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EXTRACTO DA SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO.
Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, Vice-Presidente.
Á uma hora e meia da tarde disse S. Em.ª que estava aberta a Sessão.
O Sr. Secretario Marquez de Ponte de Lima fez a chamada e declarou que se achavam presentes 50 Dignos Pares.
O Sr. Secretario Marquez de Loulé leu a Acta da Sessão antecedente.
O Sr. Secretario Marquez de Ponte de Lima deu conta da seguinte correspondencia:
Um Officio do Digno Par Visconde da Paradinha participando que o seu mau estado, de saude lhe não tem permittido tomar parte nos trabalhos da Camara.
O Em.mo Sr. Presidente declarou que se passava á Ordem do dia.
O Sr. Presidente do Conselho pedindo e obtendo a palavra disse: que tinha lido com a mais séria attenção o requerimento do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio, assim como o Periodico a que S. Ex.ª alludira e que lhe fóra entregue, o que tudo remettia agora para a Mesa a fim de se seguirem os termos do Regimento.
O Sr. Conde de Lavradio pediu a palavra.
O Sr. Visconde de Laborim pedindo a palavra sobre a ordem disse: que o negocio de que se tratava era daquelles que segundo o Regimento importava nada menos do que uma proposta, a qual de certo não poderia ser admittida á discussão sem que tivesse havido uma votação prévia sobre se devia ou não ser admittida; e que por isso, invocando o Regimento pedia a S. Em.ª que se dignasse de o pôr em execução.
O Em.mo Sr. Presidente disse que já na Sessão antecedente tinha lido á Camara o artigo 59.º do Regimento no qual se dava a todo o Digno Par o direito de interpellar qualquer Ministro, mas que este direito estava dependente de ser previamente consultada a Camara (S. Em.ª leu o artigo 59.º e continuou); que julgava por conseguinte que a Camara devia ser consultada sobre se admittia o requerimento do Digno Par.
O Sr. Conde de Lavradio, obtendo a palavra, disse, que a questão que estava pendente era uma questão de ordem; que se visse o que dizia o Regimento, mas que se visse tambem a pratica constantemente seguida na Camara sobre objecto de interpellações, que se fazem, ou que se pretendem fazer aos Srs. Ministros. Que nunca até hoje se submetera á approvação da Camara uma ou outra interpellação que porventura tivesse sido feita por qualquer Digno Par a algum dos Srs. Ministros; que a pratica tem sido annunciar-se a interpellação, e depois perguntar-se ao Sr. Ministro respectivo, se estava presente, se se achava habilitado para responder, ou quando se considerava nesse caso; e se não estava presente, que se lhe remettia por escripto o objecto da interpellação, a fim de que S. Ex.ª viesse responder quando se julgasse para isso habilitado. Que, se de hoje em diante se admittisse uma nova pratica; se se estabelecessem precedentes taes como se pretendia, declarava que se ia coarctar um direito que teem todos os Membros da Camara, e que, por assim dizer, ficaria de todo perdido (Apoiados); porque, em geral, a maioria não fazia interpellações. Que o que se queria agora era estabelecer a tyrannia parlamentar, pois a tyrannia do pensamento já lá estava presente na outra casa. (Vozes — Ordem. Ordem) O orador exclamou: Ordem! Ordem! Pois eu não estou na ordem?! E continuou dizendo que repetia, que se pretendia estabelecer a tyrannia parlamentar (Apoiados da esquerda). Que já o Sr. Presidente do Conselho senão contentava com que não se imprimam os discursos dos Dignos Pares; já queria mais: queria suffocar a voz dos oradores da opposição no recinto da Camara (Apoiados do lado esquerdo). Que a isso se havia de oppôr com todas as suas forças; que o havia de impugnar com todos os seus esforços, embora ficasse vencido pela força physica. Que decidisse a Camara como lhe parecesse; mas que se lembrasse que depois das suas decisões ficava uma cousa que era muito superior a essas decisões, que era — a razão e a justiça que deviam resolver a seu favor. Que no caso presente ainda se tornava mais delicado o que se pretendia fazer, que a seu vêr era uma estrategia, a que não chamaria porca e cuja (Vozes do lado direito e centro — Ordem. Ordem). O orador exclamou: Ordem! Pois chama-se á ordem quando eu digo que não chamaria strategia porca e cuja!... (O Sr. Visconde de Laborim — Mas vai chamando....) O orador continuou, que o que dizia era que aquillo era uma strategia; que não era digna da Camara, nem de nenhum dos seus Membros. (Apoiados da esquerda.)
O Em.mo Sr. Presidente: disse, que a Camara tinha obrigação de se manter dentro dos limites do Regimento, e por conseguinte intendia que devia haver agora uma votação da Camara sobre se admittia ou não o requerimento do D. Par.
O Sr. Conde de Lavradio disse que tornava a pedir a palavra para uma explicação, porque lhe esquecera uma parte muito essencial, mesmo para se seguir á risca o Regimento, e vinha a ser que o seu requerimento já tinha sido approvado pela Camara (Vozes — Não foi). Que já não havia direito para se submetter á approvação da Camara o objecto da sua interpellação que a Camara já tinha resolvido, e por conseguinte se havia de fazer a interpellação.
O Em.mo Sr. Presidente disse que na Sessão passada não se fizera mais do que annunciar o objecto da interpellação.
O Sr. Conde de Lavradio disse que na Sessão passada não se tinha só annunciado a sua interpellação, porque a tinha mandado por escripto para a Mesa, e a Camara determinara que fosse enviada ao Presidente do Conselho, pedindo-lhe por aquella occasião S. E.ª que lhe desse o Jornal inglez a que elle Orador se havia referido, a fim de poder responder, e que agora se vinha apresentar uma chicana impropria da Camara. Que fossem todos os Dignos Pares mais zelosos da dignidade da Camara do que em deffender um homem (Apoiados). Que se pozesse n'uma balança, de um lado as instituições e de outro o homem (Apoiados). Que fossem todos cautelosos.... (O Sr. Conde de Linhares: — Isso tem muita graça dito d'ahi). O Orador continuou dizendo que S. Ex.ª não tinha razão alguma para lhe fazer aquella reflexão (Vozes: — Ordem, ordem).
O Sr. Fonseca Magalhães sendo-lhe concedida a palavra disse: que quanto menos finura se empregasse em tractar-se do objecto que fóra dado para Ordem do dia; quanta mais dignidade, franqueza e lealdade se empregasse na discussão delle, tanto mais se faria obra digna da Camara dos Dignos Pares e da Nação Portugueza (Apoiados). Que os Membros da Camara eram, e nem se podia negar que fossem, representantes da Nação Portugueza, e quando se tratava de um objecto de tanta ponderação para essa Nação cumpria seguir-se um caminho amplo e franco quando se entrasse na discussão (Apoiados). Que o Digno Par o Sr. Conde de Lavradio apresentára uma proposta de interpellação, e que a Camara conviera em que essa interpellação estava feita nos termos prescriptos: que a interpellação era dirigida ao Sr. Presidente do Conselho: que S. Ex.ª não pedíra então que a Camara votasse sobre se a admittia ou não, e que por conseguinte a proposta de interpellação, segundo a pratica constantemente adoptada pela Camara, fóra admittida; e que, tanto se julgava admittida que o Sr. Presidente do Conselho a pedíra para a examinar, a fim de poder responder.
Que toda a Camara, e toda a gente que ouviu, entendêra, e nem podia deixar de entender, que a proposta do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio havia de ser hoje discutida, — e que se ella havia de ser discutida era porque tinha sido admittida, e que, por consequencia, como era que se pretendia agora pôr em duvida a sua admissão? (Apoiados.) Que o proprio Sr. Presidente do Conselho conviera em que a proposta se désse para Ordem do dia de hoje, e que fôra S. Em.ª quem a dera para Ordem do dia, e que, se depois de tudo isto se punha em duvida a admissão da proposta de interpelação, declarava que na terra e fóra da terra já não havia verdade. (Apoiados.)
O Sr. Conde da Taipa requereu que se lesse a Acta da Sessão passada.
O Sr. Secretario Marquez de Loulé leu a Acta
O Sr. Conde da Taipa disse que na Acta se dizia que a proposta de interpellação fôra approvada, e que a Camara approvara hoje a Acta.
O Sr. Conde de Lavradio disse que pedia em nome da moral que se não negasse a verdade conhecida por tal. (Apoiados.)
O Sr. Presidente do Conselho — E eu em nome da moral peço que se não negue a verdade conhecida por tal, e eu em nome da moral peço a todos os Dignos Pares, que consultem a sua consciencia sobre a resolução que a Camara tornou ácerca da admissão ou não admissão da proposta do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio, e eu em nome da moral appello para toda a Camara para que esta diga se na Acta ha ou não inexactidão, e eu em nome da moral appello para os factos presenciados por todos nós; mas não se venha hoje querer aqui tractar esta questão pela maneira porque já se começou, porque esta questão é delicada e de summa ponderação, e não é para ser tractada no meio de algazarra, ha-de ser tractada mas com todo o sangue frio e sem espirito algum de partido. (Vozes — Algazarra!) Algazarra porque já hoje aqui se empregaram expressões de — estrategia porca e cuja! Logo se os Dignos Pares querem que nós nos contenhamos nos justos limites, é necessario que nós sejamos tratados pela maneira porque os lemos tratado.
Sr. Presidente, é certo que não houve votação alguma sobre a Proposta, ou Requerimento do Digna Par, ninguem o póde dizer, e senão houve votação sobre a Proposta, como é que ella podia ser approvada?.... Toda a Camara sabe muito bem a maneira pela qual a Camara costuma approvar as Actas. (Sensação.) Sabe-se, sim Srs. porque a maior das vezes as Actas são approvadas, sem se lhes prestar attenção alguma, porque se entende que devem ser feitas com a devida exactidão, mas sem que por nenhum modo queira censurar alguem, digo que a Acta da Sessão passada não está exacta.
Quando o Sr. Conde de Lavradio annunciou a sua interpellação, disse eu que me não achava habilitado para desde logo lhe responder, ninguem tomou parte nessa questão sobre que versava a interpellação, e nem o podia fazer, porque a Proposta de interpellação não fóra admittida; logo a primeira cousa que hoje ha a fazer é consultar-se previamente a Camara sobre a sua admissão. Mas o Digno Par disse, que se queria estabelecer a tyrannia parlamentar, e eu intendo que não é querer estabelecer uma tyrannia parlamentar quando se julga que a Camara é o juiz das interpellações, porque estas muitas vezes podem influir no transtorno da ordem publica, e em prejuizo das instituições e do Throno. (Apoiados.) O Digno Par apresentou a sua Proposta, ou Requerimento, e á Camara pertence decidir sobre a sua conveniencia ou não conveniencia; e se aquillo que se deu como approvado não está approvado, e se aquillo que se deu como facto existente não existe, segue-se que não ha outro caminho a seguir senão aquelle indicado por V. Em.ª Um Digno Par lembrou, e V. Em.ª confirmou, que segundo o nosso Regimento toda a Proposta, ou Requerimento, deve ser sujeita á approvação prévia da Camara, sobre este existem duvidas, e estas duvidas quem as hade resolver? A Mesa não as decide, e appella para a Camara, e esta appellação é aquella que deve ter logar, logo V. Em.ª não póde deixar de consultar a Camara sobre se se deve ou não admittir a Proposta do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio. (Apoiados.)
O Sr. Visconde de Fonte Arcada usando da palavra disse que todos os Dignos Pares tiveram sempre o direito de dirigir interpellações aos Srs. Ministros, direito que lhes vinha do artigo 59.º do Regimento da Camara. (Leu o artigo).
Que no entanto, seja qualquer que fôr a disposição do citado artigo, a Camara já tinha admittido, na ultima Sessão, o requerimento do Digno Par o Sr. Conde de Lavradio; que S. Em.ª o dera para ordem do dia de hoje; que a acta fazia expressa menção do que se passára naquelle dia, e que a acta fóra hoje approvada por aquelles mesmos Senhores que agora impugnavam a idéa de que o requerimento do Digno Par fosse admittido. Que o Sr. Presidente do Conselho dissera que as actas eram sempre approvadas pela Camara sem lhes dar attenção nenhuma; que este labéo, lançado por S. Ex.ª sobre a Camara dos Dignos Pares, devia annullar todo o respeito que a Nação tem prestado aos actos e resoluções da Camara; mas que o certo era que as actas, e mui principalmente naquellas partes interessantes, era m sempre attendidas com toda a consideração, já em relação á consignação de principios politicos, já a principios que deviam ser sustentados por um ou outro lado da Camara. Que o que ora se apresentava era a chicana mais ridicula que tinha apparecido na Camara, mas que elle (orador) esperava que a Camara fizesse justiça approvando effectivamente aquillo que não podia deixar de ser approvado.
Que quanto á palavra algazarra de que o Sr. Presidente do Conselho se servira, dizia que a algazarra cabia bem a S. Ex.ª, porque era só S. Ex.ª que della usava, era quanto que os seus adversarios politicos se limitavam a tractar as questões não com algazarras, mas sómente em relação aos interesses da Nação e proveito geral; e que, finalmente, terminava dizendo que a interpellação annunciada não podia deixar de ter hoje logar, porque implicitamente fóra admittida na Sessão passada.
O Sr. Fonseca Magalhães principiou declarando que não tencionava dizer mais nada sobre este assumpto, por mil motivos; mas que, na verdade, pesar-lhe-ia a consciencia se quizesse agora sustentar aquelle proposito.
Que á vista do proprio artigo do Regimento que se invocava, estava pasmado, quando via a verdade com que aquella fabula de Phedro se verificava nas cousas humanas: — que Jupiter nos dera um alforge com dois saccos; o de diante para ver os defeitos alheios, e o de traz para encubrir os nossos (Riso). E perguntou: Quem foi que tomou fogo? (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — É verdade. E exclamando: Ora pelo amor de Deos! (Riso.) disse que quem havia tomado fogo fôra quem sahira a censurar uma frase que o Sr. Conde de Lavradio dissera que se poderia empregar hypotheticamente, porque S. Ex.ª disséra mesmo — «se fosse permittido aqui usar estas duas palavras, usaria dellas, mas não uso» — e que não usára (O Sr. Presidenta do Conselho — Pediu a palavra).
Que agora se se denominava tambem de algazarra, meia duzia de apoiados que se deram ao Sr. Conde de Lavradio, não mandaria o Sr. Ministro para o Dicionário porque não precisava, mas que lhe observaria que isso de algazarra era só attribuido á grita que se faz n'um ajuntamento de homens grosseiros, e nunca poderia pertencer aos apoiados, por muito estrepitozos e sonantes que elles sejam. Que não dava licções ao Sr. Presidente do Conselho; mas que se a qualquer dos Dignos Pares era toleravel levantar a voz, do modo que a levantára o Sr. Presidente do Conselho, para lançar o seu açoute sobre o lado esquerdo da Camara, não se lhe deveria permittir (O Sr. Presidente do Conselho — Essa é boa!)
Que se visse como a Camara queria hoje a consulta prévia, que se torna uma consulta posterior, por isso que não a julgára necessaria quando ella tinha cabimento (O Sr. Marquez de Loulé — Isso é que é verdade). Que o requerimento fôra admittido na Sessão passada; que seguira os seus tramites; fôra visto pelo Sr. Presidente do Conselho e dado para ordem do dia de hoje, mas como não lembrara então a admissão prévia, a Camara resolveria que a houvesse hoje, a posterior!.. Que este era o lindo modo e a linda logica com que se quer sanar uma coisa que se chama deffeitos agora pela primeira vez, mas que o tinha sido sempre desde que vinha ao Parlamento, Que todas as interpellações se tinham admittido sem votação prévia (Apoiados). Mas agora que se queria, e não a houvera, se appellava para a posterior (Apoiados).
Que a respeito de algazarra repetia que ninguem tinha feito alaridos, posto se fallasse em tom mais alto; que maiores os tinha visto de ambos os lados e que nunca ouvira que houvesse a amabilidade de chamar-se aos Dignos Pares que apoiam — um bando de homens que fazem algazarra.
O Sr. Conde da Taipa — Sr. Presidente, eu estou admirado do que ouço e do que vejo. O Sr. Conde de Lavradio pedio na Sessão passada para fazer uma interpellação ao Sr. Presidente do Conselho que não estava na Camara, mas que veiu, e este depois de inteirado do negocio pedio tempo para responder: não pedio tempo para considerar se havia de responder ou não, pedio a