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72 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

esta uma questão estranha ao governo de Portugal, uma questão puramente pessoal?!

E diz-se e repete-se no banco dos ministros que o governo se não occupou do assumpto!! ... Ao contrario eu vejo que se cinco ministros se descuidaram, um ao menos se não descuidou; e por isso, sou mais indulgente com o governo do que elle é comsigo proprio. ( O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço a palavra.)

Sr. presidente, não nos cumpre a nós julgar os acontecimentos que precederam e seguiram a revolução haspanhola de setembro de 1868, mas é nos licito apreciar a situação em que nos collocava essa revolução. Triumphou ella em poucos dias, com o grito: "Abaixo os Bourbons". Derrubou-se uma dynastia. Mas ficava ou não de pé o throno? Com que formulas? Com qual dynastia? Graves interrogações, que o programma da revolução deixou sem resposta! Na sua bandeira ficou inscripto apenas o desconhecido, o enigma. Deu-se um facto novo na historia das revoluções. Caíram os Bourbons; venceram as negações. Mas quaes seriam as affirmações da revolução de setembro? A republica? A monarchia com outra dynastia? Qual especie de monarchia?... Não se sabia então, e agora mesmo n'este momento, oito mezes depois, discute-se ainda a fórma de governo da nova Hespanha.

Bastava esta incerteza, esta duvida, este problema não resolvido em um paiz tão chegado a nós, para dever preoccupar seriamente o nosso governo. Mas havia mais ainda, muito mais, para despertar a attenção aqui. Os elementos revolucionarios desaccordos sobre as soluções politicas da revolução, estavam todavia na maxima parte de accordo sobre um principio, que importava para nós nada menos que a cessação da nossa existencia nacional. Ahi davam-se as mãos republicanas e monarchistas. Proclamava-se no campo monarchico-monarchia democratica como meio, união iberica como fim. (O sr. Marquez de Vallada:-Peço a palavra.)

Respondia-se no campo republicano, como fazia ha poucos dias ainda o sr. Orense: façamos os estados unidos da iberia.

A recusa do Senhor D. Fernando não destruiu este ponto de accordo dos revolucionarios hespanhoes. E isto não eram opiniões isoladas, não eram aspirações cerebrinas; eram grupos poderosos, eram jornaes importantes que defendiam a idéa da união, já no campo monarchico, já no campo republicano; eram homens de influencia, partidos poderosos, que pela voz dos seus chefes e orgãos mais valiosos se mostravam dispostos mesmo a ceder grande parte das suas pretensões politicas, comtanto que se realisasse a união desejada, quer sob a fórma monarchica, quer sob a fórma republicana.

Eis-aqui a situação de hontem. Eis-aqui ainda a situação de hoje; porque a candidatura do Senhor D. Fernando rejeitada não elidiu a questão.

Será porventura preciso, fallando diante de homens conhecedores dos negocios publicos, que estão ao facto d'elles, pelo seu dever e pelo interesse que naturalmente inspiram, adduzir documentos para provar que o espirito predominante em grande parte dos elementos da revolução hespanhola, era o da união iberica?

Será preciso trazer aqui os artigos do jornal A Iberia, e de muitos outros jornaes, que proclamavam a união como a mais brilhante, o unico, o verdadeiro fim da revolução hespanhola?

Será preciso muito para mostrar quanto se desejava no paiz vizinho a absorpção de Portugal, embora a questão de fórma fosse sacrificada á realisação dos votos pela união da peninsula em um só estado?

Para resumir lerei apenas poucas palavras de um folheto, no qual a candidatura do Senhor D. Fernando foi preconisada nos primeiros tempos em que d'ella começou a fallar-se com certa largueza. É escripto por um illustre cavalheiro que esteve emigrado n'este paiz, que mereceu aqui, pelas suas pessoaes qualidades, muitas sympathias, e que tem uma posição importante no seu paiz, o sr. Salazar Maxarredo. Dizia elle:

"O meu candidato ao throno é um principe que se acha á altura de tão grande missão, e comprehenderá sem duvida que a separação no futuro, á medida que se compliquem os successos no velho mundo, será a ruina total da peninsula iberica. A interminavel decadencia que pesa sobre ambos os povos não se extinguira nunca, permanecendo o seu isolamento; e bom exemplo d'essa triste verdade foram os estereis esforços que, para recuperar o esplendor perdido, fizeram o marquez de Pombal e o rei Carlos III.

"Morto D. Fernando, quem succederia? O filho mais velho de D. Luiz I, e pela desapparição d'essa linha a descendencia masculina das duas Infantas, irmãs do actual Rei de Portugal. Ambas têem filhos varões de cinco annos de idade, e o marido de D. Antonia é um jovem de apenas sete lustros, summamente illustrado e militar valente, que pertence ao ramo catholico de s Hohenzollern. E irmão da Rainha Estephania, que falleceu pouco antes de baixar ao sepulchro sem successão D. Pedro V, filho mais velho de D. Fernando e de D. Maria da Gloria.

" Unida no futuro a peninsula iberica, em fórma similhante á que adoptaram a Suecia com a Noruega, a Áustria com a, Hungria, que nação tão grande e poderosa chegariamos a formar!..."

(O orador continuando) Eis-aqui os titulos de recommendação que se apresentavam, eis-aqui o que era, o que significava, o que importava a candidatura do Senhor D. Fernando.

Era a velha questão iberica debaixo da velha fórma dynastica. Era a velha idéa da união pessoal com as velhas e sempre desmentidas promessas da autonomia conservada. Era a sorte da Hungria de hontem, em quanto a Austria enfraquecida não sentiu a necessidade absoluta de lhe restituir parte dos fóros perdidos; e a sorte da Polonia de hoje, inspirando á diplomacia um amor platonico, e gemendo debaixo da dominação do czar; era a sorte de Portugal ha dois seculos, despojado pelos Filippes das promettidas regalias! (Vozes: - Muito bem.)

Acrescentava o auctor do folheto: "Se isto é um sonho, quero morrer sonhando".

Pois esperamos que morra tarde e que morra sonhando, mas não sonhemos nós nem dormamos. (O sr. Marquez de Vallada: - É verdade. Muito bem.)

"D. Fernando (leu) aceitará, n.º o duvido, sendo eleito em boas condições, se se convencer que o seu nome será iris de paz, e não pomo de discordia."

Felizmente enganava-se, illudia-se completamente.

Não seduziram perspectivas taes, tão brilhantes, mas tão allazes, o principe generoso e leal que não aspira a tão altos destinos, porque portuguez se fez por adopção, porque portuguez é, e portuguez quer morrer, como nós lhe temos ouvido muitas vezes repetir com a sinceridade de um coração limpo, e a decisão de um honrado caracter.

Enganaram-se nas apreciações que fizeram, e ainda bem que se enganaram.

Mas porventura o governo portuguez não sabia d'isto? E como conclue o escriptor a que me tenho referido? Conclue por esta formula, para a qual peço a attenção da camara, e que resume eloquentemente os fins da candidatura do Senhor D. Fernando de Coburgo, não digo bem, do Senhor D. Fernando de Portugal, pois já não é de Coburgo" A formula era esta:

" Hespanha por D. Fernando, Iberia por seus descendentes."

Querem mais claro?

Era esta então, como o governo pretende, uma questão pessoal? Não era uma questão essencialmente nacional? Uma candidatura que se apresentava em taes condições podia passar despercebida como outra qualquer? A candidatura do Senhor D. Fernando era a repetição do casamento