110 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
des discordancias entre nós; mas se isto assim é, e se, por outro lado, eu sou o primeiro a reconhecer e prestar homenagem ás suas altas qualidades e talento, e a respeitar o seu caracter, não significa isso que eu esteja compromettido a votar com s. exa. em todas as questões que porventura se levantem no seio d’esta camara; a ir constantemente atraz do illustre ministro, e a apoiar toda e qualquer idéa de s. exa. logo que a apresente. Póde-se, portanto, confiar e eu confio muito na politica do actual ministerio, e tenho apoiado bastantes dos seus actos, sem ficar por isso obrigado a votar todas as suas medidas, e isto póde fazer-se sem se estar filiado no partido do governo, nem em nenhum dos que o combatem, os quaes têem todos o seu programma. Só o governo é que ainda não apresentou programma...
O sr. Presidente do Conselho: — O programma do governo está nos seus actos.
O Orador: — Certamente, e eu estimarei ter sempre de apoiar esse programma e de applaudir os srs. ministros pelos seus actos, pelo zêlo no cumprimento das leis, e pela manutenção da ordem publica em todas as suas diversas manifestações. E a proposito, direi de passagem que tenciono chamar a attenção da camara e do governo sobre varios assumptos que prendem com questões de ordem publica e de boa administração, dos quaes me occuparei largamente n’uma das proximas sessões, para o que enviarei opportunamente para a mesa uma nota de interpellação, sem intuito algum de fazer opposicão ao gabinete, mas unicamente para cumprir com o meu dever e auxiliar ao mesmo tempo os srs. ministros no desempenho da sua missão governativa. Hei de fallar com toda a clareza e franqueza que me é propria.
Se nem sempre se póde concordar com as opiniões dos governos, tambem nem sempre se póde estar de accordo com as opiniões das opposições, porque uns e outras são falliveis. Do encontro das opiniões é que póde resultar a verdade, por isso é que se inventaram as assembléas politicas, as discussões, a tribuna e a imprensa, embora errem muitas vezes.
Seja-me permittido agora fazer algumas observações com respeito ao que disse o sr. presidente do conselho.
Disse, s. exa. que o juiz da conveniencia ou inconveniencia de apresentar certas materias ao conselho distado, é o governo; concordo plenamente; mas s. exa. não desconhece tambem que nós podemos ser juizes da maneira por que o governo procede nessa parte. O sr. presidente do conselho póde julgar conveniente ou inconveniente a apresentação de certos assumptos ao conselho d’estado, mas nós, os homens publicos que nos guiámos pela nossa consciencia e desejamos ser allumiados pela luz da rasão, podemos discordar do governo, e dizer-lhe: n’este ponto, erraes. Para que não tenham rasão os que assignam qualquer programma, querendo a extincção do conselho d’estado, e que, por assim dizer, tratam de demonstrar a inutilidade d’elle, é preciso provarmos praticamente que o conselho d’estado serve para alguma cousa. Recorramos á sua historia, que já conta alguns seculos, e que eu tive a infelicidade de estudar (hoje é uma infelicidade dedicarmo-nos ao estudo). Mas apesar d’isso, eu gosto de estudar. Tenho pois estudado a historia do conselho distado, e sei que muitas materias importantissimas, como esta, teem sido levadas á decisão d’aquelle alto corpo do estado.
N’este ponto o governo não podia perder absolutamente nada, e tanto menos perde agora que o conselho distado é, na sua maioria, composto de amigos seus, muito dedicados, e que o tem sempre acompanhado.
Portanto, ficando de pó a afirmativa do sr. presidente do conselho, que o governo é o juiz da conveniencia ou inconveniencia da apresentação de certas materias ao conselho d’estado; fica tambem de pé a minha affirmativa
de que n’essa parte podemos discordar do governo no juizo que fez.
Sem estar nas mesmas circumstancias politicas do sr. marquez de Sabugosa, peço licença para dizer que não julgo infallivel o governo, nem este nem outro, porque essa prerogativa foi declarada só com relação ao pontifice nos pontos de doutrina e moral, pontifice ha um só, com quanto se esteja vendo que todos os chefes de partido se declaram pontifices, desejando trazer atrellados ao seu carro triumphal os que podem contribuir para a sua conservação no poder ou elevação a elle. É um especie de absolutismo que não posso acceitar.
O sr. Carlos Bento, que conheço perfeitamente a historia de Inglaterra, fez-nos ver o peso que n’aquella nação se dá a estas importantes materias, e a conveniencia de convocar os conselheiros da corôa e ouvir a sua opinião a respeito d’ellas.
Concluindo, peço desculpa á camara de lhe haver tomado tempo com as reflexões que apresentei.
(O orador não reviu os seus discursos.}
O sr. Barros e Sá (relator): — Posto que o parecer da commissão ainda não tenha sido impugnado, entendo do meu dever dar algumas explicações á camara, a fim de poder ser bem comprehendido o alcance da providencia proposta, pelo governo, e acceita pela commissão.
Cumpre-me observar desde já, que este parecer foi apresentado aqui em 31 de janeiro ultimo, entregando eu logo na secretaria todos os documentos que haviam sido presentes á commissão e que a habilitaram a dar o parecer que agora se discute. Fiz o que é custume e pratica fazer-se em taes casos. Ali, na secretaria, estiveram e têem continuado a estar desde então até ao momento actual, pois que se agora os tenho presentes, é porque os mandei pedir, e os offereço ao exame dos dignos pares que quizerem estudal-os. Não intento fazer censura a pessoa alguma mas quem não tem examinado, é porque não quiz. Desde que o parecer foi distribuido na casa, podia qualquer digno par procurar na secretaria os documentos correlativos.
Não foi a commissão que embaraçou esse exame, e insisto n’esta asserção para que se não pertenda inculcar, que se pertende levar de assalto e sem reflexão um projecto importante.
Isto posto devo igualmente dizer que eu, relator da commissão, não posso acceitar a discussão no terreno politico, ou de confiança politica, em que a collocou o sr. marquez de Sabugosa. Considero que esta questão é de pura e simples administração, de mui pequena importancia e que não póde comportar a elevação á altura e á categoria de questão de confiança politica, de questão ministerial.
Debaixo deste ponto de vista não posso acceitar a discussão e recuso-me a entrar no debate.
Assentado e fixado o terreno do debate passo a dar algumas informações, as quaes poderão talvez auxiliar a camara na resolução do adiamento proposto.
Todos sabem que a companhia união mercantil falliu, que em virtude d’essa fallencia se procedeu á liquidação do seu activo e passivo.
O activo da companhia foi de 178:000$000 réis, que estão em deposito, e o passivo é de 908:000$000!!!
D’estes só o thesouro é credor por 701:000$000 réis, e pela somma restante ha 232 credores!!!
Entre estes 232 credores existe um letigio judicial, que ha sete annos pende dos tribunaes, no qual todos elles disputam preferencias para obterem pagamento.
Ora um letigio entre 232 credores disputando preferencias é interminavel, não só pela natureza do pleito como pelo numero de letigantes. Só para verificar as citações de todos, que difficuldades não existem?! Principalmente porque alguns, muitos d’elles, residem em paizes estrangeiros.
É por isso que já tem decorrido sete annos e o letigio