesmo convencido que o sr. Hintze Ribeiro, neste ponto, não queria dizer o que disse!
Pondo, pois, de parte a questão da superioridade, não posso deixar de continuar a occupar-me da contestada competencia disciplinar do ministro da marinha para provar cabalmente a minha asserção.
O digno par, o sr. Hintze Ribeiro, não se lembrou, por certo, que o regulamento disciplinar do exercito e o regulamento para a execução do codigo de justiça militar, são complemento indispensavel do mesmo codigo, e foram publicados em virtude da auctorisação concedida ao governo
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pela carta de lei de 9 de abril de 1875, a mesma que approvou o codigo.
Esqueceu-se tambem, ao que parece, de algumas disposições das leis de 16 de maio de 1878.
Referir-me-hei a uma e a outra legislação. Do regulamento disciplinar, dissemos já o sufficiente. Vejamos agora, se nas leis de 16 de maio de 1878 e no regulamento para a execução do codigo de justiça, se encontra de um modo claro, bem definido, terminantemente mesmo, sem admittir interpretações, se ao ministro da marinha pertence a mesma competencia disciplinar que tem o da guerra.
Uma d’aquellas leis, no primeiro dos seus artigos, manda applicar o codigo de justiça militar a todos os individuos do regimento de infanteria do ultramar, quer se achem no continente do reino, quer nas ilhas adjacentes ou no archipelago de Cabo Verde.
Estatuo o § unico do artigo 9.° (peço licença para ler á camara tal qual se acha escripto, pois não desejo por fórma alguma trocar qualquer palavra). Diz pois o referido paragrapho:«Ao ministro da marinha e ultramar pertence a competencia disciplinar que, pelo respectivo regulamento, compete aos commandantes das divisões militares e ministro da guerra,» A camara dirá se uma tal determinação póde admittir a menor duvida, é ou não bem clara. .(Apoiados.)
E percorrendo o respectivo regulamento para a execução do mesmo codigo (que é de 21 de julho de. 1875), encontra-se, entre outras disposições, a seguinte no artigo 80.°, que diz: «Nenhuma sentença ou accordão se dará á execução sem a requisição do promotor da justiça e o cumpra-se do general commandante da divisão.
«§ unico. O cumpra-se do general não será posto nos casos exceptuados pelos artigos 413.° e 416.° ernquanto os processos penderem de resolução superior.»
Quasi que tinha vontade de perguntar a s. exa. o sr. Hintez Ribeiro, que superior era este do qual estava pendente a resolução? Mas um dos artigos citados se encarrega da respostas com effeito diz o artigo 416.°
«O general de divisão poderá, antes de ordenar a execução da sentença, representar ao ministro da guerra o que ácerca da mesma execução julgar conveniente.»
Escusado será, sr. presidente, perguntar ao digno par quem, na applicação do codigo de justiça militar ao regimento de infanteria do ultramar, fará as vezes do ministro da guerra, tendo de executar-se o artigo 416? Não desejo, por fórma alguma, sr. presidente, que s. exa. tivesse de responder-me, pois em tal caso, seria forçado a dizer — é o ministro da marinha. (Apoiados.)
Prosigamos:
Na outra lei já indicada de 16 de maio de 1878, mandando observar na provincia de Cabo Verde as disposições do codigo de justiça militar de 9 de abril de 1877, preceitua-se no artigo 8.°:
«Se á patente de algum presumido delinquente for de tenente coronel, ou d’ahi para cima, compete ao ministro dos negocios da marinha e ultramar, ouvido o auditor geral da marinha, exercer as funcções que, pelo artigo 283.° do mencionado codigo são conferidas ao ministro da guerra para o exercito do reino.»
Ora, vejamos o qua se dispõe n’aquelle artigo; diz o artigo 283.°:
«Ao ministro da guerra, ouvido o auditor especial, pertence:
«1.° Exerceras mesmas attribuições que competem ao general de divisão, quando a patente ou graduação do delinquente não for inferior á tenente coronel;
«2.° Resolver se ha de, ou não, proceder-se a conselho de guerra, nos casos de que trata o artigo 424.° do presente codigo, qualquer que seja a patente ou graduação do delinquente.» .
Ora, o artigo 424.° determina que «nos crimes especiaes, designados no mesmo codigo, o corpo de delicto seja feito por um conselho de investigação e composto d’officiaes que reunam os conhecimentos necessarios para, em materia de tanta gravidade, poderem, emittir voto com perfeito conhecimento de causa».
No § 3.° deste artigo diz-se que «em taes crimes ou delictos não tem logar o summario para a formação da culpa e o corpo de delicto, constituido na fórma expressa no mesmo artigo, servirá de base a accusação criminal.
Parece-me, sr. presidente, que a doutrina d’este artigo e paragraphos indicados, harmonica em grande parte com a legislação da armada, responde áquelles dos dignos pares que tanto estranharam «que se mandasse proceder á formação de um conselho de investigação.»
Não me alongarei mais, sr. presidente, vejo que a sessão foi prorogada até se votar este incidente; ha varios oradores, inscriptos, não devo prival-os da palavra.
Direi apenas, e vou concluir, que ha muitos pontos obscuros na nossa legislação criminal, convindo definir bem os casos omissos, regular o que não está regulado. É necessario não confundir as disposições preceptivas das leis com os regulamentos, nem alterar pelos regulamentos o que está consignado nas leis, como muitas vezes acontece.
O proprio artigo 4.° do segundo acto addicional á carta constitucional, que tem sido tão discutido quanto á sua applicação, contem materia regulamentar; com effeito, consigna-se n’aquelle artigo que «a camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado. Não teria sido melhor haver-se perceituado só «a camara decidirá se o processo deve seguir?»
Se assim fosse, poderia estabelecer-se no regulamento, quaes os casos em que os processos tinham de seguir desde logo, os que podiam seguir no intervallo das sessões e os que ficariam para depois de findas as funcções do accusado ou indiciado. Como remediar um tal inconveniente, na hypothese de que o julgamento deva seguir de perto a accusação? Não vejo meio, por que o referido artigo, emanado de uma camara com poderes especiaes para a reforma da carta, não póde ser alterado por uma camara ordinaria. (Muitos apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por, muitos dignos pares).
O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que acaba de chegar á mesa.
Leu-se e é do teor seguinte:
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim auctorisar o governo a auxiliar a camara municipal do Porto, com um subsidio para occorrer aos encargos do emprestimo que a dita camara tem de emittir, para a construcção de uma grande avenida em volta da cidade.
A commissão de fazenda.
O sr. Antonio de Serpa: — Sr. presidente, não receie v. exa. nem receie a camara que eu vá tratar de novo uma questão que está tratada e discutida até á saciedade. Nem eu podia, nesta attitude do debate, ir tratar uma questão que prende com os mais altos pontos de direito publico e constitucional, depois d’ella ter sido tratada por tão habeis jurisconsultos de um e de outro lado da camara.
Pedi a palavra, simplesmente, quando o sr. presidente do conselho entendeu dever responder ao discurso moderadissimo do digno par e meu amigo o sr. Barjona de Freitas, atacando-o e atacando violentamente o partido inteiro, um partido a quem se deve quasi tudo o que de grande, de util e de liberal se tem feito n’este paiz nos ultimos trinta e cinco annos. De util e grande nas obras, de liberal na legislação.
Quem sois vós que me condemnaes? Com que direito o fazeis, — dizia o sr. presidente do conselho — vós que calcastes aos pés a constituição, vós que rasgastes as suas paginas, vós que tendes passado a vida a attentar contra
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os direitos e garantias estabelecidos na lei fundamental do estado?!
Eu não condemno absolutamente este modo de argumentar. Elle faz effeito ás vezes, não n’uma camara illustrada como esta, mas nas massas, no publico, no vulgo pouco reflectido. «Vós accusaes-me de ter commettido um attentado? Com que direito me accusaes, vós que tendes commettido tantos?»
Não ha duvida que isto faz effeito, mas ainda assim, é necessario que venha a proposito.
Mas quaes são os attentados de que o sr. presidente do conselho accusou os oradores que o precederam ou os ministerios a que elles pertenceram? São os actos de dictadura, como aquelles que o sr. presidente do conselho acaba de praticar. D’este modo o sr. presidente do conselho está qualificando de grandes attentados aquelles actos que elle proprio praticou, e de que as camaras ainda o não absolveram.
Sr. presidente, se eu fosse o primeiro a fallar nesta questão, como não tenho a. honra de ser advogado, como receiaria a cada momento antecipar o juizo que hei de emittir no tribunal, como não saberia sustentar-me, segundo a phrase do digno par, o sr. Costa Lobo, sobre o gume da espada sempre com receio de pronunciar alguma expressão que podesse prejudicar o futuro julgamento, não trataria de inquirir se o delicto é ou não de pena capital, ou se é ou não de natureza militar.
Na minha qualidade de leigo em jurisprudencia não me aventuraria a discutir nenhuma d’estas questões.
Limitar-me-ía a ler o artigo da constituição, que diz que um deputado não póde ser preso senão por ordem da sua camara, ou em flagrante delicto de pena capital. Mas fosse ou não delicto de pena capital o que é para mim certo é que a prisão não foi feita em flagrante delicto, e que por isso se deu o attentado contra as immunidades parlamentares.
E não receie a camara que eu vá de novo tratar a questão do flagrante delicto.
O que digo sómente, é que fóra das portas do parlamento não ha pessoa alguma que sustente seriamente que a prisão se realisou em flagrante delicto.
O digno par sr. Costa Lobo, cujo talento e cuja erudição eu admiro, foi tão habil na sua argumentação que começou por declamar contra os advogados. Na opinião de s. exa., elles têem feito um grande mal á civilisação, elles prejudicaram os resultados da revolução franceza, e têem reduzido o constitucionalismo a um estado bem pouco lisonjeiro, por causa das suas argucias e subtilezas na interpretação das leis.
Mas, afastada assim a idéa de se parecer com elles, o digno par não fez em todo o seu discurso senão subtilisar interpretações, a ponto de que se essas interpretações da lei fossem admissiveis, effectuando-se a prisão d’aqui a mez e meio, por exemplo, ainda deveria considerar-se feita em flagrante delito. Poderia o deputado ir á China e voltar, que ainda poderia ser depois preso em flagrante delicto, porque não podia haver duvida sobre a identidade da pessoa do delinquente.
O digno par até quiz fazer-nos acreditar que a immunidade parlamentar se não estendia a todos os crimes, porem, só aquelles que os deputados commettiam na qualidade de representantes da nação. Quiz demonstrar s. exa. que foi este o principio que presidiu, ou que deve ter presido á introducção desta immunidade. nas constituições modernas.
Ora, o digno par, que é muito erudito, deve saber qual foi o motivo porque a immunidade dos deputados, e dos pares, dos membros das camaras legislativas, foi introduzida nas constituições do continente da Europa, e era preciso sobretudo nas constituições dos paizes de raça latina. Foi par evitar que os governos, querendo supremir um deputado incommodo, querendo afastal-o da camara, lhe não armassem um processo.
O digno par, que é jurisconsulto e advogado, sabe com que facilidade se póde armar um processo criminal. O que se quiz evitar foi que os governos fizessem, como têem feito entre nós alguns administradores de concelho em vespera de eleições, que é armarem um processo a qualquer agente do partido contrario de que se arreceiam, e que querem afastar do acto eleitoral.
O que se quiz, pois, foi prevenir que os governos fi2es-sem o mesmo, quando quizessem afastar da camara um deputado incommodo. Já vê o digno par que, por este motivo a immunidade não póde deixar de se estender a todos os delictos, sejam de que natureza forem, delictos communs delictos militares, ecclsiasticos outros quaesquer.
Mas não cuide o sr. presidente do conselho, cujo caracter eu respeito, e a quem não devo senão muita benevolencia, sympathia e amisade, — não cuide que eu venho accusal-o, nem creio que ninguem o accusa, de ter conscientemente, e com intenção, comrnettido um attentado contra as immunidades parlamentares, de ter querido violar a carta, para offender os representantes da nação. O sr. presidente do conselho, na minha opinião, e creio que na de todos, apenas errou, como podem errar e erram todos os homens, ainda os, mais habeis.
Os ministros, como bem disse o digno par, o sr. Costa Lobo, são homens. Em presença de um facto inesperado podem ter perdido o sangue frio. Sete homens juntos para resolver podem não ser todos da mesma opinião.
Para se chegar a um accordo, é necessario ás vezes que de uma parte e de outra se ceda e transija, e ás vezes a resolução a que se chega em resultado d’estas cedencias e transigencias é a mais inconveniente. Por qualquer d’estas causas, ou pela precipitação, é certo que se commetteu um erro. O que nós desejamos é que elle seja reparado, no que tem de reparavel, e que se entre rio caminho legal.
Eu bem sei que, dado um passo em falso, é difficil voltar a caminho direito. Como se trata do conflicto entre um deputado e um ministro, acontecendo que o deputado é official de marinha, e que o ministro foi o ministro da marinha, permitta a camara que eu me sirva de uma comparação tirada da arte maritima.
Quando o navio no alto mar é acossado pela tempestade, quando se vê açoutado por um vendaval furioso, o commandante deve tratar de fazer aquella manobra, que se chama pôr o navio á capa. Esta manobra não é difficil, e o mais inexperiente maritimo a sabe mandar executar; mas o que é difficil é depois, e ainda sob a acção do vento, desfazer a capa.
O governo está neste caso. Temendo os effeitos da tempestade, tratou de se pôr á capa, errou a manobra, e agora não sabe com ha de desfazer a capa. (Riso.)
Acredite o governo que eu quero ajudal-o e não prejudical-o n’essa manobra, e vou dizer a rasão por que, rasão, que está na idéa de todos, aqui e lá fóra, de todos, amigos, adversarios ou indifferentes em politica, mas que se interessam pelas cousas d’este paiz.
Não direi que vou ter a coragem de dizer qual é esta rasão, porque para isso não é necessario coragem. Mas direi que vou ter a franqueza de dizer o que todos pensam, mas nem todos dizem.
A rasão é a seguinte: O sr. presidente do conselho, ou antes o sr. José Luciano de Castro, neste ministerio, não é sómente o chefe do gabinete é tambem uma garantia para nós todos. A camara entende-me e eu não preciso de ser mais explicito. E por isso que eu lamento e que todos lamentamos que se tivesse dado um facto, e que se prolonguem as consequencias de um facto, cuja principal responsabilidade, cujo principal odioso, se me permittem a phrase, recáe sobre o sr. presidente do conselho, sobre quem nós não desejariamos que recaisse.
E vem aqui a proposito responder ao digno par o sr.
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marquez de Rio Maior. O digno par lançou a suspeição sobre todos os deputados da opposição. Elles podiam dar excellentes rasões, fazer bellos discursos, apresentar argumentos irrespondiveis; «mas cuidado, disse o digno par, cuidado, não se deixem levar pelo canto das sereias; o que. elles querem é deitar abaixo o ministerio. »
Ora, se nós tivéssemos entre nós um outro sr. marquez de Rio Maior, que infelizmente não temos, mas se o tivéssemos elle levantava-se e dizia: Sr. presidente, o governo acaba de commetter um grande attentado, os seus defensores podem apresentar excellentes argumentos em defeza do procedimento do ministerio; mas elles não se importam nem com o respeito á constituição, nem com as immunidades parlamentares; o que elles querem é que o governo não caia. De modo que nós, os regeneradores, somos suspeitos porque queremos que o ministerio caia, os progressistas são tambem suspeitos, porque querem que o governo não caia, e o unico insuspeito, o unico competente, o unico infallivel, como o Papa em materia de dogma, é o sr. marquez de Rio Maior. (Riso.)
Eu respeito muito a sinceridade do digno par, e sua independencia, e a nobreza do seu caracter. Mas parece-me que s. exa. não tem toda a auctoridade para impor suspeições politicas. O digno par tem sido o amigo caloroso e o adversario implacavel de quasi todas as situações politicas. Permitta-me s. exa. que lhe chame inconstante, voluvel, uma especie de Lovelace politico, que dedica os seus affectos a todas as situações novas, em quanto lhe parecem bonitas, para depois as abandonar.
Disse o digno par que nós queremos deitar abaixo o ministerio.
Está perfeitamente enganado.
Deitar abaixo o governo agora, e n’uma questão em que a principal responsabilidade pertence ao sr. presidente do conselho, seria um erro politico, seria da nossa parte uma inepcia.
E o digno par, que é hoje nosso adversario, mas que já foi nosso amigo, deve ao menos conceder-nos que não somos inteiramente destituidos dó senso commum.
Eu peço ao sr. presidente do conselho que empregue todos os seus esforços para que este negocio entre no seu caminho regular e legal. Já o digno par o sr. Barjona de Freitas lhe fez igual pedido, ou antes lhe deu este conselho benévolo, amigavel e quasi affectuoso.
Mas como respondeu o sr. presidente do conselho? Dizendo que não tinha nada a fazer, que o negocio estava entregue aos tribunaes, e que o governo não dá ordens aos tribunaes.
Pois póde fallar assim um governo? Pois então para que se é governo?
O governo não póde dar ordens aos tribunaes, bem o sabemos. Mas o governo tem os seus agentes junto dos tribunaes para promover o que for de justiça, e tem alem disto largas influencias moraes. O que eu peço, e que todos nós desejamos e pedimos, é que o governo use d’essas influencias e se sirva dos seus agentes, como é o seu direito e a sua obrigação, para que as cousas entrem no caminho regular e legal. Mas antes de terminar devo dizer em meu nome, e creio que o posso declarar em nome aos meus amigos politicos, (Apoiados.) que se se votar a primeira proposta, que foi apresentada pelo sr. Barros e Sá, nós votaremos contra ella, não porque não estejamos de accordo em que se passe á ordem do dia, isto é, que passemos a discutir os assumptos importantes que reclamem a nossa attenção, mas porque se acceitassemos a doutrina da proposta, o governo, um governo qualquer; poderia amanhã mandar prender illegalmente os deputados ou os pares que quizesse, e nós teriamos de guardar silencio, com o protesto de que tinhamos de ser juizes no processo. Por isso votamos contra a proposta do sr. Barros e Sá.
O sr. Pereira Dias: — Sr. presidente, a sessão está pró rogada, e eu não desejo de maneira nenhuma ser causa de que esta discussão continue, e por isso desisto da palavra, reservando-me para responder ás considerações feitas pelo sr. Antonio de Serpa, em occasião opportuna.
O sr. Marquez de Rio Maior: — Sr. presidente, ás. referencias tão delicadas que1 acaba de fazer a minha humilde pessoa, o sr. Antonio de Serpa, tambem eu teria occasião de responder, mesmo porque não foi este o motivo porque eu pedi a palavra. Eu pedi a palavra porque a votação de proposta apresentada pelo sr. Barros e Sá; importava o adiamento da questão; ora ella foi tratada tão largamente, que não me parece possa haver adiamento, por isso e em nome do sr. Barros e Sá que está ausente por motivo de doença, eu pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se consente que aquella moção seja retirada..
Aproveitando a occasião peço a v. exa. para retirar tambem a minha proposta.
O sr. Barjona de Freitas: — Em cumprimento da promessa que fiz na occasião em que fallei, dirigindo-me ao sr. Barros e Sá, pedindo-lhe para retirar a sua proposta e visto que o sr. marquez de Rio Maior em nome de s. exa. pede para a retirar, eu peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se permitte que eu retire tambem a moção que tive a honra de mandar para a mesa, e igual pedido faço em nome do sr. visconde de Moreira de Rey.
O sr. camara Leme: — Em virtude do que acabo de: ouvir, eu não posso ter a pretensão de que a minha proposta seja submettida á approvação da. camara, e por isso peço para a retirar.
G sr. Vaz Preto: — Eu peço licença para tambem retirar a minha proposta.
O sr. Presidente: — Não ha mais nenhuma proposta, alem daquellas que foram apresentadas pelos dignos pares, que pedem para as retirar, e por isso vou consultar a camara a este respeito.
Foi approvado.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — É para mandar para a mesa uma proposta de accumulação.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte
Proposta
Em conformidade, com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara, hereditaria a necessaria permissão para que o digno par conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, lente proprietario da escola polytechnica de Lisboa, vogal da secção, permanente do conselho superior de instrucção publica, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos. = José Luciano de Castro.
Foi approvada.
O sr. Marino João Franzini: — Eu não sei se está presente algum dos membros da primeira commissão de verificação de poderes, porque desejava pedir-lhe algumas explicações sobre o motivo por que não tem sido apresentado o parecer ácerca da eleição do digno par eleito, o sr. Miguel Pereira Coutinho, pelo districto de Angra.
O sr. Hintze Ribeiro: — Sou eu o relator da primeira commissão de verificação de poderes, e nessa qualidade direi ao digno par, que a rã são da demora provem de ter sido este o ultimo processo que foi remettido á commissão, processo que chegou tarde porque veiu no ultimo paquete; mas, apesar disso, eu hoje trazia o parecer, que não fim presente á camara por não ter sido possivel reunir a commissão, o que provavelmente farei na proxima sessão.
O sr. Marino João Franzini: — É simplesmente para agradecer as explicações que acaba de dar ao digno par.
O sr. Presidente: — A proxima sessão será na quarta; feira 25 do corrente e a ordem do dia a discussão na primeira parte, do parecer n.° 47 da commissão de verifica-
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ção de poderes e na segunda a resposta ao discurso da coroa.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 21 de maio de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; duque de Loulé; marquezes, de Rio Maior, de Sabugosa, de Pomares, da Foz; condes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, de Magalhães, de Margaride, de Paraty, do Restello, do Valenças, de Gouveia, da Folgoza; viscondes, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de S. Januario; barão de Salgueiro; Agostinho Lourenço, Adriano Machado, Braamcamp Freire, Aguiar, Silva e Cunha, Couto Monteiro, Senna, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Arrobas, Bazilio Cabral, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Francisco Costa e Silva, Francisco Cunha, Ressano Garcia, Van Zeller, Barros Gomes, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Melicio, Ferreira Lapa, Mendonça Côrtez, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Baptista de Andrade, Bandeira Coelho, Andrada Pinto, José Luciano, Castro, Fernandes Vaz, Teixeira de Queiroz, Lobo d’Avila, Ponte e Horta, Silva Amado, Sá Carneiro,José Pereira, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Bivar, Seixas, Villas Boas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Serra e Moura, Antunes Garreiro.
Redactor = Carrilho Garcia.