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SESSÃO DE 31 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares
Visconde de Dores Franco.
Conde de Fonte Nova.

(Assiste o sr. presidente do conselho.)

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Uma representação assignada por differentes engenheiros, servindo em diversos pontos do continente do reino, declarando que adherem ás justas reclamações que a esta camara dirigiram os seus collegas do extincto corpo de engenheria civil, contra a extincção do referido corpo, determinada por decreto de 30 de outubro do anno proximo passado.

A commissão de obras publicas.

O sr. Presidente: - Não sei se algum digno par se quererá inscrever antes de se entrar na ordem do dia?

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Como ninguem pede a palavra, vae entrar se na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 3

O sr. Presidente: - A ordem da inscripção é a seguinte: em primeiro logar o sr. visconde de Chancelleiros, que não vejo presente; seguem-se os srs. Miguel Osorio, Rebello da Silva, e por ultimo o sr; marquez de Vallada.

(Entrou o sr. visconde de Chancelleiros.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros, que já vejo presente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu pedia a v. exa. que, para regularidade do debate, e em satisfação da praxe estabelecida até aqui, v. exa. d'esse alternativamente a palavra aos oradores inscriptos, pró ou contra.

O sr. Presidente: - O que o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, acaba de observar é exactamente o que manda o nosso regimento, e vou perguntar aos senhores que se acham inscriptos, se fallam pró ou contra para seguir a ordem que o regimento nos manda; preciso por consequencia que v. exa. me diga se tem tenção de fallar a favor ou contra?

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, na sessão passada fallou o digno par, o sr. Costa Lobo S. exa. não estava inscripto para fallar a favor, mas fallou a favor; o immediato sou eu, a quem v. exa. tem a dar a palavra, segundo a ordem da inscripção; mas eu sou tambem a favor, e parece me que deverá primeiramente fallar um digno par que se inscreva contra.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Miguel Osorio, quer que o inscreva a favor ou contra?

O sr. Miguel Osorio:- Sr. presidente, se ninguem vota contra o bill, e todos que fallam contra votam a favor (riso), julgo ser um pouco difficil a inscripção; comtudo eu inscrevo-me contra.

O sr. Presidente: - O sr. Rebello da Silva deseja inscrever-se a favor ou contra?

O sr. Rebello da Silva: - Eu tambem fallo contra e voto a favor.

O sr. Presidente: - Eu não posso fazer inscripção alguma conveniente, não ouvindo o que os dignos pares dizem; v. exas. fallam baixo, e vão faze-lo a uma distancia muito grande que se não ouve na mesa da presidencia; e, nem eu nem os srs. secretarios, podemos tomar, nota do que v. exas. dizem; torno a perguntar ao sr. Rebello da Silva se quer fallar a favor ou contra?

O sr. Rebello da Silva: - Eu fallo contra, mas voto a favor.

O sr. Presidente: - O ultimo orador que fallou foi o sr. ministro da fazenda, que fallou a favor, tem a palavra o sr. Miguel Osorio para fallar contra.

O sr. Ferrer: - Peço a palavra a favor, ou como melhor pareça que é.

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

O sr. Presidente: - Fica inscripto o digno par, e tem a palavra o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio: - Eu peço a v. exa. e á camara que me dispensem de fallar agora na altura que me competia. Agora só tenho a refutar algumas das asserções do sr. ministro da fazenda sobre a lei que se refere ao palacio de crystal, e a camara bem vê que eu não posso fallar na ausencia do sr. ministro, que me consta não poderá vir hoje a camara, e se vier será muito tarde, e então peço a v. exa. que me reserve a palavra na altura da inscripção quando estiver presente o sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente: - O ultimo orador que fallou foi a favor, e para fallar contra apenas tinha inscripto o sr. Miguel Osorio; todos os mais são tambem a favor.

O sr. Rebello da Silva: - Se v. exa. me dá licença, eu tenho a fazer uma observação...

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Rebello da Silva: - Eu não disse a v. exa. que fallava a favor, eu disse que votava a favor, mas fallo contra, o que é muito differente.

O sr. Presidente: - Então tem v. exa. a palavra.

O sr. Rebello da Silva: - Vota a favor do parecer da commissão, tanto porque esta deu aos decretos dictatoriaes do governo um caracter mui pronunciadamente provisorio, como por que da rejeição d'elles, na occasião presente, resultariam inconvenientes muito mais graves para a cousa publica, do que podem resultar da sua approvação, limitada como é.

(Entrou o sr. ministro do reino.)

Mas, quanto aos decretos, não podia, elle orador, deixar de pronunciar-se não só contra as provisões de muitos d'elles, como tambem contra o pensamento que lhes deu existencia. Quanto a este, lastimou que o governo, fazendo-se dictador, nos tivesse feito perder no bom conceito em que eramos tidos por toda a Europa, e que estava sendo o mais seguro penhor da nossa independencia, pelo desenvolvimento gradual e seguro das doutrinas liberaes, e pelo escrupulo com que se guardavam as formulas constitucionaes.

(Entrou o sr. ministro da justiça.)

Quanto aos decretos, enumerando aquelles com que não podia concordar, expoz largamente as rasões que o moviam a impugna-los, principalmente a respeito da reforma da camara dos senhores deputados, da instrucção publica e de varios serviços publicos, e observou que não só não attingiram o fim das economias que se invocou, pois que as verdadeiras só por uma larga e intelligente descentralisação podem obter-se, mas produziram mais damnos do que poderiam dar de vantagens.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não duvida prestar o seu apoio a este governo, e dar-lhe a absolvição que elle pede, porque vê a urgente necessidade de pôr termo á crise actual. Era necessario acudir a uma situação anormal, e só podia faze-lo a iniciativa de um poder energico; e se hou-

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vesse de censura-lo, seria por não ter correspondido tão completamente como era necessario, reformando outros muitos serviços que não foram reformados, porque os srs. ministros parece que se acobardaram de tocar-lhes; e tomando algumas providencias com as quaes elle orador não está de accordo, o que mostrou nas detidas considerações que a respeito d'ellas fez.

O sr. Presidente: - Como se acha presente e sr. ministro da fazenda, e o digno par Miguel Osorio pediu a palavra para fazer uso d'ella quando o sr. ministro estivesse presente, dou a palavra ao digno par, apesar de s. exa. não se seguir immediatamente na ordem da inscripção.

O sr. Miguel Osorio: - Rectificando o que tinha dito na sessão passada o sr. ministro da fazenda, disse que, era consequencia das affirmações de s. exa. com relação ao palacio de crystal, pedíra informações a pessoas competentes, e pelo teor d'ellas, de que deu conhecimento á camara, considerou-se auctorisado para affirmar contrariamente ao que o sr. ministro affirmára, que tinha havido um emprestimo, fundado na garantia dos 6:000$000 réis de subsidio annual que uma lei lhe concedêra, e que havia um contrato que fôra violado pelo decreto dictatorial que lhe retirou esse subsidio.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, tomei tarde a palavra, porque tendo-se feito tantas, tão variadas e tão fortes censuras aos srs. ministros sobre o objecto d'esta discussão, não queria antepor-me a s. exas. para terem occasião de se defenderem. Vendo porem que deixaram ir a sua causa á revelia, resolvi-me a tomar a palavra como membro da commissão, e dar a rasão por que assignei o parecer da commissão.

Sr. presidente, declaro que não tencionava fallar n'esta questão, mas como a camara me fez a honra de nomear-me para a commissão, e como o meu nome se acha assignado no fim do parecer, não posso deixar de dizer duas palavras para justificar o meu voto. Peço só alguns minutos de attenção; parece-me que não peço muito, e a camara sabe que eu costumo ser breve.

Sr. presidente, eu approvo o projecto em discussão pela regra de boa philosophia - Ex duobus mattis phisieis minus est eligendum; em vulgar - do mal o menos..

Sr. presidente, entre as leis que fazem a materia do projecto algumas ha que não approvo, e que desejo ver revogadas quanto antes, e outras que desejo que sejam modificadas quanto antes tambem, porque as considere como um mal; mas entendo que n'este momento e nas circumstancias em que estamos, rejeitar o projecto seria causar ao paiz um mal muito maior do que aquelle que lhe póde resultar da adopção das medidas que fazem o objecto do projecto.

Sr. presidente, entre os decretos de dictadura sobre economias, ha alguns que têem sido já executados, outros que se acham em execução, e outros em caminho para virem a ser executados. Se nós agora rejeitássemos este projecto, caíam todas as medidas da dictadura, e o resultado seria que os onerados com essas economias, uns ficariam mais onerados do que outros, havendo assim uma grande desigualdade. Por outro lado como eu entendo que o deficit é grande, espantoso, e que por isso se devem fazer todas as economias possiveis, sem prejuizo do serviço publico, porque só a necessidade póde justificar o imposto, entendo que emquanto se poderem fazer 5 réis de economias, não ha direito de pedir 5 réis de imposto ao povo. N'estas circumstancias não posso deixar de approvar as medidas, da dictadura com relação ás economias, fallando em geral, ou em synthese.

Mas, sr. presidente, eu vejo que n'este paiz houve duas dictaduras depois dos acontecimentos de janeiro, em consequencia dos quaes subia ao poder o ministerio anterior ao actual. Tambem aquelle fez uma dictadura, mas essa dictadura não nasceu viavel; apenas nasceu, deu dois suspiros, revogou duas leis, e morreu como um passarinho. O resultado d'esse facto foi perder a força o ministerio, e caír. Esta lição devia aproveitar ao actual ministerio, e até certo ponto aproveitou. Tambem elle fez a sua dictadura, que não morreu á nascença, mas não chegou á virilidade; fez algumas economias, mas parece-me que não fez todas quantas devia fazer.

Sr. presidente, eu acredito que ainda resta fazer muitas, e muito importantes, nas differentes regiões da administração publica, e por isso lamento que os srs. ministros parassem na carreira que tinham encetado, principalmente depois de terem inscripto na sua bandeira o motu-economias e mais economias.

Sr. presidente, se os srs. ministros não poderam continuar n'ellas, ou não quizeram tomar a responsabilidade da continuação, pelo menos parece-me que, para sustentarem o motu da sua bandeira, quando arrojaram de um jacto 27 projectos de impostos sobre o parlamento, os deviam acompanhar de alguns projectos de economias que diminuissem a impressão desagradavel que aquelles vão causar sobre o povo, justificando d'esta arte a necessidade do imposto, e provando que desejam continuar na carreira das economias.

Porque não usaram os srs. ministros da iniciativa, e não trouxeram ao parlamento os projectos das economias que ainda restam a fazer? Acreditam s. exas. porventura que as economias estão concluidas, e que não ha mais nada que fazer a este respeito? Eu desejaria muito saber o que os sr. ministros pensam sobre isto; porque pararam na dictadura, e porque não apresentaram projectos de economias justa postas aos impostos? Isto parece dar a entender que julgam s. exas. não haver mais economias a fazer!

Sr. presidente, se os srs. ministros não quizeram carregar com a responsabilidade da sua iniciativa sobre as economias no parlamento, porque não promovem pelo menos que se discuta o orçamento, e se de margem assim aos representantes da nação para poderem fazer essas economias que ainda restam? É necessario que os srs. ministros reconheçam que 27 projectos de tributos são um negocio muito serio n'estas alturas! S. exas. se desenganarão!

É preciso pois justificar a necessidade imperiosa d'estes tributos, o que não se póde fazer, emquanto não estiver demonstrado clara e terminantemente que não restam 5 réis de economias a fazer.

Sr. presidente, passo agora a dizer duas palavras sobre o projecto, com relação ao que disse o illustre relator da commissão, porque póde alguem entender que as rasões por elle adduzidas são partilhadas por todos os membros que a compõem.

Eu peço licença a s. exa. para discordar de uma parte do seu discurso. Fallo da redacção do projecto, a qual o illustre relator trouxe como argumento para provar a necessidade da sua approvação.

Sr. presidente, eu vi que s. exa. fez a este respeito uma theoria metaphysica tão sublime e tão alta, que o meu espirito rasteiro não se póde elevar até ella. Não a entendi. E não foi por certo a causa o defeito da theoria; foram os estreitos limites do meu espirito.

O que só percebi foi, que o illustre relator da commissão entendia que estava mais bem redigido o projecto que veiu da outra casa, do que o do governo; e eu entendo que ambos estão mal redigidos. Mas se eu quizer achar preferencia de algum parece-me melhor a redacção do do governo, quero dizer que tem menos defeitos.

Sr. presidente, o que deve dizer o projecto? Deve dizer: - primeiro, que fica relevado o governo da invasão que fez nas funcções do poder legislativo. Isto acha-se claramente redigido no artigo 1.° de ambos os projectos. Deve dizer, em segundo logar, que approva os decretos da dictadura e os actos da sua execução quanto ao preterito, e que dá a esses decretos força de lei para o futuro.

Isto é o que eu entendo que se devia dizer claramente na redacção do artigo 2.° do projecto. Era preciso approvar quanto preterito, porque os decretos e seus actos de

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execução foram illegaes. Os actos illegaes são sujeitos, e a injustiça é tyrannia. Portanto, era necessario que a lei legitimasse os decretos e a execução que lhe tem dado, isto é, que por uma força retroactiva de illegaes os tornasse legaes.

Não bastava sanar o defeito da illegalidade preterita, era mister legislar para o-futuro; isto é, que desse áquelles decretos força de lei para o futuro, porque, segundo, a carta e a boa rasão, ninguem é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão o que a lei manda ou prohibe.

Ora, estão estas idéas claramente redigidas no projecto que veiu da outra camara? Não estão. N'este projecto falla-se sómente do futuro: "Continuam em vigor os decretos emquanto não forem alterados, etc." Da legalidade do preterito nada se diz claramente. Defeito este de redacção muito capital.

Mas, sr. presidente, que vigor é este que continua? Vejo dois vigores; o dictatorial e o legal; aquelle filho dos decretos da dictadura, este filho da presente lei. A redacção do projecto: "Continuam em vigor os decretos, etc.", falla claramente do tal vigor dictatorial que expira com a presente lei. O vigor que depois d'ella apparece e o vigor legal, vigor novo, filho d'esta lei. Eis outro defeito capital da redacção, que prova que quem a fez não fazia idéa clara da materia.

Já se vê pois que a redacção dada pela camara dos senhores deputados é defeituosa: l.°, porque falla só do futuro, quando devia fallar tambem do preterito; 2.°, porque confunde vigor dictatorial com vigor legal, declarando que depois da lei continua o vigor dictatorial, quando apparece sómente o legal.

Mas, ha mais, e seja dito com franqueza. A redacção não é imperativa, como convem a uma lei. A lei manda, não narra, nem relata; o seu estylo não é o didatico, como dos projectos ambos "continuam em vigor."

A redacção do projecto do governo é melhor, porque falla do preterito. "São confirmadas" diz elle, e falla do vigor legal, porque diz: "para terem força de lei". Mas cae no defeito de dizer: "e continuarem em vigor"; defeito que já deixo reprovado no projecto da outra camara, e que é mais censuravel, porque depois de ter fallado da força de lei (vigor legal), fica sendo uma excrescencia inutil em uma lei aonde as palavras se devem pesar como os diamantes.

Sr. presidente, admiro que o sr. ministro da justiça, que sabe muito bem a sciencia da legislação, ou a arte de redigir e fazer as leis, e que deve de ter a memoria ainda fresca da redacção do projecto do codigo civil, assignasse o projecto do governo. Desejo ouvir as suas rasões.

Mas deixemos isto que parecerá uma cousa de pouca monta, comquanto seja de grande importancia, e sobre que fallei por causa das observações do illustre relator da commissão.

Ao projecto do governo acrescentou-se na outra camara uma clausula, que é esta:

"Emquanto não forem (os decretos) alterados pelo poder legislativo."

Naturalmente quem ali fez esta redacção foi a commissão de redacção, porque me parece que o projecto primitivo do governo foi votado tal qual foi apresentado.

E esta clausula foi considerada pelo illustre relator da commissão como uma cousa excellente, porque por virtude d'ella n'este anno se podem ainda revogar os decretos comprehendidos d'esta lei.

Ora, para este fim é inutil a clausula; porque na carta constitucional alguma cousa ha para os projectos rejeitados n'uma sessão annual; mas não se inhibe o poder legislativo de fazer hoje uma lei revoga-la ámanhã. E todos sabem que as leis têem vigor sómente emquanto não são revogadas. A tal clausula para nada serve, para nada presta, nem para o fim que lhe encontrou o sr. relator da commissão.

Tambem pareceu uma grande alteração, e de grande importancia ao illustre relator da commissão, não vir aqui aquella clausula banal e tabellioa: "Fica revogada toda a legislação em contrario". Eu sei muito bem que a ordenação do reino exigia esta clausula, mas a ordenação do reino já lá vae, não tem hoje vigor, e todos sabem que a lei posterior revoga a anterior, quer faça quer não faça menção expressa d'ella. Por consequencia, se eu tivesse de optar por qualquer das redacções, optaria pela do governo, que me parece, não boa, mas menos má.

Portanto, nem uma, nem outra redacção approvo.

Mas, dir-se-ha, e com rasão (e eu estou prevendo a objecção), que se eu não approvo a redacção, como approvei no parecer da commissão o projecto?

Vou explicar-me. A redacção é má, mas d'ella transparece pelas circumstancias occorrentes o que se quer dizer, ainda que se não diga claramente, como devera dizer-se. Alem de que eu estou habituado a taes redacções approvadas, que esta a fallar verdade não é das peiores. - Já vi passar um projecto de lei em que se dizia: "Fica o governo auctorisado a reformar a escola naval, nos termos do parecer da commissão".

Combati esta redacção, mostrei o absurdo d'ella. Porem ella passou nas duas casas do parlamento, e a lei lá está na collecção das leis. De fórma que hoje quem pegar n'esta lei, não estando lá o parecer da commissão, não póde saber o que ella quer dizer. Sic transit gloria mundi! (Hilaridade geral.)

Ora, este projecto de que se trata está melhor do que o outro, e como aquelle passou, melhor póde passar este (apoiados. - Riso).

Sr. presidente, como fui professor de direito publico, permitta-me tambem a camara que diga duas palavras a respeito da questão que se agitou, sobre se a reforma eleitoral recaía sobre objecto constitucional, segundo as determinações da carta.

Sr. presidente, eu podia provar que segundo o artigo 144.° da carta constitucional o numero dos deputados e a circumscripção dos circulos não era materia constitucional. Mas parece-me escusado, porque a carta constitucional no artigo 70.° diz:

"Uma lei regulamentar marcará o modo pratico das eleições e o numero dos deputados relativamente á população do reino."

O artigo é expresso quanto ao numero dos deputados e a circumscripção dos circulos, modo pratico das eleições. E como declara que isto se fará por uma lei regulamentar, fica evidente que não é materia constitucional comprehendida no artigo 144.°

Mas, sr. presidente, para que se ha de argumentar com isto, quem quizer censurar a reforma eleitoral tem considerações importantissimas a apresentar com muita procedencia.

Eu, sr. presidente, tambem sou de opinião de que é necessaria uma reforma parlamentar, não só para a outra casa, mas tambem para esta, e já tive aqui occasião de mostrar a longos traços qual a fórma de se fazer a reforma da camara dos pares; por signal que um digno par que apoiou agora o sr. Rebello da Silva, quando fallava da necessidade desta reforma, então bradou que eu dizia uma heresia politica. (O sr. Rebello da Silva: - Não, senhor, foi outro digno par.)

O que eu lastimo é que os srs. ministros creassem uma commissão de homens competentissimos para apresentarem a reforma que todos achavam necessaria, e que depois de estarem esses trabalhos concluidos e entregues ao governo, este os abandonasse, importando-se apenas da redacção do numero dos deputados e circumscripção dos circulos! (O sr. Ministro do Reino:-Peço a palavra.) Nem ao menos quiz aproveitar os trabalhos da commissão para os trazer ao parlamento!

Confesso que muito lastimo se dissesse urbi et orbif e se

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fizesse constar quasi officialmente que os circulou haviam de ser de dois e de tres deputados, e como estavam organisados, e que se deitasse que todos os candidatos; estivessem dirigindo os seus trabalhos eleitoraes, e que sómente na proximidade do dia da eleição se publicasse a reforma, designando os circulos para um só deputado!

Eu não entro na questão se são melhores os circulos de mais de um deputado, ou se só de um. Não é agora occasião d'isso. Mas se o governo tinha aquelle pensamento, se queria circulos de um só deputado, porque rasão declarou o contrario, enganando os candidatos? O governo deu occasião a dizer que quiz inutilisar os trabalhos da opposição, e melhorar a condição d'elle diante da urna.

Fallemos a verdade; se queria circulos de um só deputado, não valia a pena de alterar a lei existente. O principio das economias, pela pequenez d'esta, não justifica o arrojo do golpe dictatorial em um ramo do poder legislativo. Não póde desculpar uma reforma d'esta natureza (apoiados).

O sr. Presidente: - Lembro ao digno par que a hora deu, não sei se quer ficar com a palavra.

O Orador: - Se deu a hora, aproveito a advertencia para ficar neste ponto e dar por concluidas as minhas observações. Tudo mais que tinha a dizer póde ficar para outras occasiões, que me parece não hão de faltar.

O sr. Presidente: - Ámanhã haverá sessão e continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 31 de maio de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Cardeal Patriarcha; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa, de Vallada; Condes, d'Avila, de Alcáçovas, de Azinhaga, de Cabral, de Cavalleiros, de Fonte Nova, do Fornos, da Ponte; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Porto Covo, de Silva Carvalho, de Soares Franco,de Villa Maior; Barão, de S. Pedro; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Silva Ferrão, Margiochi, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Fernandes Thomás, Ferrer, Lourenço da Luz.

RECTIFICAÇÕES

Na sessão de 29 de maio do corrente anno, publicada n'este Diario a pag. 65, discurso do digno par o sr. Costa Lobo, col. 1.ª linha. 36, onde se lê = a um pobre preto = deverá ler-se = um pobre poeta =

Na mesma pag., linh. 39, onde se repete = o infeliz preto = deverá ler-se = o infeliz poeta=.

Na mesma pag., linh. 44, onde se lê = as obras d'aquelle preto = deverá ler-se = as obras d'aquelle poeta =.

Discurso do digno par, o sr. Casal Ribeiro, pronunciado na sessão de 19 de maio, e que a pag. 28, col. 1.ª foi publicado por extracto no Diario d'esta camara.

O sr. Casal Ribeiro: - A camara está sufficientemente informada, e não preciso por isso repetir-lhe quaes sejam os sentimentos que me animam a levantar a momentosa questão que faz objecto da minha interpellação. Direi apenas n'este momento que a moderação que desejo manter só poderá ser igualada á tenacidade com que me proponho a não deixar no silencio esta questão. Ella é a meu ver de mm gravissima importancia. Não chego a aperceber no plano secundario do quadro, nem as conveniencias do governo nem os interesses da opposição; vejo só em plano mais luminoso os interesses do paiz; e desejo muito sinceramente que o governo saía da posição, a meu ver falsa, em que por facto proprio se collocou.

Quando n'uma das passadas sessões tive a honra de requerer os documentos que devia crer existirem, o sr. ministro dos negocios estrangeiros respondeu-me, que não tendo o governo de Sua Magestade intervindo n'esta questão, nenhum documento official podia enviar para ser presente á camara dos pares. Porém eu não podia por isso, nem devia deixar de insistir; não me era licito faze-lo, quando a imprensa do paiz, a imprensa estrangeira e até o parlamento da nação vizinha se tinham occupado do assumpto, dando-lhe largas proporções, e apreciando-o com mais ou menos justiça.

Não posso admittir que se diga que esta questão, sob termos eu que se achou collocada, fosse estranha ao governo do meu paiz. Póde apreciar-se com mais ou menos severidade, com mais ou menos indulgencia a sua acção; porém não póde negar-se, não póde esconder-se.

Na assembléa constituinte do reino vizinho, o chefe do poder constituido, respondendo a uma pergunta que lhe havia sido dirigida, declarou que tinha recebido a participação do governo portuguez, em um telegramma pouco conveniente, e que o governo hespanhol responderia com a dignidade devida, sem dar proporções mais largas do que aquellas que comportam as relações de duas nações amigas e irmãs.

Se as declarações do governo portugues fossem completamente exactas, importariam a negação das que foram feitas pelo chefe do governo hespanhol.

Tenho presente o extracto do discurso do marechal Serrano, em que estas idéas se acham consignadas.

Se não era para a Hespanha casus belli a inconveniencia ou a inopportunidade da fórma com que uma certa communicação foi dirigida, devia o governo portuguez tambem comprehender que não podia ser casus belli entre elle e a opposição, porque não havia de ser este o terreno que a opposição, qualquer que fosse a maneira como se caracterisasse, escolheria para dar uma batalha politica.

Antes porem, sr. presidente; de esplanar as considerações que me proponho fazer, preciso dirigir ao governo algumas perguntas categoricas, formaes e positivas, sobre materia de facto. Estas perguntas annunciei-as já estando presente o sr. ministro da fazenda, e roguei-lhe que as fizesse constar ao seu collega o sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros.

Tambem me cumpre dizer que ouvi com espanto dos labios do sr. ministro da fazenda a declaração de que o governo, como gabinete, tinha sido estranho a este assumpto, e que nem antes nem depois do telegramma elle fôra levado a conselho de ministros. Registei na memoria esta memoravel declaração, e aguardo a resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre este ponto, e sobre os quesitos já verbalmente formulados na sessão anterior, e que vou repetir por escripto, para depois fazer as considerações que julgar convenientes.

Os quesitos são os seguintes (leu).

Não desejando collocar a questão em um terreno falso, desejando ao contrario que cada um tome a posição que importa á sua propria responsabilidade, porque não pretendo aggravar a de ninguem, mas firmemente decidido a não desistir do meu intento de fazer cobre o caso as considerações que me inspirar o amor pelo meu paiz, rogo ao meu antigo amigo, o sr. marquez do Sá da Bandeira, tenha a bondado de responder aos quesitos que mando para a mesa, e depois peço a palavra para explicar a minha interpellação.

Mandou para a mesa a seguinte nota de quesitos:

"Tenho a honra de convidar o sr. ministro dos negocios estrangeiros a declarar:

"1.° Se é ou não verdade que, em principios de abril ultimo, s. exa. dirigiu um telegramma ao ministro de Portugal em Madrid, ordenando-lhe que communicasse ao governo de Hespanha, que Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando não aceitaria a corôa de Hespanha, nem receberia qualquer commissão que viesse encarregada de l'ha offerecer;

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"2.° Se é ou não verdade que o ministro de Portugal em Madrid, em conformidade de instrucções anteriormente recebidas, consultou o ministro de Inglaterra n'aquella capital, sobre o modo como devia dar execução ás ordens transmittidas n'aquelle telegramma;

"3.° Se é ou não verdade que o telegramma foi officialmente communicado ao governo de Hespanha pelo ministro de Portugal em Madrid, acompanhado de uma nota assignada por este diplomata;

"4.° Se é ou não verdade, que o governo de Hespanha respondeu officialmente por uma nota á do ministro de Portugal em Madrid;

"5.° Se é ou não verdade que o ministro de Portugal em Madrid communicou officialmente estes factos, e enviou copias das referidas notas a s. exa., o sr. ministro dos negocios estrangeiros;

"6.° Qual é o inconveniente que s. exa. encontra em communicar os documentos acima referidos á camara dos pares. = O par do reino, Casal Ribeiro."

Discurso do digno par, o sr. Casal Ribeiro, pronunciado na sessão de 19 de maio, e que a pag. 29, col. 1.ª, foi publicado por extracto no Diario d'esta camara.

O sr. Casal Ribeiro: - Sr. presidente, o que acabámos de ouvir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros traz ao meu animo a convicção de que era não só um acto patriotico, mas até indispensavel, o levantar-se esta questão no parlamento; e de que não era só um acto patriotico, mas indispensavel, me convenci eu mais, depois que, pela boca do sr. ministro dos negocios estrangeiros, acabo de ouvir dizer que o governo tinha sido inteiramente estranho a este assumpto, e que nem antes, nem depois, d'elle se tinha occupado.

Permitta-me s. exa. que lhe diga, com um sentimento sincero de respeito e veneração pela sua pessoa, que vejo na resposta a lealdade do general, porem não a rasão do homem d'estado. Quer o illustre marquez tomar sobre si uma responsabilidade que lhe não compete, que lhe não póde competir exclusivamente segundo os principios e segundo os altos interesses do paiz; e quiz faze-lo por lealdade, e por excesso de delicadeza pessoal. Mas os seus collegas estão intimamente e indissoluvelmente ligados a s. exa. n'esta questão; nem podem deixar de compartilhar a mesma responsabilidade. A d'elles seria mil vezes mais tremenda se a explicação podesse ser aceita, significando que - o governo tinha descurado este negocio.

Dignou-se o sr. ministro dizer algumas palavras sobre as duas primeiras partes da minha interpellação. Quanto aos meios que o governo procura empregar para assegurar a independencia nacional, fez justiça ao passado e a si proprio. O sr. ministro manifestou a sua boa vontade e os seus bons desejos, de que ninguem duvida; desejos e boa vontade, que não é licito duvidar tambem que tenham inspirado os que os antecederam.

Sobre este ponto direi algumas palavras,opportunamente, não para questionar intenções, não para commentar desejos, de que não duvido, mas porque só palavras não bastam, e são necessarias obras, tanto mais em presença de apuradas circumstancias. Alludirei então ás providencias tendentes á defeza do paiz, que reputo indispensaveis, e que não consistem só na organisação da força militar, mas em outros meios de governação interna, na reforma da fazenda e da administração, e em não se apresentarem no parlamento tristes relatorios fazendo acerba critica do passado, e exagerando no presente com negras cores a imagem da mais deploravel situação. Sobre este ponto incidentalmente farei ainda algumas considerações que se prendem com o objecto concreto da minha interpellação.

Quanto ás relações com o governo de Hespanha, que o governo procura manter sobre as bases da mais perfeita cordialidade, ninguem póde duvidar dos seus bons desejos, embora algumas vezes se pratiquem actos poucos reflectidos, que podem ser menos conducentes aos fins que se têem em vista.

Não me occuparei detidamente de fazer a apreciação da narrativa que acabámos de ouvir; mas digo com verdade que mais me satisfez a exposição verbal do nobre ministro do que aquillo que está escripto no officio da secretaria dos estrangeiros. Não quero procurar antitheses, que me parecem demasiado faceis de encontrar, entre o que acabâmos de ouvir e o que está escripto n'este papel.

Foi communicado o telegramma por uma nota, e respondido por outra. Isto basta para dar á communicação todo o caracter official de negocio tratado de governo a governo. A apreciação é clara; a camara, o paiz e a Europa que julguem e decidam. Não creio que possa haver duas opiniões sobre o modo de caracterisar taes actos. Não pretendo insistir n'este ponto, porque, tanto mais forte me encontro na minha, rasão e na verdade das minhas apreciações, quanto menos desejo aggravar a posição do homem de bem e honrado, do general illustre (apoiados), que é trazido aqui por um sentimento generoso e nobre, de querer tomar sobre si responsabilidades que não competem a elle só (apoiados).

Ha divergencia completa entre as apreciações do nobre ministro e as declarações que contem o officio da secretaria. Se s. exa. entendia que podia haver inconveniente em apresentar aqui os documentos, não os apresentasse; nem eu l'hos pedia em tal caso. Dissesse que era uma questão amigavelmente finda, que tinha havido equivoco, mas que esse equivoco se tinha dissipado. Esperava porventura s. exa. que se levantasse aqui alguem que pretendesse condemna-lo pela fórma menos acertada, quando no fundo havia uma intenção altamente patriotica? (Apoiados.} Esperava mal, confiava pouco em mim.

Mas não havia inconveniente em levantar aqui a questão; não o havia então, nem o ha hoje. O inconveniente que podia haver estava na continuação de um silencio absoluto e sepulchral, sobre uma questão que se tinha levantado tão alto, e que tinha chamado a attenção da Europa. Que se diria de nós, do parlamento portuguez, se elle fosse completamente indifferente a questões d'esta ordem? Dir-se-ia que as questões de vida ou de morte, d'este paiz lhe eram indifferentes. Se podia haver inconveniente em trazer aqui os documentos era para o governo, para o paiz creio que o não havia. O nobre ministro comprehende os sentimentos que me animam; mas divirjo do governo, insistindo na questão, por um sentimento patriotico que está acima de todas as considerações pelos membros do gabinete.

Pela minha parte estava, e estou disposto a perdoar o peccado venial do erro de fórma, porém não perdoaria nunca o peccado mortal de desleixo e incuria, de que a si proprio se accusam. Pois era licito ao governo portuguez descurar o assumpto? Era licito por elle passar despercebido? Onde estava, em que pensava o governo do meu paiz em presença de factos que bradavam tão alto?

Sr. presidente, a questão das candidaturas ao throno de Hespanha, quando uma d'ellas era a de um alto personagem portuguez, não foi, nem podia ser uma questão pessoal apenas, e que só devesse preoccupar aquelle personagem.

Pois que!... Tratava-se de ingerencia nos negocios internos da Hespanha, se o governo se preoccupasse tão seriamente como devia da candidatura do Rei D. Fernando? Devia porventura ser igual o procedimento do governo portu-tuguez ácerca d'esta candidatura como quando se fallava do duque de Montpensier, do general Espartero, ou do duque de Aosta?! Não havia aqui uma grave questão nacional, uma questão de interesse essencialmente portuguez quando se tratava da candidatura de um principe portuguez, pae do monarcha portuguez, de um principe que, pela nossa constituição é regente eventual d'este paiz, e que, em virtude do direito de successão, podia dar causa a que de futuro as duas corôas se unissem em uma só cabeça? Era

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esta uma questão estranha ao governo de Portugal, uma questão puramente pessoal?!

E diz-se e repete-se no banco dos ministros que o governo se não occupou do assumpto!! ... Ao contrario eu vejo que se cinco ministros se descuidaram, um ao menos se não descuidou; e por isso, sou mais indulgente com o governo do que elle é comsigo proprio. ( O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço a palavra.)

Sr. presidente, não nos cumpre a nós julgar os acontecimentos que precederam e seguiram a revolução haspanhola de setembro de 1868, mas é nos licito apreciar a situação em que nos collocava essa revolução. Triumphou ella em poucos dias, com o grito: "Abaixo os Bourbons". Derrubou-se uma dynastia. Mas ficava ou não de pé o throno? Com que formulas? Com qual dynastia? Graves interrogações, que o programma da revolução deixou sem resposta! Na sua bandeira ficou inscripto apenas o desconhecido, o enigma. Deu-se um facto novo na historia das revoluções. Caíram os Bourbons; venceram as negações. Mas quaes seriam as affirmações da revolução de setembro? A republica? A monarchia com outra dynastia? Qual especie de monarchia?... Não se sabia então, e agora mesmo n'este momento, oito mezes depois, discute-se ainda a fórma de governo da nova Hespanha.

Bastava esta incerteza, esta duvida, este problema não resolvido em um paiz tão chegado a nós, para dever preoccupar seriamente o nosso governo. Mas havia mais ainda, muito mais, para despertar a attenção aqui. Os elementos revolucionarios desaccordos sobre as soluções politicas da revolução, estavam todavia na maxima parte de accordo sobre um principio, que importava para nós nada menos que a cessação da nossa existencia nacional. Ahi davam-se as mãos republicanas e monarchistas. Proclamava-se no campo monarchico-monarchia democratica como meio, união iberica como fim. (O sr. Marquez de Vallada:-Peço a palavra.)

Respondia-se no campo republicano, como fazia ha poucos dias ainda o sr. Orense: façamos os estados unidos da iberia.

A recusa do Senhor D. Fernando não destruiu este ponto de accordo dos revolucionarios hespanhoes. E isto não eram opiniões isoladas, não eram aspirações cerebrinas; eram grupos poderosos, eram jornaes importantes que defendiam a idéa da união, já no campo monarchico, já no campo republicano; eram homens de influencia, partidos poderosos, que pela voz dos seus chefes e orgãos mais valiosos se mostravam dispostos mesmo a ceder grande parte das suas pretensões politicas, comtanto que se realisasse a união desejada, quer sob a fórma monarchica, quer sob a fórma republicana.

Eis-aqui a situação de hontem. Eis-aqui ainda a situação de hoje; porque a candidatura do Senhor D. Fernando rejeitada não elidiu a questão.

Será porventura preciso, fallando diante de homens conhecedores dos negocios publicos, que estão ao facto d'elles, pelo seu dever e pelo interesse que naturalmente inspiram, adduzir documentos para provar que o espirito predominante em grande parte dos elementos da revolução hespanhola, era o da união iberica?

Será preciso trazer aqui os artigos do jornal A Iberia, e de muitos outros jornaes, que proclamavam a união como a mais brilhante, o unico, o verdadeiro fim da revolução hespanhola?

Será preciso muito para mostrar quanto se desejava no paiz vizinho a absorpção de Portugal, embora a questão de fórma fosse sacrificada á realisação dos votos pela união da peninsula em um só estado?

Para resumir lerei apenas poucas palavras de um folheto, no qual a candidatura do Senhor D. Fernando foi preconisada nos primeiros tempos em que d'ella começou a fallar-se com certa largueza. É escripto por um illustre cavalheiro que esteve emigrado n'este paiz, que mereceu aqui, pelas suas pessoaes qualidades, muitas sympathias, e que tem uma posição importante no seu paiz, o sr. Salazar Maxarredo. Dizia elle:

"O meu candidato ao throno é um principe que se acha á altura de tão grande missão, e comprehenderá sem duvida que a separação no futuro, á medida que se compliquem os successos no velho mundo, será a ruina total da peninsula iberica. A interminavel decadencia que pesa sobre ambos os povos não se extinguira nunca, permanecendo o seu isolamento; e bom exemplo d'essa triste verdade foram os estereis esforços que, para recuperar o esplendor perdido, fizeram o marquez de Pombal e o rei Carlos III.

"Morto D. Fernando, quem succederia? O filho mais velho de D. Luiz I, e pela desapparição d'essa linha a descendencia masculina das duas Infantas, irmãs do actual Rei de Portugal. Ambas têem filhos varões de cinco annos de idade, e o marido de D. Antonia é um jovem de apenas sete lustros, summamente illustrado e militar valente, que pertence ao ramo catholico de s Hohenzollern. E irmão da Rainha Estephania, que falleceu pouco antes de baixar ao sepulchro sem successão D. Pedro V, filho mais velho de D. Fernando e de D. Maria da Gloria.

" Unida no futuro a peninsula iberica, em fórma similhante á que adoptaram a Suecia com a Noruega, a Áustria com a, Hungria, que nação tão grande e poderosa chegariamos a formar!..."

(O orador continuando) Eis-aqui os titulos de recommendação que se apresentavam, eis-aqui o que era, o que significava, o que importava a candidatura do Senhor D. Fernando.

Era a velha questão iberica debaixo da velha fórma dynastica. Era a velha idéa da união pessoal com as velhas e sempre desmentidas promessas da autonomia conservada. Era a sorte da Hungria de hontem, em quanto a Austria enfraquecida não sentiu a necessidade absoluta de lhe restituir parte dos fóros perdidos; e a sorte da Polonia de hoje, inspirando á diplomacia um amor platonico, e gemendo debaixo da dominação do czar; era a sorte de Portugal ha dois seculos, despojado pelos Filippes das promettidas regalias! (Vozes: - Muito bem.)

Acrescentava o auctor do folheto: "Se isto é um sonho, quero morrer sonhando".

Pois esperamos que morra tarde e que morra sonhando, mas não sonhemos nós nem dormamos. (O sr. Marquez de Vallada: - É verdade. Muito bem.)

"D. Fernando (leu) aceitará, n.º o duvido, sendo eleito em boas condições, se se convencer que o seu nome será iris de paz, e não pomo de discordia."

Felizmente enganava-se, illudia-se completamente.

Não seduziram perspectivas taes, tão brilhantes, mas tão allazes, o principe generoso e leal que não aspira a tão altos destinos, porque portuguez se fez por adopção, porque portuguez é, e portuguez quer morrer, como nós lhe temos ouvido muitas vezes repetir com a sinceridade de um coração limpo, e a decisão de um honrado caracter.

Enganaram-se nas apreciações que fizeram, e ainda bem que se enganaram.

Mas porventura o governo portuguez não sabia d'isto? E como conclue o escriptor a que me tenho referido? Conclue por esta formula, para a qual peço a attenção da camara, e que resume eloquentemente os fins da candidatura do Senhor D. Fernando de Coburgo, não digo bem, do Senhor D. Fernando de Portugal, pois já não é de Coburgo" A formula era esta:

" Hespanha por D. Fernando, Iberia por seus descendentes."

Querem mais claro?

Era esta então, como o governo pretende, uma questão pessoal? Não era uma questão essencialmente nacional? Uma candidatura que se apresentava em taes condições podia passar despercebida como outra qualquer? A candidatura do Senhor D. Fernando era a repetição do casamento

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do filho de D. João II, era a reproducção do casamento da filha de D. João III, preparando a invasão do duque de Alba!

Illudiu-se alguem aqui, e de boa fé se illudiu. Houve quem sustentasse por escripto, tambem de boa fé, que Sua Magestade o Senhor D. Fernando podia e devia aceitar a corôa, como penhor de boas relações entre os dois paizes, como garantia da sua mutua independencia.

Triste illusão! Deploravel illusão! O principe comprehendeu bem que não podia ser assim, que não podia aceitar um throno para contrariar a aspiração, que era o fundamento da sua candidatura, e que não podia menos ainda aceitar uma corôa para esmagar com ella a independencia do paiz que lhe deu familia e patria.

Triste illusão aquella dos que julgaram que o Senhor D. Fernando podia aceitar corôa de Hespanha sem macular a alta e nobre lealdade do seu caracter.

Não quiz elle, e não quiz bem, porque prefere continuar a ser d'esta patria, que o ama, e á qual elle ama com amor igual.

Não se seduziu com a satisfação de vangloriosas ambições, porque lhe preferiu os precedentes de uma lealdade honrosa, e d'esta forma se mostrou principe digno-de si e do filho que baixou á campa, e cuja memoria todos nós choramos com as lagrimas mais sinceras (muitos apoiados).

Permitta-me agora a camara que lhe repita, porque me resoam ainda nos ouvidos as palavras, quasi as ultimas, que ouvi proferir ao Senhor D. Pedro V, porque, ausentando-me do paiz por largo tempo, o vim encontrar depois no leito da morte.

Era em conversa amigavel, porque me honrava o monarcha com a sua estima. Fallava dos projectos de união iberica, porque as aspirações não são novas, nem as tentativas á lealdade dos nossos principes datam só de agora. Praticando sobre essas tentativas e tentações, dizia-me o Senhor D. Pedro V, com aquelle tom de convicção profunda, com aquella expressão sincera e melancolica, que parecia já presagiar uma morte prematura: "Enganaram-se commigo, porque me encontraram mais honesto que ambicioso!..."

Palavras simples e nobres que mereciam ser gravadas no bronze! Praza a Deus dar-me algumas horas de descanso, para as poder transmittir pela voz da historia á posteridade! Palavras consoladoras, sobretudo em uma epocha de tão fundo scepticismo e de tanta descrença, em que o interesse tudo explica e tudo desculpa! (Vozes: - Muito bem.)

Honra pois, mil vezes honra á resolução do principe, que foi, como não podia deixar de ser, de bom portuguez, e de homem leal.

Mas ao governo não cumpria nada? Ao governo cumpria a acção; acção sem rudeza na fórma; acção conveniente e opportuna, mas attenta e persistente.

Qual era a situação no principio de abril d'este anno? Era aquella que nos acaba de descrever o sr. ministro dos negocios estrangeiros; ninguem a ignorava. Toda a imprensa hespanhola repetia que a candidatura do Senhor D. Fernando tinha sido combinada em conselho de ministros; citavam-se os nomes, as casas e os numeros das portas onde havia as reuniões de deputados influentes em que predominava esta idéa.

Ninguem ignora que se propunha enviar aqui uma commissão encarregada de implorar e preparar a aceitação. E o governo não estava informado d'isto? Se estava informado podia porventura dizer, como disse aqui o nobre ministro da fazenda: "O governo não se occupou de tal assumpto"?! Não; o governo occupou-se, e o governo era altamente criminoso se não se tivesse d'elle occupado. O que tinha então o governo a fazer n'aquelle momento? A meu ver alguma cousa muito simples. Sabia quaes eram as disposições do Senhor D. Fernando, sabia qual era a opinião que predominava em muitos e importantes grupos do paiz vizinho, queria e devia manter a maior cordialidade nas relações com o seu governo; não tinha que fazer de certo communicações ostensivas e officiaes; era inopportuno faze-las, emquanto nenhuma communicação official lhe fosse feita; mas podia, e eu desejaria, sinceramente o digo, que o tivesse feito, dirigir-se confidencialmente, amigavelmente, verbalmente ao governo de Hespanha, ou por via do seu ministro aqui, ou do nosso representante em Madrid, e fazer-lhe ver, em termos os mais cortezes e os mais amigaveis, quaes as disposições do Senhor D. Fernando, e quaes os motivos que as determinavam, que esta questão não era de um caracter pessoal, mas de um caracter nacional; que o Senhor D. Fernando não aceitava a candidatura, nem nós podiamos nunca ver com bons olhos tal aceitação (apoiados geraes).

Dizer isto era o que lhe cumpria, em termos os mais affaveis, os mais cortezes, e deixar ao governo hespanhol proceder como entendesse. Se elle queria levar as cousas até ao ponto de fazer uma proposta official, então officialmente ouviria a recusa; mas emquanto não se chegasse a este ponto, não havia a fazer senão communicações officiosas e amigaveis; e n'estas não mostrariamos senão muita attenção, muita cortezia da nossa parte, e muito desejo de evitar ao governo de Hespanha uma posição falsa ou equivo-vos desagradaveis (apoiados). Era isto o que se devia fazer. Sinto que não se fizesse, mas ainda assim é muito melhor o que se fez do que se nada tivesse feito por parte do governo, como agora pretendem os srs. ministros.

Ha um ponto sobre que o nobre ministro não respondeu claramente. Eu não quero affirmar, mas não falta quem affirme que o ministro de Portugal em Madrid tinha instrucções para consultar sempre sobre este negocio o ministro inglez.

(Interrupção do sr. conde de Thomar, que não se ouviu.)

Isto é um incidente, no qual não quero insistir largamente. Se tinha taes instrucções, sinto tambem que as tivesse. Respeito muito todos os alliados, a Inglaterra, a França, a Hespanha, e todos os seus representantes, mas a questão não era nem ingleza, nem franceza (apoiados), era nossa (apoiados). Consultar o ministro de Inglaterra, que não podia nem devia inspirar-se senão dos interesses do seu paiz! Era porventura o ministro inglez que tinha de se inspirar dos nossos interesses? Pois não temos um telegrapho e um correio para que se consultasse o governo em caso melindroso?

Consultar o ministro de Inglaterra! Eu respeito muito a pessoa, e respeito mais ainda a potencia que representa, mas declaro que nunca assignaria taes instrucções, numa questão essencialmente portugueza, envergonhar-me-ia de cingir-me á opinião de um representante estrangeiro qualquer (apoiados).

Sr. presidente, politica portugueza!... Nem politica ingleza, nem politica franceza, nem politica hespanhola, nem politica revolucionaria lá fóra, nem politica conservadora, nem politica retrograda; politica só portugueza, lá fóra, para que nos deixem fazer no nosso paiz o que entendermos conveniente.

Lá fóra não temos que enfileirar, nem ao lado dos revolucionarios nem ao dos conservadores, nem de seguir cegamente o inglez, nem o francez, nem o hespanhol. Respeitemos a todos; mas façamos politica portugueza.

Seria difficil formular as regras d'esta politica? Seria difficil, particularmente, em relação ao reino vizinho? Esta politica assenta naturalmente em uma dupla base, manter as nossas relações com a Hespanha, pela maxima cordialidade e pelo maximo respeito da mutua independencia.

Este é, creio, o symbolo; este deve ser o intuito da nossa politica com o paiz vizinho.

Devemos estar bem, com todos; e por interesse proprio devemos sobretudo estar bem com os hespanhoes; porque, se da sua amisade nos podem vir vantagens, e a elles tambem, da sua hostilidade pôde-nos vir perigo. Quero a amisade da Hespanha na sua verdadeira base - o respeito da

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mutua e inteira independencia. Outra base rejeito a. Assim, sim. Com esta politica poderiamos marchar unidos, quanto possivel unidos, nas questões externas á peninsula, porque nas questões exteriores Portugal e Hespanha não podem facilmente ter interesses antagonicos. Quanto ás questões internas, ao modo de ser interno de cada paiz completa isenção.

Emquanto ás questões externas á peninsula seria facil, com boa vontade de uma parte e de outra, marcharmos quasi sempre unidos sem nenhuma alliança offensiva ou defensiva permanente, sem nenhum laço federal, mas unicamente tendo presente sempre as relações de boa, politica e de leal amisade, proprias de dois povos irmãos, que devem procurar viver em harmonia, auxiliar-se mutuamente, e não degladiar-se em desproveito de ambos. Era este. devia ser este o objectivo da politica portugueza; para esse fim deviam encaminhar-se constantemente os nossos esforços, e por isso, sr. presidente, não me cansarei de repetir em cousas portuguezas, politica portugueza (apoiados).

Era esta a situação que os srs. ministros tinham herdado da administração a que me honro de ter pertencido, e que havia sido continuada por aquella que os precedeu.

Quando tive a honra de entrar para o ministerio dos negocios estrangeiros, em 1866, expedi uma circular, que foi recebida aqui por alguns com certo assombro: foi a circular de 29 de maio de 1866. Esse documento tinha um fim unico, porque de resto eram palavras banaes. Dizer que desejavamos manter as melhores relações com todas as potencias, era apenas seguir a tradição; sempre assim se disse, sempre assim se fez; mas aquella circular dizia mais alguma cousa, accentuava por um modo especial a maxima cordialidade para com a Hespanha sobre a base do respeito da mutua e inteira independencia.

Houve effectivamente estranhezas aqui que não deixaram de me parecer singulares, tanto aquella politica me parecia e me parece indicada pelo simples bom senso. Mas a Hespanha comprehendeu melhor essa politica do que a opposição em Portugal.

Fôra aquillo porventura uma verbosidade inutil? Foram vanglorias palavrosas? Ahi está a historia recente que o diga; ahi está ella que regista os resultados.

Pouco tempo depois o governo hespanhol mandava para aqui um novo representante, e esse novo representante, apresentando-se diante do throno do monarcha portuguez, para lhe apresentar as suas credenciaes, repetiu a mesma idéa, adoptava a formula da circular de 29 de maio. Era a Hespanha que lealmente apertava a mão que lhe estendiamos; era a Hespanha que nos respondia pela bôca do seu representante: "Acreditâmos a vossa palavra, aceitâmos a cordial amisade d'esse paiz, tal como no-la offereceis, e sobre a base da mutua independencia em que a assentaes".

Pouco depois vinha aqui, na qualidade de commissario especial, o irmão do ministro da fazenda, tratar negocios commerciaes do accordo comnosco, a fim de harmonisar os artigos das nossas pautas mais interessantes ao trafego quotidiano dos dois paizes. Ao mesmo tempo eliminava-se com plena satisfação para nós um assumpto que dera logar a alguma divergencia entre os dois governos - refiro-me á convenção consular que havia sido assignada em condições taes que não era possivel ser ratificada pela nossa parte, por se oppor a prescripções da carta constitucional, racionalmente interpretada como o foi logo pelo codigo civil, na materia relativa á nacionalidade. O governo hespanhol prestou-se de boa mente a pôr de parte essa convenção, e a abrir negociações novas.

Mais alto que tudo isto ainda fallava a visita da Rainha de Hespanha ao nosso monarcha. Essa visita não foi apenas uma ostentação de luzimentos cortezãos; foi um grande facto politico. Quem o não comprehendeu assim, não o comprehendeu bem ou quiz desfigura-lo. O aperto de mão que se davam cordialmente os dois monarchas, foi viste lá fóra;
as palavras de bons vizinhos e bons amigos que se trocaram tiveram echo em París e Londres. Esses factos de alta significação politica eram o desmentido claro de dois nobres e leaes caracteres as suspeitas e aos incitamentos de uma falsa opinião que só havia creado pelos esforços de certos jornaes publicados em França e outros paizes, onde se pretendia que Portugal aspirava na peninsula iberica a um papel similhante áquelle que representava o Piemonte na Italia.

Era n'aquella grave occasião, sr. presidente, era então quando se obtinham resultados taes, que nos criticavam, que eramos accusados de reaccionarios e inimigos das liberdades publicas, por termos estreitado intimas relações com um governo amigo, que comprenendia, que apreciava em alta conta a nossa amisade, e que respeitava com o mais religioso escrupulo não só a nossa independencia, mas as nossas susceptibilidades, e as necessidades e as conveniencias da nossa politica tolerante e liberal. Alcunhava-nos então de reaccionarios uma opposição imprudente e anti-patriotica, e a cada momento procurava provocar falsas susceptibilidades e levantar conflictos. Não me refiro de certo ao nobre presidente do conselho, que está presente; mas poderia referir-me a algum dos seus collegas, que não vejo aqui, e que n'esse tempo figurava na imprensa com a maior tenacidade e com a maior acrimonia á frente de tal opposição.

Ostentavam de patriotas então os que suscitavam conflictos, alguns tão ridiculos que vergonha seria relembra-los. E pretendiam que eramos menos bons portuguezes nós que desviavamos taes conflictos, e mantendo sempre a dignidade do paiz, e mantendo sempre ama politica de tolerancia e liberdade, cumpriamos para com a Hespanha, nas fórmas da nossa propria escolla, e compativeis com a natureza do nosso governo o com a opinião do nosso paiz, os deveres estrictos de lealdade que não obrigam menos entre as nações que entre os individuos!

Eramos reaccionarios nós que davamos a mão a um governo amigo, que o era sincero, apesar das suas idéas politicas e das suas praticas inteiramente diversas das nossas! Éramos reaccionarios nós quando o faziamos por um alto sentimento das conveniencias do paiz!

Confundia tudo aquella implacavel opposição, fingia desconhecer a profunda differença que havia entre a nossa politica interna e a do reino vizinho; appellidava de subserviencia o que era apenas espontanea e natural lealdade; e pretendia que fossemos adversarios do governo de Hespanha, porque esse governo julgava necessario dentro do seu paiz usar de forte compressão contra as tentativas revolucionarias. Erro deploravel, que os não deixava ver que as nações não se alliam nem approximam pela similhança das fórmas da sua governação interna, mas pela communidade da sua segurança e dos seus interesses.

Quando o czar da Russia e o presidente dos Estados Unidos se dão mutuamente demonstrações do mais cordial affecto, qual d'elles sacrifica as suas crenças politicas e as suas normas de governo? É o autocrata que se converte á democracia, ou é o cidadão presidente que a renega? Nem uma, nem outra cousa. São interesses communs, aspirações talvez ambiciosas de ambos, mas que senão prejudicam, antes podem auxiliar-se; são esses sentimentos que os animam, e que explicam, que justificam, que nobilitam taes approximações.

As allianças das nações fundam-se na communidade dos interesses; tudo o mais é chimerico, tudo o mais é utopia. Por mim declaro que não tenho o espirito tão levantado e tão abo que prescinda nos sentimentos e nas idéas das gradações impostas pela natureza humana.

Amamos em primeiro logar a familia, depois a cidade, depois a patria, depois a humanidade. Esses espiritos transcendentes que desprezam tão naturaes gradações, esses espiritos que passam da contemplação da sua propria grandeza ao amor platonico da humanidade, desadorando a cidade, desadorando a patria, esses confesso que não chego

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a comprehende-los, que não sei segui-los nos seus voos arrojados; peço a Deus que os afaste da direcção dos negocios publicos do meu paiz (apoiados).

Que nos cumpria a nós em relação ao governo de Hespanha? Não nos cumpria de certo entremetter-nos na sua politica interna, não nos cumpria defende-lo dentro da Hespanha contra os seus inimigos; mas o que por certo nos cumpria era obstar a que dentro do nosso territorio se conspirasse contra a ordem estabelecida na casa dos nossos vizinhos.

Se hoje os partidarios do regimen decaído viessem aqui ameaçar por qualquer modo a segurança do governo estabelecido, o dever do nosso governo era o mesmo (apoiados). Eu nunca o censuraria por isso, quaesquer que sejam as minhas sympathias pessoaes.

Sr. presidente, a revolução de setembro de 1868 em Hespanha creou uma situação com relação a nós, que era preciso apreciar e conhecer; e comtudo aqui, no nosso paiz; prorompeu o enthusiasmo da imprensa de um certo partido, que pretende para si o monopolio da liberdade (apoiados). Foram vivas e estrondosas as manifestações, porem logo o enthusiasmo degenerou em receios e terrores. Loucos e imprevidentes enthusiasmos! Pois tudo que tem acontecido, pois a manifestação das pretensões ibericas não era de prever quando se desencadeassem as paixões? (Apoiados.)

Eu não me enthusiasmei com a revolução de Hespanha, posso dize-lo; e talvez não fallasse tão claro se estivesse n'aquelles logares (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), ou se tencionasse lá voltar; mas como não estou, não tenciono nem quero tornar lá, posso dizer que não me enthusiasmei, nem me alegrei com esse facto. Não sou hespanhol; se o fosse não sei em qual dos campos estaria; como o não sou, não tinha de considerar a revolução debaixo do ponto de vista dos interesses hespanhoes.

Considerei pois a revolução como portuguez, e por isso não me podia alegrar com ella, apesar de, entre nós, não poder tirar carta de liberal, segundo certa escola, quem não applaudisse os vencedores de Alcolêa.

Tambem honro as convicções e a coragem, quando se dedicam ao serviço de uma causa, e creio que os vencedores de Alcolêa tinham a convicção da justiça d'aquella que defendiam. Honro pois os vencedores, mas seja-me permittido tambem, por um sentimento puramente pessoal, honrar o vencido de Alcolêa, a quem tive a honra de apertar a mão de amigo. Fallo do general Pavia, que poucos dias antes da revolução tinha censurado a marcha politica do governo do seu paiz, que conhecia os erros que se praticavam, que desadorava esses erros, que fallava com a natural isenção á sua rainha, mas que no momento de perigo foi offerecer-lhe a sua espada, e que caíu no campo peior ainda que morto, tendo o direito de repetir as palavras que depois da batalha que tem o seu nome, proferia o rei Francisco I - tout est perdu fors l'honneur.

Estes exemplos são raros, são nobres, são levantados, e por isso mesmo são mais preciosos nos nossos tempos. Convem commemora-los.

A cada uma expressão das suas sympathias honremos pois e podemos honrar conjunctamente os vencedores e os vencidos.

Porém, com relação a nós, que somos portuguezes, qual era a situação que nos creava esse acontecimento? Quaes eram as obrigações que nos impunha? Vou resumi-las em poucas palavras.

Quanto ao exterior, cumpria redobrar de attenção, tornar cada vez mais claras as affirmativas da conservação da nossa independencia; cumpria proceder o governo com animo convicto e resoluto sempre que tivesse de intervir em assumpto interessante á nossa autonomia; cumpria-lhe manter dignamente e com opiniões claras a sua posição de governo, sempre que o seu dever o chamasse a aconselhar ou a explicar-se em objectos taes como a candidatura do Senhor D. Fernando.

No exterior pois observação attenta, affirmações claras. No interior tratar da defeza do paiz, como disse o illustre presidente do conselho. De accordo. Todos os paizes, grandes, ou pequenos têem obrigação de se precaver; mesmo aquelles que possam ter a convicção de que não poderão resistir em certos casos a forças immensamente superiores, cumpre-lhes a obrigação de resistir, para ao menos cair com honra, e nunca deixar-se surprehender como Napoles (apoiados).

Mas, sr. presidente, a organisação da defeza não deve ser só na parte militar, mas tambem na civil; uma e outra.

Cuidemos das cousas militares, e ninguem mais competente para isso do que o nobre general que está á frente da governação do paiz. Organisemos um nucleo de defeza. Um paiz pequeno, como o nosso, não póde ter exercito grande, mas póde e deve ter exercito exemplar, exercito que não esteja a fazer serviço de policia em destacamentos (apoiados) e, sobretudo, exercito disciplinado (apoiados); exercito que obedeça (apoiados); exercito emfim, do qual se eliminem para não mais apparecerem exemplos detestaveis como os que presenciámos n'essa deploravel expedição da Zambezia (muitos apoiados).

Mas, sr. presidente, organisemos tambem a defeza civil; e quando digo isto, pretendo que nos occupemos das nossas finanças e da nossa administração; e pretendo primeiro que tudo, e mais que tudo ainda, que tenhamos sempre em vista o dever impreterivel de não deprimir jamais o nivel nacional. Não vamos em documentos officiaes nimiamente melancolicos (para não dizer cousa peior), não vamos deprimir o nivel da nação, declarando-a insolvente (apoiados), incapaz de realisar as condições impreteriveis do seculo em que vivemos (apoiados). E sobre isto peço eu muito a attenção do nobre presidente do conselho para que chame a si qualquer collega mais moço e menos experiente, e que lhe faça conhecer e avaliar bem os inconvenientes de uma politica tal! (Muitos apoiados.) Hoje em dia as nações não têem o direito de se assentarem no marco miliario da estrada, pendendo a cabeça, desanimada e adormecida, porque vem voando a locomotiva do progresso, que lhes passa por cima e as esmaga.

Occupemo-nos pois de tudo isto, occupemo-nos do interior, não para lastimar em plangentes nenias os reaes, os cruzados, os contos mesmo que temos despendido em alguns kilometros de estradas ordinarias e de caminhos de ferro, ou na creação e abertura de algumas escolas destinadas a fornecer em maior escala o pão do espirito ás gerações futuras. Póde ser que algum desperdicio tenha havido, que algumas sommas se tenham gasto com menos acertada applicação, mas o desperdicio enorme do maior de todos seria descurar o fomento, não fazer cousa alguma, que é onde conduzem as idéas actuaes.

Occupemo-nos do interior, não para repartir com mão avara a labios famintos o caldo negro de Sparta, que a alguns se afigura ser o alimento unico apropriado ao paiz. Só com mais largas vistas, com mais largos intuitos, poderemos viver e progredir. Se desanimámos, se caímos de extenuados, morremos! Porque hoje é mais verdadeiro do que nunca o aphorismo - parar é morrer. Ninguem tem hoje direito de parar, quando os outros todos caminham.

Mas occupando-nos debaixo d'este ponto de vista do interior, occupemo-nos tambem do exterior. Não nos despreoccupemos tanto das cousas externas, como diziam os srs. ministros no discurso da corôa. Não gostei da phrase, e não vim aqui quando teve logar a discussão da resposta ao discurso do throno, porque não quiz levantar então uma questão politica. Se tivesse vindo á camara n'essa occasião, não poderia votar aquella phrase.

Pois, sr. presidente, a candidatura do Senhor D. Fernando ao throno de Hespanha era porventura alguma questão isolada, sem antecedentes nem consequentes? Pois a questão fundamental não está ainda viva e palpitante como estava? Agglomeram-se densas nuvens para o lado de les-

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te. Procedamos então como pilotos experimentados. Encaremos sem sossobro o nevoeiro, preparemos a manobra, e não vamos, como nautas moveis, dar nos baixos da costa com este navio gigante, que se chama Portugal, quando nos tempos de D. Manuel e do Gama abria ao mundo velho as portas esplendidas do Oriente (apoiados).

Não nos illudamos com os tempos. A idéa das federações já não é da nossa epocha; podem as federações traduzir-se em factos transitorios e momentaneos; porém não se consolidam, não se estabelecem na nossa velha Europa, e não podem ser senão uma forma de transição que conduz á encorporacão dos territorios e á aniquilação das independencias.

Na Allemanha havia uma federação historica que datava de remotos tempos, e essa federação está hoje fundida e confundida na hegemonia prussiana. Na Itália preparava-se uma federação que nem chegou a ter effeito, e fez-se a unidade da Itália.

Nos Estados Unidos, alem do oceano, na patria mesma do principio federal, depois da guerra gigantesca que ali teve logar, vae elle perdendo terreno cada dia.

Não acreditemos em federações. O que é possivel, o que é pratico, o que é actual são as fusões. E não nos digam que não são possiveis hoje as fusões violentas, porque se respeita nos nossos tempos a vontade dos povos. Os que argumentam assim afastam os olhos da historia contemporanea; illudem se a si ou querem illudir os outros. Violentas, como as de outras eras, têem sido muitas pessoas operadas no nosso seculo e nos nossos dias. Falla-se hoje menos no direito de conquista, mas pratica-se muito a conquista sem direito (apoiados).

Mudou o nome, não mudou a cousa. Vivemos debaixo da soberania, do facto consummado. Quando o sr. de Bismark apresentava em nome do rei um projecto com a celebre formula - Tomâmos para nós o Hanover? tinha ao menos sobre outros a virtude da franqueza.

Se o nosso seculo é admiravel, e eu o admiro em muitas das manifestações da civilisação, se tem havido um grande progresso material, não posso prestar-lhe igual culto debaixo do ponto de vista moral e do respeito ao direito. As idéas mais simples do direito andam desprestigiadas e desconhecidas muitas vezes entre os individuos, quasi sempre entre as nações (apoiados).

As fusões são portanto possiveis, e temiveis pela violencia; e eu detesto todas as fusões; não as posso aceitar não as quero nem as quiz nunca com o paiz vizinho, embora deseje ver com elle mantidas as melhores e mais cordiaes relações, como devem existir entre duas nações visinhas e irmãs. Abomino a fusão, quer ella se effectue com Cobourgos, com Braganças, com Bourbons, com Napoleões ou com republicas (apoiados).

Em presença de factos que bradam tão alto, não se póde dizer que as nações não morrem quando não querem. Não basta querer; é necessario poder e não póde quem não sabe.

Se o governo sabe e póde collocar-se á altura de circumstancias tão graves como aquellas em que nos achamos, rodeados de perigos e cercados de difficuldades, se o governo sabe e quer, ha de ter n'esse empenho o apoio de todos os bons e verdadeiros portuguezes.

Mas se só contenta com falsas popularidades, se pensa que tem completamente preenchido a sua missão por ter empunhado o camartello, applicando-o ao edificio social para cortar algumas excrescencias, engana-se, porque não tem feito bastante. Não basta só cortar, é preciso tambem conservar é edificar. Se o governo vive de destruir apenas, lamento por si; mas pelo paiz principalmente. Se essa vida folgada que tem levado o satisfaz, se se contenta com o som festivo dos hymnos e das philarmonicas, se se deleita sempre ouvindo soar aos ouvidos as algazarras de uma multidão desvairada que tão depressa applaude como condemna; se isto lhe basta, póde entre esses ephemeros triumphos estar
preparando o seu inglorio epitaphio sobre as ruinas de uma nação que merecia mais e que tinha direito a mais.

Perdôem-me o sr. ministro e a camara esta franqueza de linguagem. Fallo assim, porque o sinto, e digo-o assim, porque o penso. Não me animam odios politicos nem pessoaes, porque os não tenho; não me ligam conveniencias partidarias, porque não estou em nenhum partido; não me prendem considerações, porque não aspiro a nada, a nada absolutamente. Mas reservo-me o direito de fallar como penso, como sei, e como sinto; e se fallo de uma maneira rude, e com vehemencia, tomem-o como consequencia de temperamento, e não de intenção hostil.

O entendimento póde errar, mas a intenção é boa, e a vontade pura. E posso affirmar que é pura a vontade, porque me não anima n'esta questão outro sentimento que não seja o amor a esta terra portugueza em que nasci, e que desejo que se chame portugueza ainda, quando houver de lhe entregar os meus ossos no dia que no livro da Providencia estiver marcado para a terminação da vida.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por varios dignos pares.)

Discurso do digno par, o sr. Casal Ribeiro, pronunciado na sessão de 21 de maio, e que a pag. 41, col. 2.ª foi publicado por extracto no Diario d'esta camara

O sr. Casal Ribeiro: - L facil explicar o objecto d'esta discussão. Trata-se de uma interpellação formulada e seguida nos termos do regimento. Trata-se de uma interpellação, cujo intuito não era por certo levantar o que, particularmente n'esta nossa terra, se chama questão politica, ou questão de gabinete, que podesse crear dificuldades á existencia ministerial.

Menos o era ainda suscitar uma questão academica, uma questão de theorias philosophico-historicas, uma questão sem applicações immediatas e concretas. E muito menos do que tudo isto estava no intuito de quem levantou o debate provocar questões pessoaes, relembrar responsabilidades antigas, esgrimir pugnas de orgulhos feridos ou de vaidades offendidas, pugnas nas quaes nada lucra o paiz nem ganha a dignidade e importancia da discussão.

Terminada julgava eu, pela minha parte, a missão que me impuz, no sentido em que ma impuz e no sentido em que me mantive estrictamente. Eu não vinha ao parlamento portuguez discutir theses historico-philosophicas sobre as tendencias em geral dos povos para a sua agglomeração ou diffusão em diversas nacionalidades, nem tão pouco vinha discutir theoricamente as applicações d'esta doutrina ao futuro politico da minha patria. Mas vinha, e tinha o direito de vir, pedir ao governo que declarasse qual tinha sido o seu procedimento em presença da situação actual da Hespanha, em presença de apreciações feitas pela imprensa estrangeira, em presença de pretensões altamente proclamadas, em presença de factos de summa gravidade para nós, como aquelles a que me referi na ultima parte da minha interpellação.

Não me arrependo de ter trazido esta questão ao parlamento. Cada um responde pelo que faz, pelo que diz, pela posição que toma, pelo que aceita, ou por aquillo que lhe apraz aceitar. É por isso justamente que eu hei de responder; nem por mais, nem por menos; e respondo com plena tranquillidade de consciencia, sem que me assombre o receio de ter feito mal ao meu paiz, acreditando antes que de tudo o peior seria deixar cair no esquecimento e no abandono do mais inexplicavel indifferentismo a questão da candidatura do pae do nosso monarcha ao throno do paiz vizinho, quando esta questão tinha tomado proporções grandes, e tinha sido discutida lá fura e tratada n'um parlamento estrangeiro, quando até n'esse parlamento se proferiram algumas phrases que eu não quero aqui reproduzir, pela inconveniencia d'ellas, e porque foram na verdade menos proprias da dignidade da pessoa a que se referiam.

Se os srs. ministros não tinham podido chegar a um accordo previo ou posterior, é questão secundaria, O que eu

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disse, e repito, é que não queria ser obrigado a acreditar que o governo do meu paiz se não tivesse occupado de uma questão de tal ordem.

O sr. presidente do conselho de ministros deu explicações com as quaes eu não me satisfaço; mas condemna-lo-ía sem poder invocar perdão nem misericordia, se aceitasse a menos prudente declaração feita pelos srs. ministros de que o governo do meu paiz tinha permanecido indifferente e de olhos cerrados e ouvidos desattentos, quando em volta d'elle se levantava uma grita enorme em assumpto vital para a existencia da nação.

O sr. presidente do conselho de ministros disse que não houve nada tratado entre elle e seus collegas; mas affirmou que houve um telegramma expedido pelo meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá (se s. exa. não quer que nesta questão lhe de outra designação), que este telegramma foi communicado por uma nota ao governo de Madrid, e respondido por outra dirigida por aquelle governo ao nosso representante! Basta me isto para provar a intervenção do governo; é por isso mesmo que o desculpo, e outra vez ainda declaro que o governo do meu paiz, e insisto na phrase, o governo do meu paiz, teria commettido um gravissimo erro se não tivesse feito nada, quando era tão necessario que elle se manifestasse sobre se era ou não conveniente aos interesses do paiz que tomasse corpo o projecto de candidatura de um principe portuguez ao throno de Hespanha. Era impossivel que não se pensasse em fazer abortar esse plano; e foi o que se fez, expedindo um telegramma que se foi menos conveniente na fórma, foi altamente patriotico no conceito.

Eis-aqui o ponto a que eu tinha trazido a questão; eis-aqui os termos da minha interpellação, que, a meu ver, na ultima sessão ficou no seu natural.

Mas, sr. presidente, se pela minha parte eu dera por acabada a minha missão; se não me arrependo de ter suscitado a questão, que não me parece de modo algum pequena e insignificante, nem perigosa; se á prudencia, á cordura de cada um cumpria manter-se nos limites que o bom senso e o amor da patria naturalmente impõem, quando se trata de questões d'estas, não me cabe responsabilidade, se a questão degenera agora.

Se eu excedi os justos limites, faço a camara testemunha. Não recebi uma observação da presidencia que me mostrasse estar fóra da ordem estricta dos debates, ou das conveniencias que se devem guardar n'estes assumptos. Creio que não incorri em peccado anti-regimental, embora eu seja fraco doutor em regimento; e estou certo de que não incorri, diz-mo a consciencia, em peccado anti-nacional, provocando este debate. Consegui o que tinha em vista, e aproveitei a occasião de significar o meu modo de ver em assumpto de tanta importancia.

O meu nobre amigo o sr. presidente do conselho veria de certo nas minhas palavras o testemunho de um grande respeito e de uma grande consideração pessoal, embora de profunda discordancia, no modo de encarar a materia. Não podia ficar satisfeito com as explicações do governo, nem de certo fiquei; mas não desejava nem desejo levantar sobre este assumpto uma difficuldade politica. Se o governo de Hespanha não queria fazer casus belli de uma inconveniencia de fórma, a opposição portugueza seria bastante patriotica, bastante conhecedora dos interesses do paiz para o não fazer. É esta a posição que eu tenho tomado na discussão, se posição em que me mantive, e em que pretendo conservar-me.

Na ultima phase do debate degenera elle n'uma feição nova; eleva-se a theorias nimiamente academicas, ou rebaixa-se, reduz-se, amesquinha-se ao exame de actos pessoaes e antigos, cuja responsabilidade naturalmente cada um aceita pelo sentimento de respeito a si proprio, mas que podem ser estranhos á estricta competencia de uma discussão parlamentar.

O nosso presidente disse, e muito bem, que não se podia pedir contas (e creio que nem isso estava nas intenções do digno par, o sr. marquez de Vallada), (O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado) nem se póde interpellar um ministro ácerca das suas opiniões, mesmo sobre materia politica anteriores e estranhas á vida ministerial.

Eu não levantei a questão pessoal, mas preciso ir a ella, porque fui chamado a terreno pelo sr.
ministro da marinha, que me citou pelo meu nome. Preciso ir a ella, e seja dito de uma vez por todas, que eu não gosto, não quero, nem desejo nunca trazer a publico quaesquer questões pessoaes, quaesquer apreciações sobre os individuos que possam ser menos agradareis.

Porém, quando fallam de mim, respondo por mim em toda a parte, por tudo o que digo e faço de todas as maneiras, em todos os campos, onde se póde ir sem desdouro.

Chamam-me a terreno, não posso deixar de ir a elle.

Sr. presidente, se é certo que um ministro nunca póde ser chamado a responder senão pela sua vida ministerial, é certo tambem que os habitos do parlamento, os habitos politicos permittem que se façam apreciações em termos não offensivos da vida publica dos individuos. E de certo não póde deixar de se chamar acto da vida politica os escriptos de qualquer sobre materia politica.

Os meus humilissimos escriptos, ou os escriptos valiosos de qualquer escriptor illustre, não podem deixar de ser considerados como actos da vida publica, e como taes estão sujeitos á critica. Os actos da vida particular, esses é que são vedados por lei á discussão; são vedados á discussão parlamentar e á da imprensa.

Os actos da vida particular, ainda mesmo quando fielmente relatados, as leis da moral e da decencia não permittem que sejam trazidos para uma discussão publica de qualquer ordem. Este de que se trata é da vida publica, e posso portanto aceitar e discutir a responsabilidade que me compete. Se alguma vez, em alguma imprensa, se accusaram homens por intenções que não se lhes podiam attribuir, para se levantar contra elles essas malquerenças populares de que se falla agora; se se arrastaram para a discussão actos da vida particular, que ainda se fossem verdadeiros, nunca podiam pertencer á critica publica; se algumas vezes, repito, em certa imprensa, para combater homens que não provocaram taes animosidades, se empregaram esses reprovados meios, fiquem taes acções com quem as praticou, vá a responsabilidade a quem compete. Não serei eu nunca de certo quem imite tal procedimento; ao contrario, lembrarei apenas o exemplo, para que ninguem se deixe arrastar por paixões cegas, a ponto de ir a um terreno onde a consciencia lhe dirá depois que melhor fôra não ter descido.

É licito porem apreciar, sem animo de denegrir o auctor, os escriptos que se tenham publicado em qualquer epocha da vida. Eu, sr. presidente, escriptor humilde, escrevi tambem, e escrevi n'uma idade na qual aconselharei a meus filhos que nunca escrevam. Sou tão sincero n'isto, que n'esta parte me associo completamente á defeza do nobre ministro da marinha. Aconselharei a meus filhos que, antes de escreverem, leiam, estudem, e amadureçam o seu espirito. Se o sr. ministro começou cedo de mais a sua carreira de escriptor, tambem eu escrevi cedo de mais, e por isso escrevi muita cousa que desejaria não ter escripto. Deseja-lo-ia, não porque tenha de arrepender-me da intenção, porque no momento em que escrevia, pensava como escrevia, aceitava a responsabilidade; mas por que não vem debalde, a madureza da idade e o andamento dos tempos, porque não encanecem debalde os cabellos, porque os annos não passam em vão, porque nós mais tarde vemos as cousas de outra maneira, sentimo-las de outro modo, e deplorâmos por isso termos feito e dito cousas que de certo depois não fariamos nem diriamos. Não sou chamado a julgar nem queremos julgar severamente as antigas opiniões do sr. ministro da marinha, mas aquelle capitulo da sua apologia acho-o completamente aceitavel, e para mim o applico

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quanto possa caber-me. O que não fiz nunca, o que não fiz agora, foi provocar as malquerenças a que alludiu o illustre ministro, foi ir desenterrar essas opiniões proferidas no verdor dos annos, e jamais ou menos obsoletas, para atirar com ellas á face dos homens, quando devia ter a convicção profunda de que eram sinceros e altamente patrioticos no seu proceder; o que nunca fiz foi inverter os factos, as opiniões e as responsabilidades.

Sr. presidente, por mais que me tenham provocado, por mais que o meu espirito se tenha azedado e se azede com tantas injustiças, por mais que o meu animo se tenha desconsolado vendo que intelligencias grandes e privilegiadas se têem deixado obcecar a ponto de descer a certo terreno de combate; eu, sr. presidente, não desço lá, nem vou lá provocar, ou levantar provocações de ninguem. E para ter mão nas minhas paixões, porque não posso ser isento dálias, tenho-me abstido completamente de escrever na imprensa periodica. Portanto, se o sr. ministro da marinha tem sido alvo de censuras injustas e de suspeitas de menos sinceridade nas suas actuaes opiniões contrarias á fusão iberica, ter a certeza de que não são minhas, nem por mim provocadas, nem por mim approvadas, nem por mim apoiadas. Não ha resentimento pessoal que me leve a isso. Posso ter resentimentos, mas a similhante campo não vou.

Sr. presidente, creio que a hora deu, e se v. exa. quer que continue com a palavra para a sessão seguinte, em vez de acabar hoje, eu estimaria isso mais. (Vozes: - E melhor.) Eu não esperava ser provocado a tomar a palavra novamente e em defeza propria; porem, como o fui, preciso n'este caso apresentar documentos que não tenho aqui, e que dizem respeito a cousas passadas ha dezesete annos, documentos que não sei mesmo se os encontrarei facilmente. Mas vou procura-los, porque desejo offerecer o merecimento da autos, acompanhados dos competentes protestos.

Discurso do digno par, o sr. Casal Ribeiro, pronunciado na sessão de 24 de maio, e que a pag. 44, col. l.ª, se publicou por extracto no Diario d'esta camara.

O sr. Casal Ribeiro: -Sr. presidente, eu não posso deixar de começar por agradecer a v. exa. e á camara a justa, e ao mesmo tempo para mim benevola resolução, que acabou de tomar, esperando pela presença do sr. ministro da marinha, para a continuação da discussão que haviamos encetado. Vejo que v. exa. e a camara fizeram a justiça devida á posição especial que n'este momento me obriga a responder á provocação que me foi dirigida dos bancos do governo.

Sr. presidente, as palavras que no começo da sessão v. exa. proferiu, ouvi-as eu com a attenção e recolhimento de espirito que a todos merecem. Ninguem roais do que eu venera e acata os conselhos o advertencias do nosso digno presidente. Acato-os e venero-os não só pela alta posição d'onde partem, mas pela grande auctoridade da pessoa que os profere. Prezo-me de ser discipulo de tão illustre mestre; honro-me de que me tenha por amigo. Saudo no nobre conde de Lavradio a triplice corôa dos annos, da intelligencia e do caracter (apoiados}.

Mas, sr. presidente, por isso mesmo, e porque me traz v. exa. habituado a tanto favor, por isso mesmo n'este momento eu me dirijo a pedir a continuação da sua benevolencia; e á camara peço igualmente ma conceda como sempre tem feito, ou mais ainda. Preciso benevolencia larga; porque, quando julgava ter terminado a missão que me havia imposto, fui inesperadamente provocado pelo sr. ministro da marinha a voltar á discussão.

Sr. presidente, quero por largo tempo, por dois annos quasi, foi alvo constante de accusações gravissimas, de offensas permanentes, e de injurias crueis, póde e ha de, porque lh'o impõe o respeito a si proprio e ao logar era que falla, não devolver offensa por offensa, nem injuria por injuria; mas tambem não póde levar a generosidade e o esquecimento a ponto de se deixar collocar ao lado do mais pertinaz accusador, sem que deixe de vir defender-se face a face das accusações immerecidas que lhe foram lançadas.

Cada um no seu campo. Fui accusado na imprensa periodica, não só nos meus actos da vida publica como ministro, mas nos meus mais puros sentimentos como portuguez. Não me fui defender n'aquella tribuna, porque reconhecendo e acatando a instituição como necessidade impreterivel no systema liberal, lamento os desvarios de que ella está dando tristes e sobejas provas. Não fui lá porque receiei ser contaminado n'aquelle campo pela influencia das paixões que ali se manifestava. Não fui á imprensa jornalistica, porque (com magua o digo), vejo, salvas excepções honrosas, ser ella mais vezes arena de injurias que de argumentos e rasões. Não fui pois á imprensa periodica; d'ella me afastei ha muito e continuo afastado.

Provocaram-me porém aqui; aqui respondo. Folgo que me chamassem a este campo, que não declino, porque é o meu.

Não tema a camara que eu profira injurias; severidades sim, porque as merece o sr. ministro pelo seu antigo procedimento para commigo, e ainda pelas apreciações que fez na ultima sessão.

Mas, sr. presidente, antes de entrar no campo que o sr. ministro me abriu, permitta-me v. exa. e a camara que, de passagem, e resumindo a grave questão que se agita, diga alguma cousa quanto á conveniencia, á opportunidade, e á situação do debate.

Affrontou-se lá fóra a igreja ministerial de que fosse suscitada aqui esta questão, e de que continue. Lá fóra levantam-se, aventam-se receios de complicações externas, e por outro lado estremece-se ou parecem estremecer certos aulicos demagogos de que não soffra desdouro, em consequencia d'esta discussão, um nome que todos respeitâmos, o nome do augusto pae do nosso monarcha, o nome do Senhor D. Fernando. Não tenham receio, acalmem-se os animos, desvaneçam-se sustos pueris!

E licito levantar esta questão na tribuna portugueza; é mais que licito! Era necessario era opportuno, era indispensavel!

Ignora-se porventura o que se está passando n'este momento no paiz vizinho? Ignora-se porventura o caracter que tem tomado as discussões no parlamento hespanhol?

Ha quatro dias apenas que a Hespanha se constituiu em monarchia, ou, para melhor me explicar, que votou que a sua fórma de governo fosse a monarchica, rejeitando a fórma republicana por 214 contra 71 votos. Se não nos pertence a nós apreciar as rasões que produziram esta votação, se não nos pertence applaudir ou censurar o voto, não póde comtudo deixar de pertencer-nos levantar, para as combater de frente, as expressões proferidas, e os sentimentos manifestados por uns e outros, monarchistas e republicanos, porque se referem nada menos do que a contrariar a nossa autonomia, a conservação do nome de Portugal no mappa das nações.

Quer a camara uma prova nova, recente, de qual é n'este ponto, em Hespanha, o accordo dos partidos revolucionarios?

Tem-na na celebre discussão de 20 do corrente maio, dia em que se votou a monarchia.

Levantou-se ali um tribuno eloquente defendendo o principio republicano, o sr. Emilio Castellar, e entre as rasões com que apoiou o que sentia e dizia, insistiu em que a forma republicana era a que conduzia mais depressa á união de Portugal com a Hespanha.

Dizia assim o eloquente orador democrata (lendo):

"A idéa da união de Hespanha e Portugal pela iniciativa da monarchia portugueza era uma idéa gloriosa, porque estamos em um periodo revolucionario muito especial..."

"Se o rei de Portugal houvesse comprehendido que, na situação em que nos achâmos, era indispensavel collocar-se á frente do movimento iberico, talvez teria perdido o seu

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throno, e talvez teria ganho o throno da peninsula... Mas o rei de Portugal não queria a união com a Hespanha, porque o povo portuguez, que quer a união pela fórma republicana, não quer a união pessoal, não quer a união pela fórma monarchica..."

O Orador (interrompendo a leitura): - Ousada e falsa affirmativa! Quem assevera ao sr. Castellar, em que provas assenta a sua estranha proposição de que o povo portuguez quer unir-se com Hespanha sob a fórma republicana?...

(Lendo) "Diz-se ali (em Portugal) a Hespanha adianta se mais que nós, progride mais; reparae como nos attrahe, que grande exemplo nos dá! Dizia-se porventura o mesmo quando a Hespanha se apresentava a seus olhos como monarchia, symbolisando o sombrio exclusivismo catholico?..."

O Orador: - Que significava isto? Significava claramente que a melhor fórma de governo para Hespanha seria a que mais depressa lhe levasse em dote este reino de Portugal. Admittia se para esse fim a monarchia, admittia-se a candidatura do Senhor D. Fernando; e para obter a absorpção d'este paiz em um futuro mais proximo renunciava se provisoriamente ás delicias da republica. Desenganado agora da inutilidade da tentativa, o sr. Castellar conclue assim (leu): "Se quereis Portugal, etc." (Vozes: - Ouçam, ouçam.) " Se quereis Portugal, Portugal é vosso.. " Que sem ceremonia!

(Continua lendo) "Estabelecei a republica, e tereis a união com Portugal; se estabeleceis a monarchia, renunciae a Portugal por muito tempo..."

O Orador: - Eis-aqui como fallam os republicanos de Hespanha! Eis-aqui como para elles a mais excellente entre as excellencias da republica se lhes afigura ser a encorporação de Portugal!

E não se pense que isto é exageração tribunicia de um espirito aliás illustre, e de uma voz aliás eloquentissima! Respondia ao tribuno republicano um grave homem distado, um homem de levantado espirito, respeitavel pelo seu caracter e precedentes, um homem moderado e monarchista, o sr. Rios Rosas.

Defendendo a monarchia, o sr. Rios Rosas soccorria-se, invertendo-o ao mesmo argumento do sr. Castellar. O fim, a união peninsular, era sempre o mesmo; variava o meio na opinião do orador monarchico; e, segundo elle, chegar-se-ia mais depressa á união, não pela licença, mas sim pela ordem.

Quer a camara saber como o sr. Rios Rosas respondia ao sr. Castellar, defendendo o principio monarchico? (Leu) "Fallou o sr. Castellar de Hespanha e Portugal, e declarou que a federação não póde realisar-se senão debaixo da fórma republicana. Em apoio da sua opinião leu-nos varios periodicos do reino vizinho, que, se não estou em erro, nada provam em favor da these de sua senhoria..."

O Orador: - Faz-se aqui referencia a periodicos portuguezes. Não posso affirmar quaes sejam, porque não consta do extracto do discurso do sr. Castellar. Entretanto pela doutrina é facil desconfiar quaes poderiam ser (leu mais):

"Eu creio, senhores, que a federação virá melhor pela fórma monarchica que pela fórma republicana: primeiro, porque não creio na duração da republica nem em Hespanha nem em Portugal; segundo, porque, alem de não julgar possivel a republica em Hespanha, creio que Portugal está menos preparado para a republica que a Hespanha, onde ha mais elementos democraticos que no reino vizinho. A federação far-se-ha mais depressa do que alguns hespanhoes acreditam, quando haja aqui um governo consolidado, quando este governo seja respeitado por todos, quando os partidos se tenham accommodado a vida legal, quando, dermos exemplos de legalidade e moderação. Então seremos amados e respeitados pelos nossos vizinhos, que solicitarão a federação pelo seu proprio interesse e pelo nosso, conservando elles a sua autonomia e nós a nossa."

O Orador (continuando): - Não sei de que especie de federação se trata aqui. Naturalmente seria similhante áquella que nos garantia Filippe II, na epocha em que até as nossas antigas leis tomaram o nome de ordenações filippinas; na epocha em que as quinas de Portugal foram assoberbadas pelo leão de Castella, na epocha em que se repetiram aggravos sobre aggravos, affrontas sobre affrontas, na epocha em que jazemos conquistados e humilhados, até que em 1640 se levantaram os heroes, que serão sempre admirados emquanto houver portuguezes, e repelliram para longe, em uma revolução audaz e em uma guerra gloriosa, o odioso dominio dos conquistadores!

Sr. presidente, sem offender ninguem, sem offender quaesquer opiniões, não será licito, mais do que licito ainda, opportuno e indispensavel, que se levante uma voz no parlamento portuguez, clamando bem alto que se enganam monarchistas e republicanos? (Apoiados.) Ha perigo ou póde haver receio? Desdouro seria o silencio.

Quando taes cousas se dizem lá fóra, é necessario que achem aqui uma resposta clara, um brado vigoroso, um não clamoroso, como nos primeiros dias d'este seculo repetia D. Lourenço de Lima diante do grande Napoleão, quando o imperador lhe perguntava se queriamos ser hespanhoes. Respondamos pois, que o exige o decoro da patria. Respondamos alto e claro. Não, mil vezes não; nem iberia monarchica nem republicana! (Apoiados.) Não nos seduz o papel brilhante do Piemonte, que talvez tivesse rasões para proceder como procedeu. Porém não queremos nós ser os piemontezes da peninsula hespanica.

Digamos á Hespanha que não queremos de fórma nenhuma a iberia. Não a queremos pelas fórmas absoletas dos tempos de Filippe II, tempos que para a propria Hespanha foram a data de uma grande decadencia, que lhe convinha não esquecer.

Muitas vezes as ambições enganam as grandes nações, e quando julgam ir buscar a força no argumento do territorio e da população, conseguem só o amalgama informe de elementos heterogeneos, que em vez de principio vital são, mortal doença que lhes mina a propria existencia e as leva á dissolução.

E se não queremos a encorporação debaixo das fórmas obsoletas do tempo de Filippe II, igualmente a desadora-mos na fórma das utopias dos continuadores de Bernardin de Saint-Pierre (apoiados).

Saibam-o pois os nossos vizinhos. Nem iberia unitaria, nem iberia federal, nem iberia monarchica, nem iberia republicana! (Muitos apoiados.)

Era esta a conveniencia, esta a opportunidade, esta a necessidade que se traduz na discussão que nos occupa. Podemos e devemos sem receio de complicações externas, porque quem diz isto não offende os nossos vizinhos. Queremos ser para com a Hespanha o que devemos e o que podemos ser; o que nos ensina a historia e a geographia. Queremos e devemos ser para com os hespanhoes, irmãos e amigos; nada menos, porém tambem nada mais. Sejamos irmãos, amigos e naturaes alliados da Hespanha, sem nos entremetter no seu regimen interno, sem consentir que a Hespanha se entremetta no nosso. Sejamos irmãos, amigos e alliados da Hespanha como se entendia e praticava n'essa epocha que não vae longe, quando as allianças decorosas e convenientes eram alvo de pertinazes censuras aqui. Sejamos irmãos da Hespanha, segundo as formulas que eu tinha a honra de expor ao general Calonge, que fazia parte do governo hespanhol, em poucas e simples palavras que elle applaudia e aceitava. Irmãos dos hespanhoes, mas irmãos maiores ambos, irmãos que já fecharam o inventario e fizeram partilhas; irmãos que não litigam por interesses antagonistas, porque o inventario está fechado, feita legalmente a partilha, e cada um sabe o que é seu. Irmãos maiores dos hespanhoes, maiores tambem; mas irmãos com casa á parte, e que aceitando o facto da consanguinidade e da maioridade tambem, não tem interesses contrarios a plei-

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tear nos tribunaes da diplomacia; nem tão pouco querem irritar susceptibilidades inuteis provocadas pela differença dos temperamentos.

E na verdade é diverso o nosso temperamento do temperamento dos nossos irmãos de Hespanha. Em geral o hespanhol é mais violento, mais arrebatado, mais enthusiasta; o portuguez, vindo da mesma origem, é mais brando, mais tolerante, mais moderado. Guarde pois cada um dos povos o seu temperamento peculiar; e não offendamos nós os hespanhoes, por serem como são, para que elles tambem nos não offendam por sermos como somos. Não na muito tempo ainda havia em Hespanha hespanhoes conservadores, que deportavam generaes, que isolavam o throno dos seus naturaes sustentaculos, e provocando revolução compromettiam a dynastia. Ha hoje na Hespanha hespanhoes revolucionarios que julgam indispensavel para defender a liberdade dos cultos, atirar no parlamento a luva ao Creador, e negar a Jesus a qualidade do unigenito.

Deploremos essas aberrações sem nos irritarmos. Esperemos que a ordem no governo e a ordem nas idéas se restabeleça n'aquelle bello paiz, alliando-se á verdadeira liberdade e repudiando tanto os delirios da repressão como os delirios de todos os fanatismos.

Mas como homens publicos, como membros do parlamento, signifiquemos sem hesitação que hontem, hoje e ámanhã queremos ser sempre portuguezes (muitos apoiados).

Sr. presidente, qual é a situação da questão, no que diz respeito á pretendida candidatura de Sua Magestade o Senhor D. Fernando ao throno de Hespanha. Ha uma resolução, a de não aceitar. Esta pertence ao augusto personagem, e muito o honra (apoiados). Ha a manifestação d'esta resolução dirigida ao governo hespanhol, por uma fórma menos conveniente e menos opportuna. Este acto pertence (di-lo a rasão constitucional) ao governo. Pretende o meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá, que não é ao governo, que não é mesmo ao ministro dos negocios estrangeiros, mas só ao marquez de Sá da Bandeira. Não póde ser; não posso deixar de fallar a linguagem que me ensinaram, desde que nas aulas da universidade aprendia os rudimentos do direito publico constitucional. A responsabilidade d'este acto pertence ao ministro dos negocios estrangeiros, e pela annuencia, embora tacita dos seus collegas, depois que tiveram conhecimento d'elle, pertence tambem todo o governo pelos principios da solidariedade.

Podia e devia esta manifestação ser feita por outra fórma, o que não quer dizer que nada houvesse a fazer n'aquelle momento. Alem das demonstrações publicas que se fizeram nos principios de abril para mostrar até que ponto a candidatura do Senhor D. Fernando era a idéa fixa de grupos e de homens importantes, basta ver as interpellações e allusões que a cada momento se dirigem ao parlamento hespanhol, ao sr. Olozaga, pelos passos que se deu, ou que se lhe attribuem.

O governo, pois, não fez o que devia fazer, a nos termos em que o fez não andou convenientemente. Mas o governo merece desculpa d'esse peccado venial, e eu, como já disse aqui, estou prompto a absolve-lo, porque as intenções foram boas, e as consequencias felizmente não foram graves (apoiados).

Que nos importa saber se esse venial peccado foi concebido no cerebero do nobre marquez de Sá, ou se partiu de outra iniciativa?

Será admittido em um paiz constitucional que os actos dos ministros se expliquem e defendam allegando iniciativas estranhas e obediencias cegas?

Merece louvor a resolução patrioticamente tomada pelo principe; merece reparo a maneira de a manifestar pelo governo.

Lastimo que se trouxessem para aqui allegações tendentes a cobrir as responsabilidades dos ministros cem outras mais altas que estão fóra da discussão. Lastimo-o; não posso aceitar a desculpa, nem ella me impõe silencio.

Eu não venho aqui para lisonjear ninguem, nem os principes nem os povos; mas repito que foi venial o peccado do ministro e que é desculpavel.

Depois d'isto ha ainda alguma cousa mais, ha a situação que o governo tomou espontaneamente em presença da questão. Que nos diz o governo? Diz que foi estranho a tudo, que os ministros se abstiveram!

Pois é ahi precisamente que lhes cabem censuras graves, não pelo que praticaram, mas pelo que pretendem que deixou de praticar a entidade do governo.

É facil dizer, como disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e como já o havia dito o sr. ministro da fazenda, que o governo fóra estranho a esta questão; é facil dize-lo, repito, mas não é igualmente facil dizer, o que se não disse ainda, é a rasão porque foi estranho.

Era para este ponto que eu esperava que o sr. ministro da marinha, quando tomou a palavra, applicasse todas as galhardias do seu talento, todas as louçanias do seu estylo, que nos explicasse como tinha passado despercebida esta questão da candidatura do Senhor D. Fernando ao throno hespanhol, como era louvavel e patriotico o desleixo e incuria por parte do governo, quando fóra do paiz esta questão era discutida, quando todos n'ella fallavam, quando todos sabiam o que se passava!

Á acção precede o conselho; a hora do conselho tinha chegado; e quando o conselho se toma á ultima hora, toma se muitas vezes precipitado e desacertado. Mas a hora da acção tinha chegado tambem, senão a da acção official que se praticou, ao menos de outra acção officiosa mais conducente a rectificar os erros de opinião que lá fóra existiam, e a conservar com o governo de um paiz amigo, a maior cordialidade, e as melhores relações, mostrando-lhe ao mesmo tempo que os nossos principes não queriam aceitar a candidatura que lhes era offerecida, e que o nosso governo não desejava ver entrar o de Hespanha em um caminho falso provocado por um equivoco.

Era sobre este ponto que eu desejava e esperava que o sr. ministro da marinha d'esse explicações, e ainda o espero. Em vez d'isto o sr. ministro levantou questões pessoaes.

Eu não gosto de provocar taes questões, mas não posso deixar de as aceitar quando a isso sou levado. O sr. ministro limitou-se á pallida apologia do sr. Latino Coelho. Ora, a personalidade do sr. Latino Coelho é de certo muito importante, mas parece-me que interessava mais ao paiz a defeza da dignidade do poder, e mais ainda que a do poder, a da nação.

O sr. Latino Coelho expoz as suas opiniões antigas e as suas opiniões modernas. Tenho pois de o seguir a um campo no qual não me eximo de combater, posto que me seja menos agradavel.

Quanto ás opiniões antigas do sr. ministro da marinha, ficámos sabendo, em primeiro logar, que s. exa. é auctor de um prólogo a um livro, folheto ou broxura intitulado de Iberia, que é na opinião de s. exa. uma obra litteraria, a philosophia transiendental, sem applicação alguma pratica ou positiva, uma especie, creio eu, do codigo de sublimes utopias escripto por illustres lunaticos para o reino da lua. Ficámos sabendo que o sr. Latino era muito novo então. É questão de almanachs. Eu tambem era novo n'esse tempo. Ficámos tambem sabendo que o sr. Latino Coelho teve n'aquella occasião complices, e entre elles a humilde pessoa que está fallando. Logo me occuparei d'esta allegação.

Quanto ás suas opiniões modernas, ficámos sabendo que s. exa. julgou opportuno reportar-se agora a um jornal cujas columnas estão recheadas de artigos saídos da sua illustre pessoa. Quando disse que tinha combatido certas allianças, o illustre ministro não podia deixar de referir-se a isso que chamavam alliança em 1866 e 1867. N'essa opposição encontra o sr. ministro ainda hoje os documentos do patriotismo.

O sr. ministro não o nega.

Posteriormente quando rebentou a revolução de setem-

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bro, esse mesmo jornal possuiu-se de um admiravel enthusiasmo, quando se ventilou a questão da candidatura do Senhor D. Fernando, o mesmo jornal applaudia essa candidatura; quando se agita a questão da republica federativa em Hespanha, o jornal, agora amigo da Hespanha, lhe aconselha a republica. Parece-me difficil de provar que estas opiniões e estes conselhos conduzem á conservação da autonomia portugueza.

Vamos porém já ao que me é pessoal.

O sr. ministro honra-me em demazia querendo sentar-me a seu lado, mas eu declaro que declino tão subida honra. E fique s. exa. sabendo de uma vez para sempre que eu não desejo sentar-me ao seu lado nem no banco dos réus, nem no carro dos triumphadores.

Pois desde quando é licito aos moralistas severos, aos que aspiram ao premio Monthyon, chamar para sentarem ao seu lado para lhes servirem de escudo, aquelles peccadores que tanto se afastaram das suas moralissimas doutrinas?

Desde quando precisam para defender-se chamar para seu lado aquelles a quem ainda ha pouco injuriavam atrozmente, appellidando-os alabardeiros de Narvaez, prebostes do governo de Madrid, Marforis de Lisboa? Desde quando?! Sr. presidente, antes de tudo é preciso saber qual é o codigo de moral politica pelo qual o sr. ministro deseja ser avaliado.

" O sr. ministro da marinha era moço no tempo em que escreveu o prologo da Iberia."

Se s. exa. se limitasse a isto, se com as verduras da idade desculpasse a expansão de idéas, que não devem hoje ser suas, nem creio que o sejam, aceitar-lhe ia a desculpa, aceita-la ía de boamente, e todos lh'a deviam aceitar. Mas por qual codigo de coherencia quer ser julgado o sr. ministro da marinha? Pelo meu ou pelo seu? O meu sabe-se qual é, muitas vezes o tenho dito.

Desadoro os homens que desde a sua infancia politica não souberam nem aprender, nem esquecer; desadoro aquelles que não aprenderam com o tempo, e aquelles que prendendo-se por uma falsa coherencia, pretendem que nunca modificaram as suas opiniões. É preciso que ellas não tenham sido bastante sinceras para que se não tenham alterado com o tempo e com a experiencia. Sobre as cousas e sobre os homens já o tenho declarado muitas vezes, tenho modificado as minhas opiniões; e quando assim procedi, sempre bem alto tenho dito e posso dizer o porque, sem que futeis rasões ou temores vãos me hajam feito hesitar ante a manifestação franca e sincera de um differente modo de ver as cousas.

Nunca modifiquei opiniões para entrar ou para estar no poder. Todos que me conhecem sabem as vantagens que tirei d'elle. Desgostos, descrenças nos homens e nas cousas, desillusões, amarguras de alma, por tantas e tão indignas injustiças! De tudo isto, como resultado a disposição em que estou de não associar-me a partido ou grupo algum, porque quero conservar-me longe dos compromissos, que ás vezes impõem o tomar parte na governação. Limito-me, n'esta situação isolada, a levantar alguma questão que seja de grande interesse, a defender-me quando me accusam pelos actos que pratiquei e pelos quaes respondo, a saír a terreno quando me atacam na minha honra, que é propriedade sagrada, que pretendo conservar intemerata, e na qual não consinto que ninguem toque.

Será porventura por esse codigo latidudinario, por esse codigo que se poderia chamar do christianismo politico, que admitte a rehabilitação e a regeneração dos homens, será por esse codigo que quererá ser avaliado o sr. ministro da marinha? Ou será pelo codigo draconiano do seu orgão, do Jornal do commercio?

O espirito do illustre ministro paira ainda sobre este jornal. Se as formas se modificaram, as idéas são as mesmas. Não ha muito tempo, era hontem ainda, que em linguagem mais cortez, mais cavalheirosa e polida do que aquella a que eu estava habituado a ser tratado por aquella folha, fui aggredido ali, severamente aggredido, pelas doutrinas que acabo de expor:

"Quer-nos parecer (diz o Jornal do commercio) que o sr. Casal Ribeiro aproveitou o ensejo para fazer a sua profissão de fé anti-iberica, e desvanecer as lembranças do que escrevêra n'outro tempo ácerca da republica federativa. Não levamos a mal ao digno par a sua intenção; permitta-nos que desadoremos dos politicos que renegam a sua fé para retrogradarem. A politica é como a religião, precisa de fé, e aquelles que não a sabem manter, que confiança podem merecer? Quem assegura que o estudo, a rasão e a experiencia não lhes modifiquem as crenças a ponto de se ver o republicano dos vinte e cinco annos tornado aos sessenta em ferrenho theocrata?"

Agora as apreciações (leu):

"N'esses politicos sem fé, que se acobertam com o estudo e com a experiencia, para justificarem as suas transformações politicas não podem confiar os liberaes, os democratas, porque estão sujeitos a tantas variações, que ninguem sabe se o monarchista liberal de hoje será ámanhã o monarchista absoluto; se o apostolo da liberdade de consciencia será no dia seguinte partidario da inquisição.

"E se n'este paiz se houvera de pedir contas aos homens politicos das suas opiniões passadas, bem poucos serão aquelles que não tenham retrogradado em vez de progredirem. Assim lhes convem, porque custa muito a seguir um caminho que não conduz ao poder, nem ás influencias, nem aos serviços do paço.

"É preciso que cada um tenha coragem de sustentar sempre, e em todos os lances, as suas opiniões; e a firmeza de principies é um dote que realça o talento, e inspira a popularidade necessaria para os grandes commettimentos politicos.

"Os especuladores costumam apresentar-se quasi sempre propugnadores das idéas mais livres, para grangearem a aura popular; depois que por ahi se engrandeceram, o estudo, a rasão e a experiencia modificam-lhes as idéas e abjuram do seu credo."

A quem se applica esta lição?... Será o espirito recto, o espirito cataniano e severo do sr. Latino Coelho escriptor, que estará, ainda que modificada a fórma, amenisado estylo, dando esta severa lição ao sr. Latino Coelho ministro da marinha? =

Mas em outros tempos, sr. presidente, as mesmas doutrinas proclamavam-se em mais brilhante e vehemente linguagem.

Escrevia se então no mesmo jornal:

" Um ministro é uma creatura que não póde ser afferida pelo estalão da pobre humanidade. Um homem honrado, a quem propozessem inverter todos os principios da sua convicção a troco da mais florescente condição e auctoridade, repulsaria como affrontosa a veniaga. Mas os ministros podem preterir as regras que limitam o porte dos cidadãos, porque teem ás suas espaldas o peso da republica, e a salvação do estado exige que os ministros atirem á praça publica os seus principios, engeitem as suas opiniões escriptas ou falladas, crucifiquem a sua consciencia na cruz affrontosa das conveniencias partidarias. Para um homem que se respeita, p partido não póde exigir nunca o sacrificio da honra propria. Mas os ministros têem obrigação de se offerecerem em holocausto no altar da patria, que os votou ao duro officio de governar............................
.... E se alguem, se lembra de estranhar estas corrupções, sorriem-se os ministros, que andaram annos ao officio de catões, e fazendo concurso para o premio Monthyon.

"O paiz vê sempre os ministros pelo lado dos desgovernos, dos impostos e das tendencias politicas, mais do que suspeitas em muitos d'elles pelos seus precedentes. Mas vê-os principalmente pelo lado da moral...............

"Os ministros terão por duras estas verdades, Mas ha du-

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zentos annos um pobre jesuita, nos seus sermões, exprobrava nas faces do rei os erros e as miserias do seu povo. E os jornalistas de hoje não poderiam ter menos fóros e larguezas que o venerando auctor da Historia do futuro."

O que se estava escrevendo então, o que a camara acaba de ouvir, porventura seria a Historia do futuro) Estes sarcasmos pungentes, estas correcções impiedosas, ficariam ali consignadas para castigo de quem as escreveu? Estaria, ali o escriptor verberando antecipadamente e sem piedade as futuras conversões do ministro?...

Por mim rejeito isto com a indignação que inspiram accusações que se não merecem, nem se está disposto a aceitar. Mas tenho direito de perguntar ao sr. ministro, se é por este codigo draconiano que elle applicava para os seus adversarios, hoje interpretado em linguagem mais amena no Jornal do commercio, que s. exa. quer e pretende explicar as suas conversões politicas.

Não lh'o applico eu, porque o codigo é falso. Não peço para s. exa. a pena que a si mesmo estava impondo antecipadamente. O illustre ministro modificou os seus juizos, alterou as suas convicções; pensa hoje bem diversamente do que pensava quando escreveu o prologo da iberia. Se o fez, tenho que foi de boa fé. Não creio que o fizesse por engodo do poder, porque s. exa. já deve ter tido occasião de experimentar n'aquelle logar como são deliciosas, como são appeteciveis as grandezas ministeriaes na nossa terra, quando as opposições irracionaes e malévolas, como s. exa. as classificou, estão todos os dias deturpando os factos, e offendendo homens não só nos seus actos, mas até nas suas intenções. Não lhe applico o seu codigo. Applico-lhe o meu; o codigo do bom senso, da boa rasão, do christianismo politico. E aceito a sinceridade da sua conversão.

Mas, sr. presidente, para que a confissão aproveite, é necessario que seja sincera, franca e completa. Nada de subterfugios com a propria consciencia. Póde mudar se de opinião, mas deve-se dizer quando, em que e para que. Tambem eu mudei, e tambem digo em que; mas tambem é certo que nunca estive ao lado do sr. ministro na questão da iberia.

Não venham dizer que o livro a que se referiu o sr. marquez de Vallada, era uma obra litteraria de philosophia transcendente, e que não tinha por fim uma propaganda immediata. Iberia se chamava, e para a iberia caminhava. Cada pagina, cada linha está mostrando claramente qual o seu intuito. Nem preciso ler mais do que alguns trechos do prologo, para que se conheça se se tratava de philosophia abstracta, ou de propaganda politica.

Esta é a theoria (leu):

"Se a federação européa não é tão cedo possivel, não será mesquinho o nosso desejo se aspirarmos á diminuição progressiva do numero dos estados independentes. Cada nação que se levanta de novo no mundo é uma preia que se dá em pasto á ambição das grandes potencias; é a vaidade nacional que nas fronteiras lança uma nova semente de guerra; é um elo que se rompe de novo na cadeia das ligações européas; é uma discordia nova que se manifesta em germen. Cada fusão que se opera racional e espontaneamente é um duello tacito que se apazigua entre dois povos; são dois exercitos que se desarmam; são dois irmãos que se reconciliam, e volvem a alojar-se sob o mesmo tecto; é um novo triumpho para a humanidade, um degrau que se aplana de novo na immensa escala da civilisação."

Ninguem deixa de reconhecer o brilhantismo do estylo. Applica-se depois esta theoria á Allemanha, á Italia e a outros paizes; mas deixemos esses, e tratemos do que diz respeito ao nosso (leu):

"A peninsula iberica, que já formou uma só nação pela conquista, poderá, deverá ser um só paiz pela fusão espontanea. O que os réis visigodos não poderam fadar que vivesse até hoje, o que os arabes conseguiram momentaneamente, e que a espada victoriosa do duque d'Alba e do marquez de Santa Cruz só póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."

Ora, eis-aqui a obra de abstracta philosophia!! Queria-se que a politica fizesse o que não poderam fazer os terços do duque d'Alba! Era pois obra de propaganda essencialmente politica, essencialmente de applicação, e no intuito d'ella. Aqui está a palavra propaganda escripta mais adiante (leu):

"A difficuldade da empreza não é um argumento mais irrefutavel. A difficuldade não é tamanha, como á primeira vista se denuncia. E depois não se apagam duas nacionalidades com as estipulações de um tratado, ou com os desejos de alguns theoricos. Antes que a empreza se torne facil, é mister dispor os animos do publico, mostrar as conveniencias do projecto, diffundir a idéa pelas multidões, crear proselytos, sujeitar a idéa na imprensa ao criterio da discussão. Todos os grandes pensamentos seguem estes rigorosos tramites na sua propaganda."

Se isto não é propaganda, ignoro o que seja; e por propaganda a tive então, e por propaganda a reconheci; e tanto quantos me permittiam os meus recursos e dentro das minhas idéas, em parte modificadas hoje, mas em pequena parte, em parte muito menor que a, do sr. ministro, emprehendi uma obra de antipropaganda. É preciso que nos entendamos, é preciso que cada um tome a responsabilidade do seu passado, e não se pretenda confundir o que é essencialmente distincto. N'essa occasião escrevi tres artigos n'um jornal que se publicava em Lisboa, em idioma francez. Peço licença á camara para ler alguns trechos d'esses artigos. Não considero esta obra como um titulo de gloria, e desisto completamente da propriedade litteraria para quem a quizer; não tenciono reproduzi-la, mas unicamente peço, em nome da lei e da moral, a quem a queira reproduzir, que o faça sem omissões cavillosas, que copie tudo, que não desligue um periodo do antecedente e do consequente, para que se não repita o que muitas vezes se tem feito já com este pobre escripto, deturpando-se com malévola intenção o pensamento fundamental e o fim do auctor.

Em uma primeira carta ao editor do jornal, explicava eu assim o pensamento do escripto (leu):

"Para aquelles que não leram a memoria, algumas palavras bastam para fazer conhecer o seu espirito e os meios com que contam, a fim de realisar a grande obra.

"Definitivamente (são palavras do auctor da iberia) a reunião de Portugal e Hespanha apresenta grandes vantagens para todos os habitantes, sem excepção, dos dois reinos; porem mais especialmente para os primeiros (os portuguezes)..."

"Toda a questão (continuava o auctor) está em propagar em Portugal a idéa da conveniencia da reunião. Dizemos em Portugal, porque toda a difficuldade vem d'ahi, não de Hespanha."

"Estes dois periodos (replicava eu) resumem admiravelmente o pensamento do auctor.

"Pois que! somos nós, os portuguezes, nós os mais favorecidos, quasi os unicos favorecidos pela encorporação na Hespanha (que no futuro se chamará iberia, para que a palavra não nos offenda o ouvido - o auctor preoccupa-se vivamente d'estas minucias); somos nós, digo, que repudiamos o beneficio tão graciosamente offerecido pelos nossos bons vizinhos!!!... Ora, como quem recusa o beneficio que se lhe quer fazer não deixa de peccar, ao menos por ignorancia, segue-se que uma nação que recusa as suas conveniencias industriaes, commerciaes, politicas, financeiras e sociaes, é sem duvida uma nação de idiotas!!!...

"Mas o auctor tem a condescendencia de se applicar á nossa educação, e trata-nos exactamente como um enfant gâté. Não ha mimo que não empregue para forçar este povo semi-barbaro a aceitar a benefica tutela castelhana. Na nossa historia poderemos inscrever as recordações das nossas glorias; ser-nos-ha mesmo permittido celebrar o anniversario de Aljubarrota; os capitães hespanhoes virão fecundar

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o nosso fertil solo; o paiz será cortado, em todas as direcções, por estradas, canaes e caminhos de ferro; as quinas de Portugal ostentar-se hão ao lado do leão de Castella na bandeira nacional; a Hespanha, indulgente e docil aos nossos caprichos infantis, levará a benevolencia e abnegação a ponto de consentir, se insistimos muito, que um principe portuguez cinja a corôa da iberia.

"Que bello sonho!... É a Hespanha que, prodigalisando candidos affectos e generosidades sem limite, diz a Portugal: "Vem conquistar-me!" Toma para si o papel da raposa, e faz-nos presente da vaidosa innocencia do corvo.

"O auctor da Iberia, como Fourier, como todos os utopistas que, cegos pelo falso brilho da idéa que os preoccupa, se comprazem em imaginar os homens e os factos de modo que entrem no molde das suas instituições, em vez de organisar as instituições para os homens e para os factos, taes como existem, mistura, com admiravel profusão, incidentes insignificantes e frivolos com interesses graves e transcendentes. Não o seguiremos n'este terreno. Não discutiremos o plano de uma sociedade de propaganda que elle propõe, dividida ao compasso em grupos de dez, de cem e de mil, plano que tem tanto de novo como de possivel; abandonar-lhe-hemos completamente as fitas e cintos tricolores com que pretende enfeitar, nos dias de festa, as senhoras que se filiarem n'esta sociedade quasi bucolica. A unica propaganda seria, real e efficaz de um principio qualquer é a imprensa; o raciocinio é a unica arma invencivel no seculo em que vivemos."

O Orador (continuando): - Eis-aqui agora o periodo accusado, e eu explicarei logo por que o não sustento completamente (leu):

"No pensamento do auctor a fusão póde e deve operar-se por qualquer fórma de governo; todavia as suas idéas politicas são evidentemente monarchicas e as suas tendencias administrativas centralisadoras. É esta pretensão ambiciosa mal coberta no manto transparente do indifferentismo politico que a minha carta trata de combater. Quando o progresso irresistivel das idéas converteu na Europa as fórmas de transição em fórmas definitivas e naturaes, quando a liberdade corroborada, pelo desenvolvimento da intelligencia dos povos e esclarecida pelo ensino das epochas calamitosas, for um principio solidamente estabelecido, decididamente conquistado pelas nações e pelos individuos, então a peninsula iberica poderá talvez formar uma federação republicana."

Não escondo nada do que está escripto, não sustento tudo, e logo direi as rasões por que o não sustento. Mas sustento e defendo a conclusão que vou ler:

"Mas a fusão, a absorpção, a unidade, essa nunca poderá existir senão pela compressão."

Em outra carta vem mais desenvolvidas ainda as mesmas idéas:

"Que se póde concluir de tudo isto? Que Portugal é um paiz de insensatos que rejeita a benevola e gratuita tutela que lhe offerece sua irmã, a Hespanha.

"Pois bem!... Portugal prefere a insensatez de Nuno Alvares á sabedoria do conde Julião.

"Para facilitar a união preconisam-se certos enlaces de familias reaes. O expediente não tem merito de novidade, e traz resaibos de anacronismo. Ha perto de sete seculos que as duas coroas de Hespanha e Portugal andam quasi sempre aparentadas pelos laços de afinidade. Ora, o direito de successão de D. João I de Castella á corôa de Portugal, não impediu o mestre de Aviz, o glorioso bastardo de D. Pedro, de o derrotar em Aljubarrota; nem tão pouco o incontestavel direito de D. Affonso V de Portugal deixou de encontrar um sanguinolento desmentido na batalha de Toro. D. Manuel de Portugal foi reconhecido rei de Hespanha, mas debalde D. Filippe II de Castella succedeu, com direito ou sem elle na corôa de Portugal; mas foi só quando a nossa patria extenuada e abatida pela fatal batalha de Alcacerquibir, tinha passado debil e ephemero governo de um rei velho e padre ás convulsões suscitadas pelas ambições de pretendentes, todos fracos, todos impopulares e alguns traidores. Mas que importa, se o dominio hespanhol, apesar de restricto em muitos pontos, nunca póde reclinar-se entre nós!... Que importa, se a revolução de 1640 e a guerra que se seguiu veiu protestar energicamente contra a fusão? Attribuir estes factos a influencia e intrigas estranhas, cuja acção não teria podido encontrar onde exercer-se, senão achasse aqui vivo e ardente o desejo da independencia, é ler a historia através do prisma de uma opinião antecipada.

"Não tratarei da idéa que um principe portuguez cinja o diadema peninsular. Que importaria a uma nação morta e aniquilada o haver nascido no seu seio o principe que a regesse, como provincia conquistada? Ponhamos tambem de parte a lista dos ministros, generaes e altos funccionarios que têem dirigido os destinos da Hespanha moderna, da qual se conclue, o que aliás ninguem duvida, que ali se não leva em conta a naturalidade para conferir o poder e os empregos. Que prova isto? Que importa isto á independencia, á liberdade, ao bem estar dos povos?... Nada. Pois será porventura destinada a organisação politica de um paiz a promover a felicidade dos governados, ou terá por fim alargar o circo onde concorrem e se degladiam os que aspiram a governantes?!...

"Longe de mim; porque seria fazer grave injuria ao auctor da memoria, suppor que elle usasse de taes rasões para os leitores desinteressados e intelligentes.

"Em resumo, na hypothese da união, a unica fórma de governo aceitavel em Portugal seria a federação republicana, dividindo-se a Hespanha em tantos estados igualmente independentes e federados, quantos os factos e as necessidades existentes naturalmente indicam. Nem se attribua esta opinião a exclusivismo de partido. É que a fórma federativa é a unica que póde garantir a independencia na união, e união sem independencia significa absurdo revoltante, tyrannia politica, compressão nacional.

"Fóra das idéas aqui indicadas tenho a lisonjeira convicção que o auctor da memoria, ou qualquer outro que ponha mão á obra, não chegará a organisar em Portugal a primeira deciberia. E se alguns insensatos se agrupassem em volta de tão nefasta bandeira, seria apenas a confirmação do que dizia ha tres seculos o nosso grande Camões, que

.................tambem dos portuguezes
Alguns traidores houve algumas vezes."

Eis-aqui o libello de accusação que contra mim se tem feito, e que eu offereço francamente á apreciação da camara.

Mas, sr. presidente, a ultima carta que publiquei, sustento-a toda desde a primeira até á ultima linha. N'ella occupava-me unica e exclusivamente em combater as idéas do sr. Latino Coelho, manifestadas no prologo da Iberia. E assim não posso deixar de estranhar e de me achar summamente admirado de que elle me chame para o seu lado n'esta questão, quando o meu escripto era em grande parte a refutação das suas idéas theoricas e praticas.

Essas idéas de fusão apresentadas pelo sr. ministro combati-as eu na theoria e combati-as na applicação, e por isso declaro que sustento a ultima carta desde a primeira linha até á ultima.

Peço desculpa á camara, a quem enfadam de certo estas leituras. Não a faço por vaidade de escriptor, mas em defeza propria. Vou ler o que eu dizia na citada carta (leu):

"O que todos vêem, senão querem fechar os olhos á evidencia dos factos, é que o desenvolvimento de todas as industrias, conduzindo á facilidade das communicações, como consequencia e como estimulo, tende irresistivelmente a multiplicar, por todas as fórmas, as relações dos diversos paizes; tende ao commercio livre e em larga escala dos productos, e por consequencia á livre, e ampla approximação das idéas e affectos humanos, á extincção das antipathias e

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desconfianças que nascem do isolamento dos differentes paizes.

"Mas sendo assim, como pretender resistir á força invencivel da civilisação? Como suppor que a attracção constante, produzida entre os habitantes das diversas regiões do globo pelas relações commerciaes, não desvanecerá os caracteres distinctivos das nacionalidades? Como desconhecer que as fronteiras rotas a cada passo pelas estradas que as cortam, devam desapparecer em alguns annos, em alguns seculos talvez? Como negar que as nações vão fundir-se em uma só e unica familia a humanidade?

"Muitos escriptores de merecimento, e entre elles o auctor e o editor da Iberia julgam irrefutaveis estas interrogações e triumphantes as asserções que ellas exprimem. Muitas mediocridades, faceis sempre em decretar as honras de axioma a todo o paradoxo pomposo, sorriam de quem pozesse em ouvida a infallibilidade de taes conclusões. Talvez poderiamos affirmar, sem receio de ser contrariados,, que ellas têem servido mais de uma vez á intriga dos politicos para surprehender a boa fé e a credulidade dos povos.

"Embora me arrisque a desagradar aos que se illudem e aos que pretendem illudir os outros, tomarei a liberdade de dizer que ha, a meu ver, n'aquelle modo de pensar, confusão de idéas e analyse superficial dos phenomenos sociaes.

"Entendamo-nos. Se se pretende que as rivalidades nacionaes, filhas as mais das vezes de prejuizos tradicionaes ou de factos cuja influencia deixou de existir, devem desapparecer com o trato intimo e quotidiano dos povos; se se affirma que a liberdade do commercio, para a qual o mundo caminha, agrade ou não aos governos, deve trazer, com o andar do tempo, o equilibrio e a solidariedade dos interesses, que esta solidariedade existe já a ponto de tornar a guerra na Europa mil vezes mais nociva, e por consequencia mil vezes menos provavel, nada ha mais incontestavel, e nada tambem mais claramente prova o progresso providencial da civilisação. Se se quer dizer que para regularisar as relações cada dia mais frequentes entre os diversos paizes, não bastam já os tratados de potencia a potencia, que os congressos internacionaes devem modificar-se, que o direito dos agentes deve ser melhor definido, mais pratico, mais positivo e mais religiosamente executado; se se affirma mesmo que as nações mais ligadas entre si, não só pela situação geographica, mas pela afinidade de origens, de costumes, de idiomas e de interesses, são naturalmente chamadas a associar conveniencias communs, prestando-se mutuamente protecção e apoio, e unindo se pelos laços da federação, estas proposições não ultrapassam ainda os limites de um calculo rasoavel e baseado na observação. Mas se se imagina que toda a distincção de nações vae ser eliminada, que um typo uniforme vae substituir em toda a parte a immensa diversidade das instituições humanas, que um governo unico, como a omniarchia de Fourier, vae absorver em si a direcção social da humanidade, é isso entrar no campo das aberrações e da utopia, é concluir pela negação do progresso, julgando attingir a cupola da perfeição.

"A attracção que rege o mundo physico não produz a absorpção. Os milhares de corpos que giram no espaço attrahem-se sem se confundir. Newton revelou ao mundo a ordem existente pela harmonia. Se da lei que descobriu tivesse concluido a existencia do cahos, o seu nome não passaria de geração em geração como o do primeiro pensador que os seculos produziram.
.............................................
"Quando pois se prognostica que a civilisação progressiva vae extinguir todas as nações, fundindo-as na humanidade, ha, a meu ver, erro de observação. Quando se affirma que cada nacionalidade independente, que desaparece, é um passo mais para a perfeição, ha, na minha opinião, conclusão de principio falso junto á contradicção historica."

Eis-aqui como, em estylo menos grandiloco do que o do sr. Latino Coelho, porque eu não podia da certo competir em galas de estylo; mas com sincera convicção exprimia o meu pensamento, e contrariava aquellas doutrinas philosophico-sociaes, de que s. exa. nos fallava aqui.

Das leituras que fiz, e de cuja demasiada largueza peço desculpa á camara, resaltam claramente as opiniões que n'aquella epocha em que tomava corpo a propaganda iberica, defendi contra as doutrinas da fusão dos dois estados. Pude em negra epocha acreditar em sonho quasi infantil que em um futuro remoto, e sob a condição impreterivel de ser dividida a Hespanha em varios estados, poderiamos formar um da um agrupamento federal. Admiro-me de ver hoje homens graves sustentar ainda, e sobretudo depois de acontecimentos recentes, taes puerilidades.

Invoco para mim n'esta parte, porem só n'esta, a unica desculpa seria que deu o sr. Ministro - que era moço, e que a experiencia lhe não tinha ainda amadurecido os juizos. Invoco para mim essa desculpa em nome do christianismo politico, que admitte o aperfeiçoamento das idéas e dos sentimentos; invoco a desculpa que mal poderia ser dada ou aceita pelos moralistas da coherencia, segundo a escola do Jornal do commercio.

Não estou hoje disposto a sustentar certos periodos que assignalei, porque modifiquei n'esse particular as minhas opiniões. E digo claramente, sem que me envergonhe, que não pensava então como penso hoje, porque aprendi na historia e na experiencia. A historia contemporanea tem-me ensinado que as confederações são hoje na Europa um principio impossivel, que todos es dias perde terreno, em vez de o ganhar.

Sr. presidente, eu não tenho horror a nenhuma discussão de doutrinas. E assim que comprehendo a liberdade e a tolerancia. Admitto, e louvo mesmo a sinceridade das opiniões dos republicanos e dos federalistas, mas tenho para mim que as federações na Europa de hoje são um anachronismo.

Como se transformou a Allemanha depois de Sadowa!... Robusteceu o principio federal historico que existia ali?.. Ao contrario; foi dominada, absorvida na hegemonia prussiana. Formára-se a chamada confederação do norte em condições taes, que os Estados Confederados ficaram sendo pouco mais que prefeituras da Prussia; e pouco depois firmava-se com os estados do sul um tratado de alliança offensiva e defensiva, pelo qual o soberano da Prussia, em caso de guerra, era chefe de todo o exercito. E como se realisou essa transformação? Foi porventura pela vontade espontanea dos povos?

Não nos pertence a nós, de certo, contrariar os factos consummados, mas pertence-nos não cerrar os olhos á historia contemporanea. Que o digam Francfort e o Hanover! Eis aqui como se operam as fusões! Operam-se no seculo XIX, como se operavam na idade media, com a differença de se enfeitarem ás vezes com os falsos ouropeis do suffragio universal.

Não foi só na Allemanha, na Italia tambem.

Quem ignora que o programma de Villa Franca se cifrava em constituir os estados italianos em federação? E ninguem ignora tambem as rasões que obstavam á realização d'esse intuito; ninguem ignora que a revolução passou por cima do programma da França e produziu a unidade. Os esforços de Buoncompagui em Florença, as tentativas de Garibaldi em Napoles, trouxeram a fórma unitaria e fizeram que a federação annunciada nem ao menos chegasse a ser ensaiada.

Se as federações não ganham hoje terreno na Europa, como se vê pelo que tem acontecido e pelo que temos presenciado, não admira que no reino vizinho vejamos levar de vencida o brilhante talento de Castellar, pelo bom senso do republicano unitario Garcia Rodrigues, pelos oradores monarchicos.

Digamos mais alguma cousa ainda.

Se as federações são impossiveis, as republicam tambem o são na Europa actual,

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Republicas permanentes, republicas com o caracter de estabilidade, republicas n'esta nossa velha Europa não se podem conservar.

Ha pouco mais de dois seculos caíu em Inglaterra a cabeça de Carlos I, e sobre o cadafalso do infeliz monarcha ergueu-se a republica. Pouco depois já o protector Cromwell sonhava ornar com o diadema real a propria cabeça, e pouco depois Monk, general republicano, restaurava o throno para Carlos II. Voltou a velha dynastia, e não sabendo garantir o pacto com as idéas novas, continuou a luta. Seguiu-se outra revolução. Qual foi o resultado d'ella? Foi a abolição da monarchia? Não; foi uma mudança dynastica.

Foram expulsos os Stuarts, mas vieram occupar o throno Guilherme e Maria, e firmaram o pacto de conciliação entre a corôa e o povo, consolidando o regimen constitucional e parlamentar.

Nos fins do seculo passado, na França, tambem sobre o patibulo de um rei martyr, e sobre milhares de outros patibulos, se elevou a republica. Mas dois annos depois o que aconteceu? Tallieu succedia a Robespierre, a corrupção succedia ao terror, e sobre as ruinas do directorio levantou-se uma grande espada, um grande nome, um grande conquistador, um novo Cesar, o mais admiravel de todos, porque foi Cesar na epocha em que eram mais iguaes as condições da civilisação, e levou victoriosas as águias francezas desde Lisboa até Moscow, e por fim, mal ferido na Hespanha, foi caír em Waterloo, diante da indignação da Europa, justamente irritada. Quasi sempre os Cesares acabam assim.

E se d'estes tempos passarmos a outros mais modernos, quando caíu a monarchia de Luiz Filippe e se proclamava a republica, que vimos nós dez mezes depois? O suffragio universal, elegendo um nome glorificado pelo fundador da dynastia napoleonica; o suffragio universal restaurando a tradição imperial. Porque isto era sem duvida o que n'aquelle momento significava a candidatura á presidencia do principe Luiz Bonaparte. As qualidades pessoaes do futuro imperador mostraram-se de superior valia. Mas n'aquelle momento a sua recommendação era o nome de Napoleão, e o afferro do sobrinho do primeiro imperador á tradição da sua familia. Votar para a presidencia o principe Luiz Bonaparte era pois, e os factos o vieram confirmar, era votar a restauração do imperio.

Que tem succedido na propria America, povo novo, povo onde a fórma republicana parece ter-se melhor aclimado? Apesar dos costumes que lhes são proprios e muito particulares, apesar do culto a idéas muito diversas das que entre nós dominam, que se tem visto depois da guerra? O principio federal cedendo passo a passo diante do principio unitario. E triumphando o principio unitario, que será feito da republica naquella immensa nação?

Ha uma rasão philosaphica que explica estas verdades historicas. A meu ver é o velho principio do velho Montes-quieu.

É que a alma das republicas democraticas é a virtude. Ora, a virtude civica, a abnegação, a dedicação ao bem da patria não predomina n'estes nossos tempos fundamente eivados de individualismo e de materialismo.

Quando Sylla, diz Montesquieu, queria restituir a liberdade aos romanos, elles não a sabiam aceitar. Caía Cesar, caía Cláudio, Nero e Domiciano; os tyrannos caém uns depois dos outros, porém ficava de pé a tyrannia. Era republicana Athenas quando disputava gloriosamente o famoso passo das Thermopilas; porém quando Filippe lhe batia ás portas já receiava mais, no dizer de Demosthenes, perder os prazeres que perder a liberdade.

Acontece agora o mesmo na nossa velha Europa; acha-se em estado parecido. Pretendem alguns que seja na nossa epocha objecção á republica a falta de illustração geral. A falta de illustração dá-se na infancia dos povos, mas a falta de virtude civica é symptoma de idade senil.

Respeito muito as opiniões contrarias, porém as theorias dos republicanos não abalam o meu espirito, porque, conhecedor dos factos e attento á historia do meu seculo, não creio, nem posso crer em republicas nem federações.

Eis-aqui porque sou monarchista, e sendo monarchista, não sou nem aprendi a ser aulico. Podemos ser monarchistas por convicção, sem ser aulicos por conveniencia (apoiados}.

Eu detesto tanto os aulicos lisonjeiros dos paços, como os aulicos lisonjeiros das praças. Não se curou o vicio da lisonja com a deslocação do poder. É igualmente hediondo e mais perigoso hoje, dirigindo-se ás multidões. Se pela lisonja se pleiteiavam favores do rei, pela lisonja se pleiteia hoje perante o povo popularidade e poder.

Por isso mesmo hoje, mais que nunca, em qualquer campo em que se esteja, é necessario ter coragem para dizer a verdade ao rei e ao povo (apoiados). Já vae longe o tempo em que só se entrava no palacio do rei para o lisonjear; os lisonjeiros de hoje teem para cortejar uma dupla realeza, e mais forte e poderosa que a antiga, a realeza nova.

Digamos pois a verdade ao rei e ao povo. Saibamos ser monarchistas, sem ser cortezãos; saibamos ser liberaes, sem adular e especular com as paixões populares. Digamos aos réis que a resistencia tenaz aos justos votos da opinião os póde perder; que a nimia debilidade tambem lhes mina o throno. Digamos á democracia que as ruins paixões, inspiradas por odios ruins de falsos apostolos, lhe turbam a rasão, despojam do direito e adiam-lhe o triumpho. Digamos á democracia que a inveja destroe e não edifica. Digamos á democracia que a sua victoria será um grande bem ou um grande mal para a humanidade, segundo for torrente caudalosa que arrasa o que encontra na passagem, ou inundação fertilisadora, como as do Nilo. Digamos á democracia que não pretenda destruir, por odios maus, as legitimas e naturaes superioridades sociaes; mas que trabalhe por abrir caminho, cada vez mais largo, que faça subir do nivel mais e mais as camadas inferiores da sociedade. Seja pois democracia que se levanta e não democracia que abata; democracia que se eleva e funda, e não democracia que arrasa e aniquila (apoiados).

Sr. presidente, esta é a minha doutrina, tal qual a comprehendo, tal qual m'a ensina o estudo da historia e a experiencia do meu tempo. Não sei se esta é tambem a doutrina actual do nobre ministro da marinha. Não lhe faço a pergunta, não pretendo sabe-lo.

Mas quando se allude, como fez o sr. ministro, aos artigos, que escreveu em um jornal, quando relembra as accusações vehementes que me foram feitas, para as apresentar como prova do sagrado amor da patria que o inspira, quando recorda, como titulo de defeza para si, a opposição violenta que fez ao que chamavam alliança hespanhola, não posso eu ficar silencioso, porque m'o veda o dever e a consciencia. Essa politica, injustamente apreciada e injustamente condemnada então, foi a politica que proclamei n'esta casa, quando, sendo ministro o nobre conde de Castro, o defendi, em um acto notavel. Foi a politica que me empenhei em realisar quando entrei no ministerio composto em maio de 1866. Foi a politica, cuja responsabilidade não declino, e que vou defender de novo, provocado pela nova accusação que envolveu na sua defeza o illustre ministro da marinha.

Que alliança era aquella com a Hespanha, pela qual nos censuravam? Era porventura algum tratado, similhante aos da Allemanha do sul com a Prussia, em que se estabelecessem obrigações de concurso offensivo ou defensivo? Tratava-se de subordinar, em algum caso, as nossas tropas a algum general estrangeiro? Tratava-se de sacrificar no quer que fosse, as mais strictas doutrinas da não intervenção, ou o mais somenos dos fóros da nossa independencia?

Nada d'isto, sr. presidente, ou antes o contrario d'isto. Não havia alliança no proprio sentido da palavra havia

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boa intelligencia entre os governos, lealdade nos sentimentos, manifesta e claramente demonstrada nos factos. Havia a formula da circular de 29 de maio, que tão mal soou nos ouvidos do sr. ministro; havia inteira cordialidade de relações entre duas nações vizinhas e amigas, mantida sobre a base do completo respeito pela sua mutua independencia.

Qual garantia melhor se poderia buscar á vossa existencia nacional, á nossa propria autonomia, do que termos concorrido para que no paiz vizinho se correspondesse tão nobre e francamente a esta politica franca, leal e nobre?...

Provocaram bem alto os factos patentes que foi essa a politica fielmente executada em 1866 e 1867,, pelos dois governos. Procurem os archivos, e que tragam se podem, um documento só em contrario. Que tragam um documento só, que prove subserviencia da nossa parte, ou exigencias desarrasoadas, por parte de Hespanha. Venha, se ousa, repetir aqui o sr. ministro as apostrophes iracundas do escriptor que via altamente offendida a dignidade do paiz, rojando-se no chão as quinas portuguezas... porque o representante de Hespanha tinha uma contestação verbal e particular na alfandega com um empregado que lhe estava servindo de despachante, contestação da qual não se seguiu absolutamente nada, e sobre a qual nada reclamou, nem obteve aquelle diplomata, cujo procedimento em todas as suas relações officiaes nunca poderá ser excedido em delicadeza e attenções.

Ridicula accusação; cem vezes ridicula! Não leio, porque seria enfadonho, as phrases acres, as excitações patrioticas, as diatribes que se publicavam então para fazer suppor que o governo de Portugal estava rojando-se aos pés do estrangeiro, porque não dava logo os passaportes ao representante de Hespanha, porque não tomava exemplar e implacavel vingança de algumas palavras asperas que se disseram na alfandega, cujas paredes costumadas sempre talvez á mais apurada côrtezia, deviam ter ficado espantadas do que ouviram proferir!

E por isto, e com fundamento tal, era preciso nada menos que fazer saír de Portugal o representante de Hespanha!... E era um acto de alto patriotismo provocar um conflicto serio por causas ridiculas!...

Se o governo, sem exigencia estranha, porque a não houve nunca, mas pelo sentimento do proprio dever, e em vista das informações da policia, tomava alguma medida de prudente cautela ácerca de algum emigrado; se dentro dos limites da moderação e tolerancia que foi sempre o seu timbre, o governo tratava de impedir que emigrados hespanhoes que tinham vindo aqui buscar asylo, abusassem d'elle conspirando contra o governo estabelecido no paiz vizinho então, então choviam sobre nós as informações mais odientas... então eram denominados alabardeiros de Narvaez, prebostes do governo de Madrid, Marforis de Lisboa!... Espero agora do nobre ministro ouvir repetir ou defender essas phrases; mas espero mais; é que prove com rasões e com documentos quando nos foi exigido officialmente ou officiosamente o que era em nós apenas o empenho decidido e constante de cumprir um dever, porque o nosso officio não era então proteger conspirações contra o poder constituido, como o não póde ser hoje o do governo actual. É nobre e generoso prestar asylo a emigrados; mas é dever sagrado evitar que conspirem á sombra da bandeira que os protege como infelizes, e que os não póde cobrir como inimigos activos e armados do governo de um paiz vizinho.

Os deveres de nação para nação e de governo para governo não se guiam por theorias abstrusas, mas por preceitos de lealdade e de honra, que não são menos sagrados entre as nações, que entre os individuos. E para as nações pequenas ha, não só dever mas necessidade em serem cautelosas no cumprir com a maxima dignidade, mas com o maior respeito, esses deveres.

Parecia mal esta politica á opposição d'essa epocha, e pretendia-se que as allianças? que não eram allianças-; que as approximações, que a cordialidade de relações, dependesse de que um systema de politica interna analogo ao nosso fosse adoptado em Hespanha.

Não é d'isso que dependem as allianças das nações, e eu folgo muito em declarar que, a este respeito, sinto-me em boa companhia, estando inteiramente de accordo com a opinião do sr. Thiers e com a opinião de todos os homens de bom censo, e consola-me essa companhia de não poder concordar com as theorias do sr. ministro da marinha.

Qual é a base, na opinião do sr. ministro, em que devem assentar as nossas relações com a Hespanha? Para praticar as suas theorias, quaes são os factos que condemna a passar despercebidos? Quaes os que pretende supprimir? Supprime porventura a communidade das origens historicas que temos com o paiz vizinho? Pretende supprimir os dois idiomas tão profundamente caracterisados e ao mesmo tempo tão similhantes, que nós comprehendemos perfeitamente sem estudarmos a linguagem uns dos outros? Pretende supprimir os parallelismos da historia dos dois reinos, tão cheia de façanhas e altas glorias, quando portuguezes e hespanhoes nos empenhavamos no descobrimento e conquista das terras de alem mar? Pretende supprimir a geographia e afastar a nossa fronteira da raia hespanhola? Pretende supprimir a superioridade numerica da população de Hespanha? Que ha de então supprimir? Que ha de fazer para fundar entre nós a sua politica e a sua doutrina theorica? Se es factos não podem supprimir-se, é evidente que as nossas relações com o reino vizinho hão de ter um caracter peculiar de especialidade, que não póde ser exactamente o mesmo das nossas relações com as outras potencias.

Qual deve ser esse caracter? Isolamento? Impossivel; oppõe-se a geographia; não nos podemos isolar na Hespanha, sem nos isolarmos do mundo. Hostilidades? Mas hostilidade de factos, ou simplesmente de palavras e arremessos? Hostilidade de factos leva-nos a conquistadores ou conquistados, o que a final se traduz em uma e mesma cousa perda da nossa independencia. Hostilidade apenas de palavras e de sentimentos, póde conduzir ao mesmo; e alem de tudo é ridiculo, e prova debilidade.

Quererão alliança de partidos? Essa é a politica de uma certa escola; mas é a peior, e a mais deploravel das politicas. Alliança de partidos com o paiz vizinho, é politica de dependencia levando direito á fusão, sem espontaneidade e sem dignidade.

Na alliança de partidos, quando a Hespanha é maior que nós, o predominio seguro é d'ella. A Hespanha, maior que nós, não póde aceitar a nossa vaidosa e insustentavel pretensão, de querer guia-la pelas normas da nossa politica interna. Que se seguiria então da alliança de partidos? Que quando lá estiver no poder um governo liberal, aqui tambem se levanta um governo liberal; quando lá houver um governo retrogrado, tambem aqui ha de haver um governo retrogrado. É essa a situação a que querem reduzir-nos?.. E a livre ingerencia do paiz no seu proprio governo que fica sendo? Que fica sendo a independencia? Quem a sustenta, quem a defende então?

Ora, se a politica de isolamento é impossivel, se a politica de hostilidade é perigosa, se a politica de alliança de partidos é a aniquilação da independencia real, que resta? A politica de alliança sincera, leal, nobre de nação a nação; a politica que reconhece em cada um o pleno direito de se governar como entende, procurando no estricto cumprimento dos deveres mutuos, e no pleno respeito das duas autonomias, a base de um accordo honroso e digno.

Era este o criterio da politica que seguimos, e com a qual ainda hoje nos honrâmos. Essa era politica portugueza. Para contrariar essa politica fizeram-se esforços inauditos; para os disvirtuar não se pouparam excitações e injurias. Imprimiram-se artigos violentos, não só contra os homens que sustentavam essa politica, mas até contra uma senhora, que, se não merecesse respeito pela sua alta posição, bastava-lhe para o merecer, a sua qualidade de dama,

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Não conseguiram desviar-nos. O criterio da nossa politica foi o mesmo sempre.

Mas qual é agora o criterio que adopta o actual governo? Qual é o pensamento que o domina? É a politica de abstenção, de silencio, quando na Hespanha se trata dos nossos mais altos interesses nacionaes? E a politica que o aconselha a considerar questão puramente pessoal a da canditura de Sua Magestade o Senhor D. Fernando?

Qual é a politica que domina no governo? É a lealdade cavalleirosa mas anti-constitucional do sr. marquez de Sá, que vem aqui tomar em seu proprio nome responsabilidades que não lhe competem só, ou são as doutrinas do sr. ministro da marinha, expostas e commentadas no Jornal do commercio?

Mas, sr. presidente, as doutrinas do Jornal do commercio, alem da condemnação do passado, estão escriptas, todos as conhecem; e não cito textos para não tomar tempo á camara. As doutrinas actuaes são, pelo que respeita á candidatura do Senhor D. Fernando, grande applauso, pelo que toca ás relações com a Hespanha, muitos conselhos. Não são só amigos, agora; são conselheiros da Hespanha. Aspirações no futuro ao federalismo; e para apressar o futuro conselhos no presente em prol da republica. O sr. Castellar aceita gostoso os echos que lhe vão d'aqui, e sustenta que a republica é o melhor dos meios para chegar á união.

Entristecem-se os publicistas do Jornal do commercio de que a Hespanha lhe não escutasse os conselhos e não fundasse a republica. Pois eu folgo de que prevalecesse a monarchia, porque os governos republicanos são mais expansivos; e d'elles nos poderia vir talvez maior perigo do que da monarchia. Por isso folgo que no paiz vizinho se não aceitassem os conselhos do jornal d'aqui.

Qual é, repito, o criterio de politica que predomina no governo? Onde nos conduzem os puxões desencontrados d'estes desnorteados mareantes? É sobre isto que desejo ouvir as explicações do sr. ministro da marinha. É para este campo que o convido, porque não se debatem ahi questões insignificantes de pessoas, mas questões vitaes para o paiz.

A questão pessoal é pequena; já sobre ella disse o que basta, e póde resumir-se em pouco. Se em 1802 estava eu distanciado do sr. Latino Coelho por uma larga divergencia de opiniões, esta distancia alargou-se, tornou-se abysmo. Hoje separa-nos não só profunda discordancia no modo de pensar, mas tambem a diversidade dos preceitos e regras que compõem o codigo que deve dirigir o homem publico nos actos da sua vida politica. Este abysmo não estou resolvido a transpo-lo. Não devolvo ao sr. ministro as injurias e as suspeitas com que me maltratou, como escriptor. Não o consente a propria dignidade, nem a dignidade do logar em que fallo. Mas não posso consentir que s. exa. pretenda sentar-me ao seu lado. Frente a frente encontrar-me-ha sempre o sr. ministro e todos os meus adversarios; encontrar-me-ha para sustentar as minhas convicções, as minhas doutrinas, e o meu procedimento. Mas ao lado não posso consentir a todos que me colloquem, e muito particularmente o recuso ao sr. ministro da marinha.

Tenho concluido.

1:206-IMPRENSA NACIONAL.- 1869

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