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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 15

EM 30 DE AGOSTO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente. - O Sr. Sebastião Baracho manda para a mesa um requerimento. Expedido. - Procede-se á eleição de dois vogaes para a Junta do Credito Publico.

Ordem do dia. - Continuação da discussão sobre a ultima crise ministerial.- Usa da palavra o Sr. Ministro da Justiça; e em seguida os Dignos Pares José Dias Ferreira, Francisco Beirão e Sebastião Baracho. - Encerra-se a sessão, e designa se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão o Sr. Presidente ao Conselho, Ministros da Justiça, Marinha, Obras Publicas e Reino.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde, verificando se a presença de 22 Dignos Pares, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia, que é a eleição de dois vogaes para a Junta do Credito Publico, um effectivo e outro substituto.

Feita a chamada, corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Alexandre Cabral e Francisco José Machado, apurou-se terem entrado na uma 24 listas e terem sido eleitos, por igual numero de votos, para vogal effectivo o Sr. Moraes Carvalho e para vogal substituto o Sr. Marquez do Lavradio.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Copia das instrucções ou disposições, pelas quaes se amolda a policia, a fim de exercer acção preventiva - censura, leitura previa, apprehensões, etc. - para com a imprensa periodica, devendo n'esta minha requisição attender-se mais a estes preceitos:

a) É feito avulso, pelo corpo de policia, ou de instrucção criminal, semelhante serviço?

b) Não o sendo, quaes são os censores ou fiscaes a que elle está confiado?

2.° Identicos esclarecimentos peço concernentemente á acção policial nos theatros, restrictiva da emissão do pensamento. - Sebastião Baracho".

Sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, e continua com a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Procurarei ser breve nas minhas considerações porque não quero fatigar demasiadamente a attenção da Camara, e continuarei a responder ao discurso do Digno Par o Sr. Jacinto Candido, que infelizmente sei que não pode estar presente por se ter ausentado de Lisboa.

O Digno Par, cuja intelligencia é tão lucida e tão imparcial, deixou-se obcecar pelas paixões politicas, e foi ao ponto de affirmar que em seu conceito o adiamento tinha sido mau remedio ao ma que existia, e que mais valia a dissolução.

Não ha duvida que a dissolução era mais radical, mas creio que se não pode com razão censurar o Governo por ter procedido menos energicamente desde que elle tinha a esperança de que por tal meio conseguiria o seu intuito

O Governo não fez senão presta uma homenagem ás immunidades paramentares, embora tivesse recorrido os meios que as leis lhe facultavam.

Mas diz o Digno Par que o Governo pretendeu acalmar as paixões politicas, que, ao contrario, essas paixões se conservavam latentes.

Quanto ás manifestações da opinião publica, já foi dito n'esta casa do Paramento que se não conhecia nenhuma manifestação da opinião publica contra contrato dos tabacos

Conheço, sim, manifestações da opinião que se publica, mas absolutamente nenhuma da opinião publica. (Apoiados}.

Disse o Digno Par que se o contrato apresentado ao Parlamento era para receber uma simples chancella, isso importaria o desprezo d'esse mesmo Parlamento.

A isto devo objectar que o contrato é apresentado ao Parlamento, como são apresentadas todas as propostas de lei, para serem discutidas, e para se harmonizarem quanto possivel as suas linhas geraes com os alvitres que possam ser considerados razoaveis ou sensatos.

O proprio Governo já lhe introduziu modificações, embora em pontos secundarios, porque as achou justas e razoaveis.

S. Exa. depois d'essas considerações passou a outras que agrupou em tres classes; tendo a primeira por titulo "normas legislativas", tratando n'ella especialmente da questão Reilhac. Não quero desenvolver considerações a este respeito, que julgo descabidas e que pouco poderão aproveitar ao paiz.

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Já foi dito pela boca do Sr. Presidente do Conselho, é de uma maneira formal e terminante, que nada, absolutamente nada, no contrato havia com respeito á questão Reilhac, e que nem uma palavra se tinha proferido a tal respeito.

Deram-se na commissão de fazenda factos que são de todos conhecidos.

Mas uma affirmação ha do Sr. Jacinto Candido, que não posso deixar sem protesto, por parte do Governo. Disse S. Essa que na questão Reilhac o melhor que havia a fazer se era pagar.

Isso de modo nenhum; essa divida nunca existiu, nunca este Governo a reconheceu, e tem sido contestada por todos os Governos, e pelas commissões parlamentares que intervieram no assumpto.

O Governo mais uma vez affirma que nada tem que pagar, porque nada deve. O reconhecimento d'essa divida seria tudo quanto haveria de mais injusto. (Apoiados).

É sobre a questão Reilhac, nada mais tenho a dizer.

O que se passou quanto á redacção do contrato é o mesmo que se passaria com qualquer outro.

Discutidas em Conselho de Ministros as minucias, a redacção é trabalho de um só homem, e esse homem deveria ser naturalmente o Sr. Ministro da Fazenda, visto que pela sua pasta corre o assumpto.

Mas que importa saber se foi redigido esse contrato pelo Sr. Ministro da Fazenda apenas, ou collectivamente por todos os Ministros?

O que se quer saber é se o contrato está bem ou mal redigido.

Quiz o acaso que sahisse bem redigido? Melhor.

Que importa o resto?

Se sahisse mal redigido, o que seria natural era que apontasse os erros ou os pontos a atacar; mas isso é que eu não vi fazer.

Quanto aos ataques ao Governo por ser incoherente, visto ter dado ao contrato a mesma orientação da do Ministerio regenerador, só direi que a injustiça de tal accusação se evindencia pela simples comparação das condições das operações, a importancia das verbas, etc., etc.

Faça-se essa comparaaço, e ver-se-ha que em muitos pontos ha diversidade.

Ainda o Sr. Conselheiro Jacinto Candido fez umas considerações que intitulou "formulas partidarias", e n'esta ordem de ideias condemnou os partidos politicos, como constituindo uma verdadeira autocracia.

É possivel que o partido progressista constitua uma autocracia; mas eu, que que muito ha doze annos n'esse partido, e que tenho naturalmente intervindo em muitas questões politicas, ainda não dei por isso, nem o meu feitio consentiria em acceital-a.

O acaso, pelo contrario, faz falar agora uma pessoa que pertence ao partido progressista e até tem por vezes divergido de actos d'esse partido: sou eu proprio que, por exemplo, falei na Camara dos Deputados contra a lei de imprensa, apresentando propostas, umas das quaes foram adoptadas, outras rejeitadas, e o mesmo succedeu a respeito das propostas de fazenda.

Sempre tenho procedido com esta liberdade e espero em Deus continuar a proceder. Nunca mereci reparos de ninguem. Seria pela insignificancia de minha pessoa? Talvez, mas a verdade é que o fiz com toda a liberdade e todo o desassombro, sempre com o assentimento do Sr. Presidente do Conselho, sem com isso contradizer a disciplina partidaria.

A disciplina partidaria não se pode comprehender pela concordancia absoluta e completa de ideias, de palavras, em todas as virgulas e pontos; não é essa, porque não ha duas pessoas que pensem absolutamente da mesma maneira n'um assumpto simples, quanto mais n'um assumpto complicado; cada um pensa com certa liberdade, o que é preciso é que haja accordo de opiniões, sem isso não pode haver deliberações collectivas em partido.

Por ultimo o Sr. Jacinto Candido occupou-se do seu modo de ver os actos do Poder Moderador.

Nada tenho que dizer a este respeito; os actos do Poder Moderador estão regulados nas leis constitucionaes, por ellas estão bem definidos os seus direitos, cada um as interpreta conforme a sua intelligencia e consciencia l'ho indicar.

Sou Deputado ha doze annos como disse, e durante esse tempo, não tenho sido dos que menos tem intervindo nas discussões parlamentares; e comtudo nunca falei da Corôa, por diversos motivos, sendo o principal por que nunca precisei, porque tinha deante de mim um Governo a quem podia pedir as responsabilidades de todos os actos governativos.

O que não posso é deixar passar a affirmação do Sr. Jacinto Candido, pela qual S. Exa. attribuiu ao Sr. Presidente do Conselho ter dito que era melhor não tratar da Corôa e que isto era um processo para fugir ás respon-ponsabilidades do poder.

Nada mais injusto; o Governo o que queria era revindicar para si a responsabilidade de todos os seus actos, porque precisamente estavam ali todos para responder.

É esta a minha maneira de interpretar o direito constitucional portuguez; e nas luctas parlamentares da minha vida não me tem parecido que elle seja difficil de executar n'esta parte.

Era isto o que em linhas geraes e muito succintas tinha que responder ao discurso do Digno Par o Sr. Jacinto Candido.

Satisfeita esta minha obrigação, não quero cansar por mais tempo a attenção da Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José Dias Ferreira: - Pedi a palavra unica e simplesmente para aproveitar a primeira occasião de dizer á Camara, e ao paiz, a minha opinião sobre o contrato dos tabacos.

Começo por declarar que estou de accordo com o Sr. Ministro da Justiça, em que é preciso pôr a Corôa fora dos debates parlamentares nos paizes aonde se pratica lealmente o systema representativo.

Ainda estive no Parlamento com Joaquim Antonio de Aguiar, Duque de Loulé, Duque da Terceira, e Duque de Saldanha, que conviveram durante largos annos com o Chefe de Estado, alguns dos quaes arriscaram a vida e a fortuna para defenderem, como n'aquella epoca se dizia, a Rainha e a Carta, e que não se referiam á Coroa se não quando no Governo tinham de declarar o dia e a hora em que Sua Majestade recebia esta ou aquella commissão ou quando apresentavam ás Côrtes o Ministerio que tinham sido encarregados de formar, ou annunciavam a demissão do Gabinete.

Tambem reputo indispensavel a organização de partidos fortes.

Em politica, as individualidades, por mais poderosas que sejam as suas faculdades, e por maior que seja a sua dedicação pela causa publica, não podem fazer vingar as suas ideias e pouco hão de produzir

Mas quero partidos, como na Inglaterra, na Hollanda, e mesmo na Italia, para a boa marcha dos negocios, e para boa governação do Estado.

Não quero partidos de clientella que, longe de servirem a Patria, apenas servem para arruinar e desmoralizar os povos.

Os partidos de clientella são ainda mais nefastos á vida e prosperidade das nações, do que os proprios governos absolutos.

Ainda antes de entrar propriamente no assumpto para que pedi a palavra, preciso de referir-me a algumas affirmações que aqui fizeram os Srs. Ministros do Reino e o Digno Par Jacinto Candido.

O Sr. Eduardo José Coelho contou que tambem a commissão de fazenda se levantou contra mim na questão dos credores externos e que, a final, essa op-

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posição me obrigou a pedir a demissão do Ministerio,

É certo que a commissão de fazenda me levantou as maiores dificuldades.

Mas em todo o caso eu não cahi, nem deante da commissão, nem deante das Camaras. Eu cahi deante da Corôa, que me negou todos os meios de governar. Fiz esta declaração mais de uma vez na Camara dos Senhores Deputados, e não podia portanto guardar silencio na Camara dos Dignos Pares deante da affirmativa de que ás luctas da commissão de fazenda se devia attribuir a queda do Gabinete a que eu tive a honra de presidir.

Agora tenho de me dirigir ao Sr. Jacinto Candido, cuja presença, a não ser pelo prazer que me daria vel-o, é absolutamente escusada para o que tenho a dizer, e já em parte disse o Sr. Ministro da Justiça.

Não posso concordar de maneira nenhuma com a opinião do Digno Par de que, se devemos alguma cousa a Reilhac, é indispensavel pagar quanto antes.

Não sei se algum Governo do meu paiz terá. a coragem de apresentar uma proposta para dar, seja o que for, a Reilhac. (Apoiados). Mas só algum Ministerio for capaz de apresentar proposta para qualquer indemnização, ou seja o que for, a Reilhac, hei de ver como elle explica a razão por que.

Esteve dormindo a divida durante cincoenta e oito annos um somno profundo, e só depois d'esse largo periodo é que despertou!

É de 1832 a data do emprestimo de D. Miguel, e só em 1891 começou a dar-se dinheiro em pagamento!

Desde 1891 que revive a divida sempre que temos de appellar para a praça de Paris.

O Governo não tem senão um caminho a seguir, que é não dar satisfação a nenhum Reilhac, e para isso basta-lhe não ter medo.

O medo é o peor dos conselheiros, sobretudo para os homens de Estado. O contrato de 1891, de que é moda dizer mal, apesar de ter sido votado na Camara dos Senhores Deputados quasi por unanimidade, pois só teve contra o meu voto e o do Sr. Fuschini, foi approvado por medo.

Ainda assim, tomando em consideração, como é: indipensavel, as circumstancias da occasião era incomparavelmente superior aos contratos de 16 de julho e de 4 de abril.

O Sr. Jacinto Candido encareceu 2 necessidade de resolver quanto antes esta questão pelo receio de, não se pagando até 1907 as obrigações, termos de aguentar até o fim dos 35 annos o contrato de 1891.

Isso é o que inculcam os defensores do contrato dos tabacos para desvairar a opinião publica.

Mas não é isso o que está no contrato de 1891.

O que está no contrato de 1891 no artigo 4.°, § 6.°, das bases que fazem parte da lei de 23 de março de 1891 é o seguinte:

"Se a concessão for rescindida no fim do primeiro periodo de dezaseis annos o Governo, previamente á posse do exclusivo, deverá reombolsar ao par os titulos emittidos pelos concessionarios, que representam o seu emprestimo ao Thesouro, se não tiver feito uso da faculdade de os reembolsar antecipadamente nos termos do contrato".

Não- é a rescisão do contrato que está dependente do pagamento das obrigações, O contrato ficou rescindido com a denuncia. É a posse pelo Estado que depende d'esse pagamento.

O contrato de 4 de abril ainda poderá ser votado quasi por unanimidade porque não vejo grandes divergencias entre os divergentes.

Os contratos de 16 de julho e de 4 de abril teem ambos a mesma base, emquanto na orientação dos pactuan-6S o contrato de 4 de abril seja ineviavelmente preferivel ao de 16 de julho.

Mas na questão fundamental dos tabacos o accordo é completo.

Abrange ella as duas operações - a do emprestimo - e a do monopolio.

O emprestimo é o maior que tem havido, em Portugal desde D. Affonso Henriques.

O emprestimo é de 63 mil contos!

Já alguma voz se levantou n'uma ou n'outra casa do Parlamento contra o emprestimo?

Isso sim!

Nem se levantou, nem provavelmente se levantará, porque o emprestimo está-nos na massa do sangue! Para ser considerado politico de alcance, e homem de vistas largas, é preciso associar o nome a um emprestimo!

Com emprestimos todos estão de accordo.

Contra o emprestimo nem o povo se insurge!

A outra operação é o monopolio. Já tivemos o monopolio por 12 e por 16 annos e temol-o hoje por 35 annos; mas tudo isso quando a Fazenda Publica se encontrava num estado angustioso ou desesperado!

Pois agora que a situação das finanças é prospera, segundo a linguagem official, vamos ter um monopolio, não de 12, nem de 16, nem de 35 annos mas de 60 annos, prazo elegante, porque foi o prazo do nosso captiveiro nas garras de Hespanha!

Quando estavamos no periodo da vaccas magras, em que V. Exa., Sr. Presidente, era Ministro da Fazenda, foi por 35 annos, o monopolio do tabaco quasi o iam crucificando a V. Exa.!

Agora que estamos n'um periodo desafogado, com o nosso credito restabelecido, segundo dizem, quando nada nos falta, o monopolio é por 60 annos! Pois podem procurar á vontade os registos parlamentares, que não encontram uma palavra contra o monopolio de 60 annos!

Ainda no monopolio por 60 annos o accordo é completo.

A divergencia é pois sobre a simultaneidade ou separação das duas operações, aliás questão muito secundaria. O emprestimo na quantia de 63:000 contos de réis e o monopolio por 60 annos é que são os pontos capitães da questão.

Não me surprehenderá, pois, ver todos votar o contraio de 1905, como todos votaram o contrato de 1891, apeias com dois ou tres votos contra n'uma ou n'outra casa do Parlamento.

A minha opinião porém é sem restricções nem hesitações pelo regimen da liberdade; e o Sr. Presidente do Conselho de quem sou ha tantos annos amigo (Apoiado do Sr. José Luciano de Castro), e que creio ser o unico sobrevivente das commissões de legislação e de fazenda de 1864 que votaram a liberdade do tabaco, devia ser o primeiro a pugnar pelo regimen da liberdade.

Foi o partido historico, quando dirigido pelo Duque de Loulé, quem votou a liberdade dos tabacos, a liberdade da terra, e a excellente instituição do registo predial; e fez vingar todas essas medidas com quatro ou cinco votos de maioria na camara dos Senhores Deputados.

Recordo mui propositadamente esta epoca, porque hoje já ninguem sabe governar sem grandes e assombrosas maiorias! Hoje a falta de maiorias numerosas e compactas é motivo para adiamento ou para dissolução; e está tudo tão aperfeiçoado que os Governos agora escolhem, não só as maiorias, senão tambem as opposições!

D'antes contentavam-se os Governos com eleger as maiorias. Agora não prescindem de eleger tambem as minorias!

O primeiro regimen de tabacos em Portugal, até onde a luz da historia nos pode guiar, foi o da liberdade.

Em 1639 arrematava-se em Madrid o tabaco com respeito a Portugal, e nós, sacudindo no anno immediato o jugo estrangeiro, decretavamos em 1641 o regimen da liberdade que, aliás, pouco durou.

Em 1863 e 1864 dotava o Governo do partido historico, presidido pelo Duque de Loulé, a nação portugueza com

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a liberdade da terra abolindo os morgados e capellas, com o registo predial garantindo a estabilidade dos direitos e o credito territorial, e com a liberdade do tabaco.

D'estas medidas a unica completamente de pé e em plena execução é a da liberdade da terra.

Ninguem mais pensou nem em restaurar morgados, nem em instituir capellas.

O registo predial, que era dos mais perfeitos da Europa, já soffreu grandes rasgões, mas na base tem resistido ás tempestades que nos ultimos tempos se tem desencadeado em Portugal contra todas as liberdades, quer politicas quer civis, quer pessoaes, quer economicas.

Agora a medida da liberdade dos tabacos é que foi de todo a terra. Foi victima de vil garrote!

Na occasião opportuna hei de contar á Camara, com a largueza que a importancia do assumpto reclama, a habilidade com que os Governos do paiz prepararam uma legislação artificial para conseguir o descredito do systema da liberdade dos tabacos; descredito que aliás não conseguiram.

Tiveram de deitar abaixo o regimen da liberdade á má cara.

Mostrarei igualmente que a receita do tabaco é de tão extraordinaria importancia que em Lisboa, a não serem as casas idos velhos fidalgos, muitas d'ellas enriquecidas por meio de doações regias, as fortunas mais poderosas vêem dos antigos contratadores do tabaco.

Com o regimen da liberdade não temos despesa avultada senão a da fiscalização. Mas á despesa com a fiscalização, estamos nos já obrigados com o monopolio, para serviço do qual temos de sustentar pelo menos 4:500 homens em armas!

Com a liberdade do tabaco, irá para os cofres do Thesouro o rendimento que vae para a algibeira dos contratadores.

Temos agora na nossa mão resgatar de vez a situação financeira com a liberdade dos tabacos.

Ainda tomando por base as prestações offerecidas, pelo contrato de 4 de abril, que é incomparavelmente superior ao de 16 de julho, conseguimos pela liberdade um rendimento muito superior ao do monopolio.

É claro que todos os meus calculos são subordinados á condição de mudarmos de vida, e de enveredarmos pelo caminho de uma administração severa, austera e rigorosa.

Se não queremos entrar n'esse caminho, então tanto vale o monopolio, como a régie, como a liberdade, como qualquer systema mixto.

Se a cada 2:000 contos de réis de augmento de receita continuar a aranjar-se logo 4:000 contos de réis de augmento de despesa, é melhor não gastar tempo com assumptos economicos. Vamo-nos entretendo com discursos sensacionaes, e com elogios aos nossos brios e á nossa dignidade, para não deixarmos o nosso credito pessoal por mãos alheias, e fiquemo-nos por ahi!

A concessão do monopolio por sessenta annos quaudo nós estamos, diz se, n'uma situação desafogada, é cousa que se não comprehende sem largas explicações, que ainda não vieram, nem virão decerto!

Sr. Presidente, V. Exa. que fez o contrato de 1891 sabe que mesmo nas condições afflictivas em que então nos encontravamos nem o monopolio por trinta' e cinco annos teria passado, se não ficasse aberto o direito da rescisão aos dezaseis annos.

Quem terá, pois, a coragem agora, que as nossas circumstancias não são precarias, que já não temos que incommodar-nos com o deficit, de votar o monopolio por sessenta annos?

Se nem dez annos foram precisos para completo desengano de que o contrato de 1891 enchia de dinheiro as algibeiras dos contratadores, como vamos agora conceder um monopolio por sessenta annos?

Quanto renderá o tabaco d'aqui a dez, vinte ou trinta annos quanto mais d'aqui a sessenta annos?

O tabaco, embora seja um vicio, é hoje um genero de primeira necessidade, como o bacalhau, o assucar e o petroleo, e é sobretudo um vicio, aqui, como em todo o mundo sub-lunar; e, sendo um vicio, ha de, como todos os vicios, em vez de diminuir, augmentar.

Para esse augmento havemos de contar, e muito, com o augmento da população. Ora nós não podemos calcular o que será em vicios, e em desenvolvimento, Portugal, este cães da Europa, nem d'aqui a vinte annos!

Pois é n'estas circumstancias que vamos dar o monopolio do tabaco por sessenta annos a uma companhia sem haver ao menos a attenuante de medida tão excepcionalmente monstruosa ser absolutamente indispensavel para salvar a patria ou a liberdade!

Sr. Presidente: condições durissimas teve V. Exa. de acceitar quando Ministro porque só encontrava aberta a praça de Paris, e essa mesma de má vontade por causa dos portadores dos titulos de D. Miguel.

Mas agora, pelo que se vê dos documentos officiaes, surgem de toda a parte mutuantes a offerecer o seu dinheiro.

Não ha pois meio de explicar a insistencia na concessão por sessenta annos!

É-me absolutamente indifferente que o contrato dos tabacos fosse ou não, feito pelo Sr. Presidente do Conselho, fosse ou não presente em Conselho de Ministros, e fosse ou não redigido pelo Sr. Ministro da Fazenda.

O que não posso acceitar é o emprestimo de 63:000 contos de réis, e o monopolio por sessenta annos.

Bem sei que clamo no deserto. Mas a moral e o direito a ninguem impõem a obrigação de fazer vingar as suas ideias. O dever de cada um é seguir e exprimir os dictames da sua consciencia.

Dito isto, que é o bastante para expor as minhas opiniões na questão do tabaco, passo a responder ás considerações que acabo de ouvir ao Sr. Ministro da Justiça.

S. Exa. sabe a consideração que eu tenho pelos seus principios liberaes, e que não esqueço a campanha acêrca dos padres formados em Roma, em que só encontrei S. Exa.

Mas nas questões de liberdade de imprensa, a nossa divergencia ê irreductivel.

Começa porque eu não conheço liberdade de imprensa em Portugal. Em Portugal pode haver praticas de imprensa, mas liberdade de imprensa não ha. Em materia de imprensa impera apenas o arbitrio.

Pode porventura existir liberdade de imprensa sem jury para as questões politicas? Decerto não.

A situação da imprensa entre nós é tal, que o Governo, sem se incommodar, dá n'um mez cabo de todos os jornaes de Lisboa, á excepção de dois que teem um rendimento colossal, ainda que nenhum jornal dê motivo para procedimento criminal, e todos sejam afinal relevados de responsabilidade.

Pela lei de 17 de maio de 1866, promulgada, sendo Presidente do Conselho um conservador acerrimo, Joaquim Antonio de Aguiar, e Ministro Fontes, tambem encarnação do poder real, nem as offensas na imprensa aos chefes das nações estrangeiras, ou aos seus embaixadores e representantes, eram processadas a requerimento do Ministerio Publico, senão a requisição d'elles, e gozando Portugal de reciprocidade de direitos no respectivo paiz.

Hoje, basta a aggressão a um policia, para ser processado o jornal a requerimento do Ministerio Publico!

Para deitar a terra um jornal não é preciso que seja condemnado em prisão, nem mesmo em multa. Basta que tenha de pagar os sellos e as custas para ficar arruinado.

Assim, com uma imprensa pobre, como é a nossa, e com o Ministerio Publico isento de custas e de sellos, em muito poucas semanas o Governo alcança a suspensão ou a suppressão de todos os jornaes!

Nas Côrtes de 1820, n'aquellas me-

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moraveis Côrtes que fizeram uma constituição mais liberal ainda que a constituição republicana dos Estados Unidos da America, houve um Deputado que sustentou que a melhor lei de liberdade de imprensa era nenhuma lei de liberdade de imprensa.

Hoje, em Portugal, nenhum Par ou Deputado poderia fazer semelhante afirmação, sem ficar logo considerado republicano vermelho.

Pois sendo corrente e proclamado nas proprias Côrtes, que o paiz não elege, que quem elege é o Governo, não será selvagem negar ao paiz até o direito de desabafar pela imprensa?

A primeira cousa de que o povo portuguez precisa nas circumstancias em que nos encontramos, é que o deixem falar á vontade.

Nem a chamada lei das rolhas, nascida de um projecto verdadeiramente liberticida, que levantou contra Costa Cabral o paiz inteiro, pôde supprimir o jury nas questões de imprensa!

Que vontade não teriam de morrer outra vez Herculano ou o Garrett se uma subversão das leis naturaes os trouxesse de novo ao mundo, e vissem os seus artigos de imprensa sujeitos ao criterio de um policia?

Estamos mil vezes peor que no antigo regimen, no tempo em que o absolutismo era instituição official em Portugal, porque a censura então era exercida por uma corporação de que faziam parte homens os mais distinctos da capital!

Os trabalhos litterarios não estavam á mercê do policia mais ignaro.

Ainda havia uma corporação que por privilegio especial era isenta de fiscalização official, que era a Academia Real das Sciencias!

Os livros de Paschoal José de Mello, o primeiro jurisconsulto do seu tempo, senão o primeiro de todos os tempos em Portugal (Apoiados), se não fora o privilegio que tinham os socios da Academia Real das Sciencias de imprimir sem censura provia, não teriam visto a luz da publicidade, por causa das suas opiniões acêrca dos direitos do imperante civil circa sacra.

Se ha momentos em que o paiz com a publicidade corre perigo, suspendem-sem as garantias por decreto.

Agora suspender todos os dias as garantias como meio ordinario de administração, ter os jornaes á mercê do mais reles beleguim, poderá admittir-se na Turquia.

Mas, em Portugal, é pelo menos vergonhoso.

Pois ha receio de que os jornaes em Portugal, em plena paz, ponham em perigo a segurança publica, ou a segurança seja de quem for?

Entende o Sr. Ministro da Justiça que em vez de punir os crimes de imprensa, é melhor começar por prevenil-os!

Mas então tambem a policia ha de andar todos os dias a apalpar as algibeiras dos lisboetas para ver se levam alguma arma com que possam attentar contra a vida do seu semelhante; e assim tornaremos a justiça exclusivamente preventiva!

Ora, a justiça é essencialmente repressiva. Os poderes publicos abatem-se, quando entram n'um caminho que é contra a lei e contra a razão.

A portaria de 4 de dezembro de 1904, salvo o meu respeito pelo seu auctor, de nada serve, porque é contra lei expressa. Interpretar as leis é attribuição exclusiva das Côrtes; e a referencia da mesma portaria á celebre lei de 13 de fevereiro era bem dispensada.

Nas affrontas ás liberdades sempre especializamos a liberdade de imprensa porque é essa a que se ouve melhor, e á liberdade de imprensa que principalmente se atiram os Governos, porque é essa a que se queixa mais alto.

A imprensa é o clarim de guerra, é a sentinella vigilante de todas as outras liberdades. Por isso todos os dias lamentamos as offensas ou os ataques á imprensa, e nos esquecemos de velar pelas outras liberdades politicas e civis.

Pois não temos hoje uma só liberdade, quer constitucional quer individual, que não esteja á mercê do poder executivo!

O proprio direito de propriedade está sacrificado aos caprichos dos Governos.

Sabe a Camara de quem são hoje as propriedades desde Sacavem até Cascaes?!

São do Ministerio da Guerra; e em parte do Ministerio da Marinha, do Ministerio das Obras Publicas e até do Ministerio da Fazenda.

Hoje por uma portaria, ou por um simples despacho, qualquer Ministro constitue uma servidão na propriedade alheia. E qual é a causa de tudo isto ? E que nós temos Governos de oppressão, e não Governos de opinião; e o peor é que já nos familiarizámos com esse estado.

No relatorio que precede os tres memoraveis decretos de 16 de maio de 1832, que reorganizaram a administração, a fazenda, e a justiça, Mousinho da Silveira, o primeiro rovolucionario portuguez em materia economica, dizia ao Imperador: e Senhor. O systema de opprimir para governar não acabou com Filippe II, e tem governado constantemente o reino".

Effectivamente os publicistas não conhecem senão dois meios de governar. Ou a oppressão, ou a opinião. E indiscutivel que entre nós não governa a a opinião: logo governa a oppressão!

Com cerca de oitenta annos de vida constitucional, é triste. Mas é o que é.

Não se governa hoje de espada desembainhada e de baioneta calada, porque não é preciso. Mas as liberdades não estão menos opprimidas pela falta d'esses meios violentos.

Não damos hoje um passo para qualquer acto da vida civil sem a intervenção da auctoridade publica.

Começa pela base do systema representativo. Em regra, ninguem é sequer recenseado sem attestado do regedor e do parocho ou de outro elemento official.

Para as mais pequenas cousas, é preciso attestado do administrador do concelho e da Camara Municipal.

E quem for eleiçoeiro poderá dizer as dificuldades com que lucta para obter esses attestados o eleitor, que não é da politica de quem está de cima.

Emfim já chegámos á perfeição de serem os Ministros que despacham os officiaes de diligencias, que foram sempre nomeados pelo Presidente da Relação sobre proposta, do juiz de direito da comarca!

Os unicos funccionarios que os Ministros ainda não nomeiam, são os andadores das almas! (Risos).

Por ora, estas nomeações são feitas pelas irmandades.

Para isto teem concorrido não só os Governos, mas todos os cidadãos portuguezes da escola do - não me importa -.

E a conclusão de estarmos vivendo ha largos annos com a maxima de que cada um cuida de, si e ninguem de todos!

Vou terminar.

Pedi a palavra unicamente para dizer a minha opinião a respeito da questão dos tabacos, que é pelo regimen da liberdade.

Mas pelo correr da discussão vi-me obrigado, bem contra minha vontade, a entrar n'outra ordem de considerações, do que peço desculpa á Camara. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Veiga Beirão é a favor ou contra?

O Sr. Veiga Beirão (depois de uma pequena pausa): - A favor.

O Sr. Presidente:- Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Francisco Beirão: - Se não fosse o grande respeito que tenho pelo Sr. Presidente e a consideração que me merece a Camara, começaria por accentuar o serio embaraço em que me encontrei para responder se me inscrevia a favor ou contra, porque ainda,

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digo-o francamente, não logrei comprehender o que este era discussão! (Apoiados).

Como se estabeleceu, porém, o principio de que a um orador que falasse contra, se devia seguir outro que falasse a favor, e havendo-se o Digno Par o Sr. Dias Ferreira inscripto contra, eu, embora receasse o confronto, como tenho toda a satisfação em me seguir áquelle illustre collega, inscrevi-me a favor.

E, cumpre-me, antes de proseguir, dizer ao Sr. José Dias Ferreira que a sua palavra não é a voz do que clama no deserto, e a prova teve-a o illustre orador na attenção e no interesse com que foi escutado pela Camara.

Se a sua palavra não foi damantis in deserto, é possivel que haja faio clamantis in tempore, tão largo periodo ha que o illustre orador vem insistindo nas suas exortações!

Tenho de fazer algumas considerações com respeito ao que disse o Digno Par; mas antes d'isso, e apesar de não ter pedido a palavra para explicações, peco ao Sr. Presidente que me permitta dar uma explicação pessoal.

No dia em que se iniciou esta discussão, um Digno Par propoz que se levantasse a sessão, a fim de que o Sr. Presidente do Conselho, distinctissimo parlamentar, pudesse ter o tempo necessario, como que, para estudar o ponto, e preparar-se para se poder defrontar a peito aberto, com o Digno Par.

Eu nunca podia imaginar que o Digno Par quizesse distribuir ao Sr. Presidente o papel que o pedagogo distribue ao seu discipulo.

Imaginei que aquella proposta representava apenas um expediente parlamentar a fim de que a sessão se levantasse sob a impressão do que havia occorrido pouca antes e que o Digno Par classificou de scenas dolorosas. E tanto mais me pareceu, não ter estado em erro, quanto não o tendo podido conseguir, o Digno Par tomou a palavra, e encheu toda a sessão para que ao menos a Camara ficasse sob a impressão do discurso de S. Exa.

E bem razão tinha eu quando me in surgia contra semelhante proposta, pois que a pouco trecho o mesmo Digno Par impunha-me a responsabilidade do que ia succeder, e de que talvez tivesse de me arrepender!

Não me pesa aquella responsabilidade, nem me punge este arrependimento. (Apoiados).

Com effeito, afinal, o que veio a acontecer?

O Digno Par subiu ao seu Olympo parlamentar, fusilou os relampagos da sua mais inflammada eloquencia sobre a cabeça do Sr. Presidente do Conselho, qual Tore omnipotente vibrou contra os Srs. Ministro do Reino e Ministro da Fazenda o seu raio ardente, percorreu, como é uso dizer-se, todas as provincias da publica administração, e afinal, acabou intimando o Ministerio a, que abandonasse o poder, por isso que já não tinha auctoridade para continuar no Governo!

É verdade, Sr. Presidente, que ao attentar n'esta desgraça imminente sobre o paiz, o Digno Par nos deixava entrever a consoladora esperança de que, embora ainda não tenha a ambição de entrar novamente no poder, se sacrificaria a succeder ao Sr. José Luciano de Castro, como se neste paiz não houvesse, outro successor do Sr. José Luciano de Castro senão o Sr. Hintze Ribeiro!

O Sr. Hintze Ribeiro: - Peço a palavra.

O Orador: - Foi tal a impressão d'esta intimativa, que ao ver o Ministerio reapparecer na Camara, o Digno Par Sr. Arroyo admirava-se, o Digno Par Sr. Baracho indignava-se, e o Digno Par Sr. Jacinto Candido censurava.

Ora, eu, com a mesma auctoridade, com o mesmo direito de que usou o Digno Par, digo ao Governo: Fique, porque deve ficar! (Muitos apoiados).

Esse é o seu dever. (Apoiados).

O Ministerio não pode sahir d'aquellas cadeiras sem cumprir a sua missão. (Apoiados).

Pois que, o Sr. José Luciano de Castro levanta-se de um verdadeiro equúleo, onde uma doença dolorosa o excruciou durante largos mezes e não para ir convalescer na doce paz do seu lar e no remanso tranquillo da familia, mas para se lançar de novo n'esta leoneira da vida publica, onde nada tem á esperar e de onde nada mais pode ambicionar; o Sr. José Luciano de Castro sujeita-se a uma das campanhas mais injustas, e sobretudo, das mais ferozes que se tem levantado n'este paiz, fertil n'esses productos, põe o peito aos tiros incessantes que contra elle se disparam, e ha de abandonar o Governo á primeira intimativa da impaciencia da opposição, ou da ambição do poder? (Apoiados). Não!

Tem que ficar, ha de ficar emquanto não houver cumprido a sua missão. (Apoiados). Tem de ficar emquanto os elementos constitucionaes estiverem por seu lado. Deve-o a si, ao paiz, ás instituições.

Deve ficar, ainda pelo seu partido. O Sr. José Luciano de Castro, como chefe, tem-se visto ultimamente cercado por um partido que comprehendeu nobremente que n'esta occasião o seu dever era cerrar ainda mais as suas fileiras para prehencher as baixas lamentaveis que soffreu. (Apoiados).

Mas quem sou eu, para vir falar no partido progressista? D'esse partido que é uma autocracia ou uma oligarchia, d'este partido que já não segue o caminho por onde o norteavam os antigos chefes, que se chamaram Duque de Loulé, Bispo de Viseu, Anselmo Brancamp, d'esse partido que se acha por tal forma germanado com um outro, que constitue com elle um dos braços do que é uso chamar-se o rotativismo!

Ora, antes de mais, seria bom que fixassemos em primeiro logar se o partido progressista é uma oligarchia ou uma autocracia; porque se é uma cousa não pode ser outra.

Eu, que tenho ouvido esta dupla accusação, peço aos criticos que comecem por pôr-se de accordo sobre este ponto capital das suas censuras.

Tome-se porém a peor das censuras: a de ser actualmente o partido progressista uma autocracia.

Perante semelhante accusação e estando ali o réu, venho eu, não como advogado tomar a sua defesa, mas sim depor como testemunha.

Muitos annos ha que muito activamente na politica, e sempre n'esse partido.

Ora, n'essa qualidade, tenho tido ensejo de assistir a muitas e delicadas crises politicas e por occasião d'ellas tenho assistido a muitas sessões da chamada commissão executiva, a frequentes reuniões dos elementos parlamentares do partido, e até a assembleias geraes. N'essas occasiões tenho visto muitas e largas discussões sobre a marcha politica, e sempre o que se seguiu, foi o resolvido pela maioria. (Apoiados).

Alem d'isso, se ha homem que tenha passado a sua vida a discutir com o Sr. José Luciano, sou eu. Tenho discutido muito com S. Exa., quer quando na opposição, quer quando no Governo; a disciplina não exclue a discussão, mas o que succede é que uma vez adoptada pelo partido certa direcção, essa é a que deve ser seguida.

Pela minha parte nunca dei pela tal autocracia do Sr. José Luciano de Castro, devo dizel-o.

N'esse partido, ha de haver necessariamente unanimidade em certos pontos, e esses são os que representam a sua doutrina, o seu symbolo, o "credo". (Apoiados). Nos outros, porém, não ha, nem pode haver, em partido algum, essa unanimidade, e como o unico criterio que n'este mundo sub-lunar se inventou para resolver as questões onde as opiniões de homens reunidos divergem é o das maiorias, acontece que a opinião de um paiz é a da maioria dos seus habitantes, a das camaras, a da maioria dos seus membros, e por isso

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a opinião de um partido, em pontos que não contendem com o seu dogma, é o da maioria d'esse partido.

O Sr. José Luciano de Castro é acccusado de não ter seguido as tradições do Duque de Loulé, do Bispo de Viseu, e de Anselmo Brancamp, e não se invocam mais nomes porque não ha mais mortos a invocar, visto como n'este para, só depois que se morre se passa a ter auctoridade.

Sim: o Duque de Loulé foi o fidalgo mais popular da sua vida, e do seu tempo, o seu desprendimento era o de um d'aquelles nossos antigos fidalgos cuja insouciance pelos interesses ficou proverbial, mas isso não evitou que se não levantasse contra elle a celebre questão do Trapiche, e que no seu ultimo Ministerio não se visse dia a dia atacado e combatido, e que nascida de conciliabulos não rebentasse uma revolta que o despojou do poder, que elle ainda assim não abandonou!

Sim: o Bispo de Viseu foi talvez como ninguem popular, a sua imagem vive hoje aureolada n'uma mystica lenda, feita de veneração e saudade, mas nas camadas superiores affirmava-se gravemente a sua incompetencia governativa, o partido reformista era tido como excellencia quasi ridicula na politica portugueza, e, apesar de tudo, o Bispo de Viseu não evitou que, para o derrubarem, o accusassem de nada menos do que fautor da união iberica!

Sim: Anselmo Braamcamp era a nobreza, a abnegação, a lealdade em pessoa, é verdade; pois apesar de todas essas qualidades, para o fazerem cahir, da ultima vez que esteve no Governo, congregavam-se comicios republicanos e regeneradores, e viu-se accusado de não estar á altura da gravidade das circunstancias.

Assim foi, mas o que nunca nenhum d'estes homens fez, foi abandonar o poder a uma simples intimativa da opposição! Isso nunca.

Fique pois o Sr. José Luciano de Castro, pois que a invocação dos seus antecessores ainda o deixa em bom terreno.

O Sr. Presidente do Conselho deve ter grande sede de justiça!

Era preciso que d'esta tribuna alguem dissesse o que eu estou dizendo. E digo-o, sem receio de que me accusem de suspeito, pois apesar da amizade que me liga ao Sr. José Luciano, o que digo é a expressão da justiça e da verdade!

Tenha ao menos o illustre Presidente uma consolação. Lembre-se do que succedeu a outro homem politico. No dia em que Aristide foi exilado, um camponio grosseiro que nem escrever sabia, quando se escreviam os nomes nas conchas fataes, deu a sua a Aristides, que tomava por um homem do povo e pediu-lhe para escrever n'ella o nome de Aristides. Este, surprehendido, pergunta aquelle homem se Aristides lhe fizera algum mal: "Nenhum, respondeu o camponio, eu nem sequer o conheço, mas estou, farto de ouvir falar d'elle por toda a parte como de homem justo".

Com o Sr. José Luciano dá-se caso identico, porque embora, para não ferir a sua modestia, não lhe queira chamar o justo por excellencia, é possivel que muitos dos seus accusadores estejam nas mesmas condições d'aquelle juiz.

E n'este ponto seja-me permittido invocar a memoria de um outro progressista, cujo nome esqueceu, pois ainda não o citaram: Passos Manoel. Este varão que passa por ter sido a suprema encarnação da honestidade politica, proferia na Camara as seguintes palavras que eu encontrei e de que tomei nota, para ler á Camara, em occasião propria:

"Emquanto o Ministerio noite e dia trabalhava pelo bem publico, muitos tratavam de desvirtuar as nossas puras intenções. Emquanto o Ministerio occupava o seu tempo em occorrer ás grandes necessidades do paiz, os nossos inimigos não desanimavam na tarefa de intrigar o povo contra nós. Tal era a nossa situação; mas este é o apanagio dos representantes da Nação: é a coroa de espinhos que circunda a cabeça dos homens que teem de se consagrar á causa publica".

Isto dizia Passos Manoel, o grande patriota, e pode repetil-o hoje o Sr. José Luciano de Castro.

Mas porque é que ha de sahir o Sr. Presidente do Conselho?

Porque é que o Governo tem de cahir?

Que razões se tem dado para isso?

Tem de sahir porque aconselhou á Coroa o adiamento das Côrtes!

Tem de sahir porque a Corôa não pode assignar o contrato dos tabacos!

Taes são as duas accusações capitães contra o Governo.

O Governo pediu o obteve o adiamento das Côrtes, é certo.

No que vou dizer está a prova de como no partido progressista se discute, e se pode em certos pontos divergir da opinião do chefe.

É possivel que eu, no logar do Sr. Presidente do Conselho, não tivesse pedido á Coroa o adiamento das Côrtes, e tivesse querido liquidar immediatamente na Camara dos Senhores Deputados a questão que se tinha levantado na commissão de fazenda.

Mas, apesar d'isso, se o Governo tivesse a esperança de que, com o adiamento, obteria a acalmação das paixões, eu, ouvido sobre o assumpto, não teria duvida em aconselhar tal adiamento, sem receio de que viessem exigir a acta do conselho em que houvesse opinado assim, como se isso houvera sido conselho opposto ás leis e aos interesses do Estado manifestamente doloso.

O adiamento foi um grande crime?

Seja!

Mas que diriam os censores do chefe do Governo se este, em ,logar de pedir á Coroa o adiamento das Côrtes, lhe pedisse a dissolução para dirimir dissensões partidarias, e depois fizesse em dictadura uma lei eleitoral para expulsar do Parlamento os que haviam sido expulsos do partido? (Apoiados).

A Corôa não deve assignar o contrato dos tabacos!?

Mas a que tempo chegamos nós em que se diz que a Corôa assigna contratos?

Estranha doutrina! The King does not do wrong! O Rei não assigna contratos; o Rei sancciona leis approvadas em Côrtes sob a responsabilidade dos Ministros.

Este é o principio verdadeiro, unico e possivel n'um regimen constitucional.

Mas, francamente, qual o intuito de tão larga controversia?

A causa é simples. Na commissão de fazenda da Camara dos Srs. Deputados surgiu um desaccordo, em virtude da maioria d'essa commissão divergir fundamentalmente da politica do Governo. E diz accentuadamente divergir da politica do Governo, porque a politica não comprehende unicamente o fazer eleições, nomear governadores civis e despachar administradores de concelho. A politica norteia-se por principios mais elevados.

A politica é mais alta, comprehende alem de mais, as normas de administração do Governo, as relações internacionaes e os problemas financeiros. E assim é que um Governo tem a sua politica administrativa, a sua politica internacional, e a sua politica financeira.

O Governo entendeu que a boa politica financeira n'este momento para o paiz consistia n'um determinado projecto apresentado á commissão de fazenda da Camara Electiva.

Esta commissão não concordou com esse projecto politico do Governo, e votou contra, por maioria de votos. O Sr. Presidente do Conselho communicou este facto ao Conselho de Ministros. Um dos membros do Governo concordou com a opinião da maioria da commissão de fazenda, e teve por isso de sahir do Gabinete a que pertencia.

Que ha pois a discutir em acto tão simples e corrente?

Houve o proposito de levantar uma questão?

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Mas essa questão, ou é uma questão partidaria, ou uma questão politica.

As questões partidarias não se liquidam em Côrtes.

As Camaras legislativas não foram instituidas para dirimir questões particulares entre correligionarios.

E, a proposito de partidos, abrindo um parenthesis, quero referir-me á accusação que um Digno Par fez ao partido progressista, de que tendo subido ao poder e havendo encontrado leis attentatorias da liberdade, tinha mantido todas essas leis, sem as alterar. Hoje o Sr. Dias Ferreira ainda se referiu a esse ponto dizendo que tem havido retrocesso nos principios liberaes do paiz.

Relativamente a esta accusação, quero muito serenamente recordar factos, e apresentar documentos com os quaes respondo. Não me referirei a todas as liberdades ou direitos individuaes, reportar-me-hei só a dois pontos a que o Digno Par se referiu: - imprensa e habeas-corpus.

Quando em 1897 o partido progressista subiu ao poder, encontrou uma lei de reforma da policia, votada pelas Côrtes, a qual portanto, não era possivel ao Governo reformar ou modificar. Isso pertencia ás Côrtes; sem embargo, porem, dias depois de constituido o Ministerio, publicava-se o decreto de 11 de fevereiro de 1897, em que o Governo, na esphera das suas attribuições, determinava que as disposições do n.° 3.° do artigo 25.° da lei de 3 de abril de 1896 não eram applicaveis aos crimes de abuso de liberdade de imprensa. E quaes eram essas disposições? Nada menos do que estas: "Compete á repartição de policia de investigação: Proceder a todas as investigações e diligencias necessarias para o descobrimento e verificação de todos os crimes, delictos e contravenções de que, por qualquer forma tiver conhecimento, interrogando os culpados, inquirindo testemunhas, procedendo a exames, fazendo apprehensões nos termos da lei e praticando todos os mais actos e diligencias necessarios para a instrucção dos respectivos processos". Assim, pois, com respeito aos crimes de liberdade de imprensa, o Governo considerando que esses crimes, por serem, regulados por lei especial, não podiam ser comprehendidos no n.° 2.° do artigo 25.° d'aquella lei, assim o declarou aos seus agentes. E o que o Governo fez era o indicado pelos melhores principios.

Quanto ao habeas corpus o mesmo Governo, que tinha encontrado vigente outra disposição dos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 28.° da mesma lei por virtude dos quaes o juiz instructor podia ordenar a detenção dos presumidos delinquentes, quando haja receio fundado de que elles se-evadam, ou quando convenha que estejam incommunicaveis e d'aquelle que possa esclarecer a instrucção criminal quando se não preste voluntariamente a auxiliar a policia e nos mais casos designados no numero antecedente, determinou, sempre na esphera das suas attribuições, n'aquelle mesmo decreto, que nenhuma captura pode ser ordenada ou executada n'aquelles casos, sem que previamente se levante com todas as formalidades legaes um auto do qual constem especificadamente os motivos e diligencias ou inquirições que justifiquem o excesso de taes faculdades.

E mais tarde, devidamente auctorizado pelas Côrtes, publicou, em 2 de janeiro de 1898, uma nova organização dos serviços policiaes, que não receia, sob o aspecto liberal, qualquer comparação com a que existia ao tempo em que subiu ao poder.

Mais. O Gabinete progressista encontrou em vigor tambem a celebre lei de 13 de fevereiro de 1896, e o que fez? Não propoz a sua revogação quando publicou a lei reguladora da imprensa, alem de mais, porque pouco antes tinha-se dado o assassinato do Presidente do Conselho de Ministros do reino vizinho, o Sr. Canovas del Castillo. Mas apesar d'isso apresentou ás Côrtes uma proposta, que é hoje a lei de 21 de julho de 1899, dispondo que a disposição do artigo 1.° d'aquella lei era unicamente applicavel áquelles que professassem doutrinas de anarchismo, que aquelle que, sem professar taes doutrinas, commettesse algum dos factos ali previstos fosse punido nos termos ordinarios e que taes factos praticados por qualquer forma de publicação graphica fossem considerados crimes de abuso de liberdade de imprensa nos termos da respectiva legislação.

O Governo progressista encontrou em vigor o celebre decreto de 1890, que regulava a liberdade de imprensa. Que fez? Apresentou a tal respeito uma reforma completa, pediu a todos, porque o assumpto a todos interessava, que a discutissem, mas a opposição regeneradora não se prestou a isso. Do que foi aquella lei, basta dizer que hoje ella é invocada quotidianamente por todos como a salvaguarda da liberdade, havendo protestos contra qualquer procedimento que contra ella se intente.

E a tal respeito o Sr. Dias Ferreira disse, e disse muito bem: "Nem censura, nem apprehensão previa". Pois bem, n'essa lei não ha censura nem apprehensão previa; o que ha é uma providencia administrativa para evitar a continuação da pratica de um crime. É isto o que está na lei, nada mais.

E n'esta altura devo dizer que a respeito da liberdade de imprensa me tenho eu manifestado claramente em toda a parte, sendo, porém, certo, que n'uma associação, não politica, me abstive de votar, n'uma questão de imprensa, e não votei nem a favor nem contra, não para esconder a minha opinião, mas porque entendendo que o meu voto poderia influir, ao menos pela quantidade, n'uma votação, que era puramente juridica, não o quiz emittir para nem sequer poder ser averbado, de suspeito como homem politico.

Fil-o d'essa vez, como de outras, em iguaes condições o tenho feito.

Não posso por isso comprehender orno é que se imputa ao partido progressista o ter mantido os mesmos principios que o partido regenerador.

O Digno Par, Sr. Dias Ferreira, que dissertou com a sua habitual clareza e elegancia sobre diversos pontos, concentrou-se particularmente a respeito do contrato dos tabacos.

Eu não discuto o contrato dos tabacos, porque S. Exa. declarou que tambem o não discutia, e que só faria algumas considerações a tal respeito.

Para o Digno Par esta questão é importantissima, mas censura procurar-se resolvel-a, attentando só a dois pontos: constituir um monopolio por 60 annos, e arranjar um emprestimo de 63:000 contos!

Tenho a observar ao Digno Par que está equivocado, e dou-lhe a grata noticia de que nem uma nem outra cousa acontece.

Pode o contrato ser bom, disse, pode ser mau. Podia-se fazer em outras condições? Nada d'isso discuto. Mas as criticas dó Sr. Dias Ferreira não procedem. Com effeito quanto ao monopolio, não é por 60 annos, pois. que acabando o contrato actual em 1907, o que se succeder pode terminar em 1926, o que dá 19 annos, o que, para 60, dá alguma differença. Não existe, pois, o monopolio por 60 annos senão na imaginação do Digno Par.

Quanto ao emprestimo, effectivamente não sei se desde Affonso Henriques até hoje tem havido algum maior, porque, são tantos, que já lhes perdi a conta e a quantidade, mas o que digo é que não ha aqui novo emprestimo por 63:000 contos de réis, não só porque essa importancia é um maximo facultativo, mas tambem d'essa quantia ficam logo 38:000 contos de réis para a conversão das obrigações actuaes e outra importancia é destinada ao pagamento da divida fluctuante.

E certo é estar pendente das Côrtes o contrato dos tabacos. Não o quero discutir, repito, nem n'este momento não direi se é bom, se é mau; mas entendo, no meu direito de membro d'esta casa, poder dar a minha opinião a respeito do que aqui se tem dito acêrca da opinião do paiz sobre elle.

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Diz-se por um lado que a opinião publica está furiosamente excitada contra este contrato, e de outro lado diz-se que semelhantes furias se não vêem.

Para mim a verdade é esta.

A opinião sensata, o que quer, é ver esta questão liquidada quanto antes. (Apoiados).

Isto é que a opinião deseja.

Deseja que se liquide bem? Decerto.

Deseja que o contrato seja bom?

Excellente. Mas do que n'este momento trata a opinião publica é de ver liquidada esta questão e não se perder tempo em discussões absolutamente estereis.

Isto é o que a opinião publica quer. (Apoiados).

Mas se não podemos aqui discutir a questão partidaria, poderemos discutir uma questão exclusivamente politica?

Sou o ultimo dos membros d'esta Camara, mas tenho já idade e experiencia, conheço a historia do meu paiz, sei um pouco de direito publico, para dizer que nem os principios, nem as boas tradições auctorizam que a Camara dos Pares possa levantar e dirimir questões exclusivamente politicas. (Apoiados).

Não sou eu só quem o diz; escreveu-o ainda não ha muito um dos mais notaveis membros d'esta casa, o Sr. Conde do Casal Ribeiro, e muito bem: "Um moderno publicista inglez caracteriza por esta forma a acção da camara dos lords: como assembleia legislativa a camara dos lords tem grandes faculdades para apreciar a força e direcção da opinião publica. Quasi todas as medidas teem sido já largamente discutidas quando os lords são chamados a aprecial-as. Elles podem portanto apreciar as vantagens e inconvenientes d'ellas bem como o grau de popularidade que merecem. Podem tambem por via de suas orações parlamentares exercer grande influencia na opinião do povo. Funccionando como especie de tribunal de revisão encarregado de apreciar providencias emanadas da outra casa do Parlamento escolhem no arsenal da controversia e discussão publica os melhores argumentos e mais efficazes recursos ao juizo esclarecido da nação. Assim se comprehende no paiz modelo do systema representativo a funcção da Camara Alta. Na palavra mais do que no suffragio reside a sua força. Na observação do espirito publico deve inspirar-se, não nas exclusivas conveniencias partidarias. Estas foram em regra as normas observadas pela nossa Camara Alta. Exerceu com largueza o seu direito de critica, comprehendendo a influencia que lhe é facultada e util segundo os melhores exemplos. Amplas, discussões não conluios de votos e manobras nas
commissões foram as armas usadas nos combates parlamentares".

Não somos um tribunal de primeira instancia, repete ainda, pois então seriamos duplicação da Camara Electiva, mas sim um tribunal de revisão, em que devemos invalidar ou confirmar as decisões da outra Camara, conforme forem ou não consentaneas com os interesses do paiz.

Não quero de modo algum dar lições á Camara, mas posso invocar auctoridades, sobretudo quando são de homens como o Conde de Casal Ribeiro.

Como tem de acabar esta discussão, pergunto e para isso chamo a attenção da Camara.

A causa original de toda esta larga discussão foi a dissidencia n'uma commissão da Camara dos Senhores Deputados. Mas sobre ella já se pronunciou a mesma Camara Electiva e por uma votação que o Digno Par Sr. Dias Ferreira achou notavel, porque lembrou ao Sr. Presidente do Conselho terem sido acostumadas em tempo a maiorias de quatro a cinco votos.

O que pretende n'esta occasião fazer a Camara dos Pares?

Confirmar o voto da Camara Electiva é inutil, pois não se trata de um projecto de lei que careça da sua approvação. Quererá então levantar conflicto entre essa Camara e esta?

Eu peço aos meus collegas que reflictam no que pode succeder, e serei a Cassandra que vem vaticinar as difficuldades de tal acontecimento.

A proposito lembro um facto historico do paiz em que mais e melhor se comprehende a pratica do systema representativo: - a Inglaterra.

Levantou-se uma vez 'n'esse paiz uma gravissima questão: a do chamado bill de reassumpção. Divergiam tanto a tal respeito as opiniões que chegaram a formar-se dois verdadeiros partidos - o da côrte e o da nação.

A Camara dos Communs approvou o bill. Era, porem, de recear que a Camara dos Lords, o não aprovasse sem consideraveis alterações. Que fez aquella? Juntou-a a um outro bill que autorizava a Corôa a cobrar um imposto predial de dois schillings por libra, para prover a serviços do anno futuro d'aquelles que tem de ser dotados annualmente, porque em Inglaterra, paiz inteiramente pratico, não se passa o tempo à discutir todos os annos despesas imprescindiveis como a lista civil, o pagamento dos juros aos credores, mas só aquellas despesas, por assim dizer variaveis, em cuja auctorização consiste o chamada poder da bolsa. Ora é de tradição constitucional que os bills sobre impostos possam sempre ser approvados ou rejeidos pela Camara dos Lords, mas nunca modificados, alterados ou additados.

Por este expediente politico da Camara dos Communs, a Camara dos Lords via-se em serio embaraço: ou havia de rejeitar o bill e deixar o Governo desarmado para prover a despesas imprescindiveis ou, contra o seu parecer, havia de approval-o inteiramente e sem o modificar.

A Camara entendeu fugir ao dilema e, quebrando a tradição, approvou o bill introduzindo n'elle importantes emendas. Á Camara dos Communs ao ter noticia do ocorrido ardeu em cólera. Cessaram todas as divergencias; aquelles mesmo que tinham votado contra a reunião dos dois bills opinavam que, feita ella, era impossivel concordar com as emendas da Camara dos Lords sem quebra de um dos mais preciosos privilegios dos Commons. As emendas foram rejeitadas por todos sem uma unica excepção.

Seguiram-se muitas tentativas de conciliação entre as duas Camaras, mas sem resultado.

Afinal chegou o dia em que a Camara Alta se tinha de pronunciar definitivamente. A primeira moção a votar era a de que a Camara approvava as emendas. A votação dividiu-se por igual.

Ora na Camara dos Lords não ha voto de desempate, e quando a votação se iguala, considera-se approvada a negativa. Assim ficou approvado que a Camara não adheria ás emendas. Isto, porem, não bastava. Era mister que fosse approvada uma moção affirmativa em como a Camara approvava o bill sem as emendas. Então, n'esse momento de verdadeira anciedade, o Arcebispo Primaz, que tinha sido um dos mais strenuos defensores das emendas, sentiu faltar-lhe o animo. Ponderou a tremenda responsabilidade do conflicto imminente. Levantou-se, fez um signal aos seus irmãos em Christo, e os Pares espirituaes sahiram da sala. Em consequencia d'essa patriotica defecção o bill foi approvado por uma maioria de cinco votos. No entretanto a Camara dos Communs, reunida, esperava impaciente mente as noticias. Os corredores foram evacuados, as portas fechadas, as chaves lançadas sobre a mesa, o sergeant at arms tomou o seu posto á entrada para não permittir que membro algum o aquella Camara pudesse sahir. Seguiu-se, diz o historiador, seguiu-se um intervallo tremendo, durante o qual as paixões colericas da assembleia politica foram subjugadas pelo terror.

Mas então assim como o Primaz, tinha sahido da Camara Alta para não votar contra o bill puro e simples, então tambem o celebre Howe, um dos mais violentos propugnadores do bill de re-assumpção, proferiu as seguintes palavras: "Não é occasião esta de disputarmos. Os partidarios da côrte e os partidarios da nação são uns e ou-

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tros inglezes, o dever de uns e outros é esquecer todos os aggravos passados, e cooperar de coração no intuito de salvar a nação".

Não é uma lição que venho dar á camara dos Pares, pois não tenho auctoridade para isso, mas é um exemplo que tomo a liberdade de lhe recordar.

Está pendente nas Côrtes um projecto de lei de grande alcance financeiro, o que diz respeito ao arrendamento dos tabacos. Uns imaginam que é melhor celebrar um contrato, outros entendem que é preferivel a liberdade. Uns opinam pela régie, outros pela adjudicação. O contrato projectado é óptimo, na opinião d'estes, é detestavel na de outros. O que ninguem contesta é a sua extraordinaria importancia. Mas não é só isso. O Governo apresentou á camara dos Senhores Deputados diversos outros projectos acêrca de varios pontos de administração publica. Pendem ainda as chamadas propostas constitucionaes. Ora quando se levantam deante de nós tão interessantes problemas, bem melhor seria que nos occupassemos d'elles (Apoiados), do que continuarmos em discussões, brilhantes por certo, que podem entreter muito as galerias, mas não interessam nem commovem a opinião.

Voltemos pois as nossas attenções para esses assumptos, que assim teremos concorrido para o bem do paiz e para levantar o prestigio das instituições.

Repito a palavra do celebre comoner, inglez: - o dever de uns e outros é esquecer aggravos e cooperar de coração no intuito de salvar a nação.

Faço uma supplica, visto não poder dar um conselho : qual é occupar-se a Camara de assumptos que interessem ao paiz e não prolongar-se uma discussão que, repito, nem sequer se sabe sobre que versa!

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Hintze Ribeiro: - O appello do Digno Par só serviu para provocar quem estava calado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente, estão, ao que parece, radicalmente mudados os habitos e costumes parlamentares.

Concluiu o Digno Par, o Sr. Beirão, o seu discurso, fazendo um appello á Camara para que ella acabe, quanto antes, com esta questão, que S. Exa. reputa estar esgotada.

Quando assim se dirigia aos seus collegas, o Digno Par esquecia se, porventura, de que iniciara o seu discurso reptando a tudo e a todos, e demorando, por certo, com tão singular procedimento, na tela da discussão, a materia que hoje poderia ter o seu termo, com o debate.

Estranho, muito estranho o que tem occorrido nos ultimos dias. No final da ultima sessão, deram-se incidentes, que eu não quero especificar, por decoro d'esta casa, e em que alguns Dignos Pares da maioria, acolytados por correligionarios que aqui não teem assento, se manifestaram por forma ruidosa, e sem exemplo.

Hoje coube a vez ao Sr. Beirão em acirrar os animos, e ainda Sr. Presidente, em qualificar de campanha a mais feroz a que se tem feito ao Sr. José Luciano de Castro, depois d'elle ter assumido o poder.

O que queria, porem, o Digno Par que succedesse?

O Sr. José Luciano entrou para o poder com um programma de cultivo de liberdades, para o renegar por forma a chegarmos á censura previa, e ao regimen dos suspeitos em que nos encontramos.

Concernentemente aos tabacos, o Sr. Presidente do Conselho crivou-se setas o seu antecessor, accusando-o! de celebrar á porta fechada o contrato de 16 de julho; de não separar as duas operações, - a conversão da exploração; e, por ultimo, da falta de concurso.

Foi n'esta plataforma que o chefe do Governo se apresentou, ao paiz para lhe curar dos legitimos interesses.

E que succedeu?

Nunca ninguem renegou tão accentuadamente os seus protestos. Em todo o ponto faltou ao que planeara, para programma proprio.

Sr. Presidente: eu faço estas affirmações, não porque desejasse o cumprimento do programma á risca do Sr. José Luciano de Castro. Nada d'isso. Consoante o declarei já na penultima sessão, eu sou pela liberdade, pela liberdade de fabrico dos tabacos, e exclusivamente por ella.

Folgo com que tambem seja d'esta opinião o Sr. Dias Ferreira, com quem aliás igualmente concordo, no respeitante ás ideias que emittiu, acêrca da liberdade de imprensa, e que eu tenho sustentado aqui insistentemente.

A seu tempo me occuparei d'esta questão ; e seja-me licito agora notar que, se um unico campeão da liberdade dos tabacos devesse haver n'esta Camara, deveria ser, sem a menor duvida, o Sr. José Luciano de Castro. Pertenceu elle á commissão de fazenda da Camara Electiva em 1864, quando precisamente alvorecia o livre regimen que disfrutámos por cerca de 30 annos.

Mas S. Exa., longe de querer ligar o seu nome, n'este momento, a medida de tanta magnitude, conduz se por forma a attrahir a animadversão de todos os bons portuguezes.

Recordei já, Sr. Presidente, que o chefe do Gabinete se dirigiu no começo do anno ao nosso Ministro em Paris, pedindo-lhe informações de natureza essencialmente compromettedora.

O telegramma que n'estes sentido formulou, com preterição das attribuições do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e a resposta que a elle foi dada, possuo-o eu por copia.

Foram-me entregues ante-hontem, e n'elles não encontro facto, ou referencia alguma, que me aconselhe a sua vedação á publicidade.

Pelo contrario, julgo que presto um bom serviço ao paiz, esclarecendo-o, como vou fazel-o, com a leitura d'essas duas peças do processo que deveria arrancar, sem demora, das cadeiras do poder os homens que ali se sentam l.

Consoante se observa, o Sr. Presidente do Conselho não vacillou em dirigir-se officiosamente a um Governo estrangeiro sobre assumpto de nossa exclusiva administração interna, como é a questão dos tabacos.

Por esta forma, Sr. Presidente, é o Sr. José Luciano que tem a iniciativa para que se dê a intervenção estrangeira, que nos diminue e humilha, e que nos colloca na triste situação de tutelados.

E o que responde o nosso Ministro em Paris, no dia immediato ao da pergunta feita em 10 de janeiro?

Affirma muito categoricamente que a cotação das novas obrigações depende, alem da questão Reilhac, de outras circumstancias...

Ouve bem, Sr. Presidente do Conselho, o que diz o telegramma?

S. Exa. sabia, desde 10 de janeiro d'este anno, que a preferencia, sobre todas, para a cotação das novas obrigações, seria a solução da questão Reilhac.

Como ousou, portanto, apparentar de ignorante, affirmar até, em pleno Parlamento, que a Reilhac nada se daria, que a questão Reilhac era uma questão liquidada?

Assim o entende tambem o Sr. Ministro da Justiça, que ha pouco fez declarações expressas n' esse sentido!

Reilhac é condemnado ao ostracismo, apparentemente é claro, para se tornar a mola real da operação financeira em projecto, com a emissão das obrigações dos tabacos.

Quando o Sr. José Luciano recebeu de Paris a resposta ao seu telegramma, tinha apenas um acto acertado e digno a praticar.

Era cortar com a finança cosmopolita, cuja sede é Paris, e preparar a evolução do monopolio para a liberdade, para o que se lhe offereceram as facilidades que são conhecidas. São

1 Estes documentos vão publicados no final da sessão.

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SESSÃO N.º 10 DE 30 DE AGOSTO DE 1905 183

d'isso prova, a offerta Ambro, e a dos banqueiros americanos.

Era logar d'isso, acolheu Reilhac tal qual lh'o impunham; e, pouco depois outros devoristas financeiros manifestavam por uma nota da chancellaria franceza, de 12 de fevereiro ultimo que tambem tenho á mão, que não estavam ainda satisfeitos na sua voracidade.

N'essa nota, o Sr. Rouvier, então Ministro da Fazenda e chefe do Gabinete, fazia saber ao nosso Governo, em conselho amigavel, que achava insufficiente a consignação do rendimento dos tabacos para os obrigatarios, cuja intervenção, na futura administração exploradora, reputava necessaria.

A que chegámos, Sr. Presidente!

A uma nação estrangeira permittir-se, em negocios de administração interna, nossa, dar-nos conselhos, que só a protegidos é de uso dispensar!

Infelizmente, Sr. Presidente, a 'resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, em 25 de fevereiro, não se amolda pela altivez patriotica, que tal acto deveria despertar.

Mas quem é d'isso o principal culpado?

Sem duvida o Sr. José Luciano, que com o seu telegramma de 9 de janeiro inspirou, senão chamou, a intervenção estrangeira, a deprimente tutela do estrangeiro.

Pela nota da chancellaria franceza, e pela resposta correspondente, o paiz apreciará quanto descemos.

Para que não se possa suppor que eu exagero, estes dois documentos 1 encontrarão publicidade, simultaneamente, com os telegrammas que os antecederam.

E seja-me licito n'este momento manifestar a dor que me vae na alma ao ver impender sobre o meu paiz, que muito melhor sorte merecia, a intervenção de estranhos, que o deprime, que o exauctora.

Em taes condições, pode continuar á testa do Governo o Sr. José Luciano de Castro, que, por processos tão dolorosamente expressivos, esfarrapa a dignidade nacional?

Só me resta presenciar, Sr. Presidente, que o seu passamento politico, e o enterro adequado do Ministerio, não sejam immediatos.

Entretanto, irei eu occupar-me de outra materia: a que deu margem a que eu pedisse a palavra na sessão anterior.

Fui acoimado pelos Srs. Ministros do Reino e da Justiça de maltratar a magistratura judiciaria.

Singular accusação, na verdade. De longos annos respeito aquella, como todas as outras classes sociaes, o que não obsta a que, em legitimo exercicio dos meus direitos, verbere o procedimento incorrecto de qualquer magistrado, quando isso se torne mister. Mas a verdade é que já em 1889, se a memoria me não falha, era eu o delegado na Camara Electiva pela magistratura judiciaria, para ali apresentar a respectiva reforma.

Desempenhei esta missão depois das duas horas da noite, porque n'esse tempo ainda não era conhecida a eloquencia de contador, que hoje faz as delicias das Camaras, que não representam a soberania nacional.

Depois, e sempre, conforme o reconheceu o Sr. Ministro da Justiça, eu tenho pugnado pelos interesses d'essa classe.

Em taes circumstancias, Sr. Presidente, insurjo-me quotidianamente, contra o decreto de 19 de setembro de 1902, que criou a Bastilha da Estrella, cerceando as attribuições das justiças ordinarias.

Quem ataca, pois, os interesses legitimos da magistratura? Eu, que me conduzo pelo modo que deixo narrado, ou os dois Srs. Ministros a quem me dirijo, e que conservam intacto o famoso decreto a que alludi, e que podia ser derogado de um momento para o outro?

Com frequencia, tambem, combato o artigo 431.° do Codigo Administrativo, que garante a impunidade ás autoridades policiaes e de administração.

Os Srs. Ministros do Reino e da Justiça conservam incólume este artigo; e, mais ainda, o Sr. Ministro do Reino faz uso d'elle, a despeito de ser magistrado judicial superior.

Quem é que maltrata a magistratura, pergunto mais uma vez? São elles, os dois Conselheiros da Corôa, ou sou eu? É certo que, frequentemente tambem, ponho em relevo o mau papel que teve a alta magistratura, com a sua cumplicidade, approvatoria, nos latrocinios eleitoraes da Azambuja.

Mas, com respeito a este ponto,- ao bairro oriental de Lisboa, - houve felizmente no julgamento maioria e minoria; e a minoria, segundo o meu conceito, procedeu honrada e justiceiramente.

Com o julgamento do bairro oriental do Porto deram-se, e ainda bem, circumstancias identicas.

É porém para admirar que o Sr. Ministro do Reino embarcasse na aventura de me pedir contas, pelos meus processos de apreciação, relativamente á magistratura.

Pois não esteve S. Exa. interessado, muito primeiro do que eu, em combater o Tribunal de Verificação de Poderes?

O Correio da Noite de 1897 é d'isso testemunho; e por tal modo se conduziu, apreciando o julgamento das eleições de Chaves e de Braga, que foi querellado, julgado e condemnado, na pessoa do seu director, de Eugenio Cesar, a quem mais tarde foi feito o beneficio de indulto, na pena de cadeia em que incorrera.

E foi elle o auctor dos artigos incriminados?

Ninguem o suppoz, pelo menos.

Querem ver os Srs. Ministros da Justiça e do Reino, como o Correio da Noite, orgão do partido progressista, se referia ás deliberações do alludido Tribunal? Pois aqui teem S. Exas.:

Correio da Noite, de 30 de maio de 1897:

"O Tribunal annullou hoje a eleição de Chaves. Tinham razão os facciosos regeneradores quando annunciaram antecipadamente este resultado.

O Tribunal sanccionou a maior e mais descarada das fraudes eleitoraes e estabeleceu o precedente de que, feita uma eleição em familia, isso serve ao menos para roubar o diploma ao Deputado legitimamente eleito.

O Tribunal tinha pressa de julgar e não viu no processo eleitoral a necessidade de proceder a um inquerito judicial".

Mas ha mais. Leia-se ainda o Correio da Noite de 5 de junho de 1897:

Perante o procedimento verdadeiramente extraordinario do tribunal, no julgamento da eleição de Braga, todas as censuras são frouxas e todos os nossos protestos são pallidos.

Era preciso annullar a eleição de Braga, para dar satisfação a certas vaidades regeneradoras que foram profundamente amarrotadas com o vencimento dos progressistas n'aquelle circulo.

A maioria do tribunal poz-se ao serviço d'essas vaidades e d'esses orgulhos feridos. Não fez bem !

Da decisão do tribunal não ha recurso. Temos portanto de appellar para a opinião publica.

Assim fazemos, e sem receio de ameaças com processos. Essas ameaças fazem-nos rir, como provaremos em artigos subsequentes".

Estes factos deveriam, sem duvida, ter impressionado o Sr. Ministro do Reino, por elles serem a resultante do vigor e violencia, com que tinham sido sombatidos os desmandos judiciarios, que alvejavam burgos eleitoraes que S Exa. cultiva de perto.

Mas o Sr. Eduardo José Coelho perdera de memoria estas e outras occorrencias.

1 Estes documentos vão tambem publicados no final da sessão.

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184 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Nesta especialidade de esquecido, só lhe reconheço como rival o Sr. Presidente do Conselho.

Ao que se observa, os dois fazem desusado consumo da agua do Lethes, servida naturalmente em vasos adequados, em vasos de origem grega, nos aphrophoros, que tanto em voga hoje estão.

E o que me resta ver, Sr. Presidente, é que amanhã ou depois, n'um dia proximo, o Sr. Conselheiro Eduardo Coelho se esqueça de novo, aphrophovamente, do que acaba de passar-se n'este momento.

Do que elle tambem não se lembra, com certeza, é de largar o poder que tanto aprecia e estima.

N'este ponto, está igualmente conforme com o Sr. Presidente do Conselho, que ninguem mais arredio existe para abandonar as cadeiras da governação publica.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Advirto o Digno Par de que deu hora.

O Orador: - N'esse caso queira V. Exa. conservar-me a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão será na sexta feira proximo, continuando em ordem do dia o incidente sobre a ultima crise ministerial e o projecto de resposta ao Discurso da Corôa.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 30 de agosto de 1905

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Calcedonia; Condes: do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Villa Real, de Villar Sêcco; Viscondes: de Asseca, de Athouguia.; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, D. Antonio de Lencastre, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, Mendonça Côrtez, João Arroyo, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Fernando Vaz, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Affonso Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

FELIX ALVES PEREIRA.

(De pag. 173, a pag. 177, col. 3.ª

ALBERTO BRAMÃO.

(.De pag. 177, col. 3.ª, a pag, 184, col. l.ª)

Documentos a que se refere o discurso do Digno Par Sebastião Baracho

Ministro de Portugal, Paris.- Urgente. - Governo precisa conhecer se novas obrigações para conversão das actuaes obrigações tabaco conservando-se lhes mesma garantia dos tabacos obterão cotação do Governo Francez.

Peço a V. Exa. obtenha informações officiosamente com reserva. = Presidente do Conselho de Ministros.

9 de janeiro de 1905.

Presidente Conselho, Lisbonne. - Concessão cotação novas obrigações depende alem questão Reilhac outras circumstancias representam (?), como ser adoptada régie, ser dada concessão actual companhia ou a outra, envolver operações emprestimo ou não; sem haver conhecimento exacto do arranjo projectado Governo é impossivel obter informações, que em todo o caso será difficil alcançar com precisão, visto cotação depender de haver accordo entre Ministro da Fazenda, Ministro dos Negocios Estrangeiros, Camara Syndical, todos tres independentes. = Sousa Rosa.

10 de janeiro de 1905.

Légation de la République Française en Portugal.-Lisbonne, le 12 février 1905.- Monsieur le Ministre.- Mr. lê Ministre des Finances de France a eu connaisance des propositions que le Gouvernement de Sa Majesté a demandé à la Compagnie des Tabacs de lui faire parvenir à bref délai en ce qui concerne la conversion des obligations de 4 1/2 pour cent et une nouvelle adjudication du monopole.

11 s'agirait de ne laisser subsister comme gage gue la consignation de la redevance des tabacs sans que aucune intervention puisse être exercée par les obligataires sur la constitution et fonctionnement de la nouvelle compagnie.

Mr. le Ministre des Finances de France estime que cette combinaison diminuerait les garanties qu'avaient anterieurement les capitaux français et leur causerait un prejudice matériel.

Il déclare que si la conversion des obligations 4 1/2 pour cent et l'adjudication du monopole étaient effectuées surces bases, il serait à craindre que la Bourse de Paris refuserait l'admission des nouveaux titres à la cote.

Je crois devoir donner amicalement avis de ces faits à Votre Excellence.

Je saisis avec empressement cette occasion por vous reiterer, Monsieur le Ministre, les assurances de ma haute considerátion.

Son Excellence Monsieur Villaça, Ministre des Affaires Etrangères. = C. Rouvier.

Está conforme.- 1.ª Repartição da Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, em 12 de abril de 1905. = Pelo Chefe, J. Gonçalves Teixeira.

Ministerio dos Negocios Estrangeiros, Gabinete do Ministro).- Lisboa, 25 de fevereiro de 1906.- Illmo. e Exmo. Sr.- Recebi a nota pela qual V. Exa., em 12 do corrente mez, me communica que o Sr. Ministro das Finanças da Republica Franceza se acha informado do pedido de propostas feito pelo Governo de Sua Majestade á Companhia dos Tabacos, com respeito á conversão das obrigações de 4 1/2 por canto e á nova adjudicação do monopolio dos tabacos.

Dos termos da mesma nota resalta que S. Exa. o Ministro das Finanças da Republica entende que uma combinação pela qual se deixasse subsistir simplesmente como garantia a consignação da renda dos tabacos, sem que por parte dos obrigatarios se exerça qualquer intervenção sobre a formação e actos da nova companhias diminue a segurança anteriormente dada aos capitães francezes e lhes causaria prejuizo real.

Respondendo ao objecto principal d'esta nota, cumpre-me dizer a V. Exa. que no convite alludido o Governo limitou-se a pedir informações, estabelecidos determinados preceitos, a fim de se esclarecer e adoptar a deliberação que mais consentanea fosse com os interesses do Thesouro.

Não se occupou do modo de funccionar da nova companhia, que era assumpto a tratar ulteriormente com aquella que se viesse a constituir.

Tambem registo e agradeço o aviso amigavel acêrca dos receios pelo que respeita á cotação na Bolsa de Paris.

A conversão das obrigações de 4 1/2 por cento e a nova adjudicação do monopolio dos tabacos constituem uma operação financeira de elevada importancia para o Thesouro Portuguez e o Governo de Sua Majestade, como é seu direito e dever, respeitando a fé dos contratos

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e as clausulas das leis, empenha todos os esforços para retirar d'essa operação a maior somma possivel de vantagens para o paiz.

Inequivocos testemunhos de cordial amizade tem recebido o Governo de Sua Majestade por parte do Governo da Republica, a que liga merecido apreço e a que sempre procurará corresponder; e por isso confiadamente espera que esse Governo t se assim for necessario, usará da sua influencia para desfazer quaesquer difficuldades que possam levantar-se.

Aproveito o ensejo para reiterar a V. Exa. os protestos da minha alta consideração. = A. Eduardo Villaça.

Está conforme.- l.ª Repartição dos Negocios Commerciaes e Consulares, em 12 de abril de 1905. = J. Gonçalves Teixeira.

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