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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 69

execução foram illegaes. Os actos illegaes são sujeitos, e a injustiça é tyrannia. Portanto, era necessario que a lei legitimasse os decretos e a execução que lhe tem dado, isto é, que por uma força retroactiva de illegaes os tornasse legaes.

Não bastava sanar o defeito da illegalidade preterita, era mister legislar para o-futuro; isto é, que desse áquelles decretos força de lei para o futuro, porque, segundo, a carta e a boa rasão, ninguem é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão o que a lei manda ou prohibe.

Ora, estão estas idéas claramente redigidas no projecto que veiu da outra camara? Não estão. N'este projecto falla-se sómente do futuro: "Continuam em vigor os decretos emquanto não forem alterados, etc." Da legalidade do preterito nada se diz claramente. Defeito este de redacção muito capital.

Mas, sr. presidente, que vigor é este que continua? Vejo dois vigores; o dictatorial e o legal; aquelle filho dos decretos da dictadura, este filho da presente lei. A redacção do projecto: "Continuam em vigor os decretos, etc.", falla claramente do tal vigor dictatorial que expira com a presente lei. O vigor que depois d'ella apparece e o vigor legal, vigor novo, filho d'esta lei. Eis outro defeito capital da redacção, que prova que quem a fez não fazia idéa clara da materia.

Já se vê pois que a redacção dada pela camara dos senhores deputados é defeituosa: l.°, porque falla só do futuro, quando devia fallar tambem do preterito; 2.°, porque confunde vigor dictatorial com vigor legal, declarando que depois da lei continua o vigor dictatorial, quando apparece sómente o legal.

Mas, ha mais, e seja dito com franqueza. A redacção não é imperativa, como convem a uma lei. A lei manda, não narra, nem relata; o seu estylo não é o didatico, como dos projectos ambos "continuam em vigor."

A redacção do projecto do governo é melhor, porque falla do preterito. "São confirmadas" diz elle, e falla do vigor legal, porque diz: "para terem força de lei". Mas cae no defeito de dizer: "e continuarem em vigor"; defeito que já deixo reprovado no projecto da outra camara, e que é mais censuravel, porque depois de ter fallado da força de lei (vigor legal), fica sendo uma excrescencia inutil em uma lei aonde as palavras se devem pesar como os diamantes.

Sr. presidente, admiro que o sr. ministro da justiça, que sabe muito bem a sciencia da legislação, ou a arte de redigir e fazer as leis, e que deve de ter a memoria ainda fresca da redacção do projecto do codigo civil, assignasse o projecto do governo. Desejo ouvir as suas rasões.

Mas deixemos isto que parecerá uma cousa de pouca monta, comquanto seja de grande importancia, e sobre que fallei por causa das observações do illustre relator da commissão.

Ao projecto do governo acrescentou-se na outra camara uma clausula, que é esta:

"Emquanto não forem (os decretos) alterados pelo poder legislativo."

Naturalmente quem ali fez esta redacção foi a commissão de redacção, porque me parece que o projecto primitivo do governo foi votado tal qual foi apresentado.

E esta clausula foi considerada pelo illustre relator da commissão como uma cousa excellente, porque por virtude d'ella n'este anno se podem ainda revogar os decretos comprehendidos d'esta lei.

Ora, para este fim é inutil a clausula; porque na carta constitucional alguma cousa ha para os projectos rejeitados n'uma sessão annual; mas não se inhibe o poder legislativo de fazer hoje uma lei revoga-la ámanhã. E todos sabem que as leis têem vigor sómente emquanto não são revogadas. A tal clausula para nada serve, para nada presta, nem para o fim que lhe encontrou o sr. relator da commissão.

Tambem pareceu uma grande alteração, e de grande importancia ao illustre relator da commissão, não vir aqui aquella clausula banal e tabellioa: "Fica revogada toda a legislação em contrario". Eu sei muito bem que a ordenação do reino exigia esta clausula, mas a ordenação do reino já lá vae, não tem hoje vigor, e todos sabem que a lei posterior revoga a anterior, quer faça quer não faça menção expressa d'ella. Por consequencia, se eu tivesse de optar por qualquer das redacções, optaria pela do governo, que me parece, não boa, mas menos má.

Portanto, nem uma, nem outra redacção approvo.

Mas, dir-se-ha, e com rasão (e eu estou prevendo a objecção), que se eu não approvo a redacção, como approvei no parecer da commissão o projecto?

Vou explicar-me. A redacção é má, mas d'ella transparece pelas circumstancias occorrentes o que se quer dizer, ainda que se não diga claramente, como devera dizer-se. Alem de que eu estou habituado a taes redacções approvadas, que esta a fallar verdade não é das peiores. - Já vi passar um projecto de lei em que se dizia: "Fica o governo auctorisado a reformar a escola naval, nos termos do parecer da commissão".

Combati esta redacção, mostrei o absurdo d'ella. Porem ella passou nas duas casas do parlamento, e a lei lá está na collecção das leis. De fórma que hoje quem pegar n'esta lei, não estando lá o parecer da commissão, não póde saber o que ella quer dizer. Sic transit gloria mundi! (Hilaridade geral.)

Ora, este projecto de que se trata está melhor do que o outro, e como aquelle passou, melhor póde passar este (apoiados. - Riso).

Sr. presidente, como fui professor de direito publico, permitta-me tambem a camara que diga duas palavras a respeito da questão que se agitou, sobre se a reforma eleitoral recaía sobre objecto constitucional, segundo as determinações da carta.

Sr. presidente, eu podia provar que segundo o artigo 144.° da carta constitucional o numero dos deputados e a circumscripção dos circulos não era materia constitucional. Mas parece-me escusado, porque a carta constitucional no artigo 70.° diz:

"Uma lei regulamentar marcará o modo pratico das eleições e o numero dos deputados relativamente á população do reino."

O artigo é expresso quanto ao numero dos deputados e a circumscripção dos circulos, modo pratico das eleições. E como declara que isto se fará por uma lei regulamentar, fica evidente que não é materia constitucional comprehendida no artigo 144.°

Mas, sr. presidente, para que se ha de argumentar com isto, quem quizer censurar a reforma eleitoral tem considerações importantissimas a apresentar com muita procedencia.

Eu, sr. presidente, tambem sou de opinião de que é necessaria uma reforma parlamentar, não só para a outra casa, mas tambem para esta, e já tive aqui occasião de mostrar a longos traços qual a fórma de se fazer a reforma da camara dos pares; por signal que um digno par que apoiou agora o sr. Rebello da Silva, quando fallava da necessidade desta reforma, então bradou que eu dizia uma heresia politica. (O sr. Rebello da Silva: - Não, senhor, foi outro digno par.)

O que eu lastimo é que os srs. ministros creassem uma commissão de homens competentissimos para apresentarem a reforma que todos achavam necessaria, e que depois de estarem esses trabalhos concluidos e entregues ao governo, este os abandonasse, importando-se apenas da redacção do numero dos deputados e circumscripção dos circulos! (O sr. Ministro do Reino:-Peço a palavra.) Nem ao menos quiz aproveitar os trabalhos da commissão para os trazer ao parlamento!

Confesso que muito lastimo se dissesse urbi et orbif e se