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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 15 de maio de 1868

Presidencia do ex.mo sr. Duque de Loulé

Presidente supplementar

Secretarios os dignos pares Marquez de Sabugosa

Visconde de Soares Franco.

(Presentes os ex.mos srs. Presidente do Conselho de Ministros, Ministros da Justiça e da Marinha.)

Pelas duas horas e meia da tarde, sendo presentes 28 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se e foi approvada sem reclamação a acta da precedente sessão.

Mencionou-se a seguinte'

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 80 exemplares das contas da despeza do ministerio da fazenda, comprehendendo a dá gerencia do anno economico de 1866— 1867, e a conta do exercicio de 1865-1866, e igual numero da conta da receita e despeza do thesouro publico relativa ao anno economico proximo findo.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 80 exemplares do relatorio do tribunal de contas, acompanhados das respostas dadas por todos os ministerios e junta do credito publico, ás observações feitas pelo mesmo tribunal, com relação ao exercicio de 1860-1861.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 80 exemplares do orçamento geral do estado para o exercicio de 1868-1869, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Um officio da associação commercial do Porto, remettendo 100 exemplares do relatorio dos trabalhos da> associação no decurso do anno findo.

O sr. Presidente: — Creio que a camara quererá que se lance na acta um voto de agradecimento pela offerta que a associação commercial do Porto acaba de fazer (apoiados).

Devo participar á camara que a commissão encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa, foi recebida por El-Rei com a costumada benevolencia.

O sr. Costa Lobo: — Pedi a palavra para declarar a V. ex.ª que na terça feira não pude comparecer para fazer parte da deputação que foi nomeada por esta camara para apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso do throno, porque n'este dia estive tão incommodado, que não só não pude fazer parte d'essa deputação, como tambem não me foi possivel participa-lo a V. ex.ª

O sr. Reis e Vasconcellos: — Pedi a palavra para declarar á camara por parte do sr. José Lourenço da Luz, que s. ex.ª não pôde comparecer hoje á sessão, porque foi intimado para ir depor na qualidade de director do banco de Portugal, n'um processo importante que se acha affecto ao 1.° districto criminal. t, O sr. Ministro da Justiça (Visconde de Seabra): — E para declarar a V. ex.ª e á camara que estou prompto para responder á interpellação que o sr. Ferrer deseja fazer-me.

Leu-se na mesa a seguinte nota de interpellação pelo digno par, o sr. Ferrer.

«Desejo interpellar o sr. ministro da justiça sobre as portarias de 6 de fevereiro e de 27 de abril do corrente anno, sobre as congruas e a suspensão do artigo 2:116.º do codigo civil.»

O sr. Presidente: — A camara tinha auctorisado a mesa para nomear os individuos que faltavam nas commissões de redacção e de petições; a camara já os nomeou, falta agora nomear um outro membro para a commissão de petições, que tinha duas vagas; se a camara entende que a auctorisação continua subsistindo, a mesa nomeia o sr. Custodio Rebello de Carvalho para a commissão de petições (apoiados).

Passou-se á

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Ferrer ao sr. ministro da justiça

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, se eu não tivesse tomado sobre os meus hombros a obrigação de verificar hoje a minha interpellação, de certo não viria agora a esta casa, por me achar incommodado de saude, como conhecem todas as pessoas que me ouvem; peço por isso desculpa á camara se não poder fallar com aquella clareza e deducção que desejava.

Sr. presidente, eu tive a honra de me sentar nos bancos da universidade com o sr. ministro da justiça, fui seu condiscípulo, mantendo até hoje com elle relações de amisade, relações que são cheias de recordações d'aquella epocha, a mais agradavel da nossa vida, mas a causa publica é superior ás eleições particulares. D'aqui pôde já a camara deduzir, que eu faço esta interpellação não pelo desejo de aggredir o sr. ministro, mas para lhe dar occasião de se poder defender das graves censuras que por ahi fazem a s. ex.ª

O sr. Ministro da Justiça: — Muito obrigado.

O Orador: — Não é nada para o que o desejo obsequiar. Desejo que o sr. ministro apresente ao publico os fundamentos que teve para publicar as portarias de 6 de fevereiro e de 27 de abril do corrente anno, que fazem o objecto da interpellação.

Sr. presidente, tive a honra de ser presidente da commissão de revisão do projecto do codigo civil, e não sei com que fundamento se entendeu, que por isso devo de ser o mantenedor das doutrinas do codigo. Levadas por esta idéa muitas pessoas se têem dirigido a mim, pedindo-me que verificasse esta interpellação. E n'essas occasiões tenho-lhes ouvido, que dirigem á s. ex.ª, censuras gravissimas. Assim eu entendo, que reproduzindo aqui essas censuras, faço um bom serviço ao sr. ministro.

Sr. presidente, se as considerações que vou apresentar, fortes pela força intrínseca dos argumentos, se entender que carecem da força extrínseca da auctoridade externa, comquanto a minha seja pequena, muito grande por certo é pela illustração juridica dos jurisconsultos que tenho ouvido censurar o sr. ministro. Na verdade essas pessoas são além de alguns dos meus illustrados collegas da commissão de revisão do projecto do codigo civil, alguns dos membros das commissões que na camara dos senhores deputados examinaram e discutiram o mesmo projecto. Pensam do mesmo modo alguns membros do supremo tribunal de justiça, alguns da relação, juizes de differentes varas da capital, e diversas comarcas das provincias, que me têem escripto. E com effeito todas essas pessoas entendem que aquellas portarias são contrarias ás leis vigentes, e que por ellas Usurpara o sr. ministro o poder legislativo. Asseveram mais que aceitada a doutrina da portaria de 27 de abril poderá o sr. ministro suspender todos os artigos do codigo civil.

Sr. presidente, antes de eu expor os argumentos, que ouvi para prova d'estas asserções, é rasão que eu apresento 0 estado da questão, para a camara poder apreciar mais facilmente o valor d'esses argumentos.

O sr. ministro no seu projecto do codigo tinha estabelecido que os herdeiros do defunto seriam obrigados a pagar os suffragios que elle tivesse deixado em testamento, e os que fossem de uso e costume; confirmado pela constituição do bispado, como se pôde ver no artigo 2:289.° do seu projecto do codigo civil. A commissão porém no artigo 2:111°' não admittiu o pagamento obrigatorio senão dos deixados em' testamento. D'esta legislação é claro que alguns pares nos ficavam prejudicados em suas congruas, e que deviam ser indemnisados do prejuizo nas parochias em que havia similhante uso e costume.

O que acabo de dizer a favor das parochias prejudicadas entendeu muito bem a commissão revisora, assim como entendeu que facil seria resarcir o desfalque nas congruas arbitradas.

Nem ella nem eu queriamos prejudicar aquelles que tão laboriosamente cavam na vinha do Senhor e servem a patria.

Não tratámos agora, sr. presidente, de apreciar qual d'estas duas doutrinas é preferivel, se a da commissão consignada no artigo 2:116.º do codigo, se a do sr. ministro exposta no artigo 2:289.º, porque nem esta é a occasião, nem este o logar proprio para isso; se o fóra, eu teria boas rasões para provar que a doutrina da commissão revisora é preferivel á do projecto.

E que remedios procurou o sr. ministro para curar este mal? Publicou as duas famosas portarias de 6 de fevereiro e 27 de abril. Vejamos o que n'ellas ordenou.

No dia 6 de fevereiro do corrente anno, dizia, que tendo de principiar a execução do codigo civil no dia 22 de março, e sendo-os parochos prejudicados com o artigo 2:ll6.°, porque dispensava os freguezes de pagarem os officios que não estivessem ordenados nos testamentos, mandava aos prelados diocesanos que informassem qual era. 0 prejuizo que soffria cada um dos parochos da sua diocese por este motivo, procurando a média do rendimento dos suffragios de uso e costume durante os ultimos cinco annos; e recommendava aos prelados que se houvessem com toda a exactidão e urgencia, a fim de se tomarem as medidas que o sr. ministro dizia que haviam de ser justas e adequadas.

Na portaria de 27 de abril o sr. ministro da justiça depois de varios considerandos de que logo me occuparei, suspendeu ou dá por suspenso o artigo 2:116.º do codigo civil, para a execução do qual queria as informações e as medidas justas e adequadas, porque queria indemnisar os parochos do prejuizo que lhes viria da execução do artigo.

Sr. presidente, a primeira censura que tenho ouvido fazer ao sr. ministro — é que s. ex.ª em 6 de fevereiro tinha a este respeito uma opinião e em 27 de abril tinha outra diversa; que esta mudança de opiniões em materia tão grave, e em actos solemnes de publico exercicio do poder executivo, era censuravel em um ministro e estranhavel em um jurisconsulto, que gosa da reputação de auctor do codigo civil. A versatilidade, dizem, exclue a circumspecção do ministro e a gravidade do magistrado e do homem de lei. Acrescentam ainda, que se o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça entendia que o artigo 2:116.° devia ser suspenso, para que teve o trabalho de publicar a portaria de 6 de fevereiro, que ficou completamente inutilisada pela segunda de 27 de abril? Continuam ainda perguntando, para que serviu obrigar os prelados ordinarios a um trabalho improbo e inutil, examinando o que havia de prejuizo em cada uma das parochias das suas dioceses?

Sr. presidente, confesso que, apesar dos desejos que tinha de poder responder a esta censura, nunca pude descobrir resposta, nem ainda plausivel. Espero porém que s. ex.ª a dê satisfactoria, indo alem da minha curta capacidade.

Entremos agora no amago de cada uma das portarias.

Primeiro que tudo lastimo o immenso trabalho a que o sr. ministro obrigou os prelados diocesanos, e inutilmente, como já disse. Quem conhece bem o estado das benesses em relação aos emolumentos dos suffragios, não pôde deixar de se condoer dos prelados. Os emolumentos que provém aos parochos d'estes suffragios, vulgarmente chamados officios, não sovariam de bispado para bispado, mas ainda no mesmo bispado de parochia para parochia, e até entre as mais vizinhas e limitrophes ha differenças. Em umas pagam-se 6$000 réis, em outras 8$000 réis, em outras 10$000 réis, em outras 12$000 réis, e em outras 14$000 réis, etc.. Já se vê que o exame e a informação dos bispos devia recaír sobre cada uma das parochias e suas variadissimas usanças.

O sr. ministro contentou-se em exigir informações, mas não deu aos prelados nenhumas regras praticas, segundo as quaes elles as devessem colligir. Não lhes disse, que abrissem summarios de testemunhas para saber qual o prejuizo dos respectivos parochos, não lhes mandou consultar os livros dos obitos, nem tão pouco (o que era muito essencial) que fossem ouvidos os parochos e os freguezes, como o exige a lei das congruas de 1839, quando trata do arbitramento dos passaes e do pé de altar, etc. porque emfim ha interesses contrarios do parocho e dos freguezes; e é bem conhecido o principio de direito — que ninguem deve ser condemnado sem primeiro ser ouvido.

As informações sem estes requisitos não tinham por certo garantias juridicas de exactidão; por maiores que fossem as diligencias e boa vontade dos prelados ordinarios, que obra podia o sr. ministro fazer sobre taes bases para obrigar os parochos e os freguezes? As taes providencias justas e adequadas que' s. ex.ª pretendia tomar ficariam sem fundamento juridico. O Sr. ministro partiu do principio do prejuizo que era evidente; providenciasse pois uma circular aos governadores civis para mandarem ás juntas das congruas, que se reunem annualmente, para na derrama indemnisarem os parochos, segundo a pratica estabelecida pelo conselho d'estado administrativo. Isto era simples e facil; mas o sr. ministro quiz chamar a si a faculdade de decidir entre os parochos e seus freguezes e não sei com que direito ou com que lei.

Passemos á segunda portaria, a de 27 de abril. Este documento principia de uma maneira muito notavel, declarando o sr. ministro que só parte das informações tinham chegado ao seu conhecimento, e que essa parte provava a existencia de prejuizos dos parochos. E d'aqui quer concluir: logo o artigo 2:116.º do codigo deve ser suspenso.

Pois o sr. ministro precisava que viessem as informações dos bispos para saber que havia prejuizo para os parochos? De certo que não, porque já o tinha reconhecido na portaria anterior de 6 de fevereiro. O artigo do codigo, acabando com a obrigação de pagar alguns suffragios, que d'an-