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N.º 15

SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente dá a palavra ao sr. Barros Gomes, que pede lhe seja reservada para quando estiver premente o sr. visconde de Moreira de Rey. - O digno par o sr. Pereira Dias pede a analyse de certos documentos ao sr. ministro da fazenda. - O sr. ministro da fazenda diz que está de accordo com os desejos do digno par. - O digno par o sr. Barros Gomes falla sobre a lei de 15 de julho de 1889, e dá explicações sobre o seu procedimento como ministro. - O digno par o sr. visconde de Moreira de Rey analysa o relatorio da commissão que elaborou o regulamento de 29 de agosto de 1889. - A camara, é consultada sobre se quer que se passe á ordem do dia. Resolve a continuação do incidente. - O sr. ministro da fazenda faz varias considerações sobre a questão, e a lei dos cereaes e seu regulamento. - O sr. presidente designa a ordem do dia, e encerra a sessão.

Ás duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 21 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. presidente do conselho e ministro do reino e da guerra, enviando 100 exemplares das contas do ministerio da guerra, relativas á gerencia de 1888-1889 e ao exercicio de 1887-1888.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: - Ficaram hontem inscriptos os dignos pares os srs. José Luciano de Castro, visconde de Moreira de Rey e Barros Gomes.

O sr. Sá Carneiro pediu que lhe fosse reservada a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da guerra.

O sr. Barros Gomes: - Eu tinha pedido a palavra quando o meu collega o sr. visconde do Moreira de Rey me fulminou com a perspectiva de uma accusação criminal, de um processo crime.

Ora, estando eu sob o peso resultante da accusação do s. exa., é do meu dever defender-me perante a camara; mas não o posso fazer na ausencia do digno par. De mais, vim expressamente a esta casa para ter occasião de dar ao sr. visconde de Moreira de Rey quaesquer explicações sobre o meu procedimento na questão de que s. exa. se occupou.

Desejava muito, sr. presidente, que houvesse neste paiz uma lei de responsabilidade ministerial, e, se eu fosse o primeiro a ser chamado por qualquer infracção commettida, regosijar-me-ia em provar que a accusação era infundada.

Como v. exa. sabe, fiz parte de um gabinete que tomou a iniciativa de uma proposta d'esta ordem, e tanto eu como os meus collegas nunca tivemos o menor receio da lei, e até desejámos que fosse approvada.

Por todas estas circumstancias, que julgo justas e attendiveis, não posso nem devo fallar na ausencia do digno par, e por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. aqui estiver.

O sr. Presidente: - Logo que esteja presente o sr. visconde de Moreira de Rey darei a palavra a v. exa.

O sr. Pereira Dias: - Pedi a palavra para dirigir um pedido ao sr. ministro da fazenda.

O Sr. presidente, eu desejo habilitar-me com certos esclarecimentos para a discussão do projecto sobre os tabacos.

Esses esclarecimentos constam de documentos que se acham na administração geral dos tabacos.

Como penso que estes documentos não podem ser remmettidos com urgencia a esta camara, pedia ao sr. ministro da fazenda permittisse que eu fosse examinal-os á administração geral dos tabacos.

Ha dois documentos de que muito careço.

Um refere-se ás fabricas de Xabregas, e outro diz respeito á actual administração dos tabacos.

Se o sr. ministro da fazenda entender que não ha inconveniente em acceder ao meu pedido, irei em pessoa á repartição competente fazer o meu exame.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Estou completamente de accordo com os desejos do digno par ir á administração geral dos tabacos examinar todos os documentos de que precisa para a discussão da lei dos tabacos; e aproveito esta occasião para dizer á camara, que tenho o maior prazer em que quaesquer dignos pares se dirijam a todas as repartições dependentes do meu ministerio, para examinar e colher documentos que necessitem, tanto mais que s. exas. sabem muito bem que nem sempre é possivel aos funccionarios do ministerio da fazenda, apesar da sua boa vontade, fornecer de prompto aos membros do parlamento os documentos que pedem.

Se os dignos pares e os srs. deputados adoptassem o systema de irem ás repartições publicas examinar os documentos de que precisassem, haveria a grande vantagem de os empregados se não distrahirem dos serviços que propriamente estão a seu cargo, como succede para satisfazer um grande numero de pedidos de documentos.

O sr. Pereira Dias: - Agradeço ao illustre ministro a maneira por que accedeu ao meu pedido, e por isso só espero que s. exa. de n'este sentido as suas ordens.

O sr. Barros Gomes: - Vendo já presente o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, declara a s. exa. que, vista do que disse hontem, apressou-se hoje a vir a esta camara, visto estar vergando sob o peso da perspectiva de uma accusação criminal, e desejar bastante que essa accusação venha a fim de se poder fazer a luz sobre toda a questão, e ver até que ponto póde estar culpado.

O digno par disse hontem que o orador, quando ministro da fazenda, interpretou ou executou de um modo menos regular a lei que aqui foi votada no anno passado, e cujo intuito era favorecer a agricultura. Ora todos sabem em que condições foi votada essa lei. A camara não póde ter esquecido que o seu antecessor o sr. Saraiva de Carvalho tinha pretendido dar uma resolução a essa questão; mas a lei que s. exa. propozera, e que fôra assumpto de largo debate nas duas casas do parlamento, não satisfizera ainda assim ás aspirações da agricultura.

Ella fixava certos direitos para o trigo e farinha de cerca procedencia; mas uma das disposições que era de difficil execução, era, por exemplo, a constituição de uma

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grande moagem nacional, o que exigia a organização e construcção de uma fabrica, que podia talvez importai em 1.000:000$000 réis.

O governo viu-se mesmo obrigado a alterar a lei em dictadura, e foi n'estas circumstancias que o orador, quando ministro da fazenda, embora por pouco tempo, não podia deixar de se occupar d'este assumpto; tendo reunido em torno de si os representantes dos interesses da agricultura e da moagem, trouxe ao pai lamento uma nova lei, que representava de certo um esforço em sentido de assegurar á agricultura nacional aquellas vantagens que se queriam alcançar para ella, e para o trigo aquelle preço, remunerador que se pretendia.

Essa proposta de lei, que theoricamente correspondia ao que d'ella se desejava, encontraria na pratica largas difficuldades; e por isso foi assumpto de impugnação, quer por parte dos interessados, quer no seio das commissões; e de tudo isto resultou uma especie de transacção entre todos; e pelo esforço e cooperação, não só dos differentes interesses a que a lei ia attender, mas ainda pela cooperação de todos os partidos, conseguiu o governo quasi no fim da sessão que se votasse uma proposta de lei que reuniu em torno de si grande maioria, e que foi a lei que o digno par diz que o orador inutilisou.

Como não se trata de discutir essa lei, nem o seu regulamento, o orador só deseja explicar o seu procedimento, e para isso poderá quasi limitar-se ás palavras hontem proferidas n'esta camara pelo sr. ministro da fazenda.

Não se incommoda muito com a accusação do digno par sr. visconde de Moreira de Rey. E tendo já em tempos sido apresentada ao parlamento pelo fallecido Anselmo José Braamcamp uma lei sobre responsabilidade ministeriaes, o orador pede a s. exa. que renove a iniciativa d'essa proposta, porquanto orgulhar-se-ha mesmo em ser o primeiro a ser victima da execução d'essa proposta.

Relativamente á questão, restringindo-se ao que honrem disse o sr. ministro da fazenda, notara que a lei, que saiu, por assim dizer, da cooperação espontanea e patriotica de todos os partidos e de todos os interesses que se gladiavam a proposito d'este problema, esta lei, que apenas tinha sete artigos, pareceu a muitos bastante facil; mas para quem a estudasse não podia deixar de ser reconhecida como inapplicavel sem um regulamento perfeitamente estudado e conhecido.

O orador terminou, tratando circumstanciadamente d'esta questão, lendo varios documentos e trechos do parecer da commissão em tempos nomeada para tratar do assumpto.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, logo que s. exa. entregue as notas respectivas.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, creio que n'esta questão a camara não está esclarecida; o que começa a estar é cansada, e muito a meu pezar sou forçado a completar o cansaço.

Responderei primeiro á ultima parte do discurso do digno par e meu amigo, o sr. Barros Gomes. Eu hontem não fallei em processo, nem disse que tinha tenção de o pedir ou propor. Ahi houve equivoco da parte de s. exa.

O sr. Barros Gomes: - Base para accusação criminal.

O Orador: - Eu só disse que, em qualquer outro paiz, onde se dedicasse maior importancia e attenção a este assumpto, s. exa. achar-se-ia comprehendido nas disposições do codigo penal. Ora isso não significa que eu quizesse intaurar um processo; porque não é n'esta idade, nem com a minha profissão, que, como par do reino, vou propor a accusação de um ministro a cujas boas intenções porém faço toda a justiça.

S. exa. encontrou a armadilha feita e armada; caiu n'ella e desenvolveu-a um pouco. O actual sr. ministro da fazenda encontrou a armadilha feita, armada, e já correcta e augmentada, e parece que está tambem arriscado a cair n'ella; para e evitar farei todas as diligencias.

N'este paiz, quem defende a agricultura nacional tem contra si, com mágua o digo, os ministerios todos successivamente, e as maiorias das duas casas do parlamento. Esta é a verdade.

V. exa., sr. presidente, viu, e a camara presenceou, e se não presenceou, ouvi eu hontem, o sr. ministro da fazenda a pôr restricções ao pedido de inquerito que eu fiz, dizendo o mesmo ministro:-se isso significa, desconfiança contra o ministerio passado, não posso acceital-o.

Já estou acostumado a esta linguagem parlamentar e politica, e portanto comprehendi logo o que aquillo queria dizer. Em questão agricola, não se toque no sr. Barros Gomes, que foi ministro da fazenda.

E se como ministro dos negocios estrangeiros, tendo tido infelicidade de ver falhar uma das suas combinações mais estudadas, e em que tinha empregado a sua melhor vontade e os seus melhores esforços, queremos julgar os seus actos, apparece logo o sr. Hintze Ribeiro, o sr. presidente do conselho, a dizerem, que nem deixam publicar o que o sr. Barros Gomes quer publicar.

Não trato de saber se esta protecção, a que por emquanto não quero chamar excessiva, existe unica e simplesmente para s. exa., mas parece-me que se refere tambem ás outras pastas.

Já hontem, a proprosito de uma certa questão, se viu que, pelo ministerio do reino, tambem uma simples promessa verbal do ministro do reino anterior foi respeitada pelo actual ministro do reino com a mesma força, com o mesmo vigor e com a mesma legalidade como se fosse uma lei promulgada e existente n'este paiz.

Se o governo vem unicamente aperfeiçoar e defender as medidas do ministerio transacto, então era muito melhor processo deixar continuar aquelle ministerio, muito melhor mesmo para quem pugna por umas certas e determinadas medidas, como, por exemplo, as questões agricolas.

Encontravamo-nos muito mais á vontade lactando apenas contra o sr. Barros Gomes ou contra o seu governo, do que contra o governo transacto e contra, o actual, ainda que eu trato mais das cousas do que das pessoas, e por isso tenho a audacia precisa para combater os homens dos dez ministerios que precederam o actual.

Vamos primeiro, sr. presidente, á affirmativa do digno par o sr. Banos Gomes, que teve o cuidado de me incluir na commissão encarregada de elaborar o regulamento, de que á minha ausencia nas respectivas sessões se devem talvez os males ou as faltas de que me queixo.

O digno par suppoz que nem acceitei o encargo de fazer parte da commissão, nem lá fui; mas s. exa. está completamente enganado, porque eu fui á commissão emquanto a minha dignidade e o meu juizo mo permittiram, o que só durou tres quartos de hora e na primeira sessão.

O artigo 1.° da lei de 15 de julho de 1889 diz o seguinte:

"É prohibido o despacho para consumo de trigo estrangeiro de qualquer procedencia, excepto nos casos seguintes:

"1.° Quando se provar que foi comprado ou farinado trigo nacional, em quantidade igual ao dobro da que se pretende importar.

"2.° Quando os preços do trigo nacional excedam em media 60 réis por kilogramma, ou logo que o conselho do mercado cental de productos agricolas, satisfeito o que for prescripto nos regulamentos, declarar que não ha offertas de trigo."

Cheguei á commissão e já encontrei o relator nomeado.

Disseram-me particularmente que tinha sido imposto peio sr. ministro da fazenda.

(Interrupção que não se ouviu.)

Em todo o caso lá estava: o que é verdade é que elle saberá muito de assumptos fiscaes, de álgebra e de trigo-

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nometria, do que eu não percebo palavra, mas não é lavrador, nem proprietario, nem rendeiro.

O que se principiou a discutir na commissão não foi o artigo l.º nas suas expressões, mas a intenção do legislador a respeito do que deixou de dizei1, isto é, se era absolutamente livre a importação de trigo estrangeiro porque a lei não a prohibia expressamente, dizendo só que o que ficava prohibido era o despacho para consumo de trigos estrangeiros.

Depois de deixar discutir e aclarar bem este ponto por diversos doutores, perguntei simplesmente se havia importação sem despacho?

Isto queria dizer se seria possivel descarregar n'este paiz generos de qualquer procedencia sem despacho na alfandega?

O que eu comprehendia era que o trigo estrangeiro entrava e depois dispensava-se o despacho para consumo; mas disseram-lhe que o guardavam nos armazens da alfandega, ficando os depositos alfandegados e fiscalisados, e que tanto os moageiros como os negociantes que comprassem trigos nacionaes ou alfandegados tinham de os submetter á fiscalisação da alfandega, como unico meio de prova quando quizessem despachar para consumo o trigo estrangeiro.

Ainda mesmo quando a alfandega podesse dispor de todos os seus guardas, não seriam sufficientes para fiscalisar os depositos de trigos nacionaes e estrangeiros.

Seria necessario nomear mais guardas, do que resultaria uma enorme despeza para o estado, sem trazer beneficio algum para a agricultura.

Quando vi que os meus collegas não percebiam a clareza das minhas idéas, pedi licença para declarar ali, em familia, que estavam já bastantes velhos para deixarem de me comprehender, e que eu tinha ido áquella reunião unicamente pela muita consideração para com o ministro e o decreto.

Antigamente, quando os ministros se lembravam de encarregar alguem de fazer parto de alguma commissão, era praxe seguida o ministro fallar primeiro á pessoa de cujos serviços carecia, mas o sr. ministro da fazenda não me consultou, nem mo fallou, e, apesar d'isso fui lá. Logo, porém, que percebi que os meus collegas o que queriam era brincadeira, e como eu não estava para entrar em farças, retirei-me. O resultado era de esperar, mas confesso que excedeu muito a minha expectativa.

Sr. presidente, não lerei já uma parte dos trabalhos d'essa commissão, porque não quero fazer adormecer a camara; reservo me para mais tarde.

Creio que v. exa. deseja passar á ordem do dia; mas, como é o sr. José Luciano de Castro que tem a palavra, e não prescinde da presença do sr. presidente do concelho, que ainda não entrou, peco a v. exa. que consulte a camara sobre se quer a continuação d'este assumpto, até que venha o sr. Serpa, a fim de liquidarmos por uma vez esta questão.

O sr. Presidente: - Eu não tenho duvida em consultar a camara; mas o sr. presidente do conselho declarou-me hontem, que provavelmente não poderia comparecer á sessão de hoje, e o sr. José Luciano concordou em proferir o seu discurso mesmo na ausencia do sr. presidente do conselho.

O Orador: - Se v. exa. quer, eu continuo no uso da palavra sem ser consultada a camara.

Não desejo metter-me em grandes difficuldades; quero apenas mostrar que a lei proposta e votada aqui o anno passado, ou fosse por accordo dos diversos elementos que se juntaram, ou fosse unica e exclusivamente por pedido de accordo do sr. José Luciano com os srs. José Maria dos Santos e Estevão de Oliveira, ou emfim fosse porque fosse, essa lei diz uma cousa no artigo 1.° que já li, e o regulamento diz outra diversa; diz o seguinte:

(Leu.)

A disposição da lei que é votada pelo parlamento tem o poder executivo obrigação de a cumprir; não a póde alterar, não a póde sophismar, não a póde revogar.

Diz essa lei que emquanto o preço de 1 kilogramma de trigo nacional não exceder 60 réis, o trigo estrangeiro não entra.

Vem a commissão, vem o nobre ministro da fazenda da situação passada, o digno par o sr. Barros Gomes, e, para regulamentarem o artigo que diz que só vem trigo estrangeiro quando o preço do nosso trigo exceder 60 réis em kilogramma, escreve o seguinte:

"O despacho para consumo de trigo estrangeiro será isento das formalidades exigidas pelos artigos anteriores, quando o preço medio do trigo se eleve a 60 réis o kilogramma." (Regulamento de 29 de agosto de 18S9, artigo 25.°)

A camara comprehende a differença que vae entre exceder 60 réis, isto é passar de 60 réis, ou elevar se a 60 réis.

Para isto não se precisa de algebra nem de trigonometria, é simplesmente diccionario.

A In expressa votada pelo parlamento garante a todo o productor de trigo que, emquanto o seu preço não exceder 60 réis, o trigo estrangeiro não entra.

O regulamento fez outro artigo para substituir e diz: O trigo estrangeiro entra, logo que o preço do trigo nacional se eleve a 60 réis.

Esta questão é de palavras? É de colheita de trigo? É de trigo molle ou rijo? É de trigo ribeiro ou durasio? É de trigo de qualidade superior ou inferior?

Isto é uma questão de preço, é uma questão de dinheiro; a lei votada pelos representantes d'este paiz assegura 60 réis por cada kilogramma de trigo aos lavradores, e o poder executivo, baseado no parecer de uma commissão por muito respeito não lhe chamava outra cousa. Em vez de commissão podia chamar-lhe quadrilha, e em vez de sabios posso chamar-lhes ladrões.

(Pausa.)

Sr. presidente, eu sei o que digo e o que chamo.

Se a lei garante 60 réis por kilogramma, quem tem um kilogramma de trigo tem 60 réis no bolso; e, se uma commissão me vem tirar do preço do trigo 3 ou 4 réis, faz o mesmo que tirar.m'os do bolso.

Este é o meu portuguez.

Não fallo por algebra, nem por trigonometria.

É claro que aqui não ha referencia nenhuma pessoal, ha apenas considerações de facto.

Esse facto é que a lei garantiu ao productor o preço de 60 réis, e só quando o trigo nacional o exceder é que entra o estrangeiro.

Veiu o regulamento e troca a palavra exceda pela palavra se eleve ou attinja.

Eu, quando me queixo, não o faço sem rasão nem motivo.

Um ministro póde fazer ou auctorisar similhante alteração?

Creio que o sr. Barros Gomes não viu isto, nem eu mesmo veria se me não visse obrigado a presencear a execução que a lei teve no mercado, mas o que posso assegurar, com toda a tranquillidade da minha consciencia, é que, quem praticou o acto sabia perfeitamente o que fazia, isto é, substituiu uma palavra por outra muito de proposito para tornar impossiveis as transacções no mercado.

Não invento. Não fui eu quem alterou no regulamento as palavras da lei. Não faço mais do que verificar o facto verdadeiramente impossivel, verdadeiramente incrivel de um regulamento, que se refere a uma lei approvada um mez antes pelo parlamento, escrever se eleve onde a mesma lei dizia exceda.

Não faço mais do que pôr bem claro o prejuizo que d'esta substituição de palavras resultou.

A agricultura queixava-se de ha muitos annos, e com

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rasão, de que estava em ruina, e foi naturalmente para acudir ao mal, que vem de epochas remotas, que a commissão alterou as palavras da lei; mas dessa alteração resultou um damno consideravel para os lavradores. N'este paiz nunca passam desapercebidos os direitos adquiridos dos empregados publicos, mas passou desapercebido um direito adquirido da agricultura.

Não sei, sr. presidente, qual é a expressão propria para designar o procedimento d'aquelles que no regulamento alteraram as palavras da lei, e que ao mesmo tempo gastaram o seu tempo em investigações philosophicas sobre qual seria a intenção ou o pensamento do legislador.

Para que procedeu a commissão d'esta fórma?

Vou dizel-o, mas para isso os meus collegas que façam a diligencia de resistirem ao somno se poderem. (Riso.)

Não vou ler tudo isto, porque vejo aqui uma parte algébrica que não é para mim. Esta parte, verdadeiramente intrincada e difficil, foi escripta para os pobres lavradores.

"Ora, havendo no paiz duas variedades de trigo, cujos preços para as mesmas qualidades, isto é, para trigos de igual peso para a mesma unidade de volume, são diversos, cuja producção é tambem em quantidade differente, estabelecido o peso da qualidade media, deverá a cada uma d'estas variedades corresponder preço diverso, mas tal que de, attenta a relação de producção, a media ele 60 réis por kilogramma.

"A differença media de preço para as duas variedades fixou-se era 1,5 réis por kilogramma, o que importa 1,60 réis a 1,52 réis para as qualidades superiores, e 1,48 réis a 1,36 réis para as inferiores ou approximadamente 20 réis por alqueire, como se vê da tabella que adiante damos." (Relatorio da commissão, pag. 17.)

Antes de proseguir, devo dizer uma cousa ao digno par o sr. Barros Gomes.

S. exa. sabe por certo ha quantos annos n'este paiz se produz trigo, e conhece tambem as relações que ha entre os proprietarios, os rendeiros e os que depois vem tirar os trigos para a moagem, antigamente exercida pelos antigos moleiros e pelas azenhas e actualmente pelas fabricas. Pois nunca se encontrou em arrendamento ou em contrato de venda, designação nenhuma de trigo molle ou duro, ribeiro ou durasio, nem nunca se disse que o preço estaria em proporção com o peso ou densidade n'uma certa unidade de volume.

Nunca se pronunciou esta palavra "densidade" e não se encontra em toda a legislação do paiz emquanto houve juizo.

O que se encontra em todos os arrendamentos é que a renda é paga era trigo limpo, secco e capaz de receber, e qualquer duvida sobre isto resolve-se pela simples inspecção occular.

Pergunto aos que têem cursado o fôro, se isto e ou não verdade.

Imaginar um trigo misturado com outras cousas é imaginar um trigo que nunca o foi nem póde ser, e quando me appareçam declaro logo que é limpadura.

Nós legislâmos para o paiz, e ao paiz que sabe o que é trigo não havemos de fallar em algebra, como faz a commissão.

A disposição da media quer dizer que ou o trigo seja de qualidade superior ou inferior, ha de valer 60 réis. Quem auctorisou a commissão a dizer isto? A camara nunca intentou prohibir qualquer productor de vender o trigo pelo preço que lhe convenha.

O seu desejo era assegurar ao productor, que não quizesse vender logo o seu trigo a 60 réis por kilogramma, mas vem a commissão e declara que a lei não quer dizer isto, alem de varias outras cousas que acrescenta, das quaes destaco este periodo que offereço e submetto á intelligencia da camara, como eu o tenho submettido á minha, esperando que s. exas. obtenham resultados diversos dos meus.

Isto é para lavradores.

(Leu.)

"Assim admittindo de 1:2 a relação de producção entre trigos molles e trigos duros, e para a qualidade media fixando o peso de IO1,7 por alqueire (l3,8), o que corresponde pouco mais ou menos a 77k,5 por hectolitro, teremos...

Já aqui as mathematicas começariam a hesitar, que farão os lavradores...

"Teremos:

(Continuou lendo.)

Peso por hectolitro Kilogramma Preço Réis

[ver valores da tabela na imagem]

"Media: 61 + 2X59,5
3 = 60

Partindo d'esta base e designando por M e D as peças do hectolitro das duas qualidadas de trigo considerados molles e duros, será o preço por kilogramma de trigo molle representado por:

61 M = 0,78M
77,5

e o do trigo duro per:

5,95 D= 0,76 D
77,5

isto é, para determinar, dada uma qualidade de trigo, o preço que lhe corresponde para os effeitos do n.° 2.° do artigo 1.° ela carta de lei que regulamentámos, bastará multiplicar por 0,78 ou por 0,76, conforme se tratar de trigo molle ou trigo rijo, o seu peso por hectolitro.

"Do que fica dito deduz-se a seguinte tabella."

A tabella tem um erro expresso.

(Continuou a ler.)

"Esta tabella differe da do § 1.° do artigo 25.° do projecto em se terem n'esta ultima arredondado os preços por kilogramma, conservando-os mais approximados em volta da media e ainda para os trigos duros, nas variedades em que os durasios de maior peso e de relativamente maior valor podem levantar a media do preço da respectiva qualidade."

E agora d'aqui por diante com igual clareza, que a camara póde ler se quizer, porque eu prescindo ele mais leitura.

Depois de estabelecidas estas premissas theoricas e philosophicas, vamos ver qual o resultado na pratica.

Em 6 de dezembro de 1889 foi ao mercado central de trigos e levava uma amostra do meu trigo.

Logo a primeira difficuldade fui para me passarem o recibo; disseram-me que isso não era costume.

Declarei então que, ou me passavam o recibo, ou ia buscar duas testemunhas.

Foi então o modo de os resolver a passarem-me o seguinte recibo:

"Ministerio da fazenda. -- Mercado central da productos agricolas. - Liv. n.°... - Na qualidade de syndico na secção de cereaes, recebi do exmo. sr. visconde de Moreira de Rey 7 kilogrammas do trigo durazio do sitio e fregue-

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zias de Carnaxide e Barcarena, a fim de ser vendido n'este mercado ao preço de 60 réis cada kilogramma a dinheiro e prompto pagamento.

"Lisboa, mercado central de productos agricolas, g de dezembro de 1889. = João Sabino de Almeida Fernandes."

Vim para casa e esperei que o mercado dissesse ou participasse alguma cousa.

Eu offerecia á venda cerca de 100:000 litros de trigo durazio, o que a 60 réis perfaz 6:000$000 réis, o que representa mais que o meu rendimento annual.

Pelas informações, julguei que era uma questão de tempo a resposta.

Passou, porém, todo o tempo que medeia entre 6 de dezembro de 1889 até 3 de março de 1890, data em que recebi o seguinte officio do ministerio da fazenda.

Eu imaginava que, tendo nós um ministerio das obras publicas, commercio e industria, seria a cargo d'este ministerio que ficava o mercado de trigo. Todavia não succedeu assim, estava dependente do ministerio da fazenda.

"Cumpre-me participar a v. exa. que a amostra dos 100:000 kilogrammas de trigo durazio que entregou para venda neste mercado, o agente encarregado de effectuar a venda é o sr. José de Oliveira, escriptorio n.° 31, com quem v. exa. tem de se entender para todos os effeitos da mesma transacção.

"Deus guarde, etc., 5 de março de 1890. = O secretario do conselho do mercado, Alfredo Maria Bessone."

Veja agora a camara como escreve o ministerio da fazenda! (Riso.)

Cumpre-me participarque... e nada mais!

Ora um mercado central que conserva durante tres mezes as amostras para no fim. me dizer: trate lá com o agente, que é fulano, escritorio numero tantos, entenda-se com elle, hão de v. exa. concordar, que offerece aos lavradores e productores de cereaes uma garantia... uma garantia de que vale a pena pagar por bom preço taes serviços.

O sr. Visconde da Azarujinha: - Succedeu-me a mesma cousa.

O Orador: - No mesmo dia e á mesma hora dizia-me o agente José de Oliveira:

"Lisboa, 5 de março de 1890. Illmo. e exmo. sr. visconde de Moreira de Rey, Carnaxide."

Note v. exa. que, alem de eu ser alguma cousa conhecido n'este paiz, e estando inscripto no Almanach commercial de Lisboa como advogado, como par do reino, como vogal effectivo do supremo tribunal administrativo, e com escriptorio no largo de S. Julião d'esta cidade, escreveram-me de proposito para Carnaxide.

Dizia-me o sr. José de Oliveira, que eu nunca tinha tido a honra de ver, nem saber que existia: "Amigo e senhor." (Riso)

Peço toda a attenção.

"Na qualidade de agente do mercado central de productos agricolas, encarregado pela secretaria do conselho do mesmo mercado da venda dos 100:000 kilogrammas de trigo durasio da amostra que v. exa. enviou á alludida secretaria, cumpre-me informar a v. exa. que o seu trigo está vendido, logo que o preço não exceda o que marca a tabella respectiva publicada no regulamento de 29 de agosto ultimo, para execução da carta de lei de 15 de julho de 1889, inserta no Diario do governo n.° 198, de 6 de setembro ultimo."

Eu fiquei contente. (Continuou lendo.) "... e portanto queira dizer se auctorisa a baixar o preço por v. exa. pedido pelo seu trigo, que deve ser posto em Lisboa, aos limites supra referidos, visto ser inexequivel qualquer transacção em condições de preços mais elevados."

Na revisão corrigiram e pozeram incerta. Elles tinham rasão: chamavam á lei incerta.

Esqueceu-me ha pouco dizer que a lei que o regulamento devia cumprir não poz condição nenhuma de ser o trigo posto em Lisboa.

O regulamento, para facilitar as transacções aos lavradores, dispõe que os preços se referem ao trigo posto no mercado central.

O direito consuetudinario d'este paiz foi sempre que toda a pessoa que precisa de trigo, vae compral-o ao celleiro onde elle existe. Ahi vae, não medil-o nem pesal-o, mas assistir ao peso ou á medição, ahi o mette em saccos seus, e d'ahi só o tira depois que deu ao dono do trigo o preço correspondente em dinheiro.

O agente do mercado central do que não fallava era de dinheiro, o que dizia era o que o trigo devia ser posto em Lisboa.

Ora, para quem vive em Carnaxide, ou noutro qualquer ponto da nova area da capital que começa na ponte de Algés e acaba em Sacavem, não é isso indifferente.

(Continuando a leitura.)

"Cumpre-me observar-lhe que os preços da tabeliã, na conformidade do artigo 25.° da citada lei.. ."

Note-se que a lei não tem senão sete artigos, e este meu amigo e senhor descobriu o artigo 20.° da citada lei para me dizer o seguinte:

(Leu.)

"... correspondem a trigo limpo e secco, devendo, realisada a transacção, fazer-se o respectivo desconto."

E disse-me logo em seguida:

(Leu.)

"Aguardo a sua resposta urgente. Sem outro motivo. - De v. exa. amigo e obrigado."

Vi que, pedindo-se-me urgencia de dias (para auctorisar a entrada de trigo estrangeiro) e que tinha sido mandada uma carta para Carnaxide estando eu em Lisboa.

Esta urgencia depois de terem passado tres mezes, sem se me advertir de cousa alguma... O preço devia baixar... O trigo devia ser posto em Lisboa...

Sr. presidente, comprehendi que tinha na minha frente, não um agente de cereaes, mas um jurisconsulto a tratar por álgebra e trigonometria esta questão cerealifera.

Confesso que me assustei.

Sabem quem era este agente?

Era o sr. José de Oliveira, o meu amigo e senhor.

Então dirigi ao mercado central um modesto officio dirigido ao secretario.

É o seguinte:

"Cumpre-me accusar a recepção do officio liv. 2.° n.° 126, que com data de 5 do corrente v. sa. me dirigiu para Carnaxide, assignando-o na qualidade de secretario do conselho do mercado central de productos agricolas; e rogo a v. sa. que ao mesmo conselho faça constar as seguintes considerações, que eu não desisto de levar tambem directamente ao conhecimento do ministerio da fazenda.

"O officio não completou o primeiro periodo talvez pela pressa de me participar alguma cousa.

"O mesmo officio, na parte em que as orações estão completas, limita-se a declarar-me o agente encarregado da venda, mandando-me entender com elle e parecendo declinar para o agente e para mim todos os termos de qualquer transacção. D'esta fórma, e entregando eu ao mercado em 6 de dezembro de 1889, com grande trabalho e não pequenas difficuldades, a amostra de 7 kilogrammas de trigo, e tendo, por excepção e tambem com difficuldade, cobrado recibo, o mercado limitou-se a gastar tres mezes para me indicar um agente e mandar-me tratar com elle todos os termos da negociação. Não sei ainda se o agente é privativo do mercado central, ou se é agente publico, ao qual eu poderia ter recorrido em tres minutos, poupando a mostra, o tempo e as difficuldades que durante mais de duas horas gastei no mercado central até descobrir quem me recebesse a amostra e se resolvesse a passar-me recibo do que eu lhe entregava.

"O que, porém, desde já sei, em vista do que o agente me escreve, é que elle se mostra mais agente do comprador do que meu e pretente intrepretar e talvez discutir

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268 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

commigo a legislação sobre este assumpto. Como a minha modéstia me não permitia acceitar a subida honra da discussão a que me convida a carta do agente escolhido pelo mercado central, depois de tres mezes de reflexão, ouso perguntar ao digno conselho se a declinatoria, que me pareceu ver no seu officio a que respondo, é terminante e definitiva, ou se eu não consegui entender o mesmo officio por defeito de intelligencia, que o mesmo conselho se dignará desculpar.

"Deus guarde, etc., 10 de março de 1890."

"Com data de 10 recebi nova carta do sr. José de Oliveira, para Carnaxide, instando pela reposta á de 5 de março, que o mesmo senhor havia tambem sobrescriptado para Carnaxide.

Finalmente, no dia 13, que é a data do decreto do nobre ministro actual, que estabelece que o trigo estrangeiro podia ser despachado livremente para o consumo, pagando apenas 16 réis por kilogramma em vez de 20 réis como estava estabelecido por lei, n'esse mesmo dia 13 é-me enviado um officio em resposta ao meu, assignado pelo secretario

O que se queria era provar que não havia offerta de trigo nacional.

"Ministerio da fazenda. - Mercado central de productos agricolas. - Secretaria. - L. 2.°, n.° 140. - lllmo. e exmo. sr. - Em resposta ao officio de v. exa., de 10 do corrente, cumpre-me dizer a v. exa. que todas as amostras enviadas a este mercado são entregues ao syndico da respectiva secção e por elle distribuidas aos agentes d'este mercado, á sua livre escolha, para se encarregarem de promover a venda."

Só o tempo que eu gastei em procurar e descobrir o tal syndico. Ninguem sabia d'elle.

(Continuou lendo.)

"O mercado não transacciona por conta propria. Quando v. exa. veiu ao mercado, se houvesse logo procurado o respectivo syndico, não teria necessidade de gastar tempo em descobrir quem recebesse a amostra, entretanto foi com este funccionario que v. exa. conferenciou e a quem indicou o preço que desejava pelos 100:000 kilogram,as de trigo durazio que pretendia vender. O agente encarregado da venda foi o sr. José da Oliveira, e vejo que v. exa. não tinha conhecimento do regulamento do mercado, approvado por decreto de 20 de setembro de 1888, cujo artigo 2.° diz: - As transacções, no mercado central de productos agricolas, far-se-hão por intermedio dos agentes nomeados pelo governo.

"Como v. exa. exigia pelo seu trigo o preço de 60 réis cada kilogramma, e o preço do mercado, desde dezembro de 1889 até fevereiro de 1890, regulou entre 49 e 50 réis cada kilogramma, tendo uma unica venda attingido o maximo de 54 réis o kilogramma, em trigos d'estas qualidades, está demonstrado que o agente nunca póde obter offerta para o trigo de v. exa. pelo qual pedia preço muito elevado e até mesmo superior aos trigos ribeiros finos.

"Tendo, porém, em cumprimento do artigo 26.° do regulamento da lei dos cereaes de 15 de julho ultimo, sido feito o aviso a que se refere a mesma lei, na qual se acha exarada uma tabella de preços a que os offerentes têem de sujeitar-se, querendo vender, pela secretaria do conselho do mercado foram avisados todos os offerentes de trigos, um dos quaes era v. exa. para se entenderem com os agentes respectivos, a quem as amostras haviam, sido distribuidas e cujos nomes eram indicados n'essa occasião, a fim de, directamente, poderem ultimar qualquer transacção, nos termos da referida tabella e com a urgencia que este assumpto reclamava.

"Deus guarde, etc., 13 de março de 1890. = O secretario do conselho, Alfredo Maria Bessone?"

Veja a camara para que é que nós fizemos a lei que assegurava aos productores 60 réis!

Mas porque foi que elles estiveram tres mezes sem dizer que eu pedia um preço superior ao regulamento, que eu tinha de por o trigo em Lisboa e que deveria haver um desconto?

Em 14 do mesmo mez volta outra vez o agente, o tal meu amigo e senhor, e diz o seguinte em 14 de março:

"Amigo e senhor. Cumpre-me communicar a v. exa. que, expondo aos moageiros as condições estipuladas por v. exa. pura a venda do trigo durasio da amostra que enviou a este mercado, os mesmos as julgaram inacceitaveis; portanto digne-se v. exa. dar-me as suas ordens com relação á referida amostra, que fica em meu poder, aguardando a sua resolução.

"N.B. Os compradores desde hontem. que se julgam desligados das propostas que fizeram, com referencia ás amostras que não estavam nos limites da lei."

Mas, sr. presidente, a lei diz expressamente: emquanto o mercado central receber offertas de trigo nacional, não poderá entrar para consumo trigo estrangeiro, sem restricções.

Ora o conselho do mercado central disse ao governo que, desde 6 de dezembro do anno anterior até 14 de março d'este acuo, não tinha nenhumas amostras de trigo em seu poder!

O governo, em presença d'esta declaração, auctorisou a entrada de trigo estrangeiro, depreciando e impedindo por esta fórma a venda de trigo nacional. Qual foi o resultado? Foi que os lavradores e proprietarios de trigo nacional não poderam vender o seu genero, apesar do mercado central ter sido creado unica e exclusivamente para a venda do trigo nacional, não serviu senão para a mentira!

Sr. presidente, o mercado central mentiu ao governo.

Em 8 de maio de 1889 o mesmo conselho enviou a todos os agricultores portuguezes o seguinte, que passo a ler:

"O conselho do mercado central convida a todos os productores e negociantes de trigos portuguezes, aos quaes se referiu o annuncio de 5 de fevereiro de 1890, publicado no Diario do governo de 5 a 19 do mesmo mez de fevereiro, e que não tenham levado a effeito as respectivas transacções, que o façam constar ao mesmo conselho, na sede do mercado central dos productos agricolas em Lisboa, no Terreiro do Trigo, até ao dia 24 do corrente mez, acompanhando a sua communicação de todas as mais informações que houverem por conveniente levar ao mesmo conselho. A secretaria do conselho está aberta todos os dias uteis, das dez horas da manhã ás quatro da tarde.

"Secretaria do conselho do mercado central de productos agricolas, 8 de maio de 1890. = Pelo presidente: o secretario do conselho do mercado, Francisco José Caldeira."

Os membros da commissão dos lavradores, que se interessam deveras por este assumpto, fallaram commigo, e eu escrevi uma carta ao sr. José Maria dos Santos, membro do conselho do mercado central, em que lhe dizia que a amostra do meu trigo estava no mercado, e que ignorava o motivo por que elle ainda não se tinha vendido.

Reuniu o conselho n'uma segunda feira, e oito dias depois recebi do ministerio da fazenda o seguinte:

"Em consequencia da communicação verbal do sr. José Maria dos Santos, feita ao conselho do mercado, em sessão de 26 do corrente, o mesmo conselho resolveu levar ao conhecimento de v. exa. o seguinte: o trigo de v. exa., cuja amostra existe n'este mercado, tem compradores..."

Agora já falla claro!

(Continuou lendo.)

"Careço, portanto, de saber se v. exa. está resolvido a vendel-o pelo preço de 58 réis cada kilogramma, correspondente á tabella no momento em que a pesagem foi feita, por isso que tinha o peso de 77 kilogrammas cada hectolitro. Este preço, a que me retiro, entende-se pelo trigo posto nas fabricas e ali pesado, conforme as praxes estabelecidas n'estas transacções.

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"Deus guarde, ele., 28 de maio de 1890. = O secretario do conselho do mercado, Francisco José Caldeira."

Sobre isto, appello para o sr. Barros Gomes e para o actual sr. ministro da fazenda.

Até aqui, o official; agora vamos ao curioso, que é particularmente do secretario e vem tambem do mercado central.

"Mercado central de productos agricolas. - Gabinete dos syndicos."

Gabinete do syndico! Veja a camara o que nós pagámos, e o que nós temos!

(Continuou lendo.)

"Em additamento ao officio que remetto a v. exa., caso de v. exa. annuir á venda do trigo, tem a sua quantidade de ser rateada pelas diversas fabricas de moagem que o receberem, e portanto facilmente se faz a distribuição, porque a fragata ou fragatas, que conduzirem o trigo, vem portando aos caes da descarga das diversas fabricas e entregando a quantidade respectiva que a cada uma d'ellas couber na distribuição. A descarga é feita por conta dos compradores, como é uso em todas as vendas.

"De v. exa., etc. Lisboa, 28 de maio de 1890. = Francisco José Caldeira."

A carga e as fragatas ficam a cargo do lavrador e proprietario, que, alem de todos os aprestos e utensilios de lavoura, tem agora de arranjar fragatas!

Eu respondi ao homem que, para terminar esta questão, acceitava o preço e estava prompto a mandar o trigo ao mercado central, que lá havia de ser pesado e vendido e, ao mesmo tempo, receberia o dinheiro; que o trigo saia logo que eu recebesse signal ou garantia de que não o levava ao mercado para o tornar a trazer, porque poderiam dizer que não o acceitavam e eu ter de retiral-o; que o transportaria em carros ou carroças, porque são estes os meios de transporte do lavrador, e eu não possuia, nem precisava, meios de transporte fluviaes ou maritimos.

Está o negocio n'estas circumstancias. Não houve mais resposta.

A entrada do trigo estrangeiro é em tão grande quantidade, que hoje quasi não ha preço para o trigo nacional, cuja venda a lei quer garantir por um preço determinado!

Sr. presidente, o mercado central procedeu por esta fórma, sabendo que eu, alem de lavrador pequeno de Barcarena e Carnaxide, sou advogado e tenho assento n'esta casa, mas a camara imagina como elle procedeu com todos os que são simples lavradores?

Eu tenho já uma importante collecção de documentos da correspondencia do mercado central com todos elles.

Procedeu de maneira que, illudindo-os e burlando-os, forçou todos a retirar as amostras que tinham mandado.

O unico que deixou ficar amostra fui eu.

Isto era feito de proposito para assegurar ao governo e ao sr. ministro da fazenda que não havia offertas de trigo nacional.

Estes documentos existem todos na minha mão, os que foram dirigidos aos proprietarios e a correspondencia do mercado.

O facto é que só das freguezias de Carnaxide e Barcarena, bem proximas de Lisboa, foram amostras de trigo para o mercado em quantidade superior a 1:000 moios, pois todos se viram forçados a retirar as amostras, e possuem documentos comprovativos de que foi o mercado que os forçou a retiral-as, impossibilitando-lhes a venda.

Eu fui o unico teimoso, repito, que conservei no mercado central a amostra do meu trigo, como a camara acaba de ouvir ler, e ainda lá está e estará.

Que nome tem este procedimento?

Eu não quero attribuir, e seria muito injusto se o fizesse, nem ao sr. Barros Gomes, nem ao sr. José Luciano de Castro, que tomou no anno passado a iniciativa da lei dos cereaes, a premeditação ou o proposito de fazer realisarem o que se realisou; mas esta premeditarão existiu, este proposito era evidente nas pessoas que lhe indicaram a maneira de resolver a crise cerealifera.

Esta questão não é politica; é uma questão do paiz que, como a camara sabe, é essencialmente agricola.

O sr. Visconde da Azarujinha: - Apoiado.

O Orador: - Escolham a posição que quizerem, ou a favor da questão ou contra ella.

O que prometto, emquanto tiver vida e voz, é que quem for contra a agricultura, ha de ser desmascarado e descoberto por mim.

Disse o sr. Barros Gomes que eu sou na verdade um d'aquelles que defendem a questão agricola, mas que era difficil de contentar.

Ha de permittir o digno par que lhe recorde que fui eu o primeiro e o unico que, quando se indicou a solução para esta questão, tive até o cuidado de acautelar o paiz contra as exigencias dos productores de cereaes e as fraudes dos moageiros; e, quando no congresso agricola propuz que a importação se fizesse por conta do governo, designava logo os termos em que o governo podia vender o trigo, isto é, quando os preços exigidos pela producção nacional excedessem o limite do qual resultasse a carestia do pão.

Mas isto fica para mais tarde.

Não posso ser taxado de suspeito quando faço este pedido, porque peço simplesmente o justo; peço que se não impossibilite o productor de exigir o preço que o estado fixa ao producto na matriz predial para lhe lançar o respectivo imposto. (Apoiados.)

O sr. ministro disse-nos hontem que a questão era difficil e complexa.

Permitta-me s. exa. que lhe diga, que não ha questão mais simples, nem mais facil do que esta, e sobretudo para o sr. ministro da fazenda, cuja provada intelligencia todos nós reconhecemos e applaudimos.

Para s. exa. não póde haver questões difficeis e complexas, nem para mim, tal é a minha immodestia; a não ser esta que a commissão nos apresenta, quando substituo as palavras e os raciocinios por signaes algébricos, incomprehensiveis para quem não é da especialidade.

Poderei levar mais tempo a estudar qualquer questão, mas, emquanto não perder o juizo, não tenho medo a questão nenhuma.

Se ha possibilidade de ella ser entendida, eu hei de entendel-a por força, e isto que se dá commigo dá-se com muita mais facilidade com o sr. ministro da fazenda.

Esta questão é facil de resolver com grande lucro e proveito para os rendimentos do estado, (Apoiados.) e eu quero até fazer justiça a quem a não merece; quero suppor que até hoje a resolução d'esta questão só tem encontrado difficuldades por parte dos governos pelo receio de irem prejudicar uma das fontes importantes da receita nacional.

Sr. presidente, encarrego-me de demonstrar de um modo intuitivo, que, dado infelizmente o facto de ser o consumo d'este paiz em trigos e cereaes muito maior que a producção, a receita, emquanto essa differença existir, ha de ser muito maior, desde que o estado tenha a seu favor a differença entre o preço da compra e o preço da venda.

Actualmente o estado cobra apenas o direito fixado, e deixa o lucro principal, que é precisamente aquella differença, a qual vae cair nas mãos dos monopolistas que, com o titulo de moageiros, não se contentara com a liberdade garantida de moer o trigo, mas exigem que se lhes assegure o monopolio exclusivo da importação dos cereaes estrangeiros.

O meu grande desejo era que o actual sr. ministro da fazenda deixasse o seu nome ligado á resolução d'este problema, que, como s. exa. hontem disse, tem ido de mal a peior, e ainda até hoje não conseguiu ser resolvido radicalmente.

Para isto é indispensavel não querer conciliar o que é inconciliavel.

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Seria muito melhor que em vez do importarmos cereaes, os podessemos exportar; mas emquanto esta necessidade subsistir, emquanto o paiz empobrecer, porque tem que pagar o que come, a primeira condição essencial é que o lucro resultante d'esse preço fique todo constituindo receita do estado, e sirva para fazer face a muitos encargos.

Alem d'isto, acontece n'este paiz o que não acontece em nenhum outro.

Ha pouco tempo ainda, o paiz e especialmente o governo, foi ameaçado de fome por uma classe que tem vivido com a protecção excessiva e injusta. Os moageiros, não só disseram, mas fizeram publico, que deixavam de moer, e que n'um praso breve, se o governo não adoptasse providencias no sentido de reduzir os direitos de importação, ou então de decretar a importação livre, o paiz luctaria com os horrores da fome.

Eu não quero considerar agora a differença que ha entre o moageiro moderno e um moleiro antigo; mas o que sei, é que a industria é a mesma, e que essa industria corresponde á primeira das necessidades publicas; porque com a fome não ha ordem, nem tranquillidade publica possivel.

Lembro-me ainda de um tempo em que eu já tomava sentido nas cousas; o tempo em que havia mais juizo e menos apparencia de sciencia; mais raciocinio e menos algebra falsa.

Recordo-me que em annos de secca, algumas vezes acontecia nas nossas provincias do norte que o mesmo ribeiro ou regato, onde costumavam moer 10, 15 ou 20 arrobas, dava agua apenas para um moinho; mas nunca aconteceu que o dono de uma azenha ou das poucas que podiam trabalhar, ameaçasse o seu vizinho com a fome, ou declarasse que deixava de moer, porque elle nunca deixaria do ter que comer. Mas se o fizesse, lá estava o regedor e o cabo de policia, que, como medida administrativa, podiam pôr o moleiro fôra da azenha, e a azenha a moer, para garantir o pão e a subsistencia publica.

Creio ter dito o sufficiente para que todos podessem comprehender a applicação do salus populi suprema lex e a gravidade de uma tão affrontosa ameaça dirigida por uma classe ao governo do paiz.

Isto é que póde produzir maiores prejuizos moraes do que os resultantes d'aquelle mal que ella fingia receiar.

Sr. presidente, concluo por aqui as minhas observações, e peço desculpa á camara do tempo que lhe tomei.

A camara comprehende que a questão, se nada tem de agradavel, tem muito de importante. (Apoiados,)

Direi agora ao sr. ministro da fazenda que s. exa. não respondeu hontem precisamente se tomava sobre si e perante o paiz o compromisso de resolver este problema, que não é menos urgente do que os novos impostos. Se o fizer, tambem eu me comprometterei a auxiliai-o para que a questão se resolva por uma vez, e de boa fé, sem intuito de prejudicar uma classe em prejuizo de outra.

Tenho dito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Peço a palavra, sr. presidente, se v. exa. m'a póde conceder já ou que m'a reserve.

O sr. Presidente: - A hora está adiantada e temos que passar á ordem do dia.

Na ordem do dia tem a palavra o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, são quatro horas e meia e, realmente, eu não desejava começar a fallar agora. Imaginava mesmo que, tendo v. exa. permittido ao sr. visconde de Moreira de Rey que usasse tão largamente da palavra, não tencionaria entrar hoje na ordem do dia.

O sr. Presidente: - V. exa. bem sabe que, tendo o sr. visconde de Moreira de Rey começado a fallar quando ainda se não tinha entrado na ordem do dia, eu não podia interromper s. exa. O digno par concluiu agora, e a minha obrigação é passar á ordem do dia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se ella deseja que se continue o assumpto sobre que fallei.

Consultada a camara assim o resolveu.

O sr. Presidente: - Em virtude da decisão da camara, tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, no discurso que acabámos de ouvir, o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey revelou-se, como todas as vezes que se occupa de qualquer questão, profundamente conhecedor do assumpto.

S. exa. dirigiu-se umas vezes ao governo actual, mas outras, e mais directamente, ao digno par sr. Barros Gomes.

Se este digno par não estivesse presente, eu não me reduziria, como vou fazer, a dar uma resposta simplesmente sobre o que me diz respeito, porque tambem não quero prejudicar a defeza de s. exa.

S. exa. terminou por me convidar, por assim dizer, a tomar perante a camara e para com o paiz o compromisso de resolver definitivamente esta questão dos cereaes; mas esse compromisso eu só o poderia tomar, se tivesse tanta confiança em ruim como s. exa. parece ter; se a questão me parecesse de tão facil resolução como o digno par se afigura. Mas por isso mesmo que seria de grande vantagem resolver de vez esta questão importantissima, é que o parlamento, os governos e os homens competentes a têem de ha muito estudado, discutido, legislado sobre ella e procurado resolver, comquanto ainda o não conseguissem.

Não posso portanto eu ter tanta confiança em mim para lhe encontrar a solução mais satisfactoria, que chegue a tomar similhante compromisso.

E se essa questão é difficil, muito mais o é para mim do que para o sr. visconde de Moreira de Rey, porque não possuo os mesmos conhecimentos especiaes adquiridos com muito estudo, nem a mesma experiencia que s. exa.

Ao que me comprometto é a estudar o assumpto, a trabalhar na descoberta da melhor solução possivel, com a cooperação e auxilio de s. exa., que são muito para agradecer, e dos outros membros da camara.

Disse eu já que a questão era muito complexa e agora explico porque assim a considero; é porque, alem de todos os elementos citados pelo digno par, ha um elemento a que é indispensavel attender, é a alimentação publica, é o preço do pão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sim. Essa é a base.

O Orador: - A lei que se publicou o anno passado, ácerca d'este assumpto, entre os seus muitos defeitos, tem o de ter estabelecido um problema economico impossivel, absurdo; o moageiro não póde comprar, nem importar trigo senão por um certo preço e até uma certa quantidade, o lavrador só ha de vender por um dado preço; mas o que não se disse foi qual havia de ser o preço do pão.

Ora isto vae de encontro a uma bem conhecida lei economica.

Por mais respeitaveis que sejam os interesses da classe agricola, superior e mais respeitavel é o interesse de todos, o interesse geral, e da alimentação publica. (Apoiados.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Que é igualmente importante para os agricultores.

O Orador: - Sim, que é tambem interesse dos agricultores.

Disse o digno par que os moageiros tinham ameaçado o governo com a fome, se não fossem feitas certas modificações na lei de 1889, relativa aos cereaes.

Peço licença para dizer ao digno par, que esta sua asserção pecca por menos exacto conhecimento dos factos.

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1890 271

Se essa affirmação de s. exa. se refere ao actual governo, no tempo em que elle assumiu a gerencia da administração publica, posso affirmar-lhe que taes ameaças se não realisariam.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Elles deixaram de moer e expozeram que aquelle systema não podia continuar.

O Orador: - Depois de eu entrar para o ministerio, n'uma reunião da commissão que, em virtude da lei de 1889, ficou funccionando permanentemente junto do ministerio da fazenda e presidida pelo sr. marquez de Rio Maior, para aconselhar o governo em qualquer difficuldade resultante da execução da mesma lei, fui prevenido por alguem da classe dos moageiros, que desejava conferenciar commigo, porque o regimen creado para a sua industria pela lei de 1889 era absolutamente incompativel com os seus interesses, e, a não haver modificação n'essa lei, iam ver-se obrigados a fechar as suas fabricas e a abandonar a sua industria.

Não queriam fazer greve, nem usar de violencias.

Davam conhecimento ao governo do estado de cousas, a tempo e horas, para que elle providenciasse como entendesse conveniente, importando farinhas e estando assim prevenido contra essa fome.

Tiravam assim de sobre elles a responsabilidade do futuro.

Foi com estes factos que o digno par imaginou que se tinha feito ameaça ao governo.

Posso afiançar-lhe que, sendo eu ministro da fazenda, e não tendo outras qualidades para exercer este logar, porque sou o primeiro a reconhecer essa falta, possuo no entanto bastante energia moral para fazer respeitar o principio da auctoridade constituida.

Se uma classe qualquer, saindo d'aquelle caminho que as nossas leis indicam para fazer chegar ao conhecimento do governo reclamações, se esquecesse do respeito devido, não aos homens que se assentam n'estes logares, mas ao principio da auctoridade que representam, e quizesse fazer ameaças, eu por fórma nenhuma condescenderia com essas reclamações apresentadas por essa fórma.

Uma das grandes difficuldades da administração d'este paiz é um certo numero de praticas, bastantes d'ellas, infelizmente bem recentes, terem feito persuadir os individuos ou grupos de individuos que os governos cedem, não diante de reclamações justificadas, mas diante de ameaças de perturbação da ordem publica, ou outras.

Foi exactamente porque os moageiros procederam de modo differente d'esse, por me pedirem até um inquerito ás suas fabricas, facilitando a sua escripturação para em presença d'ella se reconhecer a incompatibilidade dos seus interesses com a lei do 1889, foi por este motivo, dizia, que eu ouvi as suas reclamações e tratei de procurar resolver o conflicto que então se levantou.

Eu tinha dois caminhos a seguir. O que mais naturalmente me estava traçado, encontrava-se no artigo 2.° d'esta lei, por isso mesmo que era prevenido n'um espaço de dois mezes, podendo o governo mandar vir farinhas, e depois, se as fabricas se fechassem, abrir os portos ás farinhas estrangeiras.

O artigo 2.° da lei concedia-me essa faculdade.

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rei que não se ouviu.)

Isto era para mim o mais facil, e não precisava por fórma alguma de usar de medidas discricionarios, vindo depois pedir á camara que releve o governo d'essa responsabilidade; e era talvez sobre o ponto de vista dos rendimentos das alfandegas o mais productivo.

Mas havia duas condições, ambas ellas as mais positivas, e que nunca se deviam esquecer na resolução d'esse problema, eram o preço do pão e os trigos nacionaes. Foram esses dois elementos, que principalmente tratei de tomar em consideração, e foram os dois fundamentos que, quer no meu relatorio, quer em conselho de ministros, serviram do fundamento ou de base para se tomar a providencia que effectivamente se tomou.

Eu, permittindo a livre entrada das farinhas estrangeiras, não tinha a certeza de que os seus importadores, negociantes como outros quaesquer, não tendo, como tinham os moageiros, o receio de que isto se decretasse, e portanto, tendo a necessidade, moral de não elevar o preço do pão, se obrigavam a vender por parte do estado as farinhas mais baratas, para conservar o mesmo preço do pão, sendo pois isso á custa do thesouro.

Por outro lado, comquanto nós estivéssemos já sufficientemente adiantados, é certo comtudo que ainda havia uma porção maior ou menor de trigo nacional; e que, pelo pensamento da lei de 1889, e pelo pensamento absolutamente de todos os homens politicos d'este paiz, uma providencia a adoptar podia ainda salvar os agricultores, quero dizer, fornecendo-lhes um praso para venderem o producto cerealifero, por um preço igualmente remunerador.

Não quero agora saber se no artigo 2.° da lei havia essa condição, porque, como já disse, essa parte ha de claramente ser tratada, como o sr. Barros Gomes quer, nem devo privar s. exa. da defeza dos seus actos. No emtanto, como este incidente, visto que já se póde assim chamar, provavelmente se prolongará, terei occasião depois de s. exa. de dizer o que penso a esse respeito. Mas vista a questão debaixo d'estes dois pontos de vista, eu queria saber se os moageiros se obrigavam a comprar o trigo nacional que estivesse por vender, e a não elevar o preço do pão e, visto que me tinha apressado em constituir uma commissão para estudar esse assumpto commigo, tratei tambem com essa commissão de assentar as bases que constam do decreto, em que se fixava a compra de todo o trigo nacional que tinha vindo ao mercado agricola, por virtude do aviso publicado, em consequencia do regulamento, que eu não podia deixar de cumprir, nem tão pouco podia impor o ninguem preços mais altos do que os fixados na lei, até ao fim do actual anno agricola, que pelo regulamento foi marcado até 20 de agosto. Por outro lado, esta baixa do direito de 20 réis a 15 réis não representava senão uma pequena alta nos preços cobrados até á data da lei de 1889. Ainda debaixo d'este ponto de vista parece-me que realmente os direitos cobrados até ali não são muito elevados.

Sr. presidente, aproveito a occasião para dizer que a lei de 1889 tinha obedecido a um grupo, de idéas difficeis de conciliar no seu conjuncto.

Qual era o modo de ser da industria das moagens antes d'esta lei.

A industria das moagens tinha a liberdade no commercio de cereaes, os direitos eram de 16 réis, tinha ainda perfeita e completa liberdade pelo que respeita á compra de trigos nacionaes, isto é, tinha o direito de exercer commercio na rigorosa extensão d'esta palavra.

Veiu a lei de 1889, e, com relação á importação de cereaes estrangeiros, impoz-lhe restricções, emquanto ao preço do trigo nacional, em logar de continuar a permittir-lhe a liberdade da compra, fixou-lhe preços ou estabeleceu principios taxativos, e ainda com relação aos direitos, foram elevados da 16 a 20 réis; quer dizer, a industria das moagens ficou em uma situação diametralmente opposta áquella que existia antes da publicação da lei a que me refiro.

Depois de alguns mezes, reconheceu-se que era justo que se diminuissem os direitos de 20 a 16 réis; mas eu direi ao digno par, e esta foi uma das partes do discurso a que s. exa. deu mais desenvolvimento, que por parte do mercado central, quer sob o ponto de vista da lei, quer sob o ponto de vista, dos interesses da agricultura...

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey, que se não ouviu.)

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272 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A execução do regulamento foi a mais imperfeita.

O digno par sabe perfeitamente que eu disse que a organisação actual do mercado era absolutamente incapaz de corresponder aos fins que se tinha em vista. Tenho dito, não só ao digno par, como a outros cavalheiros interessados na resolução d'este assumpto, que é minha intenção alterar completamente o modo de ser d'aquelle estabelecimento; alteração que eu estou auctorisado a fazer fundando-me na lei constitutiva dos serviços aduaneiros.

Entretanto, sem querer entrar agora nas minucias em que s. exa. entrou, direi que me parece que s. exa. não está informado ácerca de um ponto.

Disse o digno par que o mercado informou o governo de que lição havia offertas.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Dil-o o relatorio do decreto.

O Orador: - O mercado central procedeu em conformidade do regulamento de 1889. Fizeram-se os avisos por espaço de quinze dias a todos os lavradores que tivessem trigo, a fim de mandarem as suas amostras.

Depois de fechar este periodo, os moageiros declararam que não comprariam o trigo nas condições do regulamento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Era para as vendas não se realisarem.

O Orador: - Não se conformavam com a tabella dos preços fixados.

V. exa. disse que lhe exigiam hoje uma condição que não está no regulamento.

Eu vou dar ordens ao presidente do mercado central n'esse sentido; mas, desde que o regulamento diz que o trigo deve ser posto no mercado central, elles têem o direito de assim o exigir.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu estou de accordo.

O Orador: - V. exa. está de accordo?!

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Em relação a v. exa. tomar providencias.

Elles informavam n'esse sentido, e eu dizia: mentem.

É costume informar o governo do opposto á verdade.

O Orador: - Ainda não parece isso bem exacto.

O regulamento é que precisa de ser reformado, e esta opinião não é só minha. A pratica tambem o tem provado á evidencia; mas estou persuadido de que o conselho do mercado cumpriu o regulamento, nem posso admittir que, n'uma repartição publica, os cavalheiros como o sr. José Maria dos Santos e outros tratem os negocios por uma fórma...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Elles não são chamados a estas cousas.

O Orador: - Mas são consultados.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - São chamados só para assignar e nada mais.

O Orador: - A hora está a dar, e desculpe-me v. exa., sr. presidente, que eu continue por mais dois minutos.

Vozes: - Falle, falle.

O Orador: - Não se ouviu distinctamente o que s. exa. disse, mas referiu-te ao sr. Barros Gomes, cujo merito exaltou, e em seguida:

Termino aqui as minha s considerações, e, continuando a discutir-se este assumpto na sessão seguinte, terei occasião de dar mais explicações á camara.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Fica inscripto sobre este incidente o digno par o sr. Barros Gomes.

O incidente continua na seguinte sessão antes da ordem do dia.

A proxima sessão é na sexta feira, e a ordem do dia, é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Signos pares presentes na sessão de 4 de junho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira do Vasconcellos Pimentel; Marquez da Praia e de Monforte; Condes, das Alcaçovas, de Alte, d'Avila, da Arriaga, de Carnide, de Lagoaça, da Folgosa; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, de Asseca, da Azarujinha, de Condeixa, de Moreira de Rey, de Paço de Arcos, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Vai mór; Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Sá Brandão, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Bernardo da Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Placido do Abreu, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Marçal Pacheco.

O redactor = F. Alves Pereira.

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