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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 15

EM 5 DE JUNHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO: — Leitura e approvação da acta. Expediente. A Camara, previamente consultada, delibera que seja publicada nos Annaes uma representação da Associação dos Vendedores por Meudo acêrca do descanso semanal.— O Digno Par Luciano Monteiro pede o comparecimento do Sr. Presidenta do Conselho, na proximo sessão, para se occupar do concurso para a adjudicação do Theatro de S. Carlos. Em seguida adduz algumas considerações sobre a maneira por que estão sendo vendidos, ás classes trabalhadoras, os cereaes importados com favor pautal. Responde a S Exa. o Sr. Ministro da Justiça — O Digno Par Teixeira de Sousa refere-se á questão dos adeantamentos á Casa Real. Responde ao Digno Par o Sr. Ministro da Justiça. — O Digno Par José de Azevedo Castello Branco deseja a presença do Sr. Ministro da Marinha para se referir á annunciada compra de navios de guerra.— O Digno Par Sebastião Baracho allude tambem á questão dos adeantamentos á Casa Real, insta pela remessa de documentos pedidos, pede á commissão de verificação de poderes que se occupe da solução a dar ao officio em que o Sr. Anselmo Braamcamp renunciou ao seu logar nesta casa do Parlamento, envia para a mesa a synopse dos decretos promulgados pelo Sr. Ministro da Marinha durante o interregno parlamentar e ao abrigo do artigo 5.° do Segundo Acto Addicional e requer a publicação d'ella nos Annaes e, por ultimo, chama a attenção do Governo para a arbitrariedade que prohibiu a representação, no Theatro D. Amélia, de uma peça intitulada O Triunfo.— Responde a S. Exa. n o Sr. Ministro da Justiça.

Ordem do dia (continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa). Usam da palavra os Dignos Pares José de Alpoim, Conde de Arnoso. Ministro da Justiça, novamente o Digno Par Conde de Arnoso e o Sr. Ministro da Justiça e, por ultimo, o Digno Par Conde de Bomfim. Esgotada a inscrição é retirada, a pedido do apresentante, a moção do Digno Par José de Azevedo, rejeitada a moção do Digno Par Sebastião Baracho, e em seguida approvado o projecto.— O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de entregar a Sua Majestade El-Rei a resposta ao Discurso da Coroa. Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata. bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 19 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, communicando que no Diario do Governo n;° 121, de 30 de maio, foi publicado, devidamente rectificado, o § 4.° do artigo 22.° do regulamento dos serviços de emigração para S. Thomé e Principe, inserto no Diario do Governo n.° 104.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, sobre um pedido de requerimentos do Digno Par Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Justiça, sobre um pedido de documentos do Digno Par Dantas Baracho. Para a secretaria.

Representação da Associação dos Vendedores de Viveres por Meudo, no Porto, com séde na mesma cidade, acêrca do descanso semanal.

O Sr. Presidente: — O documento que acaba de ser lido já foi distribuido pelos Dignos Pares; todavia, para mais cabal conhecimento do que nelle se allega, consulto a Camara sobre se consente em que seja publicado nos Annaes.

A Camara pronunciou-se affirmativamente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Digno Par Luciano Monteiro, que ficou inscrito da sessão anterior.

O Sr. Luciano Monteiro: — Sr. Presidente : as reflexões que eu tenho que fazer referem-se ao Ministerio do Reino.

Como não está. presente o titular da respectiva pasta, peço a V. Exa. que se digne communicar-lhe o meu desejo de tornar a occupar-me do assunto que versei na sessão passada, isto é, do programma do concurso para a adjudicação do Theatro de S. Carlos.

Observo a V. Exa. que o prazo do concurso finda no dia 10 do corrente, e, por consequencia, é indispensavel que o Sr. Presidente do Conselho compareça á proximo sessão d'esta Camara.

Já que estou com a palavra, e vejo o Governo representado pelo Sr. Ministro da Justiça, a S. Exa. me dirijo dizendo-lhe que li hoje, em um dos jornaes de grande circulação, que os trabalhadores do norte continuam na mesma situação afflictiva em que se encontravam antes das providencias adoptadas pelo Governo acêrca de cereaes.

Li mais que vão ser ouvidas as estações officiaes sobre nova entrada de milho, com reducção de direitos, ou completa eliminação d'elles.

Li ainda que o milho continua a ser vendido pelo preço que por elle era exigido antes da primeira importação que teve favor pautal.

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

V. Exa. comprehende, Sr. Presidente, que se não pode admiti i r que o Thesouro continue a ver-se privado de uma receita importantissima, e que as classes trabalhadoras continuem a soffrer as mesmas inclemencias, e tudo isto para que o intermediario goze o favor que se concedera.

Um tal estado de cousas não se compadece nem com a acção protectora do Estado, nem com a situação afflictiva em que se encontram as classes trabalhadores.

Conceder o Estado um favor pautai de 160 ou 170 réis por alqueire, e permittir que o açambarcador venda o genero, não tendo em conta, essa redacção, é tudo quanto ha de mais desastrado, e contrario á protecção que o Estado tem em vista conceder ás classes que lutam com os horrores da fome.

A lei reguladora da importação de cereaes, dá ao Governo amplissimas faculdades para conseguir, em determinadas conjunturas, o fim que se propõe, já permittindo a entrada, livre de direitos, a terceiras pessoas, já constituindo-se elle proprio em comprador, para depois dispor do genero conforme entender.

Sem querer dar conselhos ao Governo, porque' para isso me falta a necessaria autoridade, limito-me a expor nitidamente um estado de cousas, que lhe não deve ser indifferente, e a ponderar lhe a necessidade inadiavel de - havendo necessidade da importação de cereaes - nos lembrarmos de que os temos nas nossas colonias.

Melhor é fazer favor aos de casa, que aos estranhos. (Apoiados).

Não pretendo dar conselhos ao Governo; mas afigura-se-me que, usando da faculdade que a lei lhe concede, pode arvorar se em comprador, e vender o genero pelo preço do custo.

(S. Exa. a não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: o Governo não pode ser indifferente á crise a que o Digno Par se referiu, e, por consequencia, continua, como até aqui, a empregar todas as diligencias para a debellar.

O Governo acudirá ás necessidades mais urgentes, quer dentro das faculdades do poder executivo, quer trazendo ao Parlamento uma proposta de lei, que para o conseguimento d'esse fim se julgue indispensavel.

Posso affirmar, Sr. Presidente, que tanto o milho como o centeio se teem vendido por preço relativamente baixo, e o Sr. Ministro das Obras Publicas está empenhando todos os seus esforços e desejos para que todo e qualquer beneficio que o Governo conceda seja, tanto quanto possivel, a favor d'aquelles que d'elle precisem, e não para aumentar os lucros dos intermediarios.

Torno a affirmar que o Governo continuará a empregar todos os esforços para acudir á crise, tanto quanto seja possivel.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para me dirigir ao Governo sobre um assunto que, sendo de caracter geral, é, ao mesmo tempo, de importancia para mim, sob o ponto de vista da minha situação no passado politico do meu país.

Refiro-me á chamada questão dos adeantamentos feitos pelo Thesouro á Casa Real, assunto largamente versado duas vezes na Camara dos Paras, por dois oradores brilhantes e notaveis, os Srs. João Arroyo e José de Alpoim.

Na ultima sessão, este meu querido amigo tratou da questão em termos taes, deu-lhe um tal caracter do ataque politico, que me obrigou a pedir a palavra, não para fazer revelações sensacionaes, de que um jornal da manhã falava, porque revelações sensacionaes não tenho que fazer, e mesmo parque visam, em regra, o escandalo, que é incompativel com o meu modo de ser politico, mas para, sobre o cãs 3, fazer uma declaração peremptoria.

Desde largos annos me ligam ao Sr. Alpoim os mais estreites laços de leal e honrada amizade. Cada um no seu logar, e no seu posto; cada um com absoluto respeito pela independencia politica do outro, mas sempre o intimo affecto a guiar as relações pesaoaes entre os dois.

Tanto basta para me convencer, e até jurar, que o Sr. Alpoim me não visou especialmente ao referir-se ás responsabilidades das administrações passadas, ás responsabilidades que, por uma lógica de bastante artificio, circunscreveu aos regeneradores. Mas, tendo sido duas vezes Ministro da Fazenda, sendo abrangido na designação geral dos partidos, administrações e Ministros, não cabe no meu animo ficar em silencio. Não discuto por agora o assunto, que em discussão não -está; não pretendo fazer a liquidação das dividas da Casa Real ao Thesouro Publico, por não querer antecipar-me ao que o Governo ou as commissões tenham feito ou venham a fazer. Desejo, todavia, dar á Camara dos Dignos Pares conta das minhas responsabilidades, se algumas responsabilidades tiver.

O Governo tem pendente da Camara dos Deputados, a proposta; de lei sobre a lista civil e sobre os adeantamentos. Espero por um prazo razoavel a discussão do projecto, de que são unicos juizes a Camara e o Governo. Comtudo, se a demora significar, não o tempo necessario para o seguimento constitucional do projecto, mas pouco desejo ou inconveniencia de rapidamente tratar do assunto, eu liquidarei aqui as minhas responsabilidades, se algumas tive, e as que tiver. Não virei fazer um escandalo politico; não virei dizer se adeantamentos illegaes foram feitos pelos progressistas e não pelos regeneradores, pelos regeneradores e não pelos progressistas, a esta ou áquella pessoa da Familia Real, por este ou por aquelle Ministro, em qualquer epoca, ou recentetemente; não virei fazer outra cousa que não seja liquidar as minhas responsabilidades, dizer da minha justiça e mostrar que a materia dos adeantamentos á Familia Real, alem da lista civil, me trouxe serios desgostos, os maiores talvez da minha vida ministerial, por motivos á vida ministerial estranhos ; que nunca o Rei D. Carlos por qualquer maneira, directamente, ou por pessoa da sua casa, me falou de assunto relacionado com adeantamentos illegaes feitos ou a fazer; que tendo o Governo de que £z parte feito abonos extraordinarios á Casa Real para despesas de representação, para a recepção dos Reis de Inglaterra e de Espanha, para acabamento da installação do Paço de Belem, onde o Rei de Espanha foi recebido, me apressei logo em janeiro de 1904 a pedir ao Parlamento autorização para abrir um credito, o qual foi, mais tarde, convertido em lei; que, se alguma pequena quantia autorizada em despacho meu não coubesse na sua já autorizada legalização, a minha responsabilidade se: ia insignificante e que ainda nisso está o zelo na defesa dos dinheiros publicos; para mostrar, emfim, que sendo Ministro tres vezes, da Marinha e da Fazenda, nunca me foram entregues dez réis que fossem para qualquer entidade ou serviço, para despesas suas ou alheias, para o Rei ou para qualquer pessoa da Familia Real, nunca me passaram pela mão dez réis que não fossem dos meus vencimentos de Ministro ou de funccionario, e pagos depois de vencidos.

É isto, sobretudo, que pretendo demonstrar ao meu país para que, se um dia deixar a vida publica, onde se perde a saude, a tranquillidade e a fortuna, para o que, manda a verdade dizer, não sinto neste momento nenhuma disposição, possa, ao despedir-me, dizer como um grande heroe: - Tout est perdu, hors l'honneur.

Para isso nem preciso do inquerito nem dos documentos que pedi; bastarme-hão os que tenho.

Ninguem veja nas minhas palavras o intuito de mostrar que estou em melhor situação do que outros Ministros da Fazenda; não. a todos, regeneradores e progressistas, será facil mostrar que nada fizeram que possa prejudicá-los

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na sua reputação moral, que, pelo que sei, é irreprehensivel. Dou d'isso aqui publico testemunho. Cada um vae com o seu temperamento, e o meu leva-me, não para levantar os hombros estoicamente, mas para a liquidação rapida do assunto. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: os desejos do Digno Par são, precisamente, os desejos do Governo.

Uma declaração devo fazer á Camara e é que, nesta questão de adeantamentos, o empenho mais sincero do Governo, o seu proposito mais deliberado e a sua vontade mais firme, é que a questão se resolva com inteira justiça (Apoiados), com absoluta verdade, com toda a possivel rapidez. Este é o desejo do Governo, é o empenho d'esta Camara e o de todo o país. (Apoiados).

A questão deve ser apresentada em brevissimos dias na outra casa do Parlamento, a discussão deve encetar-se tambem num dos dias mais próximos, talvez, no começo da semana proximo, e então terá S. Exa. occasião de discutir este assunto com toda a largueza estou convencido que S. Exa., ha de trazer a demonstração de tudo quanto acaba de dizer.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - O Sr. José de Azevedo pediu a palavra para um negocio urgente.

Desejo saber qual é o negocio urgente de que S. Exa. pretende tratar.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar de um negocio urgente mas renuncio por agora ao meu proposito e limito-me a pedir a V. Exa. a fineza de mandar participar ao Sr. Ministro da Marinha que muito desejaria que S. Exa. aqui estivesse, na primeira sessão, porque desejo interrogá-lo, ou ser esclarecido sobre noticia que li nos jornaes, referente a compra de navios de guerra.

Reputando esse assunto grave e importante, peço a V. Exa. a fineza de fazer avisar o Sr. Ministro da Marinha, d'este meu desejo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Continuam os adeantamentos illegaes a estar na tela da discussão. São muito para considerar as asseverações feitas pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, e não menos é para ter em linha de conta o que S. Exa. omittiu, e deixou perceber nas entrelinhas.

O Digno Par entende dever varrer a sua testada, e nesse sentido se pronunciou, promettendo, a seu tempo, apropriadas revelações, cuja importancia dispensa qualquer encarecimento.

O Sr. Ministro da Justiça, na resposta que formulou, não esteve,, na verdade, feliz. Insistiu, preferentemente, sobre a urgencia de ultimar a questão, quando o que é indispensavel é que ella seja exposta com a mais nitida probidade é que d'ella se apurem todas as responsabilidades, tanto pelo que respeita a quem se adeantou, como a quem proporcionou os adeantamentos.

Pela parte que me é relativa, requeri pelos varios Ministerios e tenho instado ulteriormente, para que me sejam fornecidos todos os esclarecimentos attinentes a tratar desassombradamente d'esse negocio magno. .

Até hoje, ainda cousa alguma, em tal campo, obtive, o que me leva a declarar, clara e terminantemente, que, com documentos, ou não, fornecidos officialmente, versarei a materia, por forma a torná-la perceptivel aos menos atilados. Por agora, porei, mais uma vez, em relevo, que o silencio e o mysterio, em casos d'estes, constituem exclusivo apanagio de criminosos. A lei e a justiça são, pelo contrario, no seu cultivo, inherentes a quem tem a consciencia tranquilla, a quem sempre trilhou, inabalavelmente, pelo caminho da honestidade e do dever.

A proposta de lei, apresentada na outra casa do Parlamento, em 23 do mês passado, está elaborada por forma que o seu artigo 5.°, com a associada e burocratica commissão liquidataria, não é de molde a socegar os espiritos meticulosos, nem tão pouco a inspirar confiança, mesmo entre os mais credulos e despreoccupados. O chefe do Governo, se tivesse, no seu inicio ministerial, ponderado quanto lhe seria util, e ao país, afastar-se dos gafados processos rotativos, teria organizado o Gabinete por forma muito differente do que a que adoptou.

Seria S. Exa. que se imporia aos partidos rotativos; e não estaria, portanto, na actualidade, a ser levado a reboque, pelo modo como o está sendo, com accentuado prejuizo publico.

Attento, porem, o erro commettido, o Sr. Presidente do Conselho não conseguirá, porventura, levar a sua cruz ao calvario, tal é a inconsistencia do seu programma governativo, por assim dizer, á mercê do acaso, que é mau, que é mesmo péssimo orientador e arrimo.

Nestas circunstancias, facil é prever que ás profundas difficuldades existentes se succederão contrariedades de não menor vulto. Tudo o indica, de novo o consigno.

Posto isto, recordarei que fez hontem, precisamente, um mês em que o Digno Par, o Sr. Anselmo Braamcamp Freire, renunciou ao seu logar nesta casa do Parlamento.

Em 12 do mês passado, foi eleita a commissão de verificação de poderes, a que está submettido o respectivo officio de resignação, em que se lê este periodo :

Queira, V. Exa. ter a bondade de receber o documento j unto e de dar parte da minha resolução á Camara, a fim de ella se dignai acceitar a minha renuncia.

Conforme se observa, é esta Casa que tem de se pronunciar, em ultima instancia, concernentemente a esse delicado assunto.

Acerca d'elle tem de emittir parecer a commissão de verificação de poderes, que, diga-se de passagem, bastantes tem já elaborado, respeitantemente a pretensões de Dignos Pares que aspiram, por hereditariedade, a tomar assento nesta Camara.

Afigura-se-me que, dada a natureza melindrosa da renuncia do Digno Par Sr. Anselmo Braamcamp, ella não pode estar demorada no archivo da respectiva commissão, á qual me dirijo, neste momento, com esse objectivo.

Para notar é, igualmente, que, em 9 do mês passado, foi, por esta Camara, concedida autorização para que o mesmo Digno Par possa accumular as funcções legislativas, com as que exerce pelo Ministerio das Obras Publicas.

A ironia é, na verdade, pungente, se attendermos a que o Sr. Anselmo Braamcamp é autorizado a accumular funcções legislativas, que não pode exercer emquanto a renuncia, por S. Exa. manifestada, não for formalmente posta de parte.

Quero crer que tanto a commissão, como a Camara se nortearão nesse sentido.

O Digno Par, Sr. Anselmo Braamcamp, a cujas primorosas qualidades de caracter todos prestam culto, é, demais, um erudito que, pela sua frequencia, honraria seguramente esta Casa. O seu afastamento do partido em que militou exalta-o e enobrece-o, sem prejuizo do artigo 1.° do Segundo Acto Addicional de 24 de julho de 1885, cuja letra é a seguinte:

Artigo 1.° Os Pares e Deputados são representantes da Nação, e não do Rei que os nomeia, ou dos collegios e dos circulos que os elegem.

De resto, convem que, nesta Camara, estejam representadas as ideias avançadas, que o Digno Par ostensiva e hodiernamente professa.

Differentes oradores teem encarecido, nos ultimos dias, a conveniencia d'esta Camara ser constituida de modo a po-

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

derem viver com ella os varios Governos. Mais uma vez patenteio a minha divergencia, em semelhante assunto.

No genuino regimen parlamentar, os Governos saem das Camaras, e não as Camaras dos Governos.

Esta anomalia tem-se dado, com os desastrosos resultados conhecidos, durante os oitenta longos annos que levamos de Carta outorgada - de Carta a cair de pôdre.

Util seria que entrassemos na verdadeira engrenagem, constitucional, em que esta Camara tem logar marcado, sem a minima dependencia do Governo. Pela Constituição de 23 de setembro de 1822, não havia segunda Camara. Pela Constituição de 20 de março de 1838, a segunda Camara era formada por um Senado todo elle electivo.

Presentemente, esta Camara está constituida por modo que, repito, no interesse geral, todas as affirmações politicas nella devem estar representadas, em conformidade com os inilludiveis preceitos de tolerancia, e com as exigencias do progresso e dos genuinos ditames liberaes.

A não acceitação da renuncia do Digno Par Sr. Anselmo Braamcamp concorreria, por certo, para se obter o desideratum a que me venho referindo.

Dito isto, mando para a mesa, a sinopse dos decretos promulgados pelo Ministerio da Marinha e do Ultramar, durante o interregno parlamentar, e ao abrigo do artigo 15.° do Primeiro Acto Addicional, de 5 de julho de 1852.

Rogo ao Sr. Presidente que se digne consultar a Camara sobre se permitte a sua publicação nos Annaes.

Por ultimo, chamo a attenção do Governo para a arbitrariedade praticada, prohibindo a representação, no Theatro D. Amélia, da peça intitulada D. Triunfo, de que é autor o Dr. Carrasco Guerra.

A prohibição foi illegalmente determinada pelo chefe da policia administrativa, Dr. Moreira Feio, que cousa alguma tem que ver com a materia.

Pelo artigo 29.° do decreto de 20 de janeiro de 1898, compete exclusivamente ao corpo da policia civil a policia aos Theatros, espectaculos e reuniões publicas. A policia, note-se bem, mais nada.

A policia administrativa está, pois, completamente vedada a sua intervenção em assuntos theatraes, e mal se comprehenderia que ella ousasse arvorar-se em censora dramatica, se a ditadura policial, com todos os seus desmandos e atropelos, não fosse infelizmente uma triste realidade entre nós. Contra a interferencia policial, protestou a imprensa, o que motivou o recurso, por parte do Sr. Presidente do Conselho, para o director do Conservatorio, que levantou a interdição, imposta pela ignavia autenticada do chefe da policia administrativa. É indubitavelmente competente o Sr. Schwalbaeh Lucci em questões theatraes. Demais, elle é um autor laureado, excepcionalmente intelligente e de ideias desempoeiradas.

Não obstante estes requisitos, que caracterizam a sua personalidade, não pode elle ser arvorado em censor, porque a lei fundamental do país os não admitte. nem os tolera. No antigo regimen, na vigencia do absolutismo claro e aberto, a mesa censoria era legalmente composta por entidades cuja idoneidade não admittia duvidas.

Actualmente - seja-me licita a insistencia- a censura previa banida do nosso codigo fundamental, não pode ser subrepticiamente introduzida nos nossos costumes, mormente quando o seu cultor é um policia ignaro e inconsciente.

Com frequencia tenho versado esta questão, fustigando apropriadamente os desmandos policiaes; e peço ao Sr. Ministro da Justiça que se digne informar o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino das observações que adduzi, a fim de que S. Exa. adopte as providencias que as circunstancias reclamam.

Nada de peias á emissão do pensamento. Favoreçam-se todas as honestas iniciativas, porque só no campo da expansão mais ampla se poderão produzir obras e trabalhos que nos elevem, intelectualmente, no conceito de doutos e de letrados.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Já chegou a hora de se passar á ordem do dia.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Apenas dois minutos.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Pedi a palavra, não só por deferencia ao Digno Par que me precedeu, como para cumprir um dever parlamentar e manter as boas praxes, que levam os Ministros a responder aos representantes da nação.

Parece que eu não dei uma resposta bastantemente clara ao Digno Par Teixeira de Sousa, porque o Digno Par Sr. Baracho entendeu que essa resposta era enygmatica.

Direi a V. Exa. e á Camara que o Governo deseja que a questão dos adeantamentos se resolva com a possivel brevidade, com inteira justiça e com absoluta verdade.

Foi isto o que disse ha pouco e o que repito agora.

Com respeito a documentos, e pelo que se refere ao meu Ministerio, dei ordem para que sejam remettidos todos quantos foram solicitados; mas o Digno Par pediu uma tão enorme porção d'elles, que só com algum tempo é que se poderá satisfazer o seu pedido.

O Sr. Sebastião Baracho: - Prefiro que me sejam remettidos, em primeiro logar, os documentos respeitantes aos adeantamentos á Casa Real.

O Orador: - V. Exa. sabe que, pelo meu Ministerio não ha documentos referentes a adeantamentos.

Quanto aos outros, V. Exa. escolhe um de dois meios.

Ou espera que haja tempo de os enviar, ou então dá-se ao incommmodo de ir á minha Secretaria, onde lhe serão facultados os papeis que deseja examinar.

O Sr. Sebastião Baracho: - Posta a questão no pé em que V. Exa. a põe. dou preferencia a que os documentos me sejam enviados, embora tenha de esperar mais algum tempo por elles.

O Orador: - S. Exa. ha de então ter a bondade de esperar mais algum tempo.

Por ultimo devo dizer a V. Exa. e á Camara que communicarei ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino as observações que o Digno Par acaba de fazer com respeito ao procedimento da autoridade com relação a uma producção dramatica.

(S. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Presidente: - Vou perguntar aos Dignos Pares inscriptos se desejam falar a favor ou contra, para na devida ordem lhes conceder a palavra.

O Sr. Conde de Arnoso deseja falar a favor ou contra?

O Sr. Conde Arnoso: - Desejo apenas fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente : - Tem então a palavra o Digno Par Alpoim.

O Sr. José de Alpoim - Não era tenção minha o referir-me á questão dos adeantamentos illegaes á Casa Real. Mas força-me a isso a inesperada e larga referencia do Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa a esse assunto.

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SESSÃO N.° 15 DE 5 DE JUNHO DE 1908 5

O Digno Par falou com toda a energia, que não exclue serenidade; creio absolutamente na sinceridade e lealdade das suas affirmações, mas magoa-me que attribuisse ás minhas palavras de hontem a feição de um apaixonado ataque politico.

Em quê? Porventura eu visara pessoas, ou tivera nas minhas frases qualquer aspereza de odio ou violencia que são, na frase de um grande orador, "um sinal de inintelligencia e um sinal de fraqueza?"

Ah! Bem se via que o Sr. Teixeira de Sousa fora sempre, na sua vida publica, um feliz da fortuna! Merecia-o pelo seu talento e pelo seu caracter, que me merecem os maiores elogios.

Mas, por isso que era um feliz da fortuna, melindrava-se facilmente. Que seria se, como eu, tivesse sido victima de odios acintosos e pessoaes, movidos contra mim e contra os meus amigos?

Que seria se tivesse soffrido as injustiças e as calumnias dos inimigos,' se, como eu, tivesse recebido ingratidões de pessoas que ajudei e que amei, se tivesse padecido aggravos de alguns proprios, em cujo coração julgara estar?

Não, não fiz um ataque politico. Digo claramente ao Sr. Teixeira de Sousa, de quem sou amigo ha mais de vinte annos, com quem nunca tive ligações politicas, apesar do meu intensissimo affecto pessoal, porque S. Exa. milita num partido tradicionalmente conservador e eu cada vez me sinto mais liberal - mais apaixonado e ardente radical!

Eu procurarei pôr a questão com a maior nitidez e precisão, sem uma palavra de natureza pessoal, na sessão ultima. Recapitulei a questão, que reputo ser de Ordem moral, politica, administrativa e até internacional.

O Sr. João Franco declarou terem sido feitos adeantamentos á Casa Real: os Srs. José Luciano e Hintze Ribeiro responderam por forma que a opinião publica interpretou como negativa a entrega de quaesquer sommas illegaes á Casa Real ou á Familia Real.

Quando appareceu o decreto ditatorial, mudaram as situações: os progressistas confessaram haver adeantamentos, pedindo nas suas reuniões e moções inqueritos e documentos; os regeneradores ficaram silenciosos.

A conclusão é que os progressistas ou haviam falseado a verdade nas primeiras declarações do Sr. José Luciano, o que não deve admittir-se, ou que os adeantamentos haviam sido feitos pelos regeneradores, visto o Sr. Dias Ferreira ter declarado não os haver feito.

Eu entendo ainda que não foram os progressistas, porque o Sr. Espregueira é agora Ministro da Fazenda.

Que casta de homem, de Ministro seria o Sr. Espregueira se, tendo dado quaesquer sommas á Casa Real ou á Familia Real, fosse elle proprio liquidar as suas illegalidades ?

Em que situação moral ficaria o chefe progressista, se se provasse que o Sr. Espregueira, sendo seu Ministro, havia dado dinheiro á Casa Real ou a qualquer pessoa da Familia Real, e agora o Sr. José Luciano o escolhesse para a pasta da Fazenda?

Toda a gente diria que foi uma combinação, uma emboscada entre os dois, para abafarem e resolverem semelhante questão.

Ainda hoje li que o Sr. Espregueira dera, em Ministerios anteriores, dinheiro á Familia Real. Não pode ser.

Estando agora no Governo, seria um cumulo para elle e para o seu chefe!

E, a proposito, os antigos Ministros franquistas, perante a negativa dos dois chefes, ficam silenciosos?

Que situação moral é a sua?

Que dirá o país?

Não terei o direito de julgar que, por paixão, para terem a Coroa na sua dependencia, os franquistas armaram a declaração dos adeantamentos illegaes e fixaram, por odio, a somma do decreto ditatorial ?. . .

O Sr. Luciano Monteiro: - V. Exa. dá licença?... Eu, que sou o mais humilde dos membros, do ultimo Governo, mantenho as declarações do decreto ditatorial, em meu nome e no dos meus amigos. . .

O Orador: - A situação é ainda mais grave, depois das palavras do Sr. Luciano Monteiro.

O Sr. Teixeira de Sousa, segundo as suas palavras, que são de um homem de bem, negou ter dado quaesquer sommas á Casa Real. Acredito, é claro. Não pretendo mesmo explorar as palavras do Sr. Teixeira de Sousa, de que nem El-Rei o Senhor D. Carlos nem qualquer pessoa da sua casa lhe haviam solicitado qualquer somma.

O Sr. Teixeira de Sousa disse tambem que, por motivo de adeantamentos, tivera os maiores desgostos da sua vida politica.

Não pergunto se mais algumas pessoas, alem das pessoas da casa do Senhor D. Carlos, lhe teriam feito solicitação; nem exploro a fase dos desgostos, de onde se vê que houve solicitações.

O meu proposito não é azedar, nem irritar, tanto mais que não duvido das affirmações do Digno Par, que é, a to dos os respeitos, ama das mais brilhantes individualidades da politica portuguesa.

Termino dizendo que o novo incidente de hoje, mais confirma a necessidade de se dar á questão dos adeantamentos a solução aconselhada por mim e pelos meus amigos.

Se os dissidentes estivessem no poder, separariam a questão da lista civil da questão dos adeantamentos. Trariam á Camara um relatorio da questão, com todos os documentos e informações, quer sobre as responsabilidades dos Governos, quer sobre as sommas adeantadas. Entregariam a solução á Camara; ella que resolvesse soberanamente.

O Rei, pelo seu proceder nobre e desinteressado, não cem responsabilidade alguma. Não pode ser envolvido neste debate, que só desacreditará os partidos, se elles não tratarem a questão com toda a clareza, á luz do sol. Bem haja o Sr. Teixeira de Sousa pela forma desassombrada como procedeu!

E, posto isto, continuo o meu discurso, interrompido na sessão antecedente.

Morrera El-Rei D. Carlos. Na tragica noite de 1 de fevereiro, não sei se correram aos Paços Reaes os chefes dos partidos. Li nos jornaes que sim. É natural que ali não encontrassem a multidão saudosa e solicita de tantos fieis que surge agora - e que não apparecem nunca nas casas dos Reis quando nellas paira a desgraça e a morte.

É a eterna historia das monarchias em que são tanto mais defensores do Rei, mais frequentadores do seu paço, mais conselheiros de violencia e de odio, mais apregoadores de amor e dedicação, aquelles que, nos primeiros rebates da desventura, abandonam quem tão mal serviram e tão mal aconselharam.

Foram os chefes dos partidos a esse paço, onde, como protesto contra a politica anti-liberal do ultimo reinado, não iam desde alguns meses, e como havia sido votado na commissão executiva do partido progressista que se aconselhasse a todos os seus correligionarios. Não sei se já nessa noite a Coroa lhes depôs nas mãos, que tão fracas se haviam mostrado na defesa da liberdade, nessas mãos partidarias que a ditadura paralysara quasi como se as tocara já o frio da agonia, os enormes poderes de serem os dois partidos, representados pelos seus chefes, os encarregados de formar o primeiro Ministerio de um novo Rei, ascendendo ao throno sobre cadaveres e entre os uivos de uma revolução. Se não foi nesse dia, foi no immediato. Num momento os dois partidos que o Sr. João Franco reduzira á mais absoluta impotencia, que se achavam divididos e incapazes, surgiram poderosissimos.

Ficaram com faculdades de Coroa. Escolheram 6s Ministros que lhes aprou-

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ve. Repartiram entre si, administrativa e eleitoralmente, o país. Nada teem os dissidentes com isso, nada querem ter. Mas ha uma cousa que lhes importa. É o saber como os dois partidos, havendo feito affirmações tão liberaes na luta contra a ditadura franquista, havendo aggredido tão violentamente o Throno nos seus jornaes, nas suas assembleias, nas moções das suas commissões executivas, por motivo da politica da Coroa, agora procedem no começo de um reinado novo, quando subsistem os instrumentos legislativos, os decretos, do poder executivo, que tornaram possivel uma monarchia que, de constitucional e liberal, apenas possuia o nome.

A questão politica, no sentido nobre e elevado da palavra, foi posta como a primacial de todas, pelos chefes dos dois partidos. São elles, porque o Sr. Presidente do Conselho declarou que entrara pela sua mão, e pelas d'elles sairia, quem dirige governamentalmente o país. No primeiro documento publico, no mais nobre e elevado, que é o Discurso da Coroa, nesse documento que é, por assim dizer, o pregoeiro das novas doutrinas de um Soberano que quer destruir a antiga politica e iniciar uma vida nova - que lhe fazem dizel-os dois . partidos sobre as liberdades publicas? Já o vimos ante-hontem. Sobre liberdade de reunião? Nada. Sobre liberdade de associação? Nada. Sobre liberdade de imprensa?. Nada. Sobre liberdade da nação, traduzida por um Parlamento livre, nacional, sem candidatura official, livremente eleito? Nada. Nem uma palavra sequer sobre estas liberdades essenciaes, fundamentaes, da vida de um povo livre, liberdades que os dois partidos reconheceram não estar sufficientemente garantidas ! Tudo como no passado! E comtudo ainda na ultima sessão o partido regenerador, com respeito ás leis sobre . o direito de associação e sobre a imprensa, fizera apreciações vigorosas e hostis. Como é que tudo se esqueceu?

Por amor até ao novo Rei, que não basta servir com palavras e manifestações, os dois partidos deviam mostrar que elle, como realmente é verdade, quer ir na frente das revindicações politicas, á semelhança d'aquelle grande monarcha, seu parente, que dirige os negocios da Italia. Tudo esqueceu! Querem os dois partidos que essas liberdades essenciaes, fundamentaes, fiquem como até hoje, sendo uma ficção e uma mentira? Os dois partidos, a quem a Coroa confiou os seus maiores direitos, exercem assim a sua missão de, nos primeiros passos de um Rei novo, darem ao país a impressão de quererem proseguir nessa vida velha que criou ruinas e abriu sepulturas?

Mas ha um ponto tambem fundamental e a condemnar, significativo da orientação politica dos dois partidos. E o silencio absoluto sobre leis de excepção que maculam a legislação portuguesa, entre as quaes avulta a lei de 13 de fevereiro, que, mau grado já haver sido corrigida em alguns pontos, é ainda tão cruel que todos os partidos a teem condemnado, sendo formidavel a justissima campanha contra ella movida pelos elementos mais democraticos da politica portuguesa. Tinha eu a honra de dirigir, o Correio da Noite, orgão progressista, quando esta lei fui apresentada. Lembro-me de que recebi uma carta do Sr. José Luciano de Castro, em que me indicava alguns dos pontes da lei que mais urgia atacar. Essa copia de leis de excepção, correspondente á criação e desenvolvimento da politica chamada do engrandecimento do Poder Real, constitue a caracteristica mais pronunciada da politica que os dois partidos fizeram, mas que, nos ultimos tempos, na luta contra o Sr. João franco, condemnavam.

Que fizeram elles dizer ao novo Rei sobre essa grave e fundamental questão da politica moderna ? Nada. E a lei da responsabilidade ministerial? É extraordinario o que acontece a este respeito! Só lembro que cada um dos dois partidos historicos considera como uma gloria a apresentação das propostas de lei sobre este assunto. O partido regenerador tem o trabalho, por tantos titulos notavel, do Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, Presidente da Camara, a cujos talentos rendo a minha sincera homenagem. O partido progressista tem a proposta de lei do Sr. Adriano Machado, um dos velhos e austeros historicos que, se pudesse voltar á vida, desejaria morrer ao contemplar o que foi o seu grande e democratico partido; e tem a minha, de que foi "organizador o talentosissimo jurisconsulto o parlamentar, e meu querido amigo, o Sr. Dr. Francisco José de Medeiros, proposta que elaborei por instancias grandes do Sr. José Luciano de Castro, que a julgava indispensavel depois das ditaduras de Hintze Ribeiro.

Ha mais: uma das bases fundamentaes d'essa famosa concentração liberal, uma das tres bases d'esse acto politico que trouxe todos os males, desgraças e mortes do Governo franquista, foi uma lei de responsabilidade ministerial, considerada uma das garantias mais efficazes para enfrear os attentados dos governantes. Pois agora, nem sequer nessa lei se fala - como se houvesse medo de a fazer para punição de attentados da vida velha que convem praticar para defesa e engrandecimento dos dois partidos. Parece que se esteve a expungir, por indicação dos dois chefes, o que se refere á vida democratica da nação, ás bases fundamentaes de um povo livre! Basta attender a que nem uma palavra se diz sequer sobre a instrucção e educação do povo.

Não diz o Discurso da Coroa uma só frase a respeito de instrucção e educação - pequeninas palavras de tão alto valor, que os americanos as pronunciam com um acento de cordialidade e de respeito, como se fossem alguma cousa de superior e de sagrado. O problema da instrucção impõe-se como indispensavel á transformação da sociedade portuguesa. Não me detenho em mostrar a influencia da instrucção e educação ca vida physica, moral, intellectual. nos destinos de um povo. É um dogma. Pois nós temos pouco e mau. Pouco: e tão pouco que o país conta quasi 75 por cento de analfabetos. Mau, porque a orientação dada ao ensino nacional, em qualquer ramo que se considere, é tudo quanto ha de mais antinomico com o desenvolvimento, natural, biológico, do espirito e do corpo.

Com respeito á instrucção elementar, ha leis votadas, tendentes a favorecer o seu desenvolvimento; mas estas leis não satisfazem; e os individuos, pela sua indifferença e desleixo, teem uma grande responsabilidade ou culpa nessa situação.

Urgem reformas e penalidades. Entre aquellas, o alargamento, e profusão de escolas primarias, que são poucas e mal organizadas - quando se vê o que são essas escolas noutros países e principalmente na America, como o coração se enche de tristeza! - e a criação de escolas moveis, que levem a instrucção aos pontos do país onde a manutenção de uma escola regia se torne impossivel.

As penalidades não devem ser por maneira que as evite o desleixo das autoridades ou a influencia politica. Devem, por assim dizer, effectivar-se pela vida fora, acompanhando os analfabetos nos lances da existencia.

O exercito e os logares officiaes podiam ser um dos grandes instrumentos para a extincção do analfabetismo.

E permitta-me, Sr. Presidente, um pequeno parenthesis: o exercito tem de ser uma grande escola de educação social, quando for organizado sob a feição democratica, que procura dar-se-lhe em Franca e noutros países.

A dissidencia progressista, a quem as questões militares interessam o mais possivel, exporá a sua opinião a este respeito, quando se discutam os projectos de lei do Ministerio da Guerra.

A prohibição da remissão a todos os mancebos que não soubessem ler e escrever; a demora nos quarteis de todos os soldados até que o aprendessem,

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ou pelo "menos a exigencia de todo o tempo de serviço na liteira; a redacção do tempo de serviço, ao estrictamente indispensavel, para os que saibam; um conjunto de providencias respeitantes aos que não fossem approvados por defeito physico, mas que ficariam á disposição do Governo; a prohibição, para todos os analfabetos, de poderem ser collocados, por nomeação ou contrato ou qualquer forma, em empregos do Estado, em instituições ou corporações d'elle dependentes ou com elle tendo quaesquer relações; um conjunto de disposições, emfim, que abrangessem tambem o chefe de familia, responsavel pela falta de instrucção elementar dos seus filhos - eis varios pontos a considerar na luta com o analfabetismo.

Com respeito ás mulheres, é precisa a criação de mais escolas; devem utilizar-se tambem as escolas moveis e adoptar-se, para as que não saibam ler e escrever como com respeito aos homens, a prescrição de não poderem ter collocação de qualquer ordem e até, seja por que titulo for, em corporações ou instituições officiaes, entendendo-se por esta palavra até aquellas corporações ou instituições em que ha simples fiscalização administrativa.

Aqui está, a traços largos, indicada a maneira de combater o analfabetismo, affirmando o partido dissidente o seu proposito de considerar a sua extincção como uma das condições fundamentaes do seu programma e tendo para isso um projecto de lei que será apresentado ao Parlamento.

A respeito da educação da mulher, lembro a necessidade da criação das escolas ménagères, ou antes, de ensino domestico, que podem ser adstrictas ás escolas primarias, onde já as raparigas comecem a receber os rudimentos de instrucção familiar ou domestica, e adstrictas tambem ás escolas normaes do sexo feminino de uma maneira mais completa e integral.

Na Suissa, nesse pequenino país, que é um encanto de honestidade e de trabalho, de liberdade e democracia, ha mais de 259 escolas, pura e simplesmente de educação domestica. O ménage, o asseio da casa, tudo que se lhe refere de trabalhos differentes, costura, o arranjo da roupa, é uma categoria de educação pratica, por assim dizer profissional: ser mãe de familia, dona de casa, diz Compayré, é tambem uma profissão e das mais uteis.

Num seu admiravel discurso sobre o ensino technico e profissional, refere se Millerand, o grande Ministro socialista francos, a essas escolas domesticas onde a mulher aprende, pelo attractivo dado ao lar familiar, pela sciencia do ménage, a guardar e reter junto d'ella o pae e os filhos.

Acha o notavel homem publico que essa escola não é um sonho, que é a cousa mais pratica e absolutamente indispensavel. Põe elle em relevo que seria a cousa mais contraditoria o fazer casas hygienicas e a preço barato, e as esposas que ali vão habitar não saberem conservar em bom estado essas casas que lhes são entregues hygienicas e asseadas.

Não está tambem entre nós, e de pé, o problema das casas baratas, para operarios?

Tudo que se refere á instrucção e educação da mulher, ao ensino perfeito dos seus deveres domésticos e, tambem, ao conhecimento dos seus deveres civicos, deve ser um cuidado dos governantes, pela acção social que a mulher, como mãe, exerce na formação do caracter e mentalidade da criança na epoca em que, como diz o poetado cerebro infantil, é brando como a neve, pronto a receber, para nelle ficarem gravadas, todas as impressões.

Mas o problema da instrucção não importa somente o combate ao analfabetismo, nem a boa organização da instrucção elementar.

As escolas secundarias e superiores carecem de ser reformadas, devendo Ser deslocadas da sua orientação, toda abstracta e de fixação, para o campo dos factos e da experiencia. A instrucção secundaria e superior, pela forma que é fornecida, é, alem de falsa e impia, a grande fonte de annullação das nossas faculdades ideativas e criadoras.

A esta má instrucção se deve attribuir a nossa miseria agricola, industrial e scientifica, porque precisamos de convencer nos que o melhor ensino não é o que provém das sabias prelecções nem de lições verbosas, mas o que resulta da observação pessoal dos factos e dos phenomenos. Obedecendo a estas ideias, e a traços rapidos, penso eu que se torna necessario rever os programmas da instrucção secundaria, alterando a taxonomia de muitas das suas disciplinas que tanto conflagra com a evolução natural das mentalidades, reduzindo muitas, alargando outras e sobre todas fazendo incidir a feição pratica no ensino.

As nossas escolas medicas não carecem menos de ser reformadas. Falta-lhes material de observação, laboratorios condignos: e faltam leis tendentes a fazer cooperar os hospitaes numa mais larga habilitação pratica.-

A Universidade carece de uma larguissima reforma: e a prova d'isso, para não alargar este discurso e não consumir tempo só num assunto especial, está na oração de sapientia, pronunciada por um dos- seus mais illustres filhos, o Sr. Dr. Sobral Cid, oração em que se apontam erros, defeitos e lacunas, que doem e apavoram.

E as escolas profissionaes? O ensino technico e profissional é hoje uma das grandes preoccupações de todos os povos. Os Estados Unidos vão na frente de todos os países: a propria Belgica ali manda estudar. Ao desenvolvimento do ensino technico e profissional deve a Allemanha uma grande parte do seu poderio. Nós não temos realmente - apenas existem de nome ou muito incompletas - verdadeiras escolas para dar um ensino onde as aptidões de cada um sejam dirigidas de modo a fazer do nosso artifice não um simples mecanico, mas um trabalhador intelligente e um interprete feliz e apreciado.

E a criação do sentimento da arte no espirito popular?

Não devemos esquecer que a arte é, com a moral e a sciencia, uma das tres condições de uma educação completa.

Em todos os países civilizados o desenvolvimento popular da arte é a preoccupação dos governos.

Na Inglaterra formou-se uma Associação da arte para as escolas.

Nos Estados Unidos formam-se iguaes instituições, dizendo-se no seu programma que "a delicadeza dos sentimentos que inspiram as obras de arte contribue para o desenvolvimento do caracter intellectual e moral".

Na Allemanha, a arte para o povo é recommendada pelo proprio Imperador. São
bellas as suas frases, pronunciadas quando felicitou os escritores que ornamentaram de estatuas a Alameda da Victoria, em Berlim: "Para preencher inteiramente a sua missão, a arte deve penetrar até nas camadas inferiores do povo".

Não deixemos tambem morrer neste país de bellas paisagens, de luz tão harmoniosa, de perspectivas tão inspiradas, de fontes historicas tão ricas, de typos de tanta belleza, o sentimento artistico nacional.

Façamos como os outros povos, que á arte votam um ardente culto e affecto.

Remodelemos as nossas escolas de bellas artes, alargando-lhes a sua esfera de acção: desenvolvam-se as aptidões artisticas e pense-se sobretudo em lançar as bases de uma escola de arte nacional.

Em Portugal appareceram ultimamente iniciativas particulares, que se congregam em ligas de educação nacional de instrucção, a fim de levantar o nosso ensino. Aproveitem-se essas iniciativas onde ha cerebros privilegiados e vontades decididas. Chame o Governo a si esses trabalhos, e anime os novos na reforma da nossa pedagogia.

Não basta cuidar dos validos e do pão do espirito. Urge tambem pensar na miseria e nas deformações sociaes que d'ella derivam.

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Ora, como, tem resolvido o país este tão humano problema?

Existe uma Direcção Geral de Beneficencia. Protesto desde já contra esta ! designação, porque ella envolve a ideia de esmola. Não é assim. A assistencia constitue um dever social, porque proteger a miseria ou acudir-lhe é um procedimento sagrado, imposto pelas leis da solidariedade humana.

Mas, como quer que seja, beneficencia ou assistencia, como se faz ella em Portugal? Mal e incompletamente. Mal porque, obedecendo á orientação dos outros serviços publicos, os Governos a centralizaram, sendo certo que a assistencia publica só é proficua e util quando, desalliviada do burocracismo, ella se orienta pelas necessidades locaes, que são diversas em quantidade, qualidade e tempo.

Não trato já de fazer citações pedidas no estrangeiro; recordo o facto das ilhas adjacentes gozarem, por motivo da sua autonomia administrativa, de uma melhor organização dos serviços de" saude quê a metropole.

Acresce ainda a circunstancia da iniciativa particular, em materia de assistencia publica, se sentir por esta centralização peada no seu santo exercicio, cousa que não pode ser desprezada pelo importante papel que ella desempenha no nosso país.

Mas não é só este o mal de que enferma; ella é exigua, incompletissima.

Nós não temos maternidades; faltam quasi por inteiro os dispensarios para a assistencia á primeira infancia, que são tambem escolas de ensino ás mães e ^de orthopedia infantil; as gotas de leite, tão bem organizadas no estrangeiro, só existem a titulo de experiencia, e, no entanto, ellas são um grando elemento social contra a despopulação; contra as doenças medico sociaes não se faz a devida campanha, como se ali não tivesse raizes o definhamento da raça; o problema da vagabundagem, onde tantas energias uteis se afundam, está de pé pelo pequeno numero e má orientação das casas de correcção; a assistencia á velhice, á invalidez e muito essencialmente a dos accidentes do trabalho, agricola, não só industrial, mas commercial, é leira morta; os serviços de fiscalização sanitaria, apesar da sabia reforma de 1901, não teem recebido a execução efficaz e indispensavel; as prisões são verdadeiros focos de podridões; os hospitaes e asylos, com raras excepções, uma vergonha.

Não me refiro á nossa pobreza em manicomios, apesar da urgencia e importancia do assunto, porque a Camara sabe o que sobre elles disse um illustre Deputado, numa das ultimas sessões; á instituição do domicilio de soccorro, chamado systema de Erbelfeld - que existe no concelho de Portalegre, com os mais beneficos resultados - e que é a base de toda a assistencia publica bem organizada.

Taes são, a traços muitos geraes, as reformas que dominam o pensamento da dissidencia progressista e que ella reduzirá a projectos de lei, alguns dos quaes já foram apresentados ao Parlamento.

Muito me apaixonam estes problemas que tanto interessam as sociedades em geral e, em especial, aos humildes - e que nunca esqueço, como os não esqueci quando Ministro, criando a assistencia judiciaria.

Foi ainda com o mesmo sentimento que estabeleci os serviços medico-legaes, cuja organização, embora ficasse áquem dos meus pensamentos e desejos, serviu para demonstrar que nós compretendiamos e acatavamos as acquisições da psychologia social moderna, em materia de criminalidade.

E permitta-se-me que sem vaidade relembre que o Congresso de Mediei na reunido em Madrid, depois de ouvir a palavra do autorizado psychiatra Julio de Matos, exprimiu o voto de que em todos os paises os serviços medico-legaes fossem organizados segundo a minha reforma.

Ponho nestas causas, como os meus amigos, toda a minha paixão, todo o meu patriotismo e ideias democraticas, e com isenção e desinteresse que ficaria satisfeito em as ver realizadas fosse por quem fosse.

A causa dos humildes, dos fracos, dos miseraveis, deve merecer aos Reis, aos chefes dos Estados, o maior amor.

Porque é que Henrique IV de França, foi tão amado do povo, que o seu corpo não foi, durante muitos dias, atirado á fossa onde foram precipitados os dos outros monarchas, no tempo da Revolução?

Porque elle se orgulhava de se chamar, como outro soberano, lê rei dês gunix: - o rei dos miseraveis.

Nestes tempos de democracia, as classes honradas, as classes populares, os desprotegidos, os velhos, as mulheres, as crianças, carecem do amparo social a que teem direito.

Que dizem os dois partidos no Discurso da Coroa?

Nada sobre direito de reunião, de associação e de liberdade de imprensa. Nada sobre a extincção de leis de excepção e sobre leis de responsabilidade ministerial. Nada sobre educação e instrucção. Nada sobre os grandes problemas de justiça social.

E este silencio significa, sob o ponto de vista de liberdades publicas e de revindicações sociaes, a continuação do passado. Subsiste, defendida no Parlamento e na imprensa, a doutrina de que as desdenhosamente chamadas questões politicas devem ser postos de lado, e só consideradas outras questões gravemente chamadas praticas. É o contrario do que os partidos disseram na luta dos ultimos meses!

É o mesmo que, pouco depois do começo do reinado do Senhor D. Carlos, os defensores de tal doutrina apregoavam, fazendo-se a politica do chamado engrandecimento do poder real, esmagando-se as liberdades e arrastando se o país ás catástrofes financeiras, e de toda a ordem, que temos soffrido. Não basta o exemplo do passado para se mudar de vida?

A respeito dos males de semelhante teoria creio que ella foi a grande causa, pela inquietação e agitação feita no país, de grandes males para a patria e para a monarchia, que deve ir na frente de todas as revindicações de caracter liberal.

Todo o programma da dissidencia progressista, toda a sua aspiração consiste na criação, na organização de uma honesta monarchia democratica. Ella quer que, em todos os problemas da vida nacional, aos seus problemas politicos, administrativos, economicos, financeiros, militares, em todos, emfim, se traduza essa feição democratica, que é a condição das sociedades modernas. E nunca, como hoje, o nosso país esteve apto para essa grande e nobre tentativa. Saiu-se de uma politica conservadora, de odio e de perseguição. Houve um abalo profundo. Aguarda-se uma politica, permitta-se a frase, revolucionaria dentro da monarchia.

Até o advento do novo Rei ao throno foi feito n'aquellas condições, tragicas e dolorosas, que abriram á Italia um novo reinado de democracia e liberdade. Tamanhã liberdade, que elle tem deante de si o trabalho de Arturo Labriola, um dos dirigentes da extrema esquerda do partido socialista italiano.

Elle diz que o Rei Victor Amadeu installou em Italia um regime de liberdade publica quasi completa. Nos labios de um revolucionario não pode haver maior elogio! E é profundamente verdadeiro.

Depois das leis de excepção de Crispi, em seguida a ferozes perseguições conservadoras, abafadas em sangue muitas revoltas, atulhadas as prisões, povoados de perseguidos os caminhos do exilio, o Rei Humberto foi assassinado pelo revólver de Bresci.

Houve um rapidissimo e febril movimento conservador, ò do Ministerio de Saracco. Foram dias.

O Rei chamou ao poder Zanardelli, um doutrinario do liberalismo democratico avançado. O Governo apresentou um programma politico e social absolutamente radical: declarou a sua stricta neutralidade aos conflictos do capital e !. do trabalho: Giolitti, simples Ministro

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do Interior, atacava, em nome do Governo, o egoismo dos proprietarios e fazia a apologia das organizações operarias. A extrema esquerda foi desarmada. Os liberaes mais avançados, o proprio grupo socialista, deram o apoio mais enthusiastico ao Governo. Morto Zanardelli, foi offerecido a Turatti, e outros chefes radicaes, uma pasta no Ministerio. A politica de Victor Manuel - grande herdeiro de um grande nome! - tem sido uma politica monarchica mais avançada e radical. E ella salvou a monarchia e salvou a Italia. Porque não ha de fazer-se, aqui, uma monarchia assim? A essa obra se consagram os dissidentes. Affirmo-o, por mim e pelos meus amigos. Só para a realizarem, acceitariam o poder - e só para isso, o pretendem. Perdoe-me a Camara que fale de mim.

Um dia, ha meses, no Paço dos nossos Reis, disse que já contava mais de quarenta annos, que fôra duas vezes Ministro da Coroa; que possuia honrarias bastantes para satisfazer a minha vaidade, se a tivesse; que só tinha dois filhos e com a sua educação completa; que, nestas condições, apenas lutava e trabalhava para ser util ao meu país, ao meu partido, para fazer triunfar as minhas ideias e que para esse com bate me sentia com a força e a energia dos vinte annos. Digo-o tambem aqui. As sombras da vida pesam sobre mim.

Ser Presidente do Conselho, ser Ministro, para quê, se é necessaria uma deserção ou um abandono? Poderia pôr esses titulos ephemeros no meu cartão de visita: mas ficaria, na historia, um titulo que não seria ephemero, que o acompanharia sempre: seria o de traidor ao meu país, á minha fé. Isso não! Quero o poder para realizar as minhas ideias: não o conservaria um minuto á custa da menor transacção. Digo-o alto, á Coroa e ao país. Como eu, pensam todos os meus amigos, que querem que a monarchia portuguesa, com Ministros responsaveis e um Rei irresponsavel, seja uma verdadeira democracia real.

Pensamos assim e dizemo-lo com aquelle desassombro que não admitte hypocrisias. E o que é que nos dá o direito de falarmos d'esta forma? Repito o que já disse na' ultima vez que ali falei ao Rei de Portugal. Parafraseio a frase de um grande amigo da monarchia francesa. Em plena Convenção, no julgamento de Luis XVI, Malesherbes curvava se deante d'elle quando se lhe dirigia, tratando-o por Sire e Majestade, como nos dias poderosos da realeza. "O que te dá o direito de falar assim no seio da representação nacional?" - perguntou-lhe um Deputado da Convenção. "O desprezo da vida" - respondeu Malesherbes. Nós, os dissidentes, podemos responder tambem: "o desprezo do poder". Não o queremos, não o conservariamos se esse poder obrigasse ao abandono dos nossos principios, se fosse condição para servirmos uma monarchia constitucional que fosse uma ficção e não uma verdade. Não queremos o poder senão com honra, pela honra - e para nossa honra!

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Conde de Bomfim.

O Sr. Conde de Bomfim: Se V. Exa. se não oppõe, eu falarei em seguida ao Sr. Conde de Arnoso.

O Sr. Conde de Arnoso: - Agradeço ao Digno Par Conde do Bomfim ter permittido que eu use da palavra antes de S. Exa.

A Camara tem ouvido brilhantes e copiosos discursos. Venho apenas, como tive a honra de dizer a S. Exa. o Sr. Presidente, no uso de uma antiga praxe parlamentar, fazer uma simples declaração de voto, que a muito pouco se resume.

Voto o projecto como respeitoso cumprimento devido á Coroa.

A Camara com certeza se não oppoporá a que eu aproveite a occasião para felicitar o meu nobre e respeitavel amigo, o Digno Par Conselheiro Veiga Beirão, illustre relator d'este projecto, que. com a exacta comprehensão da sua alta situação politica e o seu austero caracter, desprendendo-se - como em todos os actos da sua vida - de mesquinhos processos, que se não casam com a sua inflexivel linha moral, não hesitou em dar ao Governo uma severa e merecida lição, encontrando em singelas e sentidas palavras, que textualmente vou reproduzir, a expressão de protesto e profunda indignação da Camara contra o execravel atentado de que foram victimas Sua Majestade El-Rei D. Carlos 1 e Sua Alteza o Principe Real. Anatos de saudosissima memoria!

Sinto que o digno relator não tivesse igualmente posto em evidencia esse tão arrevesado e estranho periodo do Discurso da Coroa em que Sua Majestade El Rei declara (é ao Governo, bem entendido, que me dirijo) não lhe caber tecer louvores á memoria de seu amantissimo e chorado Pae, a quem o mesmo Governo designa por esta simples palavra "Monarcha", nem á de seu querido irmão, que nesse discurso, com pretensões a famosa peça literaria, é simplesmente designado por "Aquelle".

Não cabe a um filho tecer louvores á memoria de seu Pae, nem á de seu Irmão!!! Singular e subversiva theoria de moral social, que assim ousa affrontar o respeito e o amor de familia, bases essenciaes de toda a sociedade!

Por igual me pesa que se tivessem tambem deixado passar em claro as palavras com que o Governo faz invocar a Sua Majestade El-Rei o exemplo de imperantes que, na, alambicada prosa do Discurso da Coroa, são, para gloria da monarchia e bem das nações, lição viva na arte de reinar! Arte de reinar!

Esta arte, em pleno seculo XX, e em attenção a tão preclaros estadistas, deve seguramente ser tomada á conta de força de estão. Mas nassas palavras confessa ainda imprudentemente o Governo não ter podido encontrar, nas gloriosas paginas de oito seculos da nossa Historia, um só predecessor de El-Rei, um só, que pudesse servir de modelo a Sua Majestade!

Triste e fatal cegueira! Singular Governo este!

Estas omissões, talvez generosamente propositadas da parte do illustre relator da resposta ao Discurso da Coroa, são ligeiros peccados veniaes, largamente resgatados pelas nobres e justas palavras que a Camara lhe ouviu, quando S. Exa. commovidamente se referiu a Sua Majestade El-Rei D. Carlos I e a Sua Alteza o Principe Real, tão vil, tão barbara e tão cobardemente assassinados.

Mas para o Governo, vivendo nós - mercê de Deus-sob o regime monarchico, os crimes de lesa Majestade na o podem ser assim facilmente absolvidos.

Se tivesse entrado na discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa, teria proposto que, logo a seguir ao primeiro periodo, se acrescentassem as seguintes desconsoladoras palavras:

A Camara sente profundamente que, passados quatro longos e estirados meses, nada de positivo ainda se tenha podido apurar com relação aos autores e cumplices do criminoso attentado do dia 1 de fevereiro.

Depois de ouvir o eloquente e elevado discurso do digno relator, pensei ainda em pedir a V. Exa. a honra de me inscrever sobre a ordem e mandar para a mesa a minha moção, tal como acabo de a formular á Camara.

Reflectindo, achei preferivel seguir o meu primeiro movimento.

Os chamados partidos tradicionaes estão, segundo li nos jornaes, firmemente - não ha neste adverbio a menor sombra de ironia - resolvidos a sustentar o Governo.

A minha moção, de aberta censura, estava naturalmente destinada a ser rejeitada por uma grande maioria.

Limitando-me á minha declaração de voto, evito á Camara um deploravel gestos poupando ao país mais uma nova

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e amarga desillusão! Cumpro assim o meu dever.

Ecoam aiada aos meus ouvidos os apoiados com que a Camara acompanhou as ásperas referencias, feitas pelo nobre relator, ao insuccesso das pesquisas judiciaes com relação ao duplo regicidio.

Animado por esses apoiados, ouso pedir a todos que tão amavel e caridosamente amparam o Governo o animem a maiores, mais efficazes e, sobretudo, mais serias diligencias.

Convençam se todos: a situação que, perante tão odioso crime, ha quatro meses, assim tão indifferentemente se arrasta não pode prolongar se sem quebra da propria dignidade nacional!

D'este oppressivo e vergonhoso mysterio que nos rebaixa aos nossos proprios olhos e aos de todas as nações cultas, não me cansarei de o dizer: só o Governo é o unico responsavel.

O juiz de instrucção criminal não é, que eu saiba, que ninguem saiba, inamovivel, e o Governo deveria, ha muito já, ter-se apressado em substituir quem só provas de escandalosa e revoltante incompetencia tem dado no exercicio de tão alta magistratura.

Não se illuda o Governo. A opinião publica, já eu aqui o disse, deseja, quer, exige que inteira luz seja feita sobre tão nefando attentado deseja, quer, exige que toda a verdade se descubra. E ao Governo cumpre proceder por forma a desfazer a apprehensão - que infelizmente se está transformando em convicção - que o Governo insistindo, teimando em não substituir tão inqualificavel magistrado, propositada e conscientemente collabora na occultação d'essa verdade. E essa, tome o Governo cuidado, é uma maneira de ser de cumplicidade.

Falo com o maior desassombro e não dou com as minhas palavras nenhuma novidade á Camara. O que digo é o que por toda a parte se murmura e se repete; por isso, cumpre ao Governo mostrar claramente ser o primeiro a querer que toda a verdade se apure.

Todas as vezes que, sobre este tristissimo e angustioso assunto, tenho a honra de falar nesta Camara - e continuarei emquanto tiver um' alento de vida e satisfação não for dada á consciencia do meu país - as cartas anonymas com ameaças de morte, insultos, injurias e doestos caem-me em casa aos montes!

Se essas vis e cobardes ameaças se tornarem uma realidade e se eu, por pedir justiça - só justiça, attente bem a Camara - tiver de ser victima, possa o facil sacrificio da minha vida ser o primeiro e seguro passo para tão vergonhoso mysterio de todo se desvendar.

Sinto não ver presente o Sr. Presidente do Conselho por se prender este tristissimo assunto com a pasta do Reino. O nobre Ministro da Justiça, meu antigo amigo e contemporaneo, terá com certeza a bondade de lhe repetir as minhas palavras.

S. Exa o Sr. Presidente do Conselho virá a esta Camara, mas por Deus que não venha aqui cansar-se, fatigar-se a titubear protestos; que não venha repetir-nos que está ahi ás ordens dos partidos e pronto a gostosamente sair ao menor aceno d'elles; que se não classifique tambem em estadista de segunda ou terceira linha. Deixe esse cuidado aos outros. Emquanto ahi estiver procure, tão somente, honrar esse logar. É esse o seu dever. Actos e não palavras. A lei, só a lei, é um bello lemma, mas cem justiça cega para a sua integral applicação, cega para não ver nem assassinos, nem cumplices

Actos e não palavras, que é o que o país reclama para honra de nós todos!

O Sr. Ministro da Justiça: - (Campos Henriques): - Se o Digno Par se tivesse limitado a fazer uma declaração do seu voto nada teria a dizer-lhe. O Digno Par, porem, não se limitou a isso.

S. Exa. arguiu violentamente o Governo e dirigiu-lhe accusações injustas e sem sombra de razão. Tão violentas è tão descabidas que iguaes ou identicas não foram ouvidas nesta Camara, feitas por parte de outros Dignos Pares, nem na Camara electiva, feitas por parte dos Srs. Deputados que representam as ideias mais avançadas.

Estranho Governo, nos chamou o Digno Par!

Estranho Governo porquê?

Por acceitar a direcção dos destinos do país numa situação difficil e angustiosa?

Por cumprir rigorosamente a lei, mandando abrir as portas das cadeias áquelles que nellas jaziam era consequencia de não terem sido respeitadas as garantias individuaes?

Por não ter só feito isto, mas ainda conseguido restabelecer a normalidade, não. permittindo que subsistissem quaesquer decretos que atacavam a essencia da constituição, e que deixavam as liberdades publicas e as garantias dos cidadãos ao dispor do Governo?

O Sr. Conde de Arnoso: - Eu ataquei o Governo por uma só cousa.

O Orador: - Pode o Digno Par accusar o Governo por uma só cousa ou por aquellas que quiser porque d'estes logares ha de haver sempre quem responda a tudo e por tudo com razão e com justiça.

O Sr. Conde de Arnoso: - Mas d'essas cousas que o Digno Ministro acaba de expor não teve o meu ataque.

O Orador: - O Digno Par accusou ainda o Governo por muito mais. Não hesitou S. Exa. em insinuar que o Governo era responsavel, senão cumplice, no facto de se não descobrir os autores do regicidio.

Não ha accusação mais injusta, mais infundada. O Governo, desde o seu primeiro dia em que tomou conta do poder, até hoje, incessantemente, não interrompeu o inquerito, nem deu outras ordens ou instrucções que não fossem dentro da lei, para o apuramento da verdade e applicação da justiça. Não foi nem podia ser cumplice de regicidas.

Supponha-se que não estão apurados muitos factos, que não está bastante adeantado o inquerito. Será isto razão bastante para accusar o Governo ou os seus agentes de não terem empregado esforços para por meio d'esse inquerito se chegar ao descobrimento da verdade?

O que eu posso affirmar é que todas as diligencias se teem feito e continuarão a fazer-se com isenção absoluta, e vontade firme de chegar ao apuramento da verdade.

Desculpem-me V. Exa. e a Camara se falo cem tanto calor, mas perante uma accusação tão violenta, injusta e inesperada por parte de quem eu nunca póde suppor capaz de tal injustiça, eu não posso deixar de repellir o que o Digno Par acaba de dizer, impensadamente, em relação a um Governo de que faz parte um homem, seu companheiro e amigo dedicado.

Estranhou o Digno Par que, depois de quatro longos meses, se não tenha apurado tudo o que se relaciona com o regicidio, mas S. Exa., embora estranho á politica, como diz, que acompanhou com tanto enthusiasmo, tanta paixão, tanto amor a situação passada, não estranhou...

O Sr. Conde de Arnoso: - V. Exa. faz favor de dizer em que se traduz esse amor e paixão com que acompanhei a situação passada?

Pedi alguma vez a palavra, ou dei-lhe o meu voto?

O Orador: - O Digno Par ha de permittir que eu me defenda, e dispensar-me a mesma attenção e cortesia com que o ouvi, não obstante a violencia da sua accusação.

O Sr. Conde de Arnoso: - Eu comprehendo perfeitamente que V. Exa.

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defenda tudo, mas que não accuse com invenções.

O Orador: - Não são invenções e são factos.

Pois então não era o Digno Par membro d'esta Casa do Parlamento, como é hoje, e não deu o seu voto ao Governo transacto?

Porque não se levantou, então, o Digno Par e disse, em relação á situação passada, o que diz em relação a esta?

O Sr. Conde Arnoso: - Estavam as Camaras encerradas.

O Orador: - Mas, porque é que o Digno Par agora, com o Parlamento a funccionar não estranha que essa situação passada, tendo agentes policiaes tão experimentados e tão habeis, só tivesse conhecimento da fabricação de bombas explosivas quando esses instrumentos mortiferos faziam victimas aquelles que os fabricaram? (Apoiodos).

Que policia arguta e previdente era essa que, não hesitando perante quaesquer actos violentos e arbitrarios, só dava pelas bombas quando ellas explodiam? (Muitos apoiados).

Porque não estranhou esse facto extraordinario?

(Aparte do Sr. Conde de Arnoso, que se não ouviu).

O Digno Par, ha de ter a paciencia de me ouvir, porque eu tambem o escutei com bastante cortezia e attenção.

Não estranhou, tambem, o Digno Par que essa situação passada, correndo por toda a parte a noticia de que a Familia Real seria assassinada na sua vinda de Villa Viçosa (Apoiados), deixa que ella desembarque no Terreiro do Paço Sem a minima precaução, e isto no proprio dia em que se publicava o celebre decreto que deixava a liberdade, a vida, a honra do cidadão á mercê das autoridades.
(Muitos apoiados).

Porque não impediu esse crime, e deixou a carruagem real absolutamente abandonada. (Muitos apoiados).

O Sr. Conde de Arnoso: - Eu não posso accusar um homem que está ausente do país.

O Orador: - Eu não podia deixar de defender-me da accusação violenta e gravissima que o Digno Par me fez e aos meus collegas.

Referiu-se o Digno Par ao cavalheiro que actualmente occupa o logar de juiz de instrucção criminal.

Pois eu affirmo ao Digno Par que o juiz de instrucção criminal é um magistrado intelligente, tem dado provas da sua actividade, do seu zelo e da sua competencia.

O Digno Par foi ainda mais longe, e disse que era tão estranho e tão deshumano o procedimento do Governo, que nem sequer no Discurso da Coroa se encontram palavras de sentimento e pezar em relação ao odiosissimo attentado de que foram victimas El-Rei D. Carlos e o Principe D. Luis Filipe.

Pois não está esse sentimento bem expresso no diploma que inaugurou a actual sessão legislativa?

Pois não se sabe que o Governo, como todos os portugueses, condemnou viva e sentidamente esse revoltante attentado ?

Sr. Presidente: ainda por ultimo o Digno Par disse que de bom grado arrisca a sua vida para se descobrir o criminoso ou criminosos.

Tambem eu e todos os que nos sentamos nestas cadeiras estamos dispostos a cumprir honradamente o nosso dever, e não hesitariamos em acompanhar S. Exa., recebendo a morte com satisfação e orgulho.

Tenho dito. (Apoiados).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Arnoso: - V. Exa. dá me licença que eu faça uma ligeira observação.

O Sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra a V. Exa. sem consultar a Camara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camra tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Conde de Arnoso: - Agradeço a V. Exa. a e á Camara consentirem que use ainda da palavra. Apenas desejo pôr bem em evidencia o mau sestro que faz que me respondam sempre a cousas que não disse. Dir-se-ha que as minhas palavras não reproduzem a expressão das minhas ideias.

O que tive a honra de dizer á Camara não foi, o que seria ridiculo, que estava pronto a dar a minha vida em troca da descoberta dos assassinos de S. M. El-Rei D. Carlos e de S. A. o Principe Real, ambos de saudosissima memoria.

Vou repetir as rainhas palavras: sempre que tenho a honra de falar nesta Camara sobre este historico assunto as cartas anonymas com ameaças de morte caem-me em casa aos montes.

Se essas infames ameaças se tornarem uma realidade, e tiver de ser victima, possa o facil sacrificio da minha vida servir para a descoberta dos verdadeiros assassinos de S. M. El-Rei e de S. Alteza o Principe Real.

Isto é bem differente. S. Exa., o Sr. Ministro, diz que está pronto a dar a sua vida para essa descoberta se fazer. Acredito firmemente as palavras de S. Exa., e felicito-o sinceramente por tamanha abnegação.

(S. Exa. não reviu).

O Sr Conde do Bomfim: - Em má hora lhe chega a palavra; mas, tendo-a pedido, cumpre o seu dever, expondo concisa, mas serenamente, á Camara, o que lhe suggere o assunto em discussão, e algumas passagens dos discursos proferidos pelos oradores que o antecederam.

Todos conhecem o desgosto profundo por que acaba de passar. (Apoiados).

Está muito reconhecido ao Governo e a muitos amigos que, no transe dolorosissimo do fallecimento de sua esposa, lhe testemunharam as suas condolencias e lhe deram provas da muita estima que lhe consagram.

De entre todas essas homenagens, seja-lhe permittido destacar a que lhe foi prestada pelos membros da Familia Real Portuguesa, e seria disprimor e ingratidão, se elle não protestasse bem alto contra esse monstruoso e hediondo attentado que feriu o coração amantissimo de uma Rainha, sublime de heroicidade, enlutou a alma do actual Rei, e acrescentou dias amargurados a essa Princesa de Saboia, a excelsa viuva de D. Luiz I, que pelos seus actos benemeritos, mereceu o cognome de "anjo da caridade".

Tem-se alludido ao tragico acontecimento de 1 de fevereiro, em termos de immenso desfavor para esta terra, que disfrutava a fama de ser habitada por gente em extremo pacifica, e nunca dada a violencias.

Está completamente de acordo com todos os que se pronunciam contra esse acto execrando, improprio de uma capital civilizada, e absolutamente inadmissivel num país, que de ha muito aboliu a pena de morte.

Applaude a organização do actual Ministerio, e a maneira por que elle se tem conduzido no intuito de fazer que Portugal se veja liberto de uma crise gravissima.

Não comprehende as accusações que se fazem aos partidos, e muito menos as que teem por alvo o actual chefe do partido regenerador, o Sr. Julio de Vilhena.

Merece-lhe elogio a resolução do Conselho de Estado que indicou para a presidencia do Governo um homem verdadeiramente intelligente e com uma larga e honrosa folha de serviços ao seu país, e com cuja amizade se honra.

Não menos elogio lhe merece a escolha do Digno Par Julio de Vilhena para a chefia do partido regenerador.

Entende que S. Exa., pelo seu talento, pela experiencia dos negocios

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

publicos, pela sua vastissima illustração, está verdadeiramente nos casos de presidir a uma situação politica.

Tambem varios oradores se teem referido á questão dos adiantamentos, e ainda a ella alludiu, na presente sessão, o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Foi elle, orador, o primeiro, ou um dos primeiros, que nesta casa se insurgiu contra a inopportunidade das declarações do Sr. João Franco acêrca dos adeantamentos á Casa Real, por isso que entendia e entende ainda que os homens publicos teem obrigação de pesar as suas palavras, e evitar tudo que possa macular as Instituições, que elles teem obrigação de defender.

Pela sua parte deseja que esta melindrosa questão se resolva de forma a não affectar a Instituição monarchica

Não são exactas as palavras do Digno Par Sr. Alpoim, quando diz que os partidos se conservaram mudos a respeito d'esses adeantamentos.

O orador aponta as declarações do fallecido Hintze Ribeiro a tal respeito, em uma das sessões do anno passado.

É preciso que se liquide esta questão, de modo a não embaraçar a marcha do novo reinado. (Apoiados).

Pela sua parte entende que será de alta conveniencia separar a lista civil da questão dos adeantamentos. (Apoiados).

Refere se tambem o Discurso da Coroa ás reformas politicas.

Sendo conservador, pronuncia-se a favor de uma Camara essencialmente ponderadora, que possa corrigir as tendencias demagógicas. Se persiste em se declarar conservador, não desconhece a marcha da civilização e a necessidade que ha, em determinadas conjunturas, de satisfazer a opinião publica.

Pela sua parte, amoldar-se-ha ás circunstancias que se apresentarem, sujeitando-as, é claro, ao seu criterio; mas, por agora, entende que a quaesquer reformas de natureza politica, que podem mais ou menos agitar os espiritos, sobreleva a questão financeira, o desenvolvimento economico do país e tudo que diz respeito ás provincias ultramarinas.

Agrada lhe a parte do Discurso da Coroa que se refere á reforma da policia, porque ella está mal vista.

Bom será que esse corpo, convenientemente remodelado, imite no seu proceder o exercito, que tão briosa e honradamente cumpre a espinhosa missão que lhe está confiada.

Doeu lhe ver que o Sr. Presidente do Conselho classificasse de aleijão o Supremo Conselho de Defesa Nacional. Pensa que S. Exa., nas suas frases, foi suggestionado pelo espirito do seu antigo chefe; mas faz a justiça de crer que taes palavras se não referem aos cavalheiros que compõem o Conselho de Defesa Nacional.

Aqui, nesta Camara, mostrou-se adverso á criação do Supremo Conselho; mas manda a verdade que se diga que algumas vantagens teem resultado d'essa organização e, entre ellas, está a de conciliar as opiniões divergentes que se manifestaram por parte dos cavalheiros que se succediam na gerencia da pasta da Guerra.

Pelo que respeita aos actos da ditadura, deseja que sejam revogados todos aquelles que offendem as liberdades publicas.

Mais uma vez protesta contra essa ditadura, que gerou acontecimentos que bem podiam pôr em risco a nossa autonomia, visto que a elle está ligada a conservação do systema que actualmente vigora.

Mal se explica que, num país de tão brandos costumes, se dessem occorrencias deploraveis, como as de 1 de fevereiro.

Tem assistido a espectaculos verdadeiramente impressionantes, como o de ver cortada a cabeça a um irmão seu numa guerra africana; mas mais que esses factos, que teem uma explicação natural na apreciação do valor do inimigo, embora seja um negro, vivamente o encheu de assombro essa tragedia que alevantou a reprovação europea, monarchica e republicana, esquecendo as paginas brilhantes da nossa historia.

Depois de mais algumas considerações, pronuncia-se a favor da amnistia, para os que d'ella forem dignos; mas mostra a necessidade de que a majestade da justiça se possa exercer desassombradamente. ( Vozes: - Muito bem).

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra e em appendice., quando S. Exa. tenha, revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara se me autoriza a retirar a minha moção.

Consultada a Camara deliberou affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do Digno Par o Sr. Dantas Baracho.

Lida na mesa, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Lido na mesa, foi approvado.

O Sr. Presidente: - A deputação que ha de ir entregar a El Rei a resposta ao Discurso da Coroa, é composta dos Dignos Pares os Srs.:

Julio de Vilhena.

Pimentel Pinto.

Teixeira de Sousa.

Dias Costa.

Eduardo Villaça.

Veiga Beirão.

José de Alpoim.

Marquez de Avila e Bolama.

Ayres de Ornellas.

Antonio Candido.

José de Azevedo.

Conde de Monsaraz.

A seguinte sessão será na terça feira, 9, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de junho de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Figueiró, de Logoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva. Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Maçaria de Castro e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor.

JOÃO SARAIVA.

Synopse dos decretos a que se refere o officio d'esta data

Decreto de 18 de abril de 1907. - Concedendo a isenção de direitos para todo o material destinado ás installações da luz electrica em Benguella. (Diario do Governo n.° 88).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Criando a Direcção do Caminho de Ferro de Mossamedes e regulando o seu funccionamento. (Diario do Governo n.° 93).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Tornando extensivo ás provincias ultramarinas o de-

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creto de 24 de dezembro de 1903, que regula no reino a forma do pagamento de emolumentos, contribuição indubtrial e imposto do sêllo nos processos, papeis e mais actos judiciaes. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Fixando os vencimentos dos professores do Lyceu de Nova Goa e de Macau. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Determinando que o escrivão do julgado municipal do Chinde possa celebrar os actos do tabellionato. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Tornando extensivas ao ultramar as disposições da carta de lei de 4 de maio de 1896, sobre materia de processo criminal. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Tornando extensivas ao Estado da India as disposições da lei e regulamento vigentes no reino sobre a assistencia judicial civil. (Diario do Governo n.°94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Concedendo autorização ao intendente do Governo na Beira para em determinados documentos poder reconhecer as assinaturas dos agentes consulares portugueses na Rhodesia. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907 - Autorizando o Governo a pôr em execução no ultramar, com varias alterações, o decreto de 14 de agosto de 1889 relativo á criação de tribunaes de arbitros avindures. (Diario do Governo n.° 94).

Decreto de 25 de abril de 1907. - Fixando a linha de separação entre os districtos da Zambezia e de Moçambique. (Diario do Governo n.° 96).

Decreto de 2 de maio de 1907.- Alterando algumas disposições do contrato existente com a companhia concessionaria do abas teoirnento de aguas da cidade de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 102).

Decreto de 2 de maio de 1907.- Tornando extensivas ao ultramar, para os chefes das repartições administrativas das secretarias militares, seus delegados e commandautes de unidades e destacamentos a faculdade de tomar e expedir vales de serviço pelo correio (Diario do Governo n.° 101).

Decreto de 10 de abril de 1907.- Modificando a constituição do Conselho Inspector de Instrucção Publica da provincia de Moçambique (Diario do Governo n.° 108).

Decreto de 10 de maio de 1907. - Estabelecendo um imposto de consumo para o peixe vendido avulso em Lourenço Marques, quando pescado fora das aguas territoriaes (Diario do Governo n.os 108 e 119).

Decreto de 10 de maio de 1907. - Applicando nos territorios da Companhia do Nyassa o regulamento para os conselhos de gueria nos territorios da Companhia de Moçambique, approvado por decreto de 5 de julho de 1894. (Diario do Governo n.° 126 e Boletim Militar do Ultramar n.° 10).

Decreto de 23 de maio de 1907. - Approvando o regulamento e progammas de instrucção primaria portuguesa, maratha e guzerathe no Estado da India. (Diario do Governo n.os 118 e 122).

Decreto de 23 de maio de 1907.-Substituindo dois artigos do decreto com força de lei

Decreto de 29 de maio de 1907.- Confirmando, com modificações, a portaria do Governo da provincia de Angola que regula o processo e decisão das questões gentilicas. (Diario do Governo n.° 123).

Decreto de 12 de junho de 1907. - Estabelecendo o regime a seguir relativamente aos compendios que devem ser adoptados nas escolas de ensino primario e normal das provincias ultramarinas. (Diario do Governo n.° 133).

Decreto de 12 de junho de 1907 - Fixando as ajudas de custo que devem ser abonadas ao pessoal .dos quadros dad obras publicas do ultramar e dos caminhos de ferro ultramarinos quando em serviço fora da sede da sua residencia. (Diario do Governo n.as 134 e 217).

Decreto de 27 de junho de 1907. - Estabelecendo as regras de promoção e reforma dos sargentos ajudantes, sargentos quarteis-mestres e primeiros sargentos das guarnicões do ultramar. {Diario do Governo n.° 167 e Boletim Militar do Ultramar n.° 12).

Decreto de 20 de junho de 1907. - Determinando o tempo do serviço que os officiaes dos quadros do ultramar devem ter nos respectivos postos para promoção ao posto immediato. Diario do Governo n ° 167 e (Boletim Militar do Ultramar n.° 12).

Decreto de 1 de junho de 1907. - Approvando o contrato celebrado entre o Estado e a The Eastern South African Telegraph Company Limited para troca de terrenos na cidade de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 139).

Decreto de 27 de junho de 1907. - Concedendo a Emilia J3raga Nunes Pimentel o dominio directo de 200 hectares de terreno baldio, sito no prazo Cuvi, do districto militar de Tete. (Diario do Governo n.os 144 e 147).

Decreto de 27 de junho de 1907. - Approvando o programma de concurso e co dições para a adjudicação do jazigo de petróleo de Pualaca, na Ilha de Timor. (Diario do Governo n.os 148, 150, 154 e 156).

Decreto de 27 de junho de 1907.- Regulando a cobrança dos rendimentos das provincias ultramarinas e a sua applicação ás despesas das mesmas provincias no exercicios de 1907-1908 (Diario do Governo n.° 159).

Decreto de 4 de julho de 1907. - Approvando o regulamento para a exploração dos vai rés abandonados em aguas profundas nos mares do archipelago de Cabo Verde. Diario do Governo n.° 152).

Decreto de 13 de julho de 1907. - Approvando o regulamento para o lançamento e cobrança do imposto urbano na povoação da Beira, capital do territorio de Manica e Sofala. sob a administração da Companhia de Moçambique (Diario do Governo n.° 159).

Decreto de 26 de julho de 1907. - Approvando o regulamento geral do trabalho dos indigenas no territorio sob a administração da Companhia de Moçambique. (Diario do Governo n.os 168 e 171).

Decreto de 26 de julho de 1907.- Approvando o regulamento para o commercio e colheita de borracha indigena no territorio de Manica e Sofala, sob a administração da Companhia de Moçambique. (Diario do Governo n.os 171 e 172).

Decreto de 26 de julho de 1907. - Approvando o recrutamento de indigenas no territorio de Manica e Sofala, sob a administração da Companhia de Moçambique. (Diario do Governo n.os 172 e 173).

Decreto de 19 de agosto de 1907. - Regulando as condições em que deve ser concedida a reforma extraordinaria aos facultativos e pharmaceuticos dos quadros de saude do ultramar durante o tempo de serviço obrigatorio. (Diario do Governo n° 186).

Decreto de 19 de agosto de 1907. - Alterando os prazos fixados no regulamento do ensino primario da provincia de Angola para a confecção da estatisca escolar, snu entrega e publicação. (Diario do Governo n.º 187).

Decreto de 19 de agosto de 1907. - Mantendo no distrito de Lourenço Marques a faculdade dos recursos extraordinarios em mater a de contribuição predial. (Diario do Governo n.º 194).

Decreto de 19 de agosto de 1907. - Regulando os vencimentos que competem aos officiaes do exercito do reino em commissão no ultramar e aos quadros das forças ultramarinas em varias situações, (Diario do Governo n.° 218 e Boletim Militar do Ultramar n.° 16).

Decreto de 30 de agosto de 1907. - Approvando o regulamento da concessão de licenças para o commercio de importação, exportação e venda de sal na provincia de Macau. (Diario do Governo n.° 196).

Decreto de 30 de agosto de 1907. - Approvando o regulamento da matança de gado suino em Macau e da cobrança do imposto unico de consumn sobre o mesmo gado. (Diario do Governo n.° 196).

Decreto de 30 de agosto de 1907.- Determinando que sejam abertos á navegação de cabotagem os portos da Ilha de Pulo Cambing, do districto autonomo de Timor. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 30 de agosto de 1907. - Approvando o regulamento dos serviços sanitarios da provincia de Moçambique. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 30 de agosto de 1907. - Criando uma capellania na aldeia de Loliem, Estado da India. (Diario do Governo n.º 198).

Decreto de 30 de agosto de 1907. - Criando a taxa de 20 réis por palavra pelas communicações de interesse particular feitas pelos postos semaphoricos da provincia de Cabo Verde (Diario do Governo n.° 199).

Decreto de 7 de setembro de 1907 - Approvando o regulamento da capitania dos portos d s territorios de Companhia do Nyassa. (Diario do Governo n.° 205).

Decreto de 7 de setembro de 1907. - Precisando as condições em que as embarcações

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que forem carregar sal nas Ilhas do Maio, Boa Vista e do Sal, da provincia de Cabo Verde, poderão ter o bonus de 50 por cento no pagamento das despesas do porto e alfandegas. (Diario do Governo n° 205).

Decreto de 21 de setembro de 1907. - Limitando a trezentos e sessenta dias o prazo por que os funccionarios do Estado em serviço no ultramar podem estar ausentes dos seus logares ou commissões. (Diario do Governo n.° 214).

Decreto de 21 de setembro de 1907 -Alte - rando o artigo 7.° do regulamento para a pesca da baleia nos mares do archipelago de Cabo Verde. (Diari, do Governo^0 216).

Decreto dê 21 de outubro de L907. - Approvando o regulamento para o abono de transportes aos funccionarios publicos, na provincia da Guiné. (Diario do Governo n.º 240).

Decreto de 21. de outubro de 1907. - Autorizando o governador geral da provincia de Moçambique a prorogar os arrendamentos dos prazos da Coroa da Zambezia. (Diario do Governo n.° 241).

Decreto de 28 de outubro de 1907. - Modificando os vencimentos dos empregados do quadro aduaneiro do Estado da India. (Diario do Governo n.° 247).

Decreto de 21 de novembro de 1907.- Autorizando a Companhia de Moçambique a lançar uma taxa fixa em cada aforamento de terrenos para estabelecimento de feiras dentro dos prazos da Coroa comprehendidos na area da sua jurisdição. (Diario do Governo n.º 166).

Decreto de 21 de novembro de 1907. - Approvando o regulamento da capitania dos portos da provincia de S. Thomé e Principe. (Diario do Governo n.° 267).

Decreto de 18 de novembro de 1907 - Alterando o regime de tributação sobre alcooes e aguardentes em diversos districtos da Africa Oriental e Occidental. (Diario do Governo n ° 181).

Decreto de 28 de novembro de 1907. - Prohibindo a exportação pelas alfandegas de Moçambique, de angoras, avestruzes e ovos de avestruzes, excepto nos esses indicados no § unico do artigo 1.° do decreto de 20 de setembro de 1904. (Diario do Governo n.º 273).

Decreto de 5 de dezembro de 1908 -Declarando em vigor no ultramar a portaria do Ministerio da Justiça relativa ás declarações descritivas dos predios nos documentos destinados á prova do acto sujeito a registo, de que trata o artigo 100.° do regulamento do registo predial, mandado applicar ás provincias ultramarinas. (Diario do Governo n.° 285).

Decreto de 5 de dezembro de 1907.-Declarando extensivas ao districto autonomo de Timor as disposições decretadas para a provincia de Macau acêrca da dispensa da publicação no Diario do Governo dos editos relativos a eapolios de valor inferior a réis 100$000. (Diario do Governo n.° 185).

Decreto de 5 de dezembro de 1907. - Extinguindo o batalhão disciplinar de Angola e criando em sua substituição companhias independentes com a designação de "Companhia Disciplinar de Angola (Diario do Governo n.° '12 de 1908 e Boletim Militar do Ultramar n.º 23 de 1907).

Decreto de 19 de dezembro de 1907.- Declarando em vigor no Estado da India as disposições vigentes na metropole relativamente a applicação de prisão correccional nos casos de, reincidencia e á administração do producto do trabalho dos presos. (Diario do Governo n.º 296).

Decreto de 19 de dezembro de 1907. - Regulando a reforma das praças de pret das guarnições ultramarinas. (Diario do Governo n.° 21 e Boletim Militar do Ultramar n.º 24).

Decreto de 20 de dezembro de 1907.- Revalidando por mais um anno o prazo em que podem ser permittidas, em certas condições e independentemente de hasta publica, as concessões de terreno por aforamento na provincia de Angola (Diatio do Governo n.° 289).

Decreto de 26 de dezembro de 1907. - Determinando que seja posto provisoriamente em execução na provincia de Angola o regulamento para o Deposito de Dogredados. (Diario do Governo n.° 44 e Boletim Militar do Ultramar n.° 3).

Decreto de 28 de dezembro de 1907. - Approvando o regulamento para o abono de Transportes aos funccionarios publicos em Timor. (Diario do Governo n.° 1).

Decreto de 12 de janeiro de 1908. - Approvando o Consigo de Communidades a que se refere a portaria do Governador Geral do Estado da India n.° 315. de 1 de dezembro de 1904. (Diario do Governo n.° 14).

Decreto de 20 de janeiro de 1908 - Approvando o regulamento de sanidade maritima no territorio de Sofala e Manica sob a administração da Companhia de Moçambique. (Diario do Governo n.° 19).

Decreto de 20 de janeiro de 1908. - Modifificando o contrato celebrado com a Companhia das Aguas de Loanda em 12 de dezembro de 1885, sobre o abastecimento de agua da mesma cidade. (Diario do Governo n ° 19).

Decreto de 20 de janeiro de 1008.- Determinando que pela Secretaria Geral do Governo da provincia de Moçambique e outras repartições do Estado, legalmente competentes n'aquella provincia, seja percebido o emolumento de 800 réis pelo reconhecimento de assinaturas dos cônsules portugueses na Africa do Sul, Zanzibar e India. (Diario do Governo n.° 35).

Decreto de 20 de janeiro de 1908. - Regulando a concessão da reforma por equiparação aos officiaes dos quadros do ultramar. (Diario do Governo n.° 61 e Boletim Militar do Ultramar n.° 611.

Decreto de 20 de janeiro de 1908. - Regulando a reforma segundo os annos de idade dos officiaes e combatentes e na o combatentes dos quadros do ultramar. (Diario do Governo n.° 61 e Boletim Militar ao Ultramar n.° 4).

Decreto de 20 de janeiro de 1908.- Criando nas provincias ultramarinas em que existam organizadas escolas para as praças de pret o fundo denominado fundo das escolas. (Diario do Governo n.° 61 e Boletim Militar do Ultramar n.° 4).

Decreto de 15 de fevereiro de 1908. - Modificando alguns dos preceitos da legislação sobre a concessão de terrenos no ultramar destinados á cultura do algodão. (Diario do Governo n.os 40 e 42).

Decreto de 15 de fevereiro de 1908.- Determinando que a maioria dos cargos de directores e do de presidentes da direcção e da assembleia geral da Camara do Commercio de Lourenço Marques sejam desempenhados por subditos portugueses no gozo dos seus direitos civis. (Diario do Governo n.° 40).

Decreto de 15 de fevereiro de 1908.- Concedendo as prerogativas de igreja parochial, para a realização de baptismos e casamentos, á Igreja do Rabil, na ilha da Boa Vista, e á Capella de S. João Baptista, na ilha de Santo João, ambas da diocese de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 46).

Decreto de 10 de marco de 1908. - Determinando o alargamento da via do caminho de ferro da Ilha de S. Thomé. (Diario do Governo n.° 59).

Decreto de 10 de março de 1908.- Considerando equivalente, para os fins de que trata o artigo 5.° do decreto de 4 de agosto de 1898, ao serviço dos corpos ou companhias das guarnições ultramarinas o prestado effectivamente no ultramar, pelos sargentos ajudantes, sargentos quarteis mestres e primeiros sargentos. (Diario do Governo n.° 91 e Boletim Militar do Ultramar n.° 6).

Decreto de 13 de março de 1908. - Determinando que o serviço prestado por funccionarios civis, ecclesiasticos e militares nos territorios do Humbe e nos de alem Cunene na provincia de Angola, seja contado com o aumento de 25 por cento (Diario do Governo n.° 65).

Decreto de 26 de março de 1908. - Declarando de utilidade publica e urgente a expropriação de varios predios na cidade de de Macau, para saneamento do bairro denominado Bazar Chinês. (Diario do Governo n.° 73 e 77).

Decreto de 26 de março de 1908 - Approvando o regulamento das officinas navaes da Guiné. (Diario do Governo n.os 77 e 107).

Decreto de 9 de abril de 1908.- Modificando uns artigos do contrato de concessão do caminho de ferro de Benguella. (Diario do Governo n.os 82 e 85).

Decreto de 23 de abril de 1908. - Approvando o regulamento do serviço de lançamento e cobrança do imposto, de capitação no districto autonomo de Timor. (Diario do Governo n.° 92).

Decreto de 23 de abril de 1908.- Autorizando a Companhia do Dombe Grande a conservar por mais de 10 annos os bens immobiliarios que possue no concelho de Dombe Grande, districto de Benguella. (Diario do Governo n.° 91).

Decreto de 23 de abril de, 1908. - Determinando que seja reduzido o foro inicial no aforamento de terrenos no ultramar, utilizado em pastagens e criação de gado. (Diario do Governo n.os 95 e 99).

Decreto de 23 de abril de 1908. - Regulando os serviços de emigração dos indigenas das provincias de Angola, Guiné e Moçambique, e rios estrangeiros para a provincia de S. Thomé e Principe. (Diario do Governo n.os 104, 111 e 121).

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, 1 de junho de 1908. = O Secretario Geral, F. F. Dias Costa.

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SESSÃO N.° 15 DE 5 DE JUNHO DE 1908 15

Representação enviada para a mesa nesta sessão

Senhores Deputados da Nação Portuguesa.- A Associação Commercial dos Revendedores de Viveres por Meudo no Porto, com sede na cidade do Poito, representada pelos abaixo assinados, como commissionados pela assembleia geral da mesma collectividade, tendo conhecimento de que em breves dias tereis de pronunciar-vos sobre as medidas adoptadas em ditadura pelo Governo transacto, entre as quaes a relativa ao descanso semanal, vem muito respeitosamente chamar a vossa esclarecida attenção para esse momentoso assunto, salientando os inconvenientes da sua regulamentação actual e apresentando-vos os alvitres que, em seu humilde parecer, deixam salvaguardados os direitos de todos os interessados no mesmo assunto.

Foi a associação que ora vos representa quem mais porfiadamente lutou e pugnou por que, attendendo-se ás repetidas e justas reclamações das classes trabalhadoras, se lhes satisfizesse o seu ambicionado desideratum, adoptando-se em seu favor providencias reguladoras do descanso semanal.

Tomaram-se essas providencias, é certo, mas o diploma que actualmente as encerra, olhando somente aos interesses dos emprega dos, menoscabou por completo os dos patrões, não respeitando sequer ás conveniencias, costumes e tradições dos proprios consumidores.

Assim é que, fixando-se o domingo como dia destinado ao descanso semanal, e tornando obrigatorio para todos o encerramento nesse dia dos seus estabelecimentos, não se attendeu a que na classe dos tendeiros e taberneiros, em nome dos quaes esta associação se apresenta, muitos ha que não teem empregados, sendo os proprios donos quem está. á frente do estabelecimento e por si explora o insignificante commercio em que desenvolvem toda a actividade.

Não se attendeu, por outro lado, a que é no domingo, por na véspera haverem recebido o producto do seu trabalho, que as classes operarias, solvendo os compromissos da semana anterior, costumam fazer os fornecimentos para a semana seguinte.

Não se attendeu ainda a que, sendo dos nossos costumes e tradições a realização ao domingo de feiras, mercados, festas e romanas, é precisamente desse dia que mais com pensadoramente podem os tendeiros e taberneiros exercitar a sua minguada actividade Commercial.

Por todos estes inconvenientes, alem de muitos outros que ainda poderiam apontar-se, facilmente se vê que o actual regime, tornando obrigatorio o encerramento ao domingo dos estabelecimento dos tendeiros e taberneiros, não pode, nem deve subsistir.

Ninguem aproveitando com elle, somente serve a prejudicar aquella classe, tão laboriosa como mal compensada, dos enormes sacrificios e pesados encargos que a oneram.

Impor-se lhe o encerramento- dos seus estabelecimentos ao domingo o mesmo é que tornar inteiramente impossivel a vida, já cheia de privações, que arrasta.

Uma medida de tal natureza importa para a mesma classe inutilização completa, durante, o anno, de 52 dias de trabalho, e, entretanto, nenhuma compensação se lhe offerecerido, mais pesados virão a tornar se os encargos que, como os de renda de casa, licenças e contribuições, subsistem sempre, quer se trabalhe quer não.

Eis porque, com toda a singeleza, mas ao mesmo tempo com a maior verdade, urge que na revisão a fazer do diploma sobre descanso semanal se conciliem e harmonizem os interesses de todos.

E, se o permittis, não é impossivel, nem mesmo se torna difficil obter uma solução que conduza a esse proposito.

Á associação, que ora vos representa afigura-se que, sem que d'ahi resulte prejuizo para alguem, deve espungir-se da lei toda e qualquer disposição que torne obrigatorio o encerramento, seja em que dia for, dos estabelecimentos dos. tendeiros e taberneiros, permittindo-se-lhes, pelo contrario, ampla e completa liberdade de venda.

Quanto áquelles dos mesmos estabelecimentos, cujos donos tenham a seu serviço caixeiros, a estes devem áquelles conceder o descanso semanal por turnos, escolhendo por si, sem attenção por qualquer preceito fixo da lei, o dia que para a concessão do descanso melhor convenha aos seus interesses.

Parece que por esta forma se consegue o fim a que a mesma lei visa,
respeitando-se os interesses dos caixeiros ao mesmo tempo que não se desprezam os da humilde classe, em nome da qual esta associação, certa de que não deixareis de atteudê-la, vos apresenta esta sua justa e fundada pretensão. - E. R. M. - Porto e sala das assembleias geraes da Associação Commercial dos Revendedores de Viveres por Meudo no Porto, 20 de maio de 1908.

(Seguem as assinaturas).

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 15 DE 5 DE JUNHO DE 1908 17

Discurso proferido pelo Digno Par Conde de Bomfim, que devia ler-se a pag. 11, col. 3.ª, da sessão n.° 15, de 5 de junho de 1908

O Sr. Conde de Bomfim: - Sr. Presidente: Em má hora, em momento de exaltação me chegou a palavra, mas as considerações que me proponho fazer são absolutamente serenas, as que me suggere o assunto em discussão, e algumas passagens dos discursos dos oradores que me precederam.

Sr. Presidente: mando para a mesa a minha moção, que não posso deixar de ler, porque expõe com toda a franqueza e desassombro as minhas ideias, que são contrarias diametralmente ás do Sr. Conde de Arnoso.

Essa moção diz o seguinte:

A Camara, lamentando os factos occorridos no dia 1 de fevereiro e protestando contra a infamante tragedia, confia no Governo de concentração monarchica, que, defendendo as instituições liberaes que nos regem, garantirá a autonomia da patria.

Sr. Presidente: apresentando esta moção a- Camara certamente ficará convencida do que eu affirmei: que, ao contrario do que disse o Digno Par o Sr. Conde de Arnoso, presto o meu apoio ao Governo.

Agora vou dizer as razões por que hoje falo nesta Camara, na situação especial e particular em que me encontro.

Todos teem conhecimento do profundo desgosto por que acabo de passar (Apoiados) e a todos estou muito reconhecido, e ao Governo tambem, pelas demonstrações de sentimento que recebi no transe dolorosissimo do fallecimento de minha esposa; mas entre ellas ha umas que eu não posso deixar de especializar, quaes são as que dizem respeito aos membros da Familia Real.

Sr. Presidente: seria, se outras razões não houvera, um grande desprimor da minha parte se não aproveitasse este ensejo para manifestar a minha gratidão para com a Familia Real, e ao mesmo tempo protestar bem alto contra os acontecimentos do dia 1 de fevereiro, manifestando a minha reprovação a esse horroroso e hediondo crime, que feriu o coração de uma esposa amantissima, sublime de heroicidade ante essa funesta, tragedia, que enlutou a alma do nosso Rei, e tanto veio amargurar ainda mais os dias d'essa princesa de Saboya, excelsa viuva de D. Luiz I, cujas qualidades e actos benemeritos a teem classificado com o cognome de anjo da caridade.

Agora em referencia aos discursos anteriores farei algumas considerações.

Sr. Presidente : referiu-se o Digno Par o Sr. Alpoim aos membros d'esta Camara que se não levantaram para clamar contra os acontecimentos de 18 de junho, distinguindo apenas tres que lavraram o seu protesto; e não obstante o Digno Par pretender reunir tres membros d'esta Camara a essa accusação, não lhe é facil fazê-lo, juntar aquelles que declararam que não querem viver juntos ainda' que a companhia seja boa.

E emquanto aos restantes a sua accusação é sem base.

Todos entenderam que bastava que o Sr. Alpoim com a sua autoridade, que é grande, discutisse e pedisse contas ao Governo por esse acto, para não intervir excitando o debate. Mas não ha parallello entre esses acontecimentos que provêem sempre da luta entre desordeiros, ou discolos e a força publica, embora se lamentem os resultados sangrentos que d7elles resultam e a perda de vidas, e o attentado, barbaro, traiçoeiro, execrando, que arma o braço assassino contra o Rei, tirando-lhe a vida, e a do Principe herdeiro, attentado que não se pode admittir numa cidade civilizada, e num país que aboliu a pena de morte.

Crime horrivel, que pôs em perigo não só alguns membros da Familia Real, mas ainda toda a dynastia de Bragança, e quiçá a autonomia da nação. (Apoiados).

Tal facto foi, e muito bem, condemnado, não só no país, por todos aquelles que teem uma razão firme, fria e serena, mas por todas as potencias estrangeiras, quer sejam monarchicas ou republicanas.

Sr. Presidente: vamos por partes analysar os pontos a que se refere o Discurso da Coroa, reformas politicas, reforma da policia, e outras, mas antes permitia V. Exa. que eu me refira ainda mais uma vez aos- acontecimentos qiie tanto emocionaram a nação portuguesa, que tanto sobresaltaram o país inteiro, em torno dos quaes, os homens publicos cheios de acrisolado patriotismo, que são dedicados á monarchia. se reuniram para defender as instituições e salvar a patria.

Foi em consequencia de factos tão graves que o Conselho de Estado entendeu que era preciso dar razão á opinião publica, que era necessario acabar com a ditadura, expulsar do governo da nação o ditador, e formar um Governo que pudesse pela sua força impor-se á opinião publica e dispor de elementos fortes, para que o país pudesse atravessar esta difficil crise politica que tudo ameaçava submergir.

Podia divergir-se de que o Governo não fosse exclusivamente de um partido, como a meu ver é obrigação dos partidos não declinarem a administração do Estado, nas circunstancias difficeis; mas que os partidos monarchicos sejam hoje accusados por terem preferido um Governo de concentração monarchica, e entenderem que mais força lhe vinha da união dos dois grandes partidos, parece injusta a accusação.

E os partidos são accusados ainda por differentes formas, e accusaram nos por terem commettido erros, mas essas accusações são tão contraditorias que confesso a V. Exa. que não chego a comprehendê-las.

Vejo por um lado atacar os partidos, por se terem unido, por os seus chefes não terem assumido a responsabilidade do poder.

Ora de duas uma: ou elles não merecem censura, ou então não valia a pena virem atacar o Sr. Julio de Vilhena, por ter andado afastado da politica partidaria.

O Sr. Julio de Vilhena, espirito de predilecção, meu companheiro nas lides parlamentares, do tempo de Fontes, caracter immaculado, e um ornamento da tribuna, cujos conhecimentos literarios e trabalhos lhe adquiriram reputação europeia, seria um chefe de situação, mesmo no momento actual, com força e autoridade.

E ufano-me de o ter procurado para chefe, que tão bem acceite tem sido.

Foi o Sr. Ferreira do Amaral comtudo o escolhido para Presidente do Conselho, o que nesta occasião constitue um sacrificio. O Sr. Ferreira do Amaral é um homem em quem todos reconhecem grandes faculdades de trabalho, e todos aquelles :que o Sr. Ferreira do Amaral escolheu para companheiros são homens dignos de toda a nossa confiança.

Por conseguinte o Governo que se

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18 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

assenta naquellas cadeiras merece tambem a minha confiança e dou-lhe o meu apoio.

Na occasião presente todos nos deveriamos juntar por interesse da vida nacional, para assegurar o credito publico.

Sr. Presidente : eu lamento que na occasião presente se levantem questões irritantes quando tudo aconselha a paz e a serenidade.

Sobre a questão dos adeantamentos, eu não comprehendo, em minha consciencia, quaes sejam os culpados a quem accusam. O chefe do partido regenerador, Sr. Julio de Vilhena, que hoje é, e muito bem, chefe d'esse partido, conservou-se durante muitos annos afastado da politica militante.

O Sr. Julio de Vilhena foi eleito chefe d'esse partido pelas suas qualidades e pelos seus serviços e com o apoio de todos os marechaes do partido.

É evidente que sendo só agora que o Sr. Julio de Vilhena voltou para as lides politicas, nada tem com os adeantamentos.

Por parte do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa estão explicadas quaes as responsabilidades nesses adeantamentos, e a sua natureza e elle saberá defender-se das accusações que lhe imputaram e justificar-se.

E note-se de passagem que estes factos em nada se aproximam, e ainda bem, aos processos de Henrique VIII, Ricardo II e Henrique IV, de Inglaterra.

Eu fui o primeiro que se revoltou contra a inopportunidade do Presidente do Conselho de então vir aqui falar sobre adeantamentos á Casa Real, declarando-os illegaes.

Era evidente que o Presidente do Conselho pretendendo guerrear os que adeantassem, desprestigiava as instituições se dos adeantamentos aproveitassem.

Era um mau serviço prestado á Coroa.

E assim tres chefes de partidos protestaram, tambem, contra semelhante desorientação, procurando, como era seu dever, cobrir a Coroa com a sua reponsabilidade. E agora ataca-se um partido inteiro de que era chffe Hintze Ribeiro ; e estranho que depois de mortos sobre o tumulo se levante alguem para impugnar o passado d'esse homem, que a morte ceifou e que já agora com a sua potente voz não pode confundir os seus adversarios.

Nunca eu iria perturbar a paz do tumulo fazendo accusações d'esta ordem, tanto mais que, quando era vivo, o presidente do conselho de então disse o contrario d'aqulllo que se affirma nesta Camara, o contrario do que affirmou o o Sr. Conselheiro José de Alpoim.

O Digno Par Sr. Aipoim disse que o partido regenerador tinha estado mudo até ao presente, em que vieram a lume as declarações do Sr. Teixeira de Sousa, affirmação inexacta, porque quem ler o discurso do Sr.. Hintze Ribeiro, por essa occasião proferido, com clareza e nitidez em todas as suas linhas, verá que elle disse que não houve adeantamentos feitos ao Rei ou á Casa Real, que, por vezes, se o Governo entendia que as verbas despendidas pela dotação não eram sufficientes para as recepções officiaes, obras nos Paços Reaes e outras despesas de certa ordem, o Governo tinha encorporado no orçamente do Estado essas despesas, porque ao Estado cumpria manter a dignidade das instituições.

Portanto, não é exacto que a questão não viesse ao Parlamento explicada pelo
ex-Presidente do Conselho de então, e não é exacta a accusação de que o partido regenerador esteve mudo até hoje parecendo que se queria inferir que se tinha desviado dinheiro do Estado para o fazer entrar no bolso da Familia Real.

Mas, Sr. Presidente, se esta questão está apresentada pelo Governo na outra casa do Parlamento, se é depois da discussão lá que nós detemos tomar conhecimento d'ella, como é que, nesta Camara conservadora, se vem hoje, de proposito, fazer d'esses adeantamentos uma questão irritante?

É preciso esperar; e necessario se torna liquidar esta questão, para afastar responsabilidades que possam advir ao novo Monarcha, e desembaraçar a marcha do novo reinado. (Apoiados).

Creio, Sr. Presidente, que não quererão, nem poderão fazer-se cair accusações d'essa ordem sobre o Rei actual?

Elle não pode, de forma nenhuma, acceitar a mais pequena responsabilidade. (Apoiados).

Portanto, Sr. Presidente, ás Camaras compete a observancia da Constituição, que determina que se estabeleça a lista civil. E se, de facto, pode haver opinião divergente de que essa lista civil, seja separada da questão dos adeantamentos, para mim estou perfeitamente de acordo em que seria, talvez, o melhor caminho. (Apoiados).'

Se a questão porem está apresentada por tal maneira que, hoje, isso pode trazer maior demora na sua liquidação, então liquide-se o mais depressa possivel, para acabar de vez aquella macula que pesa sobre as instituições monarchicas, que eu desejo sejam respeitadas.

Programma-s dos partidos!

Uma outra questão se apresenta aqui : a dos programmas dos panidos.

O programma dos partidos ao presente é o programma feito nas suas assembleias, e desde o momento em que subiu ao poder um Governo de concentração monarchica, era esse Governo de concentração monarchica que deveria dar cumprimento á resolução tomada nas assembleias dos partidos monarchicos que se tinham colligado.

O que é que se pretendia nesse programma?

Pretendia-se o que eu expus numa moção que apresentei ao Sr. Julio de Vilhena: que se respeitasse o codigo politico da nação para que as ditaduras se não fizessem e que assim como o Rei se compromettia a observar a lei, todos os homens publicos, todos os governantes, se compromeitessem a não fazer mais ditadura.

Era muito importante que o facto se affirmasse por esta forma, que todas as liberdades publicas fossem perfeitamente garantidas, que, d'esses decretos da ditadura que quasi aniquilaram as instituições liberaes, fossem revogados os que immediatamente podiam ser derogados, restituindo-se as garantias individuaes.. . a liberdade de imprensa, as immunidades parlamentares, erguer o imperio da lei.

E para satisfazer a opinião publica era necessario derogar essas leis especiaes, que tanto tinham alarmado o espirito publico.

Era necesario que desapparecesse tudo o que esse Governo tinha feito.

Era preciso, era indispensavel assegurar a normalidade completa, reunir e convocar as Camaras, e restabelecer o direito de reunião, de associação, restabelecer emfim todas as liberdades que haviam sido supprimidas.

Mas o Discurso da Coroa que eu analyso tem differentes partes.

Ha ainda, portanto, a discutir um outro ponto do Discurso da Coroa que trata das reformas politicas.

Sr. Presidente: eu sou conservador;, mas desejo que o poder executivo obedeça ás indicações dos representantes da nação.

Sou conservador, e por isso me não repugna o principio hereditario, na monarchia hereditaria, uma vez que elle tivesse alicerces em que assentasse.

E em todo o caso quando não exista, _ entendo que este Camara deve manter a sua feição conservadora para corrigir os desmandos da Camara electiva e os excessos demagogicos.

A boceta de Pandora é preciso não confiar nella demasiado eivada de vicios a eleição como está.

Sou conservador, mas não deixo de reconhecer que a civilização tem exigencias, a que é preciso attender.

Sou conservador, repito,, mas nem por isso deixarei de me amoldar ás circunstancias, quando ellas se apresentarem.

Tenho a este respeito, opiniões assentes G definidas, mas a occasião determinará, quando chegar, o que será mais conveniente.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 15 DE 5 DE JUNHO DE 1908 19

Neste momento não convem tratar de questões que agitem os espiritos.

Nesta occasião devemos de preferencia olhar para as nossas finanças e para o nosso dominio colonial.

Só os que lá estiveram, como eu, e que viram o atraso em que tudo se encontrava em tempos, é que podem dizer o que se tem feito e ainda o que se poderá fazer e quanto se tem progredido.

Chegou a desesperança a ponto de se falar na venda das colonias, sem se pensar que a manutenção d'ellas está ligada á nossa autonomia.

Não posso deixar de confessar que se tem feito muito, mas é preciso proceder com mais cautela, e evitar que os melhoramentos a effectuar venham a pesar duramente no orçamento da metropole, e embora as colonias tenham em geral aumentado exuberantemente os seus rendimentos, desequilibram-se essas vantagens fazendo pesar nos seus orçamentos verbas para exigencias de serviços que ás vezes podem tornar se onerosos, e que quasi sempre são desnecessarios.

Agora, Sr. Presidente, passo á reforma da policia, a que eu me tenho referido ha muitos annos em discursos feitos nesta. Camara e na outra, pedindo muitas vezes a sua substituição pelo elemento militar, poupando-se assim as verbas importantes que se despendem com ella e que hoje, mais do que nunca, estou convencido da necessidade de se empregarem nesse sentido todos os esforços e actividade, por isso que essa instituição está hoje muito mal vista pela opinião publica, emquanto que o exercito, não só pela sua disciplina, como pelos seus serviços no ultramar, de que se tem desempenhado sempre com justos louvores de todo o país, goza do maior conceito de todo o povo, ou antes de toda a nação.

Sobre este ponto nada mais direi. Resta-me tratar do Supremo Conselho de Defesa Nacional e da organização do exercito.

Levemente tocarei neste ponto e tão somente a elle alludo, porque o Sr. Presidente do Conselho, respondendo a um Digno Par e meu amigo, disse que a sua opinião era que esse aleijão, de signando assim o Supremo Conselho de Defesa Nacional, fosse removido.

Essas palavras, pronunciadas pelo Sr. Presidente do Conselho, doeram-me e penso que S. Exa. nessa sua frase foi suggestionado talvez pelo espirito do seu antigo chefe; comtudo faço-he a justiça de crer que essas palavras não podem de maneira alguma referir-se aos officiaes que constituem o Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Eu fui opposto nesta Camara, e ainda hoje sou, á organização d'essa institui: cão, 'mas tenho obrigação de dizer tambem que algumas vantagens se tem conseguido com a sua criação, entre ellas a de conciliar opiniões adversas que tem havido entre aquelles que o compõem e foram Ministros da Guerra, e tem ainda a vantagem de fazer ver e observar de perto as opiniões escritas ou pronunciadas em publico por parte d'aquelles que tinham uma certa preponderancia dentro da classe militar convencendo-me que não errei, porque estou perfeitamente em harmonia com os principios que sempre preconizei, a respeito de organização do exercito os de Levai e Von Der Goltz.

É absolutamente indispensavel que o serviço obrigatorio seja uma verdade, que as remissões não existam e para se conseguir a obediencia a esse preceito é necessario fazer-se uma reorganização do exercito que nos leve a podermos de pronto conseguir a mobilização do nosso exercito, para assim podermos lutar em defesa do nosso país, e não uma organização rachitica, para poder dar-se comnosco o mesmo que se deu com o Japão, que conseguiu dominar uma nação collosso, como é a Russia, mobilizando as forças vivas da nação.

Se esses são os trabalhos que o Supremo Conselho de Defesa Nacional tem em vista, estou convencido que modificado o principio attentatorio da constituição politica que provém d'essa ditadura que todos reprovamos, modificado esse rincipio anti constitucional, em virtude do qual era imperativa a deliberação d'aquelle conselho o que nós. já temos conseguido harmonizar com a lei organica, o conselho poderá prestar serviços analogos aos das commissões que derogou.

Dito isto, e não querendo alongar por mais tempo as minhas considerações, desejo mais uma vez protestar contra todos os actos da ditadura, que gerou acontecimentos que podiam fazer perigar a nossa independencia, e levo esse meu protesto até o ponto de querer que todos os decretos publicados durante ella, contrarios á Constituição do Reino, sejam banidos por completo, da nossa legislação.

Desejo que o nosso codigo fundamental seja por tal forma respeitado, que possamos gozar de todas as regalias que os nossos maiores nos legaram naquelle perfeito diploma.

Sr. Presidente: protesto contra os factos que alarmaram o país e que nos deram consequencias tão funestas.

Faço este protesto como cidadão, como membro do Parlamento e ainda como militar, porque eu ligo esses acontecimentos á perda da nossa autonomia.

Penso assim porque entendo que o unico systema que pode servir ao nosso país é o da monarchia representativa, que representa a paz ea conciliação entre as ideias avançadas e reaccionarias.

Não posso deixar de estigmatizar o execrando attentado que se praticou no nosso país, á luz do dia. Crime hediondo e nefando!

Estou, habituado desde a minha mocidade, alanceada por diversos desgostos, a espectaculos verdadeiramente emocionantes: a ver morrer a meu lado, nos sertões de Africa, os meus companheiros de armas; a saber que os selvagens deceparam a golpes de machado a cabeça de um irmão meu, que depois esses negros espetaram no pau mais alto da aringa; a sentir perto o esvoaçar das azagaias; mas se taes factos me causaram sempre a maior das impressões de sentimento, não deixei nunca, por isso, de os encarar serenamente como acontecimentos de ordem natural e que servem sempre para aquilatar o valor do inimigo, embora elle seja o negro.

Para os factos, porem, que se deram no dia 1 de fevereiro, não encontro em mim igual serenidade para os encarar e causam-me um horror tamanho quanto é certo não saber explicar a razão por que no nosso país se desembestaram feras humanas sobre dois cidadãos inoffensivos que assassinaram na rua publica.

Estes tragicos acontecimentos enchem-me de assombro e alevantam a reprovação geral.

Peço ao Governo para que se empenhe, como de certo se tem empenhado, em que o respectivo processo criminal continue com toda a actividade no sentido de se descobrirem os criminosos cumplices.

Conceda-se amnistia aos que d'ella forem dignos, mas que a majestade da justiça se exerça desassombradamente.

Attenda o Governo ás questões de ordem publica, garantindo as liberdades a todos os cidadãos.

Torne o Codigo de Justiça Militar mais hodierno, e não descure o Governo as questões da força publica e não deixe por forma nenhuma que a organização militar não siga o caminho que deve seguir, para não acontecer como á Grecia, que perdeu a sua independencia por descurar a organização militar.

E á Persia que tinha grandes thesouros amontoados, o que não impedia que o ferro dos soldados romanos lhe despedaçasse, os escudos reluzentes e ao mesmo tempo as armas dos seus soldados. (Vozes: - Muito bem).

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