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APPENDICE Á SESSÃO N.º 13 DE 28 DE AGOSTO DE 1905 153

Discurso proferido pelo Digno Par Sebastião Baracho, que devia ler-se a pag. 149, col. 2.ª, da sessão n.° 13 de 28 de agosto de 1905

Por ter sabido com algumas incorrecções, publica-se novamente este discurso, proferido pelo Digno Par Sebastião Baracho na sessão de 28 de agosto.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: acabou de falar o Sr. Ministro da Marinha, que parecia, pelos ademanes e o resto, que já estava encartado na pasta da Fazenda.

É elle que fala do contrato, do famoso contrato, que é uma vergonha para o paiz e a sepultura do Governo.

O Sr. Ministro da Marinha procura empregar o expediente classico, usado por Alcibiades. Corta o appendice do Ministerio, representado pelo Sr. Espregueira, que foi votado ás feras, que nas feras nasceu, que nas feras vive e que nas feras ha de morrer.

Mas não é isso sufficiente. O Ministerio está morto e bem morto, depois da exauctoração de que foi alvo o Sr. José Luciano de Castro, e que teve a maior retumbancia n'esta casa.

É certo que S. Exa. é de enterro difficil. Em 1870, foi preciso enterral-o com uma revolução - a de 19 de maio. Em 1890, foi enterrado pelo ultimatum, com preparo para a revolução do Porto, de 1891, e a bancarrota de 1892. Em 1900, baixou á campa com uma intimação de quem constitucionalmente lh'a podia dar.

Agora, ha de soltar os ultimos alentos com o contrato dos tabacos, que constitue o descredito absoluto do Governo, o desprestigio da nação no estrangeiro, e a ruina das nossas finanças.

E pratica-se assim na vigencia da lei da salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892, que espolia os prestamistas do Estado do fundo interno, e os funccionarios publicos, cuja situação, geralmente, é a mais precaria.

par d'isto, malbarata-se o dinheiro do erario em viagens ostentosas e n'outras manifestações, levadas a effeito por quem deveria dar o exemplo da compostura e da sobriedade.

A questão dos tabacos, tal como ella está posta, é apenas o producto do tempo que vae correndo. O Sr. Presi dente do Conselho procede por forma que se pronuncia, em regra, pelos interesses da Companhia dos Tabacos contra os interesses do paiz.

Á evidencia hei de demonstrar esta minha asserção, no decorrer da oração que estou proferindo.

O Sr. Presidente do Conselho é um cadaver, politicamente falando, conforme a opinião geral que resalta do julgamento inexoravel dos ultimos dias, nas duas casas do Parlamento.

Ha, porém, uma circumstancia que ainda ninguem tratou de investigar.

De onde deriva esta derrocada, que maior não pode haver? É preciso estudar-lhe as origens, para que possa ter applicação futura o sabio aforismo: -
Terminada a causa, cessa o effeito.

A causa resulta do connubio rotativo. Em 1865, formou se a fusão com os homens mais eminentes do partido rejenerador e do partido historico, e a carencia fiscalizadora, produzida por esse conluio, deu margem ao apparecimento do Bispo de Viseu, cuja feição honesta, na administração publica, produziu quinze annos de Governo assisado.

Na sessão de 31 de janeiro de 1902, eu prestava homenagem, n'esta casa, a esse illustre varão, e reconhecia-lhe os meritos e as qualidades, que recommendavam o seu caracter.

Então pôde-se fazer a regressão ao regimen genuino constitucional, com a fiscalização adequada e representação nacional, porque a fusão, longe de diminuir as liberdades publicas, as engrandeceu com leis do jaez da de 1866, respeitante á liberdade de imprensa. Todavia, o regresso ao machinismo normal, ainda teve o abalo que produziu a manifestação popular conhecida pela janeirinha.

Agora, os sobresaltos hão de ser maiores. Sob a acção do regimen despotico vigente, de recear é o explosivo que tem de dar-se, mais tarde ou mais cedo, consoante os preceitos inexoraveis da historia.

Não é necessario, para o comprovar, folhear os antigos auctores que, vezes sem conta, teem sido citados nesta casa, principalmente por parte do Sr. Ministro do Reino, - quando opposição, é claro.

Na actualidade, veste o balandrau que conquistou com a sua famosa portaria acêrca das procissões, e com elle emparceira o Sr. Ministro da Justiça dando foros de legalidade ás disposições do Concilio de Trento, de autocratica recordação.

Nasceu o concilio do scisma proclamado por Luthero em favor da liberdade de consciencia, e para corrigir os desmandos da Igreja.

Nunca um paiz que se prezasse de liberal poderia, em pleno seculo XX, adoptar doutrinas tão condemnadas. Só com um Ministerio presidido pelo Sr. José Luciano, se chegaria a attingir ao degradante extremo.

Mas, Sr. Presidente, a queda politica entre nós tem sido tão grande, como em nenhum outro paiz da Europa se em dado nos ultimos tempos, sem a correspondente reacção.

A tragedia da Servia data apenas e ha dois annos; e, no proprio dia em que se deram os morticinios reaes, o Rei Alexandre e a Rainha Draga foram enthusiasticamente acolhidos pelo povo, poucas horas antes de serem mortos.

E assim succede, por via de regra.

Com D. Miguel, entre nós, aconteceu outro tanto. Foi sempre acolhido com especial estima até ao momento de ser deposto.

Na Russia, a revolução campeia, chegando a obter concessões, cuja iniciação constitue o primeiro passo para a victoria da soberania nacional.

Ali foi o povo sempre chamado a gerir os seus destinos, até ao IX seculo da era christã. Foi Bizancio, a decadente Bizancio, que lhe gafou a existencia, encaminhando-lhe a vida para a servidão e para o despotismo.

Onze seculos decorridos, o povo reconhece que não quer tornar a embarcar em aventuras como a guerra com o Japão, e impõe-se, para ser ouvido na administração dos negocios publicos.

Até hoje, a opinião era feita apenas pelo autocrata e pelo funccionalismo, que o não ha nem mais arbitrario, nem mais corrupto.

Entre nós, tambem elle se ostenta com as immunidades de que disfructa, como exercendo em todo o ponto o quero, posso, e mando, tão expressivo. Uma auctoridade houve, e na segunda cidade do reino - no berço da Liberdade - que ousou declarar a uma commissão de estudantes que lhe pedia justiça: - Para a auctoridade, não ha lei.

Que providencias tomou o Sr. Presidente do Conselho, o absorvente Sr. Presidente do Conselho, e o Sr. Ministro do Reino, contra acto de tão revoltante cynismo?

Seguramente, correu e corre sem o

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devido correctivo essa affirmação lapidar que, de resto, é cultivada tambem accentuadamente pelos conselheiros da Corôa, a que me dirijo.

Na constancia do rotativismo, todos estes desacatos ás leis vigentes constituem norma e preceito habituaes. E peor é que nos encontramos abaixo da Russia, pois aqui, ainda mais do que lá, predominam as leis de excepção.

O Mundo Legal e Judiciario enumerava-as ha pouco, pela pena do Sr. Dr. Trindade Coelho. A legislação, apontada, d'esta natureza é constituida por não menos de cinco leis e tres decretos. Entre as leis, figura a de 13 de fevereiro de 1896 - a lei perversa, acêrca de cujo cumprimento eu requeri n'uma das ultimas sessões esclarecimentos ao Sr. Ministro da Marinha. Insisto neste momento por que elles me sejam fornecidos, para que se possam apreciar devidamente as atrocidades commettidas á sombra de disposições tão deshumanas.

Entre os decretos da mesma indole, a todos se sobreleva o que dá vigor e vida á Bastilha da Estrella, cujos baixos caracteristicos se cifram na suspeição, na delação e na espionagem. Só esbirros de infima especie se podem amoldar a taes disposições, indubitavelmente antagonicas com a dignidade e a circumspecção.

E n'isto, como em tudo que ataca as liberdades, os dois chefes rotativos estão plenamente de accordo. Leis odiosas de excepção, manipuladas pelo Digno Par, Sr. Hintze Ribeiro, são respeitadas pelo Sr. José Luciano. Disposições da iniciativa do Sr. José Luciano, são acatadas pelo Sr. Hintze Ribeiro.

Neste caso, o connubio rotativo attinge o coito damnado.

Mas, Sr. Presidente, outro decreto ha que, apropositadamente, vem a pello ao debate. Refiro-me ao decreto de 18 de abril de 1901, que restabeleceu as ordens religiosas em Portugal, para nacionaes e estrangeiros.

Só eu, nesta casa, o tenho combatido, e ainda no anno passado puz em relevo a tentativa dos frades do Espirito Santo, para captarem uma herança a um doente do Hospital Maria Pia, em Loanda.

Agora a façanha praticada, é de responsabilidades e de effeitos muito mais graves. Acaba de fallecer uma titular, a quem elles captaram algumas centenas de contos, com prejuizo manifesto dos herdeiros da fallecida, e até de estabelecimentos de beneficencia que ella favorecia.

Não é occasião, neste momento, de tratar a fundo d'este assumpto; mas fal-o-hei em occasião opportuna, e desde já d'isso previno o Sr. Ministro do Reino e o Sr. Ministro da Justiça, se a combalida existencia ministerial se prolongar até lá.

Sr. Presidente: affirmados, como ficam, era evidencia, os inconvenientes que resultam do rotativismo dominante, seja-me licito ainda apresental-o, no seu ramo progressista, investindo com a Corôa, ou collocando-a por forma a deixal-a a descoberto.

Haja em vista, Sr. Presidente, o projecto de lei criando os bairros operarios. N'elle se consigna que a sua iniciativa é devida ao chefe de Estado. É licita uma tal affirmação? O Chefe do Estado exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros, segundo o artigo 6.° do Acto Addicional de 3 de abril de 1896. Estão todos os seus actos sujeitos a discussão, n'essas condições.

Como é que, agora, se traz a Corôa para o debate politico, dando-lhe iniciativa n'um projecto de lei? Não occorreu ao Sr. Ministro das Obras Publicas que essa sua deliberação podia coarctar a liberdade a quem quizesse discutir o projecto, e que, em todo o caso, o Chefe do Estado seria trazido para a discussão, como qualquer membro do Parlamento ou do Governo, auctores de proposições de lei? O palacianismo, se a isso se obedeceu n'essa iniciativa, foi verdadeiramente infeliz.

Os funccionarios do Estado, desde o primeiro até ao ultimo, recommendam-se pelo seu acatamento pela lei, pela forma digna e honesta como exercem as suas funcções. Como cidadãos, merecera o respeito publico, quando se amoldam pelos actos da hombridade e da decencia. São estes os caracteristicos que elevam e recommendam. Tudo o mais são artificios que, na minha qualidade de isolado de todos os partidos politicos, eu entendo dever pôr em relevo.

Sr. Presidente: eu nem lisonjeio os poderosos, nem as multidões.

Assim, tenho de registar ainda outros factos em que a Corôa é posta a descoberto pelo Governo, por um ou outro dos seus amoucos, e pelas suas cassandras.

Um dos escribas governamentaes affirma hoje, n'um jornal ministerial de carreira, que na ultima sessão eu apoiara o Digno Par, Sr. Arroyo, n'uma manifestação monarchica. É falso o que diz o assalariado, que não merece mais que este desmentido.

Nem eu fiz nem faço memoriaes, seja a quem for, e n'esta ocasião, menos do que nunca, quando a imprensa affecta ao Governo se tem esmerado em annunciar a reforma d'esta Camara.

O que eu fiz foi muito differente: foi prevenir o Sr. Ministro dos Estrangeiros, e informal-o dos meus propositos para com todos os membros do Governo, dado o caso de eu ser attingido por essa reforma.

É verdade ou não, Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que me ouve, o que eu acabo de affirmar?

(O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros faz signaes affirmativos).

Corrobora, como não podia deixar de succeder, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros os meus propositos para com os membros do Governo. Em taes circumstancias, reservo-me para que elles sejam conhecidos n'outra occasião, se para isso se der ensejo, e for apropositado.

Mal andou o Sr. José Luciano em arremessar este dardo, que me faz lembrar Priamo, que sem forças, impotente, procurava investir contra Pyrrho, filho de Achilles. Pyrrho, porém, ajustou-lhe as contas, consoante se diz na epoca actual, em dois tempos e tres movimentas. E se os Priamos são de todas as epocas, conforme o Sr. José Luciano o attesta, tambem ainda felizmente ha Pyrrhos, susceptiveis de lhes liquidar as contas, e aos seus collaboradores, quando d'isso haja necessidade.

Sr. Presidente: dito isto, vou occupar-me do decreto do adiamento, de 11 de maio de 1905.

Este decreto é falso. N'elle se invoca o § 4.° do artigo 74.° da Carta Constitucional, e a carta de lei de 24 de julho de 1885.

Nada teem que ver com o assumpto o artigo da Carta e a lei de 1885, citados n'esse diploma. Estão substituidos pelo artigo 6.° da carta de lei de 3 de abril de 1896.

Considere V. Exa. que nas estações officiaes se elaboram diplomas com erros d'estes. O decreto é, portanto, irrito e nullo. O decreto é falso, como é falso o Governo, que vive de expedientes bastardos, como é falso o Sr. Ministro do Reino, sob a dependencia absorvente e immediata do Sr. José Luciano, como é falso tudo que produz este Ministerio, condemnado e impenitente.

Assim, o Sr. José Luciano, affirmou que pedira o adiamento para que pudesse realizar-se a pacificação dos espiritos, e para que pudesse modificar-se o contrato dos tabacos de 4 de abril.

Como o Sr. José Luciano entende a pacificação de espiritos, vae apreciar-se devidamente.

Logo que o adiamento entrou em vigor, as cassandras ministeriaes, dando-se ares de terem á cinta as prerogativas regias, proclamaram que ia ser reformada a Camara dos Pares, e que a Camara Electiva seria dissolvida.

A par d'isso, o Sr. José Luciano parecia querer encher o tonel das Danai-

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das - sabem com quê?... com querelas sobre querelas.

Mas vamos por partes.

A Camara dos Dignos Pares esteve reunida desde 4 de abril até 12 de maio, isto é, 39 dias, em que houve 9 sessões, sendo uteis, apenas, 7. Nem sequer se discutiu, n'este periodo, a resposta ao Discurso da Corôa. No actual segundo periodo, os debates que tem havido teem sido exclusivamente sobre commemoração de mortos e sobre o adiamento parlamentar.

Durante os primeiros 39 dias, o Sr. José Luciano assistiu apenas a uma sessão. Hoje, entrou ha sala depois de estar falando o Sr. Ministro da Marinha.

Se comigo se desse caso similar, não o consentiria: eu não falaria emquanto aqui não estivesse o Sr. José Luciano. Para elle tomam notas os outros Ministros, e tudo indica que vê mal, e ouve peor. E é a Camara Alta que precisa ser reformada? Quem precisa ser reformado é o Sr. José Luciano de Castro. Um particular, que se ache nas condições em que se encontra o chefe do Governo, estaria suspenso do exercicio dos direitos politicos, pelo artigo 9.° da Constituição.

O Sr. José Luciano é useiro e veseiro em ameaças d'essa indole. A sua reincidencia, no genero, faz-me recordar o lendario Mr. Gervais, de ridiculas tradições - sempre com a sua espingarda carregada, mas sem nunca a disparar.

Dispare a sua espingarda, Sr. José Luciano, se ainda lhe é possivel fazêl-o. Repto-o a isso, e resgate-se assim do ridiculo de que está coberto.

Mas, Sr. Presidente, de molde vem citar uma opinião auctorisada e absolutamente contraria a reformas no Parlamento portuguez, onde nunca medida alguma, julgada util, naufragou pelos esforços das minorias.

Sabe V. Exa. e a Camara quem se expressava assim?

O Sr. José Luciano de Castro, em sessão de 21 de janeiro de 1902.

Consoante se observa, o rol das apostasias politicas do Sr. José Luciano não teem conto.

Sr. Presidente: acompanhando as cassandras ministeriaes nos seus vaticinios, reconhece-se que ellas não foram menos explicitas com respeito á dissolução da Camara electiva.

Em resposta ás Novidades, que humoristicamente duvidavam da effectivação da ameaça, o orgão do Sr. José Luciano, o Correio da Noite, chegou a affirmar, como se dispuzesse francamente das regalias da Corôa: Rira bien, qui rira le dernier.

Parallelamente com tão inconveniente affirmação, o Temos, na sua revista financeira, assegurava que a dissolução se verificaria para facilidade da approvação do contrato de 4 de abril.

Pergunto eu agora, Sr. Presidente: quando o Sr. José Luciano consentia que as suas cassandras se exprimissem por esta forma, trabalhava elle para o bem-estar do paiz, ou para o bem-estar da Companhia dos Tabacos?

Por certo que para os Tabacos. A tal respeito não pode haver duas opiniões.

E n'esse seu evolucionar desdizia-se mais uma vez das suas antigas affirmações, constantes da sessão d'esta Camara, de 18 de janeiro de 1902.

Assim, asseverou S. Exa.:

"Se ha intenção de amesquinhar o Parlamento, melhor será supprimil-o.

Tenham a coragem de supprimir o Parlamento, e o Sr. Presidente do Conselho tem para isso precedentes na sua propria historia politica,, visto que no anno de 1895 não funccionaram as Côrtes".

Tem graça que seja o Sr. José Luciano que estranhe que não houvesse Camaras em 1895 - quando este anno tambem as não tem havido, em virtude dos achaques do chefe do Governo!

Sr. Presidente: não era a Camara dos Deputados que devia ser dissolvida. A actual lei eleitoral de 1901 é que devia ser lançada ao limbo. N'esse sentido se pronunciou o Sr. José Luciano n'esta Camara, por mais de uma vez. Chegou a classifical-a, a lei, de expressamente feita contra o Sr. João Franco.

Ascendido, porém, ao poder, applicou-a por forma a ser o Ministerio do Reino o unico eleitor, com a cumplicidade da alta magistratura, affirmada nos latrocinios da Azambuja.

Depois, no Discurso da Corôa, e ultimamente nas folhas ministeriaes, as canastradas de projectos de lei suecedem-se umas ás outras. Mas em nenhuma figura a proposta salubrizadora que derogue a lei degenerada, que supprimiu a representação nacional. E as cassandras, sempre impavidas, cantam e entoam hymnos ao seu Priamo, o ultimo Rei do Troya, porque não devo dar novidade á Camara, recordando que a Cassandra mithologica era filha de Ecuba e de Priamo, o mesmo que pela sua invalidez, não pôde arremessar o dardo a Pyrrho, segundo já mencionei.

A invalidez, porém, nem sempre se furta a produzir violencias. Para mim, a violencia, não póde partir nunca de invalido, e está sujeita, em qualquer caso, ao correctivo adequado.

Sr. Presidente: posto isto, vou occupar-me da perseguição á emissão do pensamento, no theatro e na imprensa. No theatro foram supprimidas as Victimas, de origem estrangeira, no Gymnasio. No Chalet, foi prohibida a revista Os Timbales do Diabo, para pouco depois ser auctorizada a sua representação pelo Sr. Governador Civil.

Quem é o censor official que se permitte fazer estas prohibições?

É apenas algum policia ignaro?

Tudo o deixa suppor.

As Victimas são de origem francesa. Ninguem podia ver n'ellas, de boa fé, allusões indigenas.

Os Timbales do Diabo foram representados vezes sem conto, antes da sua recente prohibição.

N'isto, como em tudo ò mais, a intelligencia entre os dois grupos rotativos é manifesta.

Durante o ultimo consulado do Sr. Hintze, foi prohibida a revista, Á Procura do Badalo, depois de contar grande numero de representações.

Quem é que determina estas prohibições, que tanto affectam os interesses legitimos de numerosas familias, e conduzem p paiz ao obscurantismo, inherente á escravidão? O manes de Molière e de Boileau, como se prostituo no seculo XX a mais bella faculdade humana - a emissão do pensamento!

No seculo de Luis XIV, cuja divisa era L'État c'est moi, Molière pôde fazer a critica dos costumes e dos homens com o estilete mais acerado, e com a critica mais acerba, produzindo as obras geniaes que todos conhecemos.

Boileau, com a sua veia satirica, crivou de epigrammas os homens e as cousas da sua epoca.

Voltaire não foi perseguido; e, mais tarde, escreveu a historia de Luiz XIV, não lhe poupando elogios. Correspondia por este modo á tolerancia com elle havida, que produziu, como geralmente succede, generosos resultados.

Remire-se n'este espelho o intolerante, o perseguidor doentio Sr. José Luciano de Castro.

Tres seculos depois, triumpha em Portugal a infamante dictadura policial, realizada por ineptos e mal intencionados.

N'estas circumstancias, como é possivel medrarem as iniciativas, apurarem-se aptidões no campo litterario, nas suas differentes phases?!

Mas, Sr. Presidente, se do theatro passarmos á imprensa, assistimos á repugnante scena do Sr. José Luciano renegar mais uma vez as suas expressas affirmações.

Foi em 28 de abril que o Chefe do Governo, respondendo ao meu ataque, declarou categorica e terminantemente, que nunca tinha consentido que os jornaes fossem chamados a contas, por o injuriarem e diffamarem.

Poucos dias depois, Sr. Presidente, era o mesmo Sr. José Luciano que despejava a cornucopia das querela

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sobre a imprensa, merecendo-lhe especial predilecção as de injuria, que não podiam admittir prova. As outras, as de diffamação, sujeitas a prova e ao julgamento do jury, foram todas, sem excepção, postas de parte.

Este procedimento, Sr. Presidente, mostra bem o estado desgraçado a que ficou reduzido o Sr. Presidente do Conselho, com essa preferencia.

E não melhorou de situação, acceitando attestados de bons costumes, passados, com infracção de lei, pelas camaras municipaes.

Para os homens publicos, só ha duas formas de responder a ataques: o desprezo contra a calumnia, que não prejudica os caracteres bem formados, e o desforço pessoal, no campo da honra, quando isso se torna mister. Tudo o mais, longe de enaltecer, diminuo.

Peor, Sr. Presidente, é ainda a offerta feita pelo Sr. José Luciano para que lhe verifiquem as contas caseiras. Esta lamuria, que seria inconcebivel se não partisse de quem partiu, faz-me lem br ar o succedido com Boabdil, o ultimo Rei de Granada. Acabavam de o expulsar da formosa cidade, onde tanto gozara, as tropas dos Reis catholicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castella. Boabdil, de uma collina onde estacionava, examinava a cidade e chorava copiosamente. A mãe, cujo espirito varonil fazia contraste com o caracter brando do filho, exclamou:

- Para que choras tu, como uma mulher, o throno que não soubeste conservar como um homem?

Paraphraseando, seja-me permittido dirigir-me ao Sr. José Luciano:

- Para que lamenta V. Exa., como uma mulher, o prestigio que não soube conservar como homem?

Sr. Presidente: cumpre-me agora entrar na apreciação de como este Governo nefasto se conduz para com a imprensa periodica, concernentemente ao emprego da censura prévia, a que o Sr. José Luciano, por um eufemismo jesuitico, denomina leitura idem.

Nas responsabilidades que vou pedir por esta torpeza, dou a preferencia ao Sr. Presidente do Conselho sobre o Sr. Ministro do Reino. A situação subalterna do Sr. Eduardo Coelho é tal, que elle proprio confessou, consoante noticia das Novidades, que nem a nomeação fizera do actual governador civil de Evora. Fôra o Sr. José Luciano que lhe absorvera o mandato, para esse fim.

Para lamentar é que o logar de Ministro tanto decahisse!

E, simultaneamente, registe-se a monomania presidencial da censura sobre tudo e sobre todos. N'esta orientação estabeleceu, sem contestação em contrario, a censura para os seus collegas, dando ordem para que os diplomas da iniciativa d'elles não fossem publicados sem o seu placet. E ha, Sr. Presidente, quem supporte semelhante estado de cousas. Quem por tão estranho modo procede, mais parece ter logar marcado na capella Sixtina, para cantar de tiple, do que nos Conselhos da Corôa.

Mas, voltando á censura sobre a imprensa periodica, registarei o attentada flagrante de que é victima O Mundo - um jornal republicano, honesto, com cujo director, o Sr. França Borges, eu me honro de ter estreitas relações de amizade.

Com verdadeira magua eu leio todos os dias n'este jornal a seguinte declaração:

Este numero do jornal "O Mundo" publica-se com licença da censura previa, expressamente prohibida pela Carta Constitucional e pela lei de imprensa, mas de facto exercida sobre este jornal, diaria e seguidamente, desde 19 de junho ultimo.

O numero, em que eu acabo de fazer esta leitura, recommenda-se principalmente, porque n'elle vem inserta uma carta do Sr. Fernão Botto Machado, director do Mundo Legal e Judiciario, com as mais suggestivas declarações. D'ellas se deprehende que o Direito, de que é director o Sr. José Luciano de Castro, disfruta vantagens assas injustificadas, e que patenteiam á evidencia que S. Exa. sabe ser pae extremoso para os seus, e padrasto cruel para os outros. Ainda hei de voltar a este assumpto, que é edificante, da situação especial exploradora, proporcionada ao Direito, do Sr. José Luciano de Castro.

Agora? ponderarei que O Mundo está sujeito ao regime draconiano da censura previa, ha mais de dois meses.

Durante esse largo periodo, só uma vez foi apprehendido. O artigo que mereceu os rigores policiaes era positivamente doutrinario. O Diario Illustrado affirmara que o Rei era a unica força do paiz - segundo a phrase conceituosa de Antonio Rodrigues Sampaio. O Mundo replicou que era por isso mesmo que Sampaio realizara as suas reformas, no sentido de equilibrar os outros poderes constitucionaes, e não com o fim de engrandecer o que já tinha primasia. Foi isto sufficiente para se effectuar a apprehensão. O artigo incriminado foi, poucos dias depois, transcripto pelo Jornal de Abrantes, e passou incolume, tanto perante a policia como perante o poder judiciario.

Em Lisboa O Mundo é apprehendido - e ha um juiz, o do 3.° districto criminal conselheiro Pina Callado, que lavra, sem a fundamentar, sentença de confirmação.

O Mundo não appellou e fez bem, para não ter que esbarrar com a alta magistratura que sanccionou - mais uma vez o consigno - os latrocinios eleitoraes da Azambuja.

O Sr. Ministro da Justiça (Calorosamente): - Peço a palavra!

O Orador: - Folgo com que seja o Sr. Ministro da Justiça que entre no debate, com tanto calor.

Infelizmente, S. Exa. não poderá justificar os actos da alta e baixa magistratura, nos casos a que me tenho referido da Azambuja e da apprehensão do Mundo. Occasião terei de o demonstrar mais uma vez, se tanto for preciso.

Mas, Sr. Presidente, o certo é que o artigo incriminado do Mundo em Lisboa, passou, repito, incolume em Abrantes.

Pergunto: quem prevaricou - o juiz do 3.° districto criminal, ou a justiça e a policia de Abrantes?

Sem a menor duvida, o Sr. Pina Callado, attentas as ponderações que acabo de fazer, fundadas na verdade inexoravel dos factos.

Mas, Sr. Presidente, com a censura ao Mundo são infringidos o § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e artigos 2.° e 39.° da lei de 7 de julho de 1898, de chancella progressista.

A par d'isto, O Mundo está tambem sujeito ao regimen dos suspeitos, apesar de a Carta Constitucional estabelecer no § 12.° do artigo 145.° já citado, que a lei é igual para todos, quer proteja quer castigue.

Quem exerce, porém, a censura no jornal alludido? É indispensavel que o Governo designe o nome do censor. Nos paizes submettidos a esse despotico processo, ha um fiscal idoneo, que procura, tanto quanto possivel, harmonizar os deveres da lei com os interesses das parles. Aqui, nem ha lei para tal oppressão, e o arbitrio é praticado por forma positivamente flibusteira, no intuito de matar a publicação sujeita a tão deprimente tutela.

Pratíca por essa forma o Sr. José Luciano, obedecendo apenas a considerações ad odium, ou para evitar referencias a altas personalidades?

Em qualquer dos casos, não lhe gabo o expediente. O odio é mau conselheiro, e mal vae - seja a quem for - a quem precise de que em torno de si se faça o silencio, tão util e querido dos criminosos, - silencio que o Sr. Presidente do Conselho tanto e tanto aprecia.

Depois, agora como sempre, a compressão na expansão do pensamento produz naturalmente as publicações clandestinas.

A perseguição feita ao Progresso determinou, é certo, a sua extincção, mas acompanhada de publicações que o seu

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antigo director firma, e que são espalhadas por milhares de exemplares, segundo é notorio.

Em todos os tempos se deram identicos casos.

Quando perseguiram a Revolução de Setembro, Sampaio lançou o Espectro, que preparou a revolução, que deu a liberdade. E, quando Sampaio era acoimado no Parlamento de ter escripto O Espectro, era elle o primeiro a vangloriar-se por ser o auctor d'aquelle ariête, que demoliu para depois crear.

Actualmente, entre nós, ha de vir a succeder o mesmo, se não se proceder ajuizadamente, regressando, quanto antes, ao regime constitucional.

A liberdade está effectivamente sendo batida em brecha, em condições peores ainda do que no tempo do segundo imperio francez. Então, e quando elle declinava, Napoleão III imprimiu-lhe uns vislumbres de liberalismo. O Charivari, uma folha satyrica da epoca, pintava com muita propriedade a liberdade, symbolizada por uma ave sahindo de uma pequena gaiola, para outra mais espaçosa.

ntre nós, se quizessemos fazer uma exhibição graphica similar, teriamos de representar a liberdade, sahindo da gaiola minima, para ser passada pela fieira.

Estamos, Sr. Presidente, abaixo do segundo imperio napoleonico.

Todas as iniciativas se annullam, e tenha-se presente um facto que vou narrar.

Leal da Camara, o caricaturista, teve de se exilar ha annos, para não ser attingido pela lei perversa de 13 de fevereiro de 1896, que o conduziria a Timor.

Em Paris, onde actualmente se acha, trabalha por modo a ser considerado como artista de primeira plana, no seu genero.

Veja, Sr. Presidente, a que tristes casos conduz o absolutismo bastardo dominante.

Pelo que respeita ainda, Sr. Presidente, á censura previa, eu direi que ella mereceu o parecer unanime contrario da Associação dos Advogados.

A essa associação preside o Digno Par o Sr. Francisco Beirão, auctor da lei de 7 de julho de 1898.

Cautelosamente, se eximiu o Digno Par a exprimir a sua opinião na Associação de que faz parte.

inguem, por certo, lhe poderá louvar a acção, a tal respeito, e muito util seria que n'esta casa, onde o assumpto se debate, fizesse ouvir o seu parecer.

Posto isto, pergunto eu, Sr. Presidente: o Sr. José Luciano de Castro, impedindo por esta forma a expansão do pensamento, trabalha pro domo sua, pela Companhia dos Tabacos, ou pelos interesses do paiz?

Ainda d'esta vez não pode haver mais que, uma opinião. O silencio - mais uma vez o registo - só aproveita a quem não está em conta corrente com os bons preceitos de honestidade.

E, francamente, o Sr. José Luciano n'este numero se encontra, quando pratica todos os actos de que o venho accusando com provas indestructiveis, sem se recordar das suas affirmações feitas n'esta casa em periodo opposicionista. Assim, allegava elle, em 21 de janeiro de 1902, que a Corôa, se não tem responsabilidades legaes, tem responsabilidades moraes, ás quaes nenenhum poder se pode subtrahir. Para que a Corôa se possa manter alheia ás contenções partidarias, é preciso que os Governos se conservem fieis á Constituição do Estado.

A par d'isto, outro oraculo, tambem graduado, do partido progressista, assegurava, em epoca mais proximo, aqui, nesta casa, em 9 de janeiro de 1904, o seguinte:

"Pode o Governo desprezar a lei, que as barricadas não se apresentam logo deante de semelhantes prepotencias, mas aguardam o tempo, e o resultado será, o que é fatal que seja".

Pela invocação das barricadas, é facil conhecer quem seja o oraculo: é naturalmente o Sr. Ministro do Reino.

Como opposição, era, conforme se observa, barricadeiro. Agora, apparece transformado em barricadinha ou, antes e chanternalmente, em barriquinha.

Medrou ou lucrou com isso?

No credito, por certo que não; e, a este respeito, é tão profunda a minha convicção que, se houvesse uma lei de responsabilidade ministerial, que tal nome merecesse, S. Exa. seria por ella attingido, como o eram igualmente os seus collegas no Gabinete, e, sobretudo, o Sr. José Luciano de Castro.

Dito isto, Sr. Presidente, vou occupar-me, e por ultimo, da questão dos tabacos, de maneira a concluir hoje as minhas observações.

O Sr. José Luciano de Castro combateu o projecto de 16 de julho, de iniciativa regeneradora, allegando que elle tinha sido elaborado á porta fechada; que n'elle não se tinham separado as duas operações - a da conversão e a concernente á exploração; e que não tinha havido concurso.

Quando o Sr. José Luciano fazia estas allegações de opposicionista, trabalhava pelo paiz ou pela Companhia dos Tabacos?

Trabalhava era parte pelo paiz; e digo em parte, porque, das duas operações, realizada a conversão, a sua sequencia devia ser determinada pelo regresso ao regimen da liberdade.

É este o ponto sob que eu encaro a questão por interesse nacional, e que se podia ter effectuado, se, em logar de manigancias de genero vario, o Sr. José Luciano acceitasse a proposta Hambro, ou a dos banqueiros dos Estados Unidos.

Hambro apresentou-se apenas para a conversão, desejando como garantia o rendimento dos tabacos, qualquer que fosse a forma da sua exploração.

Porque não acceitou o Governo immediatamente esta proposta, que nos libertava da tutela indecorosa que sobre nós está exercendo a finança cosmopolita, cuja sede é em Paris?

Repito: eu sou pela regressão á liberdade de fabrico, com todas as garantias, para que aos operarios seja reservada situação condigna.

Sr. Presidente: o Sr. José Luciano padeceu das mesmas faltas que condemnara no Sr. Hintze, e assim immolou a seriedade do poder nas aras da Companhia dos Tabacos, a quem tanto quer.

N'essa orientação, ainda não teve occasião para me fornecer os esclarecimentos, constantes do requerimento que apresentei na sessão de 4 de abril de 1905, e que é d'este teor:

"Copia do telegramma expedido pela Presidencia do Conselho de Ministros á legação de Paris, acêrca da cota eventual dos novos titulos da conversão dos tabacos, e a resposta correspondente".

Porque é que S. Exa. não satisfez até hoje a minha legitima reclamação?

De novo insisto por que o meu requerimento seja deferido, porque me são indispensaveis os esclarecimentos que peço, para que possa avaliar devidamente a nota da chancellaria franceza que se seguiu ao intempestivo e inconveniente pedido da cota, por parte do Sr. José Luciano, dos titulos da conversão que viesse a fazer-se.

Na nota franceza, inspirada, segundo n'ella se declara, pelo Sr. Rouvier, então Ministro da Fazenda e Presidente do Conselho, fazem-se indicações com o titulo de amigaveis, que muito nos diminuem, como nação autonoma, que deveriamos ser.

Depois das humilhantes notas que se seguiram ao convenio com os credores externos, a finança cosmopolita procede para comnosco como se operasse em paiz conquistado.

E, triste é consignal-o: a resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros aos conselhos amigaveis da França, com respeito aos actos da nossa vida interna, não está á altura do que devia ser.

Quando eu fizer publicar esses documentos, reconhecer-se-ha que não phantasio.

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158 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

N'este momento recordarei que a alliança ingleza, para mais alguma cousa nos devia servir, do que para pretexto de viagens e cumprimentos

Quero crer que, com uma pouca de boa vontade, a alliança nos poderia proporcionar o regresso ao mercado de Londres, como base de operações financeiras.

Demais, com ou sem alliança, poderiamos sustentar os nossos direitos, com mui differente rigor e energia do que os que temos empregado até agora.

Bastava para isso amoldarmo-nos pelo que tem praticado a Venezuela, paiz mais pequeno, e muito menos populoso do que o nosso.

Citei o exemplo d'ella quando foi das deprimentes notas diplomaticas, sequentes á conversão.

Então narrava eu que, tendo-se congregado a França, a Italia, a Allemanha e a Inglaterra para cobrarem dividas em proveito de subditos das quatro nações, mandaram ali os quatro reclamantes varios navios de guerra.

Em resposta ao ultimatum, que lhe foi feito, a Venezuela recusou-se pertinazmente a satisfazer as contas que lhe eram impostas. Para a chamar a deliberações mais favoraveis, a Allemanha rompeu as hostilidades, investindo contra o forte S. Carlos, cuja artilharia avariou e fez pôr ao largo o navio atacante.

Em presença d'esta energia, patenteada por um pequeno paiz, corroido demais, ao tempo, pela guerra civil, as quatro poderosas nações tiveram de acceitar a proposta venezuelana: o recurso para o Tribunal Arbitral da Haya.

Relativamente ás pretensões francesas, o Tribunal Arbitral acaba de proferir a sua sentença. A França reclamava 40 milhões de francos de indemnização.

Sabem V. Exa. e a Camara quanto obteve? Menos de 4 milhões de francos.

A lição não aproveitará, sem a menor duvida, aos nossos dirigentes da actualidade; mas ella ahi fica explanada para incentivo futuro, se para a nossa administração houver monção mais favoravel.

Sr. Presidente: n'esta questão dos tabacos ha a notar que as acclarações, feitas ao contrato de 4 de abril, menos viavel o tornam ainda, se possivel é.

Eu não as discuto neste momento, porque para isso me escasseia o tempo, e ainda porque ellas já teem merecido justos e irrespondiveis reparos de outros oradores.

Ellas são de tal ordem, Sr. Presidente, segundo o que se tem apurado, que, o Sr. José Luciano, realizando-as, trabalhou evidentemente pela Companhia dos Tabacos contra o Estado.

Com a questão Reilhac outro tanto está succedendo. Em 1891, foram-lhe destinados 2 milhões e meio de francos de que elle não cobrou um real. Agora - o que brada aos ceus - novos milhões se lhe destinam, e um jornal que defende com tanto calor o actual contrato, como defendera o de 16 de julho, cynicamente conta que Reilhac cobrou, ou pretendeu cobrar, em todas as ultimas operações financeiras de Portugal. Cobrou no convenio com os credores externos; tem preparo feito para a cobrança com o contrato de 4 de abril, como cobraria com o de 16 de julho.

No contrato de 16 de julho havia 7:020 contos de réis, destinados a esse e outros bodos.

No contrato de 4 de abril, o festim, segundo o mesmo desinteressado chronista, não vae alem de 4:320 contos de réis, arrolados sob o euphemismo bastante salgado para os nossos contribuintes de - para encargos, despesas, e lucros,.....para os outros.

Só não houve banquete para Reilhac com a tentativa de cotação do nosso 3 por cento interno, na coulisse de Paris. Por tal motivo - por não haver jubileu - a cotação nunca se tornou em realidade.

Do que fica exposto, averigua-se que Reilhac é, por assim dizer, um rotulo. Consoante se apura, a letra R figura em mais de um caso relativo a tabacos; tem por elles attracção especial. Já fizemos notar que foi o Sr. Rouvier, então Ministro da Fazenda, que pugnou pelos interesses dos tabacos; e naturalmente a nota, por elle inspirada, foi assignada pelo Sr. Rouvier, Ministro acreditado em Lisboa.

Pondere V. Exa. que nem menos de tres RR. aqui vão citados - os sufficientes para a rejeição, em absoluto, do contrato de 4 de abril.

Na verdade, semelhante contrato, elaborado todo elle em proveito do polvo tabaqueiro, e contra o paiz, tem de ser enterrado, e por forma retumbante.

Na vigencia de uma lei de responsabilidade ministerial, honesta, não haveria membro do Governo que ousasse assignal-o. Nem o Sr. Espregueira.

Não o salvará, assim é de esperar, do naufragio, a insistencia morbida com que o Sr. José Luciano de Castro advoga os interesses dos exploradores do nosso magro erario.

O Sr. José Luciano acompanhará á tumba politica esse producto ignominioso dos seus labores, esse attestado frisante de como prostituiu o poder.

E é este quadro severo, mas justo, que me leva a concluir, exclamando:

- Triste! Muito triste!

(S. Exa. não reviu).

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