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Ilha Terceira e no Porto, e perguntando-lhe pela s na saude, queixou-se-me dizendo que soffria de rhenmatismo; e aconselhando-lhe eu que tivesse dieta, respondeu-me que a isso o tinha obrigado, não a molestia mas o Governo, que lhe não pagava o seu soldo, pois o anno passado apenas recebera tres mezes desse vencimento, pagando-se-lhe o mez de Março em 31 de Dezembro! Este Official General está cuberto de cicatrizes que recebeu em defeza da independencia da Patria, e da Liberdade. Eu não digo que haja falta de zelo da parte de S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda, mas torno a lembrar-lhe estas Classes, por que dentro de pouco tempo, se lhes não acudir, se verá livre dellas e desapparecerá do Orçamento a verba de 80 contos mensaes, que tanto ellas gastam, havendo assim uma grande economia em consequencia dos individuos que as compõem terem todos morrido de fome.
O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Pedi a palavra para lembrar ao Sr. Ministro da Fazenda que tenha a bondade da mandar os esclarecimentos que eu pedi n'um Requerimento que tive a honra de fazer na Sessão passada, o qual foi approvado, e já nesta renovado: estes esclarecimentos são muito essenciaes para um Projecto que eu propuz, e que se vai discutir, afim de derogar a Lei sobre os manifestos dos gados no Termo de Lisboa. Peço por tanto a S. Exa. que os queira enviar quanto antes, visto que outros, que eu julgava que pela sua materia não poderiam vir tão cedo, já checaram a esta Camara: aquelles que acabo de lembrar são muito necessarios para que a Camara possa com pleno conhecimento de causa entrar na discussão do Projecto que apresentei.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Não é certamente sem muito sentimento que eu tenho deixado de appareeer nesta Camara, porem objectos graves, que occupam a minha attenção, sobre Projectos de Fazenda tem sido a unica causa dessa involuntaria ausencia.
Relativamente ás Classes inactivas, digo ao Digno Par que me interpellou sobre esta materia, que póde estar certo de que ao Governo não tem escapado a sorte daquelles individuos, por que em razão do grande apuro da Fazenda, de muitas despias, e de extraordinarios pagamentos que tem haviJo a fazer, é que aquellas Classes tem sofrido, bem a meu pezar, importando só as despezas extraordinarias deste anno na somma de 825 contos, que tem sahilo da receita ordinaria para essa applicação: mas o Governo tem um Projecto a apresentar ás Camaras, que ha de melhorar de uma maneira efficaz e solida a sorte destas Classes, e então é evidente que elle não se esqueceu, nem se podia esquecer de tal objecto; uma parte dos rendimentos publicos serão destacados para a Junta do Credito Publico afim de se destinarem ao pagamento das mesmas Classes.
Em quanto á outra indicarão do Digno ao Par, o Sr. Visconde de Fonte Arcada, direi que o Governo tem um Projecto a apresentar sobre a reforma da Alfandega das Sete Cazas, em que se tracta da abolição dos manifestos dos gados, o que de certo ha de favorecer muito a classe agricola: por consequencia os esclarecimentos pedidos pelo Digno Par ainda não vieram, suppondo o Governo que a remessa delles se tornava ociosa, visto que o Projecto a que alludi comprehendia a idéa do Digno Par: entretanto, se S. Exa. insistir, serão não obstinte remettidos.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - A. Orlem do dia para ámanhan é a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno. - Está fechada a Sessão.
Eram quatro horas.
N.º 14. Sessão de 25 de Janeiro. 1843.
(PRESIDIO O SR. DUQUE DR. PALMELLA - E ULTIMAMENTE O SR. CONDE DE VILLA REAL.)
FOI aberta a Sessão pela uma hora e tres quartos: estiveram presentes 36 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Loulé, das Minas, e de Ponte de Lima, Condes do Bomfim, do Farrobo, de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, da Graciosa, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, e da Serra do Pilar, Barão do Tojal, Barreto Ferraz, Miranda, Ribafria, Gambôa e Liz, Margiochi, Pessanha, Giraldes, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.
Leu-se a Acta da Sessão antecedente, e ficou approvada: na desta foi mandada lançar a seguinte
Declaração.
Declaro que se estivesse presente Contem ma Camara, votiva contra a Proposta do Digno Par Conde de Lavradio, para que se nomeasse uma Commissão, que desse o seu Parecer sobre o Officio do Ministro do Reino, recusando a copia de cortas actas do Conselho d'Estado, que lhe tinham sido pedidas. Peço que esta minha declaração seja lançada na Acta. - Sala das Sessões 25 de Janeiro de 1843. - Visconde da Serra do Pilar, Par do Reino.
O SR. SECRETARIO MACHADO: - O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão não tem podido comparecer ás Sessões por incorri modo de saude.
O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - Peço licença para remetter á Commissão de Petições uma representação dos Pharmaceuticos do Concelho de Penamacôr. - A Cambra conveiu.
O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Sr. Presidente, na Sessão pesada apresentei um Projecto de Lei com o fim de difficultar a emigração das Ilhas dos Açôres e de Portugal para o Brazil, Projecto que foi mandado á Commissão do Ultramar em 22 de Agosto. A difficuldade de saber se as Commissões actualmente eleitas podem tornar conhecimento de negocios apresentados na Sessão anterior me leva a pedir que a Camara decida esta questão, afim de que a Commissão do Ultramar
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Possa dar o se Parecer sobre este objecto, que e urgentissimo, é vista das representações que tem havido acerca dos emigrados que vão para o Brazil, aonde são tractados como escravos. Ainda ha pouco recebi uma carta, em que se dizem varias couzas a este respeito, acompanhada de um jornal do Brazil em que vem annunciados premios a quem capturasse alguns colonos fugidos das roças. Por tanto proponho que V. Exa. consulte a Camara sobre se a Commissão do Ultramar eleita nesta Sessão póde; tomar conhecimento, dos objectos remettidos ao exame da que existia na Sessão passada.
O SR.PRESIDENTE: — O Sr. Visconde de Sá pede que o seu Projecto, apresentado na Sessão passada, para pòr um termo á emigração das Ilhas dos Açores e de Portugal, tenha agora andamento, para o que deseja que a Camara authorise a Commissão do Ultramar á qual então foi remettido, a dar o seu Parecer a este respeito. No mesmo caso se acham outros Projectos que se enviaram ás diversas Commissões no anno passado, e creio que a Camara, por uma resolução geral, poderia authorisar as mesmas Commissões a darem o seu Parecer ácerca delles (Apoiados.) Por consequencia, e se ninguem objectar, consultarei a Camara sobre a proposta do Digno Par, mas isto como uma providencia geral.
Resolveu-se pela authorisação pedida, e que se tornasse extensiva a todas as Commissões em quanto nos Projectos apresentados na Sessão passada:
O Sr. Conde de Lavradio apresentou a seguinte
Proposta.
Proponho que seja nomeada, com urgencia, uma Commissão para apresentar um Projecto de interpretação authenlica do § 7.° do Artigo 15.º do Artigo 75.º e do Artigo 139.° da Carta Constitucional da Monarchia. — Em 25 de Janeiro de 1843. — Conde de Lavradio.
Foi admittida, e ficou para segunda leitura.
O Sr. Visconde da Serra do Pilar apresentou tambem a que se segue.
Proposta.
Determinando expressamente o Decreto de 30 d’Abril de 1826, que os Arcebispos e Bispos do Reino, pelo simples acto da sua elevação ao Episcopado, sejam Membros desta Camara, proponho que em observancia do referido Decreto sejam convidados todos os Arcebispos e Bispos Eleitos, que actualmente se acham regando Dioceses no Reino, para virem tomar assento nesta Camara. — Palacio das Côrtes em 25 de Janeiro de 1343. - Visconde da Serra do Pilar, Par do Reino.
Foi igualmente admittida, e ficou para segunda leitura.
Passando-se á Ordem do dia, foi lido o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno. (V. pag. 41, col. 2.ª)
O SR. PRESIDENTE: — Antes de começar a discussão, devo declarar que o Sr. Conde do Bomfim, Membro da Commissão encarregada da redacção deste Projecto, não assistiu á ultima Sessão em que foi assignado; comtudo S. Exa. manifestou já nesta Camara que uma a sua assignatura á dos seus Collegas.
O SR. BARRETO FERRAZ: — (Sobre a ordem.)
Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se deve haver uma unica discussão ácerca deste objecto, dispensando-se a da generalidade, e discutindo-se logo conjunctamente todos os Artigos em especial. (Apoiados.)
O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Pedi a palavra para apoiar, o que acabou de dizer o Digno Par, por que me parece mais conveniente, até mesmo por se gastar menos tempo.
O SR. PRESIDENTE: — A proposta do Sr. Barreto Ferraz reduz-se a que a Camara dispense a discussão especial dos paragraphos do Projecto, devendo haver um só debate sobre o todo deste assumpto. Vou consultala nesta intelligencia.
Assim o fez logo S. Exa., e a Camara resolveu affirmativamente a indicada proposta.
Teve então a palavra, e disse
O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Sr. Presidente, conhecendo a grande necessidade que tem o Paiz de que na presente Sessão Legislativa sejam discutidos todas ou parte das numerosas Leis absolutamente necessarias para a organisação dos differentes ramos do serviço publico, que todos elles carecem de regras claras e fixas, e entre si connexas, reconheço, como consequencia deste principio, que me parece ser incontestavel, o dever de não prolongar nesta Caza. alem dos justos limites, discussão alguma da qual razoavelmente se não possa esperar resultado proveitoso para o Paiz. Previno por tanto os Dignos Pares de que eu não serei extenso nas reflexões que o meu dever me obriga a submetter-lhes, aproveitando esta occasião para novamente repetir que eu bem sinceramente sinto que esta Camara não adoptasse o methodo, que já na presente Sessão tive a honra de propòr-lhe, isto e, de reduzir a Resposta ao Discurso do" Throno a um mero cumprimento, em que a Camara manifestasse a S. Magestade os seus sentimentos de respeito, fidelidade e devoção, e o seu reconhecimento pela benignidade com que S. Magestade se havia dignado apresentar-se no seio dos Representantes da Nação para lhes annunciar o começo dos seus trabalhos legislativos annuaes.
Esta pratica parecia-me ser, sem duvida, mais conveniente e mais decorosa do que a actualmente seguida, e que nós adoptamos por uma servil imitação do que se pratica em outros paizes. Não tendo porèm sido tomadas em consideração as minhas reflexões, forçoso me é seguir a antiga rotina, e manifestar novamente nesta occasião, posto que em termos geraes, a minha opinião sobre a actual Administração.
Não offerecerei comtudo substituição alguma ao Projecto de Resposta que está em discussão, não por que ella me não parecesse justa, mas por conhecer a sua inutilidade. As substituições apresentadas pelas minorias em questões desta natureza, são meros themas para se enunciarem, e discutirem principios, mas como o proprio Projecto, que está era discussão, me offerece o que é necessario para chegar a esse fim, escusado é lançar mão daquelle meio que só serviria para prolongar inutilmente este debate
Algumas reflexões poderia fazer sobre o 1.° paragrapho do Projecto, mas como as não julgo de absoluta necessidade, omittilas-hei para me não desviar do principio da economia de tempo, que esta-
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beleci, o por esse mesmo motivo tambem nada direi sobre o paragrapho 2.º, mas passarei immediatamente a fazer algumas reflexões sobre o 3.º
Começarei por declarar que eu estimo é aprecio tanto como os illustres authores do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e como, segundo creio, todos os Dignos Pares, a boa harmonia existente entre a Corôa de Portugal e as Potencias estrangeiras, mas sem temer ser tachado onde demasiado critico, seja me permittido observar que esta boa harmonia não e resultado nem das combinações, nem dos esforços do Ministerio, mas sim da politica geral das grandes Potencias da Europa, que de certo o Ministerio Portuguez não poderia perturbar ainda quando o desejasse, desejo que eu lhe não supponho.
Ouvi porêm com magoa1 o annuncio que nos fór feito, e ao qual o Projecto de Resposta parece applaudir, de que se estavam preparando novos Tractados de Commercio, e que nestes eram considerados pela Administração como meios de promover de desinvolmento dos interesses materiaes do Paiz. Este falso e ruinoso principio não o posso deixar passar sem sobre elle fazer algumas reflexões, tiradas não só das theoria hoje geralmente recebidas por todas as Nações civilisadas, mas tambem da nossa propria e bem recente experiencia.
Reconhecendo os vastos e profundos conhecimentos dos Dignos Pares que me ouvem, e desejando ser breve, parece-me de neeessario fazer aqui a historia de todos os nossos Tractados de Commercio; não devo comtudo deixar de mencionar os tres principaes e ultimos, em diversas epocbas por nós celebrados com Inglaterra, e de pedir aos Dignos Pares que se recordem dos males que dous destes Tractados ja nos fizeram, e que meditem naquelles de que nos ameaça o ultimo o celebrado o anno passado.
Sr. Presidente, os Tractados de Commercio que tem por objecto a concessão de favores, em logar de serem tendentes a estreitarem a alliança entre duas Nações, são pelo contrario conducentes á perturbarem as relações existentes. Isto é o que a theoria e a historia nos ensinam. A consequencia de Tractados desta natureza, entre duas Nações iguaes em podèr, frequentes vezes, á guerra, e entre Nações desiguaes em forças, a oppressão e a humilhação da menos poderosa. É por Unto evidente, para mim, que similhantes Tractados são nocivos entre Nações igualmente poderosas, mas entre duas Nações desiguaes em poder, não só são nocivos para a Nação de interior podêr, mas são intoleraveis, e muitas vezes causa da sua completa anniquilação.
O principio de que Similhantes Tractados facultaria a venda dos produtos do paiz, animam o commercio &c., é falsissimo. As relações commerciaes entre duas Nações civilisadas depende dos interesses reciprocos de cadauma dellas, e não de Tractados de Commercio. Todas as vezes que um paiz produzir qualquer de que carece este, haja ou não Tractados de Commercio, ha de ir buscar o producto que lhe é mister, e ha de facilitar-lhe a sua entrada; mas se pelo contrario delle não carecer, ha de rejeitado; apezar de Tractados que lhe facilitem a sua acquisição, por que é uma regra geral que todos rejeitam aquillo de que não carecem.
Vejamos porèm qual tem sido o resultado dos nossos tres ultimos Tractados, com Inglaterra, a saber; o de 1703, o de 1310, e finalmente o de 1842.
O primeiro destes Tractados, conhecido pelo nome do negociador Ingles Methuch, celebrado em 27 de Dezembro de 1703, posto que pessimo, poderia talvez ser, considerado o menos ruinoso der todos elles, foi comtudo este Tractado, senão a unica, ao menos a principal causa do não desinvolvimento; da nossa indutria fabril durante toda a metade do seculo passado tempo em que era de summa vantagem o desinvolvêla, por que grande era o numero então dos nossos mercados exclusivos, pois alem dos do interior, tinhamos os da nosaas vastas Possessões d’Africa e d’Asia e do Brazil, que, apezar da sua má administração, marcha com passos de gigante. Este Tractado pessimo, principalmentee pelo modo por que era executado, offerecia-nos comtudo uma compensação real no favor permanente que elle concedia aos nossos vinhos, que são nosso principal producto, sobre os vinhos de todos os outros paizes. Tudo isto não obstante, quantos males nos não vieram desta Tractados, quantas, injustas exigencias, quantas humilhações, quantas perdas? Consultem-se os documentos, que devem existir na Secretaria dos Negocios Estrangeiros, e depois disto o Sr. Ministro dos- Negocio Estrangeiros, para quem nesta occasião appello, dirá se eu tenho ou não razão.
Ao Tractado de 1703 seguiu-se o desistroso Tractado de 19 de Fevereiro de 1310, cujas ruinosas consequencias são bem conhecidas, é muito concorreram para o desgraçado estado em que presentemente se acha este Paiz. A unica desculpa que póde ser dado á conclusão deste Tractado, é a epocha em que elle foi negociado, e concluido. A independencia nacional achava-se então ameaçada pelo mais poderoso Capitão do nosso seculo, e que já tinha debaixo do seu jugo quasi todo o Continente Europeo, e Portugal dependente, por desgraça nossa, do auxilio Inglez, que sim nos foi concedido, mas á custa de não pequenas humilhações, e de grandes sacrificios, entre os quaes deve ser sem duvida enumerado o Tractado de 1810, que, sem generosidade, foi extorquido ao fraco Governo de então. Cumpre-me porèm declarar que as observações que acabo de fazer não devem de modo algum ser consideradas como tendentes a offender a memoria do illustre Negociador desse Tractado, o qual em outras circumstancias prestou grandes serviços á Patria, e durante a sua longa gerencia dos negocios publicos foi sempre um perfeito modêlo de probidade, de desinteresse e de patriotismo. (Apoiados.)
Já na sessão passada tive occasião de chamar a attenção dos Dignos Pares sobre o Tractado de Commercio e Navegação celebrado com Inglaterra em 3 de Julho do anno passado, e de fazer sobre elle algumas reflexões criticas, que fizeram subsistindo em todo o seu vigor apezar do eloquente discurso com que o illustre Negociador as pretendeu combater e destruir: Não devendo pois agora repetir o que então expuz, só direi que deixo ao tempo a verificação dos meus vaticinios. Chamarei porèm novamente a attenção dos Dignos Pares sobre as disposições do Artigo 7:° do ultimo Tractado mencionado, as quaes, qual outra espada de Damocles, ha mais de seis mezes que estão ameaçando a nossa nascente industria fabril, sem que disso provenha protecção, nem mesmo alento, para a nossa definhada agricultura. Na circumstancias em que actualmente nos achâmos,
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posto que eu seja contrario aos Tractados de Commercio pelos que ja expendi, ouso comtudo dizer que, quasquer que sejam as bases da projectada Convenção melhor será concluida já, não só por que quanto mais depressa ella fôr concluida menos desfavoravel lia de ser, como tambem para não conservar a agricultura e industria no estado de incerteza em que se acham ha mais de meio anno. Não renovarei agora os quesitos que fiz, na Sessão passada, por que sei que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros me poderá responder, como o anno passado me respondeu o illustre Negociador do Tractado. - são negociações pendentes, por isso nada direi sobre ellas - Convenho que não é licito, ou ao menos não é conveniente, fazer interrogações sobre negociações ainda pendentes, rogo comtudo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, cujos talentos eu aprecio, que se não persuada de que por meio de Tractado de Commercio é que se hão de desinvolver os interesses materiaes do Paiz, mas sim por meio da abertura de muitas, boas e seguras communicações interiores, pela instrucção, pelo estabelecimento da ordem e da moral publica pela reorganisação das Provincias Ultramarinas &c.
Não se infira porêm desta minha opposição aos Tractados de Commercio, que eu pretenda impelllir as modificações de que talvez careçam as Pautas das Alfandegas, modificações das quaes poderá resultar notavel interesse para a nossa agricultura e commercio sem detrimento algum da industria fabril, que sem forçar o estado natural das couzas, convém animar e proteger sabia e prudentemente. Mas para isto, Sr. Presidente, não se carece de um Tractado, basta uma Lei que sem a intervenção de um governo estrangeiro, póde ser altarada conforme o pedirem os interesses do Paiz.
O abuso que em tão pouco tempo se tem feito da faculdade que o Governo tem de concluir e ratificar os Tractados sem a prévia approvação das Côrtes, demonstra a necessidade que ha de, quanto antes, ser reformado o paragrapho 8.º do artigo 73.º, da Carta Constitucional, redigindo as disposições ali consignadas em harmonia com os verdadeiros principios dos governos representativos.
Sobre o paragrapho 4.º, direi que convenho que a conclusão das negociações com a Santa Sé será, sem duvida, recebida por todos nós com grande satisfação, e concordo tambem em que ella podera concorrer muito para o restabelecimento da ordem, da moral e da tranquilidade publica. Não basta porèm isto para se conseguir o fim a que se deve pretender chegar. E indubitavel que nestes ultimos dez annos os negocios relativos á Religião tem sido tractados com summo desleixo (Digo desleixo, para lhe não dar outro nome que escandalise). As rendas que a piedade de muitos seculos havia desginado para o culto, para a educação, instrucção e decente sustentação do Clero, foram, não applicadas para as necessidades publicas, mas completamente dissipadas de uma maneira escandalosa e indesculpavel; e as providencias tomadas para remediar estes graves males tem sido, e continuam a ser inefficazes, já muitas vezes por não serem as que convinha tomar, já outras por não serem executadas. Álem disso, as differentes Admmistrações, mas particularmente a actual, tem desviado os Pastores da Igreja do objecto do seu santo ministerio, incumbindo-os, com escandalo dos povos, e grave detrimento da moral, de influirem e dirigirem as eleições, o que não só os tem separado, mas ainda os tem tornado odiosos áquella porção dos seus freguezes que não segue as suas opiniões politicas. Este grave mu porêm ha de continuar em quanto, a escolha dos Parochos fôr commettida, não aos Bispos, a quem por direito pertence, mas sim aos Secretarios d'Estado, ou aos Officiaes das suas Secretarias. Resumindo-me direi: que para reorganisar a Igreja não basta concluir as inegociações com a Santa Sé, e necessario alem disso estabelecer meios para a decente sustentação; e instrucção da Clero, e separar os Parochos da dependencia dos Ministros.
Não seria, talvez, fóra de proposito aproveitar esta occasião para chamar a attenção dos Dignos Pares sobre o desgraçado estado em que actualmente se acha-a Religião nas Provincias d'Africa e d'Asia, e isto com grandes detrimento, não só da Religião, mas tambem dos interesses politicos e commerciaes do Estado: reservo porêm esta importante materia para uma Proposta especial, que em occasião mais opportuna tenho tenção de apresentar, sobre diversos interesses das Provincias Ultramarinas.
Resta-me agora dizer alguma couza, e bem pouco direi, sobre o ultimo paragrapho do Projecto.
Este paragrapho está redigido com a prudencia e sagacidade, que tanto distinguem o seu illustre author, como das suas expressões se não póde concluir a approvação das violações de diversos Artigos da Carta Constitucional da Monarchia Portugueza praticadas pelos Ministros da Corôa (como elles mesmos confessaram) durante a ausencia das Côrtes, reservo-me para em occasião mais opportuna, e que eu considero muito proxima, offerecer a camara o meu parecer sobre aquelles façanhosos actos. Mas para que deste meu prudente silencio não possa ser tirada alguma interpretação contraria aos meus principios desde já declaro que eu considero inconstitucionaes, desnecessarios, e indesculpaveis todos os actos praticados pelo Governo fóra dos limites da sua authoridade durante a ausencia das Camaras.
Terminarei finalmente declarando que, não obstante o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno me não agradar, julgo comtudo inutil apresentar-lhe uma substituição, que não tendo probabilidade de ser admittida, só serviria para prolongar inutilmente a discusão.
(O Sr. Presidente deixou a Cadeira, que ficou occupada pelo o Sr. Conde de Villa Real.)
O SR. CONDE DE LINHARES: - Sr. Presidente, não me teria resolvido a apresentar uma emenda á Resposta do Discuto do Throno, se um dos objectos de que tracta me não parecesse de natureza tão grave, pelas suas consequencias á prosperidade do Paiz, que sendo eu de opinião contraria, não me julgasse conscienciosamente obrigado a promover uma discussão nesta Camara, que désse logar a se elucidar está questão; e tambem com o intuito de que se não venha a affirmar que era tal materia todas as opiniões fóram unanimes. Versa pois a minha emenda sobre á doutrina enunciada no paragrapho 3.º da Resposta, e é relativa ás inltenções manifestadas pelo, Governo de promover Tractados de Commercio com as Nações com que possamos ter relações commerciaes. Seja-me licito agora accrescentar, que eu
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teria preferido trazer este negocio debaixo de outro aspecto á consideração desta Camara, se as razões já apresentadas não me tivessem convencido da propriedade de o fazer actualmente. Passo pois a lei a seguinte
Substituição proposta ao fim do 3.° Artigo da Resposta ao Discurso do Throno depois das palavras «manter estas relações politicas» com que devêra finalizar este Artigo.
Art. 3.° A Camara dos Pares, igualmente convencida que relações especiaes de commercio, concedidas a uma Nação em particular, são quasi sempre em detrimento do consumidor, e não menos da industria nacional, e raras vezes acompanhadas de uma reciprocidade real, lisongèa-se que o Governo de Vossa Magestade as contrahirá sempre com um espirito de moderação tal qual os facto recentes a seu alcance lhe devem ter inspirado, limitando-se a desinvolver o commercio, a agricultura, e a industria manufactureira, a que devem tender os Povos como resultado immediato da civilisação, e a promover por meio de um commercio livre a concorrencia favoravel ao consumidor. — Sala da Camara dos Pares aos 25 de Janeiro de 1843. — Conde de Linhares, Par do Reino.
E proseguiu: — Membros mui conspicuos desta Camara, tem diversas vezes estabelecido como doutrina, que Tractados de Commercio são indispensaveis para accrescer, e mesmo manter relações commerciaes com os outros povos, sem os quaes o commercio é precario e quasi impossivel. Posto que me não possa lisongear de ter só por mim uma authoridade tal que venha a contrabalançar estas, a Camara me permittirá que me apoie de uma authoridade irrecusavel por seus vastos conhecimentos na materia, quero fallar de Chaptal na sua Obra De Tindustrie fançoise, que diz o seguinte, referindo-se a Tractados de Commercio. «Un traité de commerce entre deux puissances de forces inégales, est un acte d’asservissemenl pour la plus fuble.»
Ora, Sr. Presidente, o objecto mais apparente dos Tractados de Commercio feitos pelo nosso Paiz, tem sido de conceder a estrangeiros, nesta qualidade, privilegios para se poderem estabelecer em situação mais avantajada aos mesmos naturaes; estes privilegios na verdade remontam entre nós a éras antigas, e pouco illustradas, sendo concedidos ás Nações commerciantes, taes como a Italianos, Allemães, Inglezes, e Francezes: más, Sr. Presidente, nenhuma tem desfructado com tanta utilidade estes privilegios, ao menos em tempos modernos, como a Nação Ingleza, cujas vistas illustradas tem sempre tendido a estender o seu commercio á custa dos outros povos, e mesmo a monopolizalo, aproveitando-se para este fim de todos os meios a seu alcance, já por guerras, já por negociações, e de que ainda ultimamente achei uma nova prova nas suas gazetas, em que se exaltaram as vantagens que iam resultar á Inglaterra de se apoderar do commercio da China, por meio das suas feitorias. Este mesmo, e identico systema é que nos tem feito grande mal, pois pondo em contacto immediato os capitalistas Ingleses, que dispõem de immensos capitães e de uma grande actividade de commercio, com o nosso mercado agricola, elles se aproveitam da condição de serem os principaes consumidores de taes generos do Paiz para os deprimir de preço, e assim monopolizando o mercado os haverem a um vil custo, e reconcentrarem em si todo o beneficio do commercio, é do mercado vantajoso em que se podem vender, o que é reduzir-nos ao estado de colonia, pois por colonia se intende o monopolio do commercio que a metropole faz sobre as materias primas que estas produzem. Para provar que tal é o facto entre nós, tenho aqui um documento, que porei sobre a Mesa, que, é relativo ao commercio dos vinhos na Cidade do Porto, e no qual se prova que a maior parte do commercio de exportação no anno passado, em que esta foi de 27:431 pipas, se fez por cazas de negociantes Inglezes, e por consequencia a maior parte dos vinhos do Porto sahiram como materia prima, visto que tanto os lucros de commercio de exportação, como os de venda em detalhe, no mercado consumidor, foram distribuidos tanto pelos negociantes Inglezes do Porto como pelos negociantes Inglezes que o retalharam em Inglaterra, ou o reexportaram para outros mercados; e desta sorte perdemos os beneficios que nos podiam resultar se o commercio Portuguez tivesse feito esta exportação. Diz-se, e até pelas folhas Inglezas se tem espalhado, que o governo Inglez se propôem fazer uma forte diminuição sobre os direitos de entrada, que se computa a 3 shillings por gallão: mas não nos é inteiramente inutil esta concessão, de que só vem a aproveitar-se o commercio Inglez, visto que elle .é o unico importador- em Inglaterra dos nossos vinhos, em que o commercio Portuguez não tem senão uma insignificante parte, como se mostra pelo documento que apresento? Então este favor é-nos tanto mais inutil quanto nem serve para augmentar a exportação, pois sendo bem conhecido que a maior parte dos vinhos, com o nome de Portuguezes, que se consomem em Inglaterra, são contrafeitos com vinhos inferiores; que são ali mais baratos, e que, achando-se este commercio já organisado, e improvavel que produza outro effeito se não o de deixar maiores lucros aos que fabricam esse vinho, pois lhes dá gratuitamente 3 shillings por gallão no seu genero expurio. - É bem conhecido que no Reinado do Senhor D. José I o Marquez de Pombal se viu obrigado, para remediar nos effeitos nocivos e ruinosos do monopolio da feitoria I0ngleza no Porto, a crear uma Companhia, na verdade ella mesma monopolista, mas ao menos nacional. Sr. Presidente, é obvio que a idéa fundamental do Marquez de Pombal, como se collige da mesma Lei da creação da Companhia, foi de obstar ao abuso que a feitoria Ingleza fazia de deprimir o producto para beneficiar no seu preço aviltada. E não menos curioso ver os Inglezes clamar contra o monopolio da Companhia, como se tivessem um direito innato de só elles acapararem este genero no nosso mercado, que na verdade lhes tem sido sempre muito vantajoso: idéa que elles tem tanto a peito, que até a fizeram consignar, posto que indirectamente, nos Tractados ultimos, e quando era natural que reconhecessem a necessidade e justiça de termos um concorrente no nosso mercado para obstar ao excessivo aviltamento do nosso producto.
Alem de que, Sr. Presidente, Chaptal com razão demonstrou — que ainda quando nos Tractados de Commercio parecesse haver uma perfeita igualdade numerica: entre duas Nações, quanto a
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reciprocidade dos productos por ambas importados, esta reciprocidade era nociva áquella que só exportava productos brutos, pois vinha nestes a perder todos os beneficios da mão d’obra, e talvez muitas vezes a tornar a tomar os seus proprios productos brutos em valor muito differente daquelle em que os tinha exportado, pois vinham accrescidos da mão d’obra estrangeira, quando por outro lado davam occasião a que outra Nação mais industriosa beneficiasse muito com os productos brutos que lhe tinha cedido, que sustentavam em seu prejuizo a propria induziria, vindo a primeira a perder sobre os seus productos brutos industrial, e commercialmente. — Tal é sem duvida o nosso caso muitas vezes, quando não sempre, com a Inglaterra.
Os Tractados de Commercio não são menos nocivos pelas represalias que occasionam, privando-nos de poder obter reciprocidade de favores, em troco dos que poderiamos concedei. Não fallando na concorrencia perigosa quando admittimos no nosso mercado productos de uma industria mais adiantada com condições que podem comprometter a nossa, então tornàmonos tributarios dessa Nação favorecida, e destruimos a nossa industria, e com ella compromettemos a existencia de muitos, e a de muitas fortunas. Igualmente se excitam contestações commerciaes entre Nações, que são muitas vezes origem de guerras, e isto quando sem estipulações desta natureza prolongadas a longos prazos, poderiamos regular por nós mesmos os nossos interesses commerciaes, de sorte a proverem o mercado com concurrencia, e sem prejuizo do desinvolvimento da nossa industria.
Dizem os jornaes Inglezes a que me refiro, para não ser suspeito de parcial, que a Inglaterra deseja uma diminuição sobre os direitos actuaes do bacalhau. Ora esta industria ensaiou-se entre nós com mui felizes auspicios, o que consta de um documento que aqui tenho, e que se publicou na Revista Universal n.° 15: concordo que o Governo não se deva privar da renda que produz a introducção estrangeira deste artigo, e que andou por 750:620 arrobas, no valor de 600:496$000 réis o anno passado; mas diminuir os direitos neste genero é tirar toda a protecção que a nossa industria nascente reclama, e comprometter assim o melhoramento da nossa Marinha: alem de que, nos direitos mais subidos do genero estrangeiro existe a possibilidade, sem inconveniente, de se animar esta tão interessante industria entre nós; e vem corroborar a necessidade que aponto um facto que ha poucos dias sube, e é, que da Ericeira sahiram o anno passado, para pescar o bacalhau nos bancos da Teria Nova, quatro barcos ordinarios, isto é, sem tolda, e que apezar das difficuldades todos se recolheram trazendo de 17 a 18 mil peixes curados perfeitamente, dous dos quaes aqui em Lisboa venderam as cargas, e dous na Ericeira, o que este anno se pretende com augmento renovar. Deste facto pois devemos colligir que o movimento industrial já se propagou do capitalista ao proprio jornaleiro, e que é digno de protecção um esforço tão louvavel que nos faz esperar resultados uteis tanto no desinvolvimento da nossa Marinha, como em nos libertar da dependencia estrangeira a respeito de um genero para nós de primeira necessidade, e que uma vez estabelecido já não reclamará nenhum sacrificio do Thesouro, mas antes contribuirá para lhe segurar uma renda productiva permanente. Vindo porèm por uma concessão de um Tractado de Commercio a prejudicar-te por longo prazo este beneficio, como seria, se este Artigo passar, o de dez ou mesmo de cinco annos, então destruida a protecção, tambem se destruiria a boa vontade do capitalista, e mesmo do pescador, e a Nação teria a deplorar este funestorerio.
Por contraste vejamos porèm como se comporta a Nação Ingleza, que reclama este sacrificio com o genero nosso em que quer fundar o motivo da reciprocidade, isto é, os vinhos Portuguezes. — Ella recebe os nossos vinhos como um objecto de luxo, isto é, não com direitos que os equiparem com as bebidas Inglezas, quero fallar da cerveja, cidra, aguas-ardentes destilladas de graus, e até dos vinhos do Cabo; tambem não com direitos prohibitivos, posto que sejam excessivos, pois delles deriva o Thesouro uma grande renda, e com a sua admissão favorece muito o commercio Inglez, o que me parece ter já provado no principio do meu discurso: logo, Sr. Presidente, se os nossos vinhos são só recebidos em Inglaterra com referencia aos interesses daquelle paiz, por que não faremos o mesmo aqui com os generos Inglezes, recebendo-os com mais ou menos favor, segundo a necessidade que delles possamos ter, segundo as conveniencias proprias da nossa industria e do nosso commercio, e finalmente segundo os interesses do Thesouro Portuguez? Seja pois o nosso Governo o unico arbitro dos direitos com que devem ser admittidos os generos de industria estrangeira, e não violentemos a nossa liberdade de o fazer com concessões de Tractados de Commercio que por este motivo impugno. Não tenho em vista atacar o Governo pelo que já fez a este respeito, pois circumstancias o moveram a esteado de condescendencia; mas, feita a experiencia, e melhor consideradas as consequencias, julgaria imperdoavel persistir e exaggerar nesta direcção.
O meu devèr (devèr que sou aqui obrigado a desempenhar) me obriga a dizer sem rebuço a minha opinião, e é esse que me obriga tambem a aconselhar ao Governo que modifique as suas idéas sobre Tractados; (Apoiados.) e é neste sentido que proponho á Camara que se levem perante o Throno votos «para que o Governo nunca contraha Tracta dos de Commercio senão movido daquelle espirito de madura reflexão e moderação, que obste a que se compromettam os interesses da Nação.» (Apoiados.)
De todos os inconvenientes porem, Sr. Presidente, que acho nos nossos Tractados de Commercio, principalmente com a Inglaterra, é o maior, a meu ver, os privilegios concedidos ao que eu me permitto de chamar ainda feitoria, isto é, aos commerciantes Inglezes de se estabelecerem no Paiz com privilegios que os equiparam e avantajam aos proprios nacionaes. Sejam quaes forem as vantagens, e concessões que o Governo Inglez pretenda fazer, estas sempre nós serão perfeitamente indifferentes em tanto que não tenhamos um commercio proprio, o que nunca se realizara fazendo-o os Inglezes em primeira mão dentro do nosso Paiz com a protecção que lhes proporcionam os nossos Tractados, pois estes favores só versam sobre o commercio de exportação, e este e quasi exclusivo, para não dizer monopolizado, pelas cazas Inglezas estabelecidas no
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Paiz. Aqui lenho provas Inglezas em gazetas e brochuras impressas por elles, em que se vangloriam de exportarem os nossos vinhos do Porto a todos os mercados principaes do mundo: então, Sr. Presidente, a quem pertencerão os beneficios do commercio que nós não fazemos? Que vantagem teremos no mercado Inglez da reducção de direitos sobre um commercio que não fazemos! ... . (O Sr. Duque de Palmella: — Leia os documentos.) O primeiro documento a que me refiro é uma lista nominal do vinho e jeropiga, exportada no anno de 1842 do Porto, designando quanto cada caza de commercio exportou, e que andou neste anno por 27:431 pipas: outro documento e uma brochura com o titulo de - Commercio entre a Gram-Bretanha e Portugal = Lisboa Na Typ. de A. J. da Rocha, aos Martyres n.° 13: outros documentos são varias folhas do Times, e Morning Herald, na ultima das quaes appareceu uma correspondencia que foi traduzida no Diario do Governo ultimamente, e á qual em parte se respondeu ali muito satisfactoriamente. — Eu julgo que este objecto é de uma natureza tal que deve merecer a consideração especial desta Camara, instituindo um inquerito sobre os effeitos praticos destes favores e privilegios commerciaes concedidos a estrangeiros para poderem rivalizar com os nacionaes no nosso mercado; idéa que me proponho a promover na Camara pedindo se forme esta Commissão de inquerito para esse fim. (Apoiados.)
Rematarei com uma unica observação, que é a a de se ter espalhado — que uma das urgencias de concluir satisfactoriamente para a Inglaterra a diminuição de direitos pedida, era o receio de que esta Potencia concluindo um Tractado de Commercio com a Hespanha nos venha a prejudicar pela introducção do contrabando, e a preferencia dada aos vinhos Hespanhoes. — Com quanto eu deplore os beneficios que nos podem resultar do contrabando que se possa ter feito do nosso Paiz para Hespanha, comtudo não temo que vice versa se possa fazer para este Paiz, uma vez que adoptemos, como é provavel, um systema justo de direitos que protegendo a industria do Paiz não inhiba ao consumidor de fornecer-se a um preço razoavel no mercado de productos estrangeiros admittidos pelas Alfandegas; e debaixo destes mesmos principios, e como consequencia, a Inglaterra não deixará de consumir os nossos vinhos em favor dos quaes existe o costume e o gosto. Concluamos embora estipulações commerciaes, isto sem muito curar dos Tractados que a Hespanha possa concluir, mas sejam os nossos concluidos no interesse de Portugal e com attenção á nossa agricultura, commercio;, e industria.
É com este fim que apresentei a minha emenda, não tanto na esperança de que passe, como na de promover uma discussão sobre a materia. Os factos fallam assás a este respeito, senão haja vista ao que resultou do nosso recente Tractado com os Estados-Unidos da America; o seu commercio extenso recebemos nossos portos o beneficio de tonelagem, que é consideravel, em quanto da nossa parte este e nullo por que não navegámos para os seus portos. Mas de que maneira nos retribuiram na admissão dos nossos vinhos? Accrescentando os direitos nesse genero. Então, perguntarei, em que beneficiámos com um Tractado de que só conhecemos a desvantagem?
Tendo sido admittida á discussão a substituição do Digno Par, seguiu-se a fallar, e disse
O SR. DUQUE DE PALMELLA: — O Digno Par que primeiramente tomou a palavra nesta discussão concluiu o seu discurso sem offerecer emenda alguma, aproveitou-se porem desta occasião para apresentar reflexões de muito pèzo, como são sempre as que emanam de S. Exa., o que fez com uma moderação que a Camara saberá apreciar, e que devem agradecer-lhe os Membros da Commissão que redigiu a Resposta ao Discurso do Throno.
O Digno Par começou por dizer que sentia se não tivesse adoptado uma idéa, por elles suggerida no principio desta Sessão, para que a Resposta ao Discurso da Coroa se limitasse meramente a um cumprimento, a uma expressão de amor e adhesão ao Throno, não tractando de maneira nenhuma de questões politicas produzidas por scisões de opiniões nas Camaras Legislativas. — Não entrarei agora no exame da conveniencia, ou não conveniencia de se adoptar para o futuro este methodo, e limitar-me-hei a dizer que não é o que se segue nos Parlamentos das outras Nações regidas por um governo representativo; isso tenderia a alterar, em certo ponto ao menos, o andamento estabelecido nos debates dos negocios politicos, por quanto sempre se considerou o Discurso da abertura, das Sessões parlamentares como uma expressão do systema politico do Ministerio existente, e da situação do Paiz, como um campo que se apresenta para que as opiniões de um e outro lado das Camaras possam agitar-se e pronunciar-se, a favor ou contra, em relação aos principios que defendem. A este respeito accrescentarei sómente que esta idéa apenas indicada (por que não chegou a ser proposta), quando fosse approvada, viria a formar um Artigo do novo Regimento, o qual, não se achando ainda em vigor, não podia mesmo ter applicação na Sessão actual: alem de que, pelo motivo que acabei de apontar, não pareceria (ao menos ha minha opinião) muito proprio que pelo Regulamento interno de uma Camara se alterasse a pratica estabelecida até agora a este respeito.
Disse o Digno Par, com referencia ao paragrapho 3.° do Projecto de Resposta, que elle estima, e aprecia as boas relações existentes entre a Corôa de Portugal e os governos estrangeiros, mas que dessas relações não póde tirar-se recurso algum favoravel ao Ministerio, por quanto ellas já existiam, e são devidas mais á politica das grandes Potencias do que ao merecimento do nosso Governo. A mim não me compete tecer agora aqui o elogio do Ministerio actual, nem elle precisa do auxilio das minhas forças para se defender, no caso de ser atacado nos seus actos; não o precisa, nem eu entro neste momento na consideração dos actos do Governo, e alem disso a Administração tem no seu proprio seio pessoas muito habeis, e de certo mais habeis do que eu, para preencherem esse dever: por tanto observarei sómente que este annuncio no Discurso da Coroa não e apresentado como um objecto de vangloria por parte do Governo, e uma como noticia, que sempre se costuma dar á Nação em occasiões similhantes, de que existe boa harmonia, e se espera que continue, entre o nosso Governo e os das Nações estrangeiras: estes annuncios nos Discursos de abertura das Sessões parlamentares são, por assim dizer, o cumprimento de um dever, uma
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participação á Nação daquillo que existe sobre tal objecto.
Passarei ao paragrapho seguinte do Projecto de Resposta, acèrca do qual o Digno Pai mais estendeu as suas observações. — Começou S. Exa. dizendo que em geral os Tractados de Commercio, no seu modo de pensar, não desinvolvem os interesses materiaes das Nações, e que o principio contrario e ruinoso, e opposto ás theorias recebidas por todos os Povos civilisados. Creio que essas theorias não podem considerar-se como recebidas, absolutamente fallando, mas sim modificando-as: se disser que os Tractados de Commercio não bastam para desinvolver os interesses materiaes de um paiz, concordarei plenamente com o Digno Par; se disser mais que os Tractados de Commercio, por vantajosos que sejam, nunca poderão forçar acorrente do commercio e obrigala a seguir um caminho para o qual ella naturalmente se não inclina, tambem concordarei com S. Exa.: um Tractado de Commercio para violentar qualquer Nação agricultora, pela sua natureza ou posição, a ser manufactureira, a ser consumidora de generos que não convêm aos seus habitos e circumstancias particulares, ou para os quaes não tem tendencia, certamente que Tractados dessa especie nunca poderiam servir-lhe de nada: mas Tractados feitos com prudencia, pensados maduramente, e destinados a affastar, ou a minorar estorvos que algumas vezes impedem o desinvolvimento de qualquer ramo de industria, ou a troca de alguns generos proprios para serem commutados entre duas Nações; Tractados que habilitem um paiz a dar o maior impulso áquelle ramo de industria, manufactureira ou agricola, para o qual as circumstancias peculiares do paiz lhe dão sabidas vantagens; Tractados desta natureza digo que podem, ser proficuos.
Eu fallo agora só n’um sentido geral, e sem applicação aos Tractados já feitos, ou que possam vir a fazer-se entre Portugal e qualquer outra Potencia; apresento estas observações simplesmente em resposta ao principio absoluto que pareceu estabelecer o nobre Orador que encetou esta discussão, e que mais positivamente affirmou o Digno Par que se lhe seguiu. O Sr. Conde de Linhares leu certa phrase de um escriptor Francez, que declara — que os Tractados de Commercio entre Potencias desiguaes são sempre um pacto de escravidão. — A isto respondo que asserções absolutas, geraes, e vagas não tem significação, não provam nada: quanto a esta e facil demonstralo, até mesmo pela impossibilidade de que haja duas Potencias inteiramente iguaes em forças, e então, segundo a opinião de Mr. Chaptal, todos os Tractados devem ser um pacto de escravidão para alguma das partes contractantes: ora este principio não só não é sustentavel, mas nem mesmo sustentado ou seguido; ao contrario, vemos que existem Tractados de Commercio, geralmente fallando, entre quasi todas as Nações, e que a tendencia do tempo é mais depressa para retroceder do principio rigoroso dos economistas que reduzem similhantes convenções a simples Tractados de navegação.
Disse o Sr. Conde de Lavradio que provaria as suas asserções pela historia dos tres ultimos Tractados concluidos entre Portugal e Inglaterra; e começando pelo de Methuen, sustentou o Digno Par que elle impedira o desinvolvimento da nossa industria fabril, e que fóra um pessimo Tractado. — A Camara já deve estar cançada de ouvir fallar no Tractado de Methuen, mas a esse Tractado aconteceu o mesmo que succede a muitos factos, e a muita gente — tem sido sempre calumniado: — todavia elle não foi tão máu para Portugal como se tem dito; ao menos eu não o classifico desse modo, mas o que reputei mau para este Paiz, o que considero uma desgraça, é que elle acabasse; e se houvessemos de consultar ácèrca desse Tractado a opinião dos escriptores e estadistas Inglezes, parece-me que nos haviamos de confirmar nisto, por que a maior parte delles o acharam muito mau para Inglaterra, e não para Portugal. (Apoiados.) Sr. Presidente, Tractados de Commercio de tal natureza, com privilegios exclusivos em relação a outras Nações, são hoje muito difficultosos de se fazer, por que mudaram as idéas a este respeito, e (para me exprimir em phrase trivial) não são agora da moda, nenhum governo os quer admittir; seria portanto inutil approvarmos agora o principio, ou rejeitalo por que elle não póde mais ser adoptado. Porèm, como dizia, o Tractado de Methuen não foi tão mau para este Paiz, como pareceria quando se ouvisse sustentar que elle havia assassinado a nossa industria fabril; o Tractado não estabelecia senão a admissão dos lanificios Inglezes nestes Reinos, ficando ao arbitrio do Governo Portuguez o fixar-lhe, e alterar-lhe os direitos: está claro que, segundo o espirito do Tractado, não podia o nosso Governo impor direitos taes que de facto prohibissem a sua entrada, por que isso seria sophismar o mesmo Tractado, mas poderia impòlos sufficientes para proteger as nossas fabricas; creio que o direito que por mais tempo esteve em vigor até 1810 era o de 30 por cento, direito que parecia de certo sufficiente (abstractamente falhando, e sem entrar na analyse do facto) para sustentar as nossas fabricas, se o Paiz tivesse tido para isso tendencia, se a nossa industria tivesse quando seguir esse caminho. — O pretender-se que as induzirias fabris só podem, e devem sustentar-se por meio de direitos absolutamente prohibitivos, é um absurdo, (Apoiados.) por que é mostrar que esses ramos de industria não são favoraveis á Nação que os sustenta. — Ora o direito de 30 por cento, repito, parecia sufficiente como um premio ás fabricas de pannos Portuguezes, e o Tractado de Methuen não fallava em nenhum de seus Artigos em outras manufacturas Inglesas senão em pannos; então como póde dizer-se que a nossa industria fabril foi anniquilado, por áquelle Tractado? Não seria mais de pressa a direcção que tomaram os nossos capitães para o Brazil, onde então achavam lucros certos e consideraveis, a causa da anniquilação dessa industria? Por tanto para que se falla no Tractado de Methuen attribuindo-lhe uma couza que não provem delle? É na verdade calumnialo, e seguir uma opinião popular infundada, que não tem sido contradicta, mas que nem por isso deve servir de base para quaesquer observações sizudas que se façam a respeito de um futuro Tractado.
Com menos boa vontade fallarei no segundo a que alludiu o Digno Par, o de 1810. Nimiamente se tem discorrido nesta Caza sobre esse Tractado, e eu pela minha parte não tornarei a dizer ácerca de tal assumpto uma só palavra, senão simplesmente para lembrar ao Digno Par que se assenta
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diante de mim (que com muita razão, mas não com melhor vontade nem mais plena convicção do que eu, ha de querer sustentar e abonar as altas qualidades, patriotismo, e boa fé do illustre Negociador desse Tractado) que elle deixava em grande duvida se era ou não perpetuo; pelo menos devia durar quinze annos, e no fim desse tempo podia sophismar-se o Artigo que admittia a sua revisão. A proposito disto, permittir-me-ha o Digno Par o declarar que os Tractados posteriores já feitos, os que se estão negociando, e nos quaes o Governo de S. Magestade quiz que eu tivesse alguma ingerencia na qualidade de Plenipotenciario, nem por sombras, nem ao longe hão de admittir uma similhante clausula: o Tractado já feito não tem duração alem de cinco annos na maior parte das suas estipulações, nem mais de dez em todas as outras; e a Convenção que se está negociando — e a este respeito peço licença á Camara para me abater de entrar em explicações, nem mesmo para me defender de ataques ou responder a conselhos, por me parecer que todos conhecerão que seria agora intempestiva qualquer discussão sobre esse objecto, e porque a Camara não deixará de ter uma occasião solemne para entrar nessa discussão — só direi que na Convenção nem ha de adoptar-se um prazo similhante ao que se admittiu para o Tractado antecedente.
Sr. Presidente, o espirito de justiça que nutro, e sinto vivo no meu coração; o habito em que estou de expor Francamente neste logar todas as minhas idéas; e a indulgencia com que a Camara tem recebido algumas das minhas declarações; tudo me obriga a dizer que assim como (no meu intender) não é exacta a asserção que se fez ácerca do Tractado de Methuen, tambem é menos exacto o que se disse sobre haver o governo Britannico extorquido do nosso concessões em 1810, por nos haver prestado um auxilio interessado durante a guerra, e em troco de humiliações; nenhuma destas asserções é exacta: a verdade, e não a devoção de defender um governo estrangeiro, me leva a dizer estas palavras, por que sem duvida convêm sempre ao Paiz, e é decoroso para uma Camara o referirem-se as verdades, não exaggerando certas idéas que já existem, e talvez com demaziada força. — Nós passámos nessa epocha por varias humiliações; não serei eu quem o negue, ao contrario; mas tambem não tenho por exacta a asserção de que os soccorros nos fossem prestados interessadamente pelo governo Inglez, n’um sentido absoluto: reconheço que esses soccorros não foram dados a Portugal unicamente para nos fazer favor; a Inglaterra auxiliou-nos por que isso lhe convinha: (Apoiados.) se os Inglezes não tivessem achado que era da sua conveniencia estabelecer o campo da batalha contra Napoleão dentro da Peninsula, os soccorros não haviam de ser muitos talvez, ou seriam de caridade e não de alliança; mas, encontrando nisso uma grande vantagem (vantagem que talvez superasse o favor que nós recebemos), estimou muito a influencia, que exerceu em Portugal; quer dizer, estimou muito que acceitassemos um general Inglez para dirigir, e disciplinar o nosso Exercito — e todos concordam em que o individuo que se encarregou dessa tarefa a desempenhara completamente; — (Apoiados.) estimou muito que os seus generaes e ministros fossem admittidos no seio do nosso Governo — humiliação que eu reputo a maior de todas, mas creio que não fôra exigida, e se o foi, ou não deveria conceder-se, ou sómente debaixo de um certo decoro, com taes condições que d’ahi não podesse resultar-nos uma especie de injuria nacional. Todavia e mister confessar que essas humiliações eram, ao menos, comportadas por immensas vantagens, por que os soccorros, então prestados a este Paiz pelo governo Ingles, não se limitaram a mandar-nos tropas e generaes, e a dar-nos conselhos, mas estenderam-se a grande? sommas de dinheiro, a nada menos do que um subsidio de vinte milhões do cruzados, que durou quasi até ao fim da guerra. Não póde por tanto duvidar-se que um grande interesse (que de certo não remunerava qualquer ataque ao nosso decoro, pois isso não se remunera) podia fazer atenuar até certo ponto o melindre da Nação, naquillo que não passasse de mera vaidade.
Pretender porem que o Tractado de 1810 fora extorquido, não só é contrario á verdade historica, mas seria irrogar uma grave injustiça ao illustre Negociador daquelle Tractado, que de modo algum era capaz de concorrer para que similhante injuria nos fosse feita: seguiu doutrinas absolutas, doutrinas que todos os dias ouvimos ainda apregoar, e das quaes a experiencia mostrou depois a falsidade, mas elle não quiz de certo fazer uma concessão aos Inglezes que podesse considerar-se lesiva da honra e dos interesses do seu Paiz: illudiu-se completamente, e a situação politica em que se achava a Europa concorreu para isso; era então vulgar a opinião de que Portugal estava perdido para a Corôa do Senhor D. João VI, que o Tractado que se negociava era sómente applicavel ao Brazil, por que parecia chimerica a idéa de arrancar estes Reinos das serras de Bonaparte: supponho que tudo isto concorreria para de algum modo tornar o Negociador do Tractado menos escrupuloso ácerca das conveniencias de Portugal. O peior mal desse Tractado foi sem duvida o estabelecer paridade entre Portugal e-o Brazil, quando ambos os Paizes estavam em circumstancias muito diversas. — Não direi mais nada a este respeito, e até nem sei se me arrependa de ter dito tanto; mas, se o fiz, foi mais em defeza do illustre Negociador, do que levado por outra qualquer consideração.
Não agradecerei novamente ao Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, o favor com que me tractou, por que mais de uma vez tenho já tido occasião de reconhecer as disposições benevolas de S. Exa. a meu respeito. — Quanto á ultima negociação, fique como não dito o que elle disse sobre esse assumpto: o Digno Par guardou, por agora, silencio ácerca do Tractado de 1842, mas nem por isso se privará de fallar nelle quando o tiver por conveniente; então me achai a S. Exa. prompto a dar-lhe esclarecimentos, e as razões (boas ou más) que eu tiver para o defender.
O Digno Par, referindo-se ao Artigo 7.° deste ultimo Tractado, observou que se annunciavam negociações pendentes para o fim de promover o desinvolvimento do commercio entre os dous Paizes, e comparou essas negociações a empada de Damocles, ameaçando as cabeças de todos os interessados na agricultura e na industria fabril, e que em vista de taes receios (accrescentou) seria para desejar que, por má que fosse, a Convenção a que alludia, se concluisse quanto antes. — O Digno Par, membro
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muito conspicuo do Corpo Diplomatico, sabe perfeitamente que, quando se negoceia, o resultado não depende só de uma das partes contractantes, e que é preciso que ambas convenham, a não ser que se deva ceder tudo a alguma dellas; mas isto não passou de certo pela cabeça do Digno Par: por tanto peço-lhe que não queira attribuir, nem a inercia, nem a qualquer motivo máu a demora que tem tido esta negociação. A demora não é excessiva, posto que assim pareça a quem está esperando para regular o seu commercio, ou os objectos do seu pessoal interesse, mas não deve repular-se demasiada quando se considerar que ambos os Plenipotenciarios querem cumprir com as suas obrigações examinar devidamente esses interesses, que são multiplices e complicados, e tractar quanto seja possivel de os equilibrar: entretanto creio que não comprometterei a minha responsabilidade, nem commetterei um acto desagradavel ao Governo, de quem inteiramente dependo neste negocio, dizendo á Camara que elle toca proximamente o seu fim, por que ha de concluir-se ou romper-se, atar-se ou cortar-se o nó, antes que passe muito tempo: esta negociação, depois de discussões muito dilatadas, chegou a um estado que não póde já admittir grande demora. — Não poderei comtudo concordar com o Digno Par em que os sentimentos que agitam os corações daquelles que estão na espectativa da conclusão deste negocio sejam só de receio; tambem os haverá de esperança, e estou mesmo persuadido que o maior numero dessas individuos ha de mais depressa desejar do que temer o fim de tal negociação;
Concluiu o Digno Par as suas observações, a respeito de Tractados de Commercio, com duas idéas; primeira — que as boas Leis e as acertadas providencias internas, são o que faz desinvolver os interesses materiaes de um paiz; segunda — que estes não dependem dos Tractados de Commercio. — Convenho na primeira, que e necessario desvelo e juiso da parte tios governantes para se obterem esses resultados, mas não creio que esta primeira condição exclua a segunda, antes me inclino a crer que essas boas Leis, essas acertadas providencias podem ser auxiliadas por Tractados, feitos com sufficiente tino para não contrariar e sim conservar os interesses da agricultura e da industria, cujos Tractados, neste caso, serão um como complemento das medidas internas que hajam de tornar-se, por que tenderão ao mesmo fim.
Finalmente em quanto á grave questão constitucional, suscitada pelo Digno Par, S. Exa. mesmo reconheceu que ella não podia ter a iniciativa nesta Camara, mas como elle manifestou desejar que viesse a interpretar-se a doutrina do Artigo da Carta, que exime o Poder Executivo da necessidade de trazer os Tractados á approvação das Camaras antes de serem ratificados, direi tambem que me aparto inteiramente da opinião do Digno Par, sendo o meu parecer — que o Artigo mencionado e conveniente; que é conducente a auxiliar o Governo na factura de bons Tractados; e que a discussão prévia de um Tractado, em publico, e nas Camaras Legislativas, raras vezes poderá produzir bom effeito, pela simples razão de que um Tractado é o pacto entre dous interesses, nem sempre oppostos mas sempre diversos, e a discussão parlamentar delle é o debate de um só desses interesses, unico que naturalmente tem defensores, vindo por tanto a questão a tractar-se sempre parcial e insufficientemente; ora isto, longe de facilitar a acção do Governo, tende a prendèla, e muitas vezes tenderia até a impossibilitala. Essa intervenção do Corpo Legislativo tem comtudo logar mesmo observando-se o Artigo da Carta, e tem logar muito a proposito a respeito dos Tractados de Commercio, quando em virtude delles é necessario alterar as Leis do Paiz, por que então não haverá Governo nenhum tão imprevidente que se atreva a ir contra as disposições dessas Leis sem estar para isso authorisado pelas Camaras, ou sem ao menos haver uma discussão sufficiente, que de certo modo lhe garanta os effeitos de similhante proceder.
Em quanto ao que expoz o Digno Par a respeito dos negocios ecclesiasticos, direi que concordo com as suas idéas a sua opinião nesta parte em nada ataca o paragrapho correspondente do Projecto de Resposta. Convenho no principio, que eu tenho em varias occasiões enunciado, dentro e fóra da Camara, que os Ecclesiasticos devem ser puramente ecclesiasticos, e não homens de politica; ( Apoiados geraes.) que devem tractar sómente do seu ministerio, que é sagrado; e sufficientemente grande para que elles hajam de se involver em quaesquer negocos temporaes; isto que digo de negocios temporaes em geral, com mais força o applico áquillo que póde denominar-se intrigas ou luctas eleitoraes. (Apoiados geraes. )
Fallou o Digno Par n’um assumpto, em que não toca o Discurso da Corôa, e eu estimei muito ouvir o que S. Exa. disse a este respeito: concordo com as suas idéas, afim de que o Governo preste a devida attenção para o actual estado das Igrejas da Asia, sobre o que estou certo não poderá deixar de haver uma só opinião nesta Camara. — O Padroado Real acha-se estabelecido naquellas regiões por Bulias Pontificias, e não como uma concessão graciosa da Santa Sé, mas como uma justa prova de reconhecimento e de remuneração dos serviços prestados pela Coroa Portugueza na descuberta, na civilisação, e na conversão daquelles paizes; por consequencia não deve tolerar-se que a Corôa destes Reinos se subjeite a uma usurpação desta naturesa: nem eu reputo na Authoridade superior ecclesiastica o espirito de injustiça, que seria necessario ella tivesse, para assim o praticar. O que tem acontecido a este respeito, estas perturbações ecclesiasticas ao exercicio do Padroado da Corôa naquellas paragens, procedem talvez de alguma incuria que da nossa parte tenha havido durante as longas dissensões politicas deste Paiz, e principalmente da falta de successivas expedições de missionarios para o Ultramar, como era da obrigação do Governo Portuguez, mas que entretanto se não tem feito, apezar de ser uma condição inherente á regalia do Regio Padroado, e o que muito teria convindo se fizesse pelo interesse de Portugal, por quanto a extensão da influencia ecclesiastica, geralmente fallando, e sem della se abusar, muito póde contribui para, manter a influencia politica, que demaziadamente havemos perdido entre os povos da Asia.
Alludindo S. Exa. ao ultimo paragrapho do Projecto de Resposta, disse que se abstinha de fazer qualquer emenda não por que quizesse evitar de increpar o Governo por diversos actos que este tem praticado, mas por que se reservava para o fazer em oc-
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casião mais opportuna, e que palvara rpoxima. Sou tambem dessa opinião, e estimo ter mais uma vez motivo de concordar com o Digno Par, o que sempre farei quando a minha convicção me não forçar ao contrario: a Commissão na redacção deste Projecto não perdeu de vista o que S. Exa. por certo não ignora, assim como nenhum dos Dignos Membros desta Caza, isto é, que na outra Camara se acha pendente uma certa questão, levada ali pelo Ministerio, a qual ha de trazer a discussão, quando aqui se tractar, tudo que podia ter cabimento neste logar do Projecto; sendo por tanto mais conveniente, e mesmo mais natural, o reservado para esse debate.
O Digno Par que se aponta ao pede mim, meu amigo e meu proximo parente, apresentou uma emenda de que eu (depois de se ter lido tres vezes) não pude intender ainda bem o espirito, por que não sei se se limita a aconselhar o Governo a que seja prudente na factura de Tractados de Commercio, ou se a sua mente é que não faça mais Tractados dessa natureza: nesta ultima hypothese, ver-me-hia obrigado a combater a opinião de S. Exa.; mas eu creio que o Digno Par sómente quiz manifestar o desejo de que similhantes Tractados se façam com muita cautela, no que eu convenho. O Governo não precisa de que eu tome a palavra em seu nome, nem eu estou agora talvez em situação de o fazer comtudo direi que e de esperar que o agente, a quem o Ministerio encarregar de negocios taes, haja de empregar todos os esforços possiveis para que se concluam debaixo da maior circumspecção.
O Digno Par repetiu mais de uma vez a palavra feitoria, e disse que senão deviam tolerar, por que es Inglezes se enriqueciam aqui com os lucros que poderiam adquirir os nacionaes. permitta-me S. Exa. uma observação — funda-se demasiadamente em artigos das gazetas, artigos que pela maior parte não contèm verdades, ou tem pouco fundamento para aquillo que asseveram, por quanto as gazelas, dizem muitas vezes o que lhes communicam pessoas ou mal informadas, ou interessadas em illudirem o Publico. - Ora eu não sei que haja feitoria nenhuma estabelecida nos Dominios Portuguezes: o que sei é que os privilegios exclusivos concedidos a alguns estrangeiros fòram abolidos pelo ultimo Tractado o Digno Par pugnou muito contra elles; estâmos de accòrdo, podendo mesmo assegurar a S. Exa. que esteja certo de que actualmente não ha taes privilegios, e confio que tambem para o futuro os não haverá, por que essa especie de concessões é inteiramente estranha ao espirito que hoje dirige as negociações internacionaes; nimguem pede, e ninguem concede privilegios de tal natureza. Mas o Digno Par chamou feitorias ás cazas Inglezes, que só empregam no commercio de exportação dos nossos vinhos, as quaes não ser quantas são..,.. (O Sr. Conde de Linhares: — Tresentas. ) Tresentas?... Pois tomaramos nos que houvesse tres mil, com tanto que dessem sabida aos generos do Paiz, por que se os Portuguezes os quizerem exportar nimguem lho veda. — Entretanto, ao ouvir as expressões do Digno Par, pareceria realmente haver alguns favores concedidos a estrangeiros, o que lhes daria nina certa preferencia sobre os nacionaes, como (por exemplo) se estes não podessem exportar os seus vinhos em quanto aquelles não tivessem exportado os que comprassem &c. Embora por tanto o Digno Par julgue que a permanencia das cazas Inglezas neste, Paiz seja contraria aos principios de Economia-politica, posto que é necessario apontar em que, mas referindo-se a feitorias não póde ter logar nenhum o que disse, por que ellas não existem.
S. Exa. querendo Defender a Companhia do Alto-Douro, disse que ella tinha sido alcunhada pelos Ingleses de monopolista: não sei, mas se assim é, disseram a verdade, por que essa Companhia sem duvida que monopolizava; tinha o monopolio das aguas-ardentes, o da compra dos vinhos, fixando-lhe os preços, e finalmente gosava de muitos outros favores, como é sabido. Eu não estou aqui atacando nem defendendo a Companhia, digo só que os Inglezes tinham razão para lhe chamar monopolista. Por consequencia o Digno Par enganou-se, pois nos reputou nesse ponto como opprimidos, quando pelo contrario eramos os oppressores; não entrando agora na questão se isto era bom ou máu, só cito o facto.
O Digno Par disse que de nada servia (na sua opinião) o diminuirem-se em Inglaterra os direitos de entrada nos nossos vinhos, por que isso não havia de augmentar o consumo delles. Isto é uma grande questão, que só a experiencia poderá decidir: (O Sr. Conde de, Linhares: — Apoiado.) é muito possivel que naquele Paiz se não beba senão até uma certa doze de vinho, e não alem della, e então é claro que, por mais barato que fosse, o seu consumo não augmentaria; comtudo o mais provavel é que, assim como se bebe certo numero de pipas de vinho, quando elle está por um preço, mais se hão de beber se se obtiver por outro preço menor. (Apoiados.) — O que o Digno Par disse a respeito de contra facção, não se applica á especie em questão: a contratacção tem logar por que o vinho é caro; ora a carestia do vinho provêm dos excessivos direitos (por que são mais de cento por cento, e a agua-ardente paga mesmo tresentos por cento) mas se o Digno Par me concede que os nossos vinhos podem vender-se mais baratos quando paguem menos direitos, e claro que muitos contrafactores deixarão de os simular, por que o seu interesse os não convida tanto a isso como quando os vendem caros.
Acho escusado prolongar mais o meu discurso, por que me parece estar a Camara inclinada a approvar o Projecto de Resposta, ao menos assim o deram a intender os Dignos Pares que tem tomado parte nesta discussão; e por isso nada mais accrescentarei por agora, reservando-me todavia para fallar novamente se o tiver por conveniente.
O SR. VICE-PRESIDENTE: — A hora já deu, e como ainda se acham alguns Dignos Pares inscriptos, a continuação deste debate fica reservada para amanhan, e será a Ordem do dia. - Está fechada a Sessão.
Passava das quatro horas.