DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 69
Africa e pela India, por Inglaterra e pela Prussia, demorando-nos em Villa Verde e descaindo no Brazil.
Temos gasto duas sessões, senão util, agradavelmente, porque é sempre agradavel ouvir a palavra sonora, branda e facil de quem muito bem sabe usar d'ella.
Não seria, portanto, eu quem negasse a licença, pois importaria negar um prazer a mim proprio e aos meus collegas. Similhante barbaridade não commettia.
Era outro o meu fim, era fazer um pedido ao sr. ministro da marinha; e agora explicarei a rasão por que pedi a palavra.
Depois das largas digressões do digno par, pude agora perceber, a final, embora outros mais perspicazes o percebessem mais cedo qual era o fim da interpellação tão pomposamente annunciada.
Importava menos, ou eram simples incidentes, conhecer quaes os intuitos do sr. ministro da marinha sobre a administração colonial; quaes os seus planos de governação dos nossos vastos dominios do ultramar, ou indagar qualquer facto que se tivesse dado com relação aos interesses das nossas possessões.
O que avultava, o que era de magna importancia, o capital proveito era saber se o sr. ministro da marinha renegava ou deixava de renegar certas opiniões que um escriptor, que não conheço, que ouvi dizer ser o sr. Thomás Ribeiro, escrevêra em tempos sob o pseudonzmo de «Thomé de Diu».
Era essa a vantagem grande que devia saír d'este ovo de oiro, d'este maravilhoso cosmorama em que vimos per-passar tantas individualidades contemporaneas, avultando o homem de Villa Verde, e apercebendo se as figuras do sr. de Bismarck e do dr. Teixeira.
O tudo era saber se o sr. ministro da marinha mantinha ou renegava alguma phrase de «Thomé de Diu!»
Pois o meu fim, pedindo a palavra, é apenas instar com o sr. ministro da marinha que não responda mais sobre este ponto.
O nobre ministro não precisa dos meus conselhos, e menos ainda de quem lhe sirva de lingua, porque lingua tem elle, e lingua de prata, como ha pouco ainda mostrou; mas tem tambem o bom senso preciso para saber o que deve dizer n'aquelle logar.
Já o illustre ministro disse o bastante, nem de mais, nem de menos; não precisa nem deve ir mais longe, porque então poderia acontecer que tivesse de mentir á sua consciencia, ou de faltar á reserva que lhe impõe a sua posição como ministro da corôa.
Sr. presidente, eu não sou ministro, estou fóra de todas as responsabilidades que dá aquelle logar, e por isso posso não interpretar as opiniões do nobre ministro, mas expor as minhas individuaes; posso affirmar ao digno par que haverá muito quem acredite que a tradicional alliança ingleza é precisa, e a queira manter, e tambem acredite ao mesmo tempo que para mantermos a independencia do paiz é preciso mais alguma cousa do que confiar n'essa alliança.
A historia contemporanea está mostrando que mal vae ás nações que fiarem a sua existencia e a sua integridade unicamente a quaesquer alliados, sem cuidar de organisar os seus proprios elementos de defeza.
Póde haver quem acceite a nossa alliança tradicional, com a Inglaterra sem comtudo sei constante admirador da sua politica externa em todas as eventualidades. Ha tambem alliados da Inglaterra que podem ter tido rasão alguma vez de não estarem plenamente satisfeitos com a politica d'esse paiz a seu respeito. Que o diga a Dinamarca; que o diga agora á Turquia.
A Inglaterra é um paiz bastante grande e de grandes habitos de liberdade, para poder ouvir a verdade a grandes e pequenos, e não guiar o seu procedimento por despeitos infantis.
Não sei se o sr. ministro da marinha pensará d'este modo, se houve algum Thomé de Diu que assim o pensasse ou não. O que eu entendo é que n'este momento e n'este logar não deve responder mais do que respondeu.
Houve um homem que se sentou n'essa cadeira que v. exa. hoje occupa, um distincto portuguez, um homem verdadeira e sinceramente patriota, embora não precisasse estar a cada momento a fallar d'esse patriotismo, porque isto de patriotismo é, deve ser, para todos (permittam-me a expressão, visto que fallamos de cousas inglezas) um truismo.
Esse homem, esse patriota, que se chamou conde do Lavradio, conversando intimamente com um estadista inglez muito notavel, não duvidou dizer lhe «A Inglaterra póde ter alliados, mas não póde ter amigos, porque os entysica»; e disse estas palavras referindo-se justamente ás nossas questões coloniaes.
E cuida o digno par, que o conde do Lavradio perdeu na alta estima em que era tido em Londres, e no exercicio do seu cargo, pelo seu caracter e pela sua intelligencia? Não, senhores, o estadista inglez apertou-lhe a mão, e se não reconheceu a justiça da queixa asperamente formulada, respeitou os sentimentos que a dictavam.
Somos alliados da Inglaterra, queremos continuar a sel-o, mas podemos desconhecer por isso que muitas vezes temos sido mal apreciados, e injustamente tratados?
Será preciso folhear os archivos do ministerio dos negocios estrangeiros, para se saber essa verdade?
Não se levantou de novo, em epocha recente, a questão de Lourenço Marques? Esqueceu já a do Zaire! Será necessario relembrar, quantas vezes foram mal apreciados os nossos esforços em questões de escravatura, nas quaes, com o maior desinteresse, fomos na vanguarda dos abolicionistas?
Sr. presidente, póde-se admirar a Inglaterra, na sua politica interna, póde se admirar aquelle grande paiz, servindo-me da phrase moderna, na sua evolução social politica e pacifica dentro das suas tradições, que sempre tem sabido manter, e póde-se reconhecer ao mesmo tempo que na sua politica externa ha por vezes traços de exagerado egoismo nacional.
Está é a minha opinião, e posso manifestal-a como qualquer Thomé de Diu manifesta a sua. A Inglaterra é demasiadamente grande para a poder ouvir sem enfado, como o estadista inglez ouviu a opinião do conde de Lavradio continuando a apertar-lhe a mão.
Nos paizes de liberdade não agrada a lisonja cortezã, nem a lisonja servil para com as nações ou os individuos foi nunca prova de estima.
A que vem, pois, todas estas apprehensões que se têem manifestado aqui?
Eu, pela minha parte, requeiro ao sr. ministro, e peço-lhe que não diga mais do que já tem dito sobre esse particular. Disse o que devia dizer, o que precisava dizer; mas o que elle não podia dizer, o que elle não podia manifestar pelas reservas que aquelle logar lhe impõe, folgo eu, sr. presidente, de o dizer por minha propria conta á camara. Pela sua parte creio que nada mais terá a acrescentar, porque o que disse basta, e disse-o muito bem.
O sr. Presidente: - Deu a hora.
Não póde haver sessão senão no sabbado, e a ordem do dia será a continuação da interpellação do digno par, o sr. marquez de Vallada, ao sr. ministro da marinha; a eleição da commissão de inquerito proposta pelo sr. Carlos Bento para estudar as causas da crise commercial de 1876, e os meios de evitar, a repetição de crises analogas; e a discussão da proposta do sr. marquez de Vallada, para que seja nomeada uma commissão de inquerito, a fim de examinar o estado em que se encontram as misericordias e hospitaes do reino.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.