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72 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

governo tem maioria em ambos as casas do parlamento, mas foi impolitica. Devem-se-lhe estas exaltações do espirito partidario, que perturbam as condições do nosso regimen politico, e que dão aos partidos, aliás já affeitos ás lutas do systema parlamentar, os impetos fogosos que facilmente degeneram em demasias de palavras censuraveis e censuradas.

Eu sei que de todos os tempos houve nas opposições essas demasias de palavra, e mesmo, na occasião a que o nobre presidente do conselho se referiu ha pouco com insistencia, quando as situações politicas se creavam e modificavam apenas com os elementos de um só partido politico, quando o grupo a que s. exa. pertence esteve afastado do poder durante annos successivos, mesmo então houve demasias de palavra. Póde não tel-as tido o sr. presidente de conselho de ministros, creio mesmo que as não teve, e que acceitou, com a complacencia que lhe inspirava o respeito pelo exercicio de attribuiçues, que não discutia, os factos a que se referiu; mas se s. exa. assim procedeu, outros, e tambem estadistas de grande elevação de espirito e de grande competencia, procederam de outro modo. Nem todos fizemos o mesmo; e eu proprio me lembro de ouvir a phrase de que em Portugal havia dois reis - dois como em Sião, e de gostar de a ouvir.

(Á parte do sr. marquez de Valladas.)

É verdade; a allusão era dirigida ao sr. duque de Loulé. A opposição suspeitou s. exa. de querer constituir um governo pessoal. Era infundada a suspeita, mas infelizmente nós estamos em um paiz de suspeitas.

E porque o estâmos, é que insisto em dizer e repito, que acho altamente inconveniente aggravar essas suspeitas com factos que não encontrem uma explicação plausivel. Oxalá que tudo se podesse restaurar, exclamou o sr. presidente de conselho. É verdade, e oxalá que nunca se tentasse restaurar aquillo cuja restauração se não justifica, e n'este caso estão estas restaurações de ministerios, cuja formação não é uma perfeita resultante do jogo regular do nosso mechanismo constitucional.

Sr. presidente, jurando nas palavras dos homens publicos mais auctorisados d'esta terra, eu vejo que as condições do nosso paiz são relativamente vantajosas; confiando nas promessas de todos os governos deviamos ver de ha muito equilibrada no orçamento a receita com a despeza, e adiantada a nossa regeneração economica; mas em vez d'isso o que vemos?

Um deficit permanente, uma administração desorganisada, é liquidadas, como já aqui se disse, as prosperidades de cinco annos por dois grandes emprestimos para a consolidação da divida fluctuante.

Se eu agora interrompesse este discurso, discurso não, estas considerações (não se fazem discursos achando-se a camara na frieza em que está); se eu interrompesse estas considerações e intercalasse n'ellas um parenthesis pedindo ao sr. presidente do conselho que me dissesse, em um áparte que fosse, que reformas legou ao paiz no largo periodo da sua ultima administração, bem embaraçado se encontraria s. exa. para me responder, a não ser com a concisa resposta: «tratei de armar o exercito».

Pois bem. S. exa. tem nas suas altas faculdades recursos de iniciativa para muito mais. Porque o não fez? Porque as desgraçadas condições em que temos estabelecida a nossa politica tolhem a acção de todo o governo.

E é esta tambem a rasão do deficit, e nunca o cansado aphorismo «dae-me boa politica e dar-vos-hei boas finanças», teve mais justa applicação e mais completa justificação que n'este paiz.

Isto para o deficit nas finanças, e para todos os deficits.

Eu li ainda ante-hontem, não me lembro em que jornal, que em um dos ultimos dias foram sujeitos á inspecção treze recrutas, dos quaes foram approvados creio que seis.

Ha poucos dias tambem outro jornal censurava a reintegração em certo districto de um governador civil, sob cujo governo a percentagem do contingente militar dos recrutas apurados havia sido pequenissima, e citava com louvor a gerencia do governador civil demittido, indicando a proporção entre os recrutas apurados e os inspeccionados. Não-me lembro qual era nos termos precisos a proporção dada, mas posso assegurar á camara que, acceite ainda esta proporção, fica sobejamente provado que somos um paiz que não presta para nada.

Se a percentagem é a que as estatisticas devem accusar, é certo e seguro que a parte da população que devemos suppor cheia de vida e de força está invalida. E porque? Porque a politica a faz doente, porque cria lesões que não estão na tabella. É ella a causa tambem d'este deficit.

Lembro-me agora, porque prende com este assumpto, de perguntar ao governo se tenciona apresentar ao parlamento um projecto de reforma de lei de recrutamento, do qual tivemos idéa por o haver aqui citado, com referencia ás suas disposições, o digno par, o sr. Barros e Sá, em uma das passadas sessões.

Pareceu-me bom o projecto, e com a maior parte das suas disposições concordo eu.

Desejo, pois, que o sr. presidente do conselho, que vejo tomar apontamentos sobre o que eu estou dizendo, me declare se tenciona apresentar, ainda n'esta sessão, esse projecto, aliás tão instantemente reclamado.

Não direi que elle satisfaça cabalmente as minhas idéas, porque eu entendo que emquanto não entregarmos ás localidades a questão do recrutamento, nada se fará.

Eu confio mais no espirito de justiça das localidades, e na fiscalisação que sobre a execução das disposições da lei hão de exercer os interessados, do que na acção de todos esses corpos constituidos pela lei lie 27 de julho de 1855.

Os factos fallam mais alto que todas e quaesquer considerações que eu possa apresentar a tal respeito.

Sr. presidente, eu não estou a fazer um discurso de opposição, nem a fazer zumbaias ao governo, nem tão pouco a fazer profissão de fé politica. Simplesmente digo que se a rasão de deficit, se a rasão da desorganisação da nossa administração está nas condições da politica que temos e que fazemos, que por interesse dos homens publicos, e por interesse do paiz, devemos mudar de rumo e fazer outra politica.

Para isso a primeira das condições é procurar crear partidos, e não, procurar dissolvel-os.

E é tentar dissolvel-os, o attrahir e chamar a si, sob o pretexto de que o serviço publico assim o pede, sem distincção de cores politicas, o concurso dos homens importantes das diversas facções, aquelles que, pela auctoridade da sua palavra, do seu conselho e do seu nome, maior importancia poderiam ter nos gremios politicos em que se achavam filiados.

Eu não sou historico, mas se o fosse, se pertencesse áquelle partido, teria, debaixo d'este ponto de vista, alguma rasão para estar lisonjeado da deferencia do sr. presidente do conselho por aquelle partido, mas preferiria que não lhe houvesse merecido tantas provas de consideração.

Se os partidos são uma necessidade no systema constitucional, conservemol-os distinctos, firmes nos seus principios e definidas as suas raias.

Pretender supprimil-os invocando a tolerancia póde ser calculo politico, mais que generosidade politica. Nem d'ella têem necessidade os partidos.

Cada partido governa com as suas idéas e com os seus homens.

Espera a conjunctura de governo quando a opinião lh'a cria, e não o recebe, nem por merce do acaso, nem por deferencia de favor. No regimen constitucional alternam-se os governos, não por satisfazer as ambições do partido, mas por uma necessidade do systema. E perante elle é tão condemnavel o querer o governo por impaciencia de ambição, como conserval-o por insistencia de capricho. Uma e outra conduzem a perturbações e conflictos que são graves, sem-