O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

170 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

honesto nada seria mais vergonhosa, do que fazer contratos nas condições, em que os tem ultimamente feito o governo portuguez.

O sr. Presidente: — Os documentos pedidos pelo digno par ainda não vieram.

O sr. Cypriano Jardim: — Sr. presidente, pedi a palavra quando o sr. Pimentel Pinto propunha ao governo que desse um premio ao distincto e illustrado capitão Barreto; e pedi a palavra como tendo sido uma testemunha occular e até experimental, do valor d´aquelle instrumento de guerra, que veiu dar, pelo seu apparecimento, um nome glorioso ao seu inventor.

Associo-me, portanto, á proposta do digno par o sr. Pimentel Pinto, e congratulo-me com o meu distincto collega Barreto, honra da arma a que ambos pertencemos.

O sr. ministro da guerra acceitou a idéa do sr. Pimentel Pinto e prometteu advogal-a em conselho de ministros, por fórma que ao inventor seja dado qualquer premio.

O capitão Barreto ha muito que estudava aquella polvora, começou os seus estudos desde o momento em que ella foi applicada em França, que foi a primeira nação que a usou; mais tarde, quando o capitão Barreto reconheceu as vantagens da sua descoberta, estando eu por essa occasião na Allemanha como addido militar, o capitão Barreto pediu-me para ali fazer uma experiencia da sua polvora, por fórma a comparal-a a uma polvora allemã, que era n´esse tempo julgada a melhor de todas.

Eu proprio carreguei os cartuchos, e fui á primeira fabrica de polvora allemã, na Silezia, onde experimentei, um por um, todos os cartuchos carregados com a polvora Barreto.

N´esse experiencia fui ajudado por empregados superiores da fabrica, e n´ella se reconheceu que tal como estava já, a polvora sem fumo portugueza era superior á allemã, em tudo que respeitava á pressão e velocidades iniciaes.

Quiz eu que bem fosse analysada nos seus effeitos balisticos, guardando para mim a sua composição, que mais de uma vez me foi perguntada.

Repito, quem fez essas experiencias foram empregados da fabrica allemã, e ellas deram em resultado reconhecer-se que a polvora inventada pelo sr. Barreto era superior, quanto a pressão e velocidade inicial, á polvora allemã, embora um pouco inferior quanto á acidez.

Avisando d´este pequeno senão o sr. Barreto, pois que se tratava do facto importantissimo da polvora poder atacar o metal dos cartuchos, quando guardados por certo tempo em deposito, aquelle official escreveu-me depois., dizendo que tinha já feito as necessarias modificações na sua polvora, a qual, com essas modificações, adquirira ainda maiores velocidades iniciaes!

Isto quer dizer que, se as primeiras velocidades iniciaes eram já n´aquelle tempo superiores ás da polvora allemã, e se essas velocidades foram ainda augmentadas, póde hoje affirmar-se que a polvora sem fumo Barreto ficou hoje sendo superior a todas as polvoras sem fumo usadas em todas as nações militares da Europa!

Honra ao seu inventor, e honra ao exercito de que elle faz parte!

Não me alongo n´estas considerações, para não fatigar a attenção da camara; mas não terminarei sem dizer, que espero, como toda a camara, que o governo virá propor ao parlamento uma condigna recompensa aquelle distincto official.

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, se bem que eu não seja um profissional, em assumptos militares, nem pretenda impor-me como se o fôra, todavia desde que o sr. Pimentel Pinto veiu aqui tratar d´este assumpto e referir-se justa e elogiosamente ao sr. capitão Barreto, creio eu que não posso deixar de fazer algumas considerações sobre o assumpto, porque, moralmente, sou a isso obrigado.

Ha muito tempo que conheço aquelle official, que é um chimico distincto, cujos trabalhos pena é que, por excessiva modestia do seu auctor, sejam apenas conhecidos de um pequeno grupo de estudiosos.

V. exa. e a camara sabem, sr. presidente, que os trabalhos chimicos são enfadonhos e muitas vezes perigosissimos. Os casos de accidentes fataes devidos aos trabalhos de laboratorio são immensos e não se podem prever quando se trabalha com substancias explosivas como estas de que se serviu o sr. Barreto para o fabrico da sua polvora.

Por maior cuidado que haja, por mais completos que sejam os conhecimentos de quem trabalha com estas substancias, ha de fatalmente ser victima em caso de explosão quando por acaso se dê. N´este caso, como nos campos de batalha, é a sorte quem protege o chimico ou o soldado.

Os trabalhos que o capitão Barreto iniciou com o fim de descobrir uma polvora que podesse rivalisar com a estrangeira revelam, pois, não só um conhecimento especial de grande valor scientifico, mas um grande arrojo; uma grande coragem porque conhecia de mais o perigo a que se ía expor.

Quando o sr. capitão Barreto apresentou a primeira amostra da sua polvora sem fumo, a commissão nomeada para a examinar foi o mais escrupulosa possivel e até em extremo rigorosa no desempenho da sua missão, e não podia deixar de o ser, porque era um trabalho de grandissima responsabilidade o dar o seu parecer ácerca de uma polvora que deveria substituir a usada até agora no exercito.

E se a polvora usada até agora, como s. exa. sabe, é importada do estrangeiro, e de uma fabricação tão difficil que durante nove annos de trabalho incessante e consecutivo, na fabrica em Barcarena, não foi possivel produzir-se um kilogramma sequer, em boas condições, de qualidade tal que podesse substituir a estrangeira.

Eu peço desculpa á camara de estar tratando deste assumpto, roubando-lhe o tempo, e, repito, bem que não seja profissional, pouco ou nada saiba de balistica, alguma cousa, bem que ao de leve, devo dizer ácerca das qualidades da polvora Barreto, o facto é que força viva que a nova polvora communicava ao projectil era excessivamente maior que a communicada pela antiga polvora negra, e claro está que a velocidade inicial augmentava tambem notavelmente, sem que as pressões exercidas dentro do cano das armas excedessem os limites admittidos pelos regulamentos d´esta ordem de experiencias, todavia a constancia na velocidade de differentes series de tiros e a sua precisão deixava muito a desejar, e applicando-se á nova polvora com todo o rigor o regulamento que havia sido feito para a antiga polvora negra, algumas conclusões se tiraram em desfavor do novo explosivo. Estas questões podem ser interpretadas por differentes modos, e variados podem ser tambem os meios para se resolverem inconvenientes que se manifestam no campo experimental. É por isso, que o bom ou mau resultado definitivo de uma innovação cujo valor se submette ao estudo experimental, depende da maneira rigorosa e lucida de apreciar os factos, taes como elles se apresentam.

Esta interpretação esclarecida dos factos, deve-se, quanto a mim, á competencia de um dos mais distinctos officiaes de artilheria do nosso exercito, a quem, eu aproveitando esta occasião, faço um caloroso elogio, testemunho da minha admiração, pelos seus profundos conhecimentos sobre a sua especialidade, pela boa orientação das suas opiniões, pela sua independencia de caracter, associada á mais excessiva modestia.

A sua franqueza poderá, ás vezes, e para temperamentos muito impressionaveis, ser talvez rude; mas, para mim é sympathica, porque é assim que se passa por cima de todas as conveniencias da convenção do egoismo, quando se trata de proclamar a verdade. Refiro-me ao sr. tenente coronel Mathias Nunes, Director da fabrica de armas,