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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 71

tar, apenas um facto veiu inculcar ao paiz que lavrava a dissidencia de opinião no seio do gabinete.

Abertas de novo as camaras começa a discussão sobre a resposta ao discurso da corôa, e accordam todos os partidos na idéa de a votarem como um comprimento dirigido á pessoa do Rei, esperando pela discussão das propostas de lei do governo para definirem a sua posição politica perante elle.

É n'esta conjunctura, immediatamente em seguida á votação á resposta ao discurso da corôa, que é apresentada uma moção de censura ao governo, por um dos raros deputados que se haviam pronunciado abertamente contra; elle. A ninguem surprehendeu este acto, derivado da iniciativa de um deputado que francamente, desde o principio, se declarára em aberta opposição com o gabinete.

Surprehenderia, porém, o ver, se com effeito ainda ha rasão para surprezas, depois de tantas e tão repetidas infracções dos principios e das praxes constitucionaes, surprehenderia, repito, devia susprehender a todos, o ver desencadeadas contra o governo, sem acto nenhum parlamentar seu, tão assanhadas as iras de quem o havia apoiado, e de quem havia promettido determinar ainda o seu voto pela apreciação das suas medidas.

Perdia-se então a imaginação em conjecturas. Que a moção era de opposição, sabiam-no todos; se a maioria a votava, associando-se á responsabilidade politica do deputado que creára difficuldades ao ultimo governo que ella apoiára, é o que nem todos poderiam acreditar, e ainda o que bem poucos teriam direito a esperar.

Refiro-me a um facto conhecido e sabido. A situação presidida pelo sr. Fontes lutou nos ultimos tempos com difficuldades creadas por amigos seus, n'esta e na outra casa do parlamento. Votou-se, porém, a moção; foi votada por uma grande maioria, depois de violentos e eloquentes discursos contra o governo, sem que em todos elles se encontre, creio eu, no meio de tanta referencia historica, de tão repetidas allusões á fraqueza do governo, uma só allusão sequer, á mais evidente rasão d'essa fraqueza, á saída do sr. Carlos Bento do ministerio da fazenda! Entre tantas flores oratorias, ninguem formulou a pergunta: - Porque saíu do ministerio o sr. ministro da fazenda? - Sou eu o primeiro a perguntal-o, e talvez devesse ser o ultimo, por ser dos primeiros a sabel-o.

Lembro á camara que a saída d'aquelle cavalheiro, do ministerio, coincide com a epocha em que a iniciativa desordenada do sr. ministro, das obras publicas. Começou a crear difficuldades ao governo, coincide com a publicação, de umas certas portarias desconchavadas, com que o ex-ministro das obras publicas procurava entreter os ocios da engenheria portugueza, a que estava presidindo, e que estava desconsiderando tambem.

Votou-se, porém, a moção e votado ella determinou-se á crise. Para a resolver foi encarregado o sr. Fontes Pereira de Mello de formar o novo gabinete, e, formado elle sob a presidencia de s. exa., vimos, perante as duas casas, do parlamento, o mesmo governo que mezes antes se havia demittido sem rasão conhecida!

A isto chamou ha pouco o digno par, o sr. marquez de Sabugosa, e com rasão, uma restauração, e embora o sr. presidente do conselho cite factos, que eu não aprecio agora, e que de certo não auctorisam a infracção dos principios constitucionais e das praxes parlamentares, embora s. exa. queira abonar esta restauração com outras restaurações, o facto é que o novo gabinete constitue uma restauração completa do antigo gabinente a que s. exa. presidiu.

Cabe a s. exa. a responsabilidade d'ella e eu quereria, antes que, a não houvesse tomado. Sobejam ao illustre ministro as qualidades superiores de um perfeito homem d'estado, sobra-lhe talento e conhecimento pratico dos homens e das cousas (e hão é isto um cumprimento banal da minha parte, é a verdadeira expressão do que penso e do que sinto) para que se possa suppor um momento que o illustre ministro deixasse de ver, que com esta perfeita restauração: ministerial, s. exa. ia ferir susceptibilidades, partidarias, ia levantar suspeitas de governo pessoal, o que nas condições em que temos constituidos os artidos politicos importava pelo menos um facto grave, o de sobresaltar, o espirito publico com a discussão de actos, que o espirito da constituição, e mesmo a letra d'ella, põe fóra da discussão, perturbando assim, a harmonia regular das funcções politicas no exercicio do systema, parlamentar, como ha pouco muito bem disse o digno par o sr. conde de Cavalleiros.

E tão longe, sr. presidente, levou, o sr. pressente do conselho o espirito, da restauração, que até, trouxe ao seio do novo governo o sr. Barjona de Freitas, que aliás, tambem sob pretexto de doença, havia anteriormente saído do ministerio para entrar n'uma repartição publica, sendo ainda agraciado depois pelo poder moderador com a nomeação de membro d'esta casa.

Em vista d'estes, factos, diga-me v. exa. se o paiz não devia ficar, permitta-se-me a expressão, intrigado com a solucão d'esta crise?

E, quando digo o paiz, não me refiro ao paiz official, nem ao que se deixa influenciar pelas suggestões dos partidos, ou que determina a sua opinião pela opinião dos jornaes, digo o paiz que não faz politica, mas que infelizmente a não percebe tambem. Antes, porém, a percebesse.

No regimen constitucional estas mudanças successivas de ministerios sem rasão, não digo já real, mas nem mesmo apparente que as justifique, não só são uma rasão de suspeita para todos nós, mas levam tambem o paiz a crer, que não é, nem a luta de principios, nem a divergencia de idéas, mas o jogo das paixões pequenas, e o conflicto de interesses pessoaes, que determinam as crises, e que influem na reslução d'ellas.

Já assim o pensou escreveu com geral applauso, mr. de Laveley, em um artigo proficientemente escripto, sobre a falta, de partidos politicos em Italia. A orjdem de considerações que este publicista apresenta cabem, e elle mesmo o confessa, tanto á Italia como á Hespanha e a Portugal.

Senhores, o regimen constitucional, é um regimen de publicidade. Os factos politicos devem não só ser conhecidos do paiz mas interpretados e comprehendidos por elle. Estamos diante do paiz, não para que o paiz não veja apenas, mas para que nos ouça e nos entenda. Não é, expressão de falsa rhetorica a phrase: scena politica, estamos como n'um palco; diante do publico, que é o paiz. No fundo da scena ha bastiddores, mas para limitar e contornar o espaço, apenas, e, nunca para que detrás d'elle se engendrem episodios que intervenham na acção principal do drama que se representa na scena.

É exactamente como nos theatros: quem vive, vive; vê-se que falla e que vive; quem morre, morre, vê-se caír, se não tem, como o imperador romano a verdade de querer morrer de pé; mas este ministerio em março, não caíu nem morreu, sumiu-se pelo alçapão, que o jogo da scena no regimen constitucional não permitte que se deixe aberto. E não só se sumiu pelo alçapão, subiu de novo á scena, entrando por elle, e com a circumstancia aggravante de trazer comsigo o sr. Thomás Ribeiro, personagem estranho á acção do drama, que não tinha ali papel creado, e cujo entrada no ministerio denuncia para mim umas certas hesitações de que aliás os factros dão testemunho.

Foi convidado o sr. Tomhás Ribeiro para entrar no ministerio; havia-o sido antes o sr. Dias Ferreira. Prevaleceu com a recusa d'este cavalheiro a idéa de restaurar completo com o antigo governo, convidou-se então o sr. Borjona.

Não nos illudamos, porém, todas as indicações parlamentares eram a favor do sr. Dias Ferreira. Não se havia associado á sua idéa e á sua politica a maioria que votára a moçção?

Sr. presidente, a solução da crise póde não ter sido inconstitucional, e creio em rigor que o não foi, visto que o