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N.º 16

SESSÃO DE 26 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assistiu o sr. ministro da marinha e ultramar.})

Ás duas horas da tarde, achando-se presentes vinte dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do digno par Larcher, participando o fallecimento de seu sogro, o digno par barão de S. Pedro.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: - Devo declarar que, quando tive noticia d'este fatal acontecimento, nomeei uma deputação, para assistir ao funeral d'aquelle nosso collega, e ao mesmo tempo, na conformidade do regimento, mandei desanojar o digno par o sr. Larcher.

Parece-me que a camara quererá que se lance na acta um voto de profundo sentimento pela perda que acaba de experimentar com a morte do sr. barão de S. Pedro, e que d'esta resolução se dê conhecimento á familia do illustre finado.

Assim se resolveu.

Continuou a leitura da correspondencia.

Um officio do ministerio do reino, participando á camara, que na quarta feira 27 do corrente, pelas duas horas da tarde, terá logar na sé patriarchal um solemne Te-Deum, em acção de graças pela exaltação do Papa Leão XIII á cadeira de S. Pedro.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: - Creio que a camara quererá fazer-se representar tanto no Te-Deum em acção de graças pela exaltação do Papa Leão XIII ao solo pontificio, Te-Deum que terá logar ámanhã, ás duas horas da tarde, na sé patriarchal; como nas exequias por alma de Sua Santidade a Papa Pio IX.

Se a camara se não oppõe, nomearei a grande deputação, que já estava nomeada para assistir ás exequias por alma do Summo Pontifice.

Repito os nomes dos dignos pares; são, alem da mesa, os senhores.

(Leu.)

Previno igualmente os dignos pares, que não são nomeados, de que tanto na sé patriarchal como na igreja da Estrella têem logares reservados, e todos os dignos pares que assistirem áquellas solemnidades ficam, por consequencia, formando parte das deputações.

Continuou a leitura da correspondencia.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 80 exemplares do relatorio apresentado, á camara dos senhores deputados em data de 2 de janeiro ultimo.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Xavier da Silva: - Tenho a declarar a v. exa. que não assisti ao funeral do sr. barão de S. Pedro, deixando de acompanhar a deputação, para que v. exa. me tinha nomeado, porque só hontem ás cinco horas da tarde recebi o officio em que se me fazia o competente aviso.

Já eu não estava em casa quando esta communicação ali foi entregue.

Pedia, pois, a v. exa. que providenciasse para que, quando se dêem casos d'estes, ou o correio indague onde para a pessoa a quem tem de entregar algum officio, ou, pelo menos, lhe deixe dito em casa o fim para que a procura, porque só assim poderá a prevenção ser feita a tempo.

Por occasião do fallecimento do sr. marquez de Ponte de Lima aconteceu a mesma cousa. Fui tambem nomeado para a deputação, e só á noite, depois do funeral, recebi o aviso.

O sr. Presidente: - Para que da falta apontada pelo digno par não recáia responsabilidade sobre pessoa alguma, devo informar a camara de que a familia do sr. barão de S. Pedro só tarde me participou o fallecimento d'este nosso collega; ou, para melhor dizer, eu recebi a participação depois de se ter realisado o funeral.

Logo que me consta que esta camara tem a desgraça de perder algum dos seus membros, apresso-me a nomear a deputação que deve assistir ao enterro; e, por isso, apenas eu soube que o sr. barão de S. Pedro havia fallecido, dei ordem na secretaria para se expedirem cartas avisando os dignos pares que nomeei para a deputação.

Estas cartas só de manhã podiam ser mandadas ao seu destino, e, portanto, nada mais facil do que ser entregue tarde a que se referia ao digno par, sem que esse facto fosse culpa nem da secretaria nem do correio.

A familia do finado é que se demorou em fazer a participação, o que não admira em lances tão afflictivos.

Faço esta declaração para que não recáia a menor censura sobre pessoa alguma.

O sr. Xavier da Silva: - Eu não tive idéa de censurar a secretaria nem pessoa alguma, mas unicamente explicar o motivo por que não assisti ao funeral.

O sr. Palmeirim: - A commissão de fazenda pede que lhe sejam aggregados os srs. Paiva Pereira, visconde da Praia Grande de Macau e visconde de Algés.

Por esta occasião mando para a mesa um parecer d'esta commissão sobre o projecto de lei relativo á receita do estado.

Foi a imprimir.

O sr. Mello e Carvalho: - Mando para a mesa um requerimento dos empregados da administração do concelho de Villa Nova de Famalicão, em que pedem ser attendidos nos seus interesses quando se tratar da reforma administrativa.

Leu-se na mesa e foi remettido á commissão de administração publica.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Peço licença para ceder da palavra, porque o sr. Palmeirim já me preveniu no que eu tinha a dizer.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa na sessão passada pelo sr. conde da Ribeira.

O sr. Secretario: - (Leu.)

O sr. Presidente: - Na conformidade da carta de lei de 11 de abril de 1845, este requerimento ha de ser mandado a uma commissão composta de sete membros, a qual ha de ser tirada á sorte.

A camara comprehende que este requerimento é urgente.

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Por consequencia é conveniente que se nomeie a commissão sem demora, para examinar o pedido d'este cavalheiro.

Vae, portanto, proceder-se ao sorteamento da commissão, que ha de examinar o requerimento do sr. conde dos Arcos, no qual pede ser admittido na camara dos dignos pares como successor de seu pae.

commissão ficou composta dos dignos pares:

Conde de Paraty.
Conde de Mesquitella.
Mello e Carvalho.
Marquez de Fronteira.
Visconde de Asseca.
Conde do Farrobo.
Visconde de Chancelleiros.

O sr. Palmeirim: - Eu tinha pedido a v. exa. que consultasse a camara sobre o pedido que fiz por parte da commissão de fazenda, para que a esta commissão fossem aggregados os dignos pares os srs. visconde de Algés, visconde da Praia Grande e Paiva Pereira.

O sr. Presidente - Os dignos pares que approvam o pedido feito em nome da commissão de fazenda, pelo digno par o sr. Palmeirim, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente - Vamos entrar agora na ordem da dia. Entretanto eu tinha dado para ordem do dia da ultima sessão a proposta do sr. Carlos Bento. Esta proposta conclue por pedir que se nomeie uma commissão de inquerito, e provavelmente a camara quererá tomar uma resolução a este respeito, para se fixar o dia em que ha de eleger-se commissão. Se o sr. ministro da marinha concorda em que se trate primeiro d'este negocio, eu vou pôr á discussão a proposta do sr. Carlos Bento.

O sr. Ministro da Marinha e Ultramar. (Thomás Ribeiro): - Concordo plenamente com o que v. exa. acaba de dizer.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta.

O sr. secretario leu, e é do teor seguinte:

«Proponho que seja nomeada uma commissão de inquerito de sete membros, encarregada de estudar as causas da crise commercial de 1876, e o meio de evitar a repetição de crise analoga.»

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Barros e Sá: - Eu peço que a commissão seja composta de nove membros, com o que está de accordo o sr. Carlos Bento, auctor da proposta.

O sr. Presidente: - Como ninguem pede a palavra, vou pôr a proposta á votação.

Os dignos pares que approvam a proposta do sr. Carlos Bento, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o additamento feito pelo digno par, o sr. Barros e Sá, para que a commissão, em logar de sete membros, seja composta de nove, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A eleição da commissão, de que trata a proposta que acaba de ser approvada, fica para a primeira sessão.

Agora tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da marinha: - Se v. exa. me dá licença, visto que o digno par, o sr. marquez de Vallada deseja ainda referir-se ao objecto d'esta interpellação, talvez convenha que s. exa. apresente primeiro as suas observacões. Isto não é eximir-me a fallar, mas parece-me que é o mais conveniente se o digno par, o sr. marquez de Vallada, concorda.

O sr. Presidente: - Como o sr. ministro da marinha cede o direito que tinha de fallar, e o sr. marquez de Vallada é o interpellante, vou dar a palavra a s. exa.

O sr. Marquez de Vallada: - Fazendo sentir que ainda se não achava cabalmente desempenhada a missão que se tinha imposto, não devia comtudo embaraçar qualquer explicação ou esclarecimento que o sr. ministro da marinha desejasse apresentar, e por isso cederia da palavra ao sr. ministro, ou outro qualquer digno par seu collega; todavia acceitava o logar que lhe davam n'esta discussão, que era uma questão politica e grave.

Sobre a questão de administração respondeu o sr. ministro com a gravidade e elegancia de phrase que são coadunadas a tão illustrado cavalheiro; todavia (elle orador) diria que em parte não lhe satisfez a resposta, e por isso adduzia ainda varias considerações para robustecer algumas proposições apresentadas na precedente sessão. Mais declarava n'esta occasião, que depois de concluida a presente interpellação havia de pedir diversos esclarecimentos da secretaria da marinha, e muito especialmente da repartição do ultramar, persuadido de que a nossa regeneração politica ha de provir da prosperidade das provincias do ultramar, e com ella a, nossa independencia, que convem não descurar, porque temos inimigos d'essa independcncia claros e occultos, externos e internos. Foi elle (orador) o primeiro que n'esta casa do parlamento teve a honra de levantar a voz e provocar uma discussão seria relativamente á questão iberica, na occasião em que ainda estava no throno a Senhora D. Izabel II, e era presidente do conselho de ministros em Portugal o sr. duque de Loulé, e se recordarão todos dos esforços que elle (orador) empregou, a clareza com que se expressou, não sendo então bem comprehendido pelo ministro da guerra n'aquella epocha, o sr. Ferreira de Passos. O orador affirmou que a questão iberica está intimamente ligada com a do ultramar, e por isso declarava que a questão de que tratava não era de pura, simples e mera administração, mas envolvia negocios diplomaticos; e affirmava, portanto, que nunca a patria careceu tanto como actualmente do esforço honrado de seus filhos, e por conseguinte é necessario que a nossa politica seja muito circumspecta.

O orador reportou-se a varios factos da invasão franceza, mermorou o que se passou com a Inglaterra n'essa quadra, recordou varios factos da sua vida parlamentar sendo ministros os srs. Rodrigo da Fonseca Magalhães e duque de Saldanha, em relação á imprensa periodica, e adduziu exemplos da imprensa franceza quando se tratou da compra de um jornal, não se carecendo da benevolencia jornalistica, comprada á custa da honra e dos dinheiros publicos quando se é bom. Affirmava elle (orador) de si que ha de combater sempre a união iberica, seja debaixo de que principios ella se apresentar, e venha de onde vier; e adduz a sua opinião sobre a conveniencia da allianea de Portugal com a Inglaterra.

Passando a rememorar os pontos da sua interpretação disse haver um, do qual não obteve do sr. ministro da marinha resposta que o satisfizesse, que era em relação aos escriptos de s. exa. sob o pseudonymo Thome de Diu; perguntava de novo a s. exa. se está ou não persuadido que o governo inglez entrou em quaesquer planos, ou foi o motor de quaesquer tentativas para cercear os nossos dominios de alem mar? Tal é a questão que elle. (orador) deseja ver explicada, porque tem muito interesse em que se conserve e se mantenha a dynastia do Senhor D. Luiz I no throno de seus maiores.

O orador fez uma referencia ao sr. ministro da marinha em relação ao anno de 1870, dizendo que s. exa. não sabia de certo muitas d'essas cousas a que elle (orador) se referia.

Continuou o orador dizendo que alguns dos collegas do sr. ministro, e outros cavalheiros, sabem o facto a que allude de manejos para a união iberica, e que os propugnadores d'essa união tratam quanto podem de combater a nossa alliança com a Inglaterra, por entenderem que esta potencia é aquella que nos póde ajudar, de accordo com outras nações, a conservar a nossa independencia.

Comprometteu-se a dirigir mais tarde ao governo algumas perguntas a respeito dos preparativos actuaes de guer-

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ra; repetiu a instancia sobre se o sr. ministro da marinha adoptava como politico, e sobretudo como ministro, as idéas enunciadas sob o pseudonymo Thomé de Diu, pergunta igualmente quaes os planos de s. exa. em relação ás colonias.

O orador continuou reportando-se á sua administração no districto de Braga, fez varias considerações sobre o estado do mesmo districto, e concluiu aguardando do sr. ministro resposta cathegorica aos pontos enunciados na sua interpellação.

O sr. Presidente: - Vae dar-se conhecimento á camara de uma mensagem que acaba de ser enviada da camara dos srs. depudados.

O sr. Secretario: - Leu.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo o projecto de lei, que tem por fim auctorisar o governo a adjudicar em hasta publica a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta.

Remettido ás commissões de obras publicas e fazenda.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa na ultima sessão pelo sr. marquez de Vallada.

Leu-se ha mesa, e é do teor seguinte:

«Proponho que seja nomeada uma commissão de inquerito, com o fim de examinar o estado em que se acham as misericordias e hospitaes do reino.

«Camara dos pares, 23 de fevereiro de 1878. = O par do reino, Marquez de Vallada.»

Ficou para ser discutida na seguinte sessão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei mandado tambem para a mesa pelo digno par o sr. marquez de Vallada.

O sr. Secretario: - Leu, e é do teor seguinte:

Projecto de lei n.° 271

Artigo 1.° É prohibido aos governadores civis e secretarios geraes o tomarem parte nas administrações de quaesquer corporações de beneficencia e piedade.

Art. 2.° É prohibido aos administradores de concelho o tomarem parte na administração de quaesquer corporações de beneficencia e de caridade, nos respectivos concelhos. = O par do reino Marquez de Vallada.

Foi enviado á commissão de administração publica.

O sr. Ministro da Marinha: - Felizmente tive a inspiração de pedir a v. exa. que concedesse antes de mim, a palavra ao digno par, o sr. marquez de Vallada, para continuar nas reflexões iniciadas por s. exa. na ultima sessão, a respeito, segundo eu cria, dos negocios do ultramar, hoje a meu cargo.

Sr. presidente, a primitiva benevolencia com que s. exa. me tinha tratado na ultima sessão, transformou-se hoje, se a minha phantasia me não engana em aberta hostilidade. Isto maguou-me profundamente, porque, em verdade, é talvez o digno par a unica pessoa, não direi já dentro d'esta casa nemda outra casa do parlamento, mas em todo o paiz, que possa fazer tão triste idéa do meu caracter, como s. exa., segundo acaba de o manifestar.

Sr. presidente, a que vieram os inimigos da nossa patria, tratando-se da questão do ultramar? A que vieram os tramas que se estão urdindo nas trevas contra a nossa independencia? A que vieram o tratado de Fontainebleau é os perigos a que esteve sujeito este paiz quando Napoleão, o omnipotente, retalhava a seu talante a Europa, e queria derrubar o throno dos nossos réis, para o offerecer em holocausto de ambições mesquinhas de não sei que mesquinhos pretendentes, como era o principe da paz, de pouco feliz memoria?

A que proposito vem isto quando se trata da entrada de um ministro novo para a pasta do ultramar?

Ouvi em profundo silencio e com o mais profundo pezar o sr. marquez de Vallada expor as suas tenebrosas apprehensões, um pouco veladas em reticencias e phrases mysteriosas; mais veladas, certamente, do que eu desejava, por que paiz, e fallo agora em nome d'elle tem direito a exigir do digno par que diga, que explique francamente as suas apprehensões a respeito de negocio de tanta magnitude como é a nossa independencia.

De duas cousas uma, infallivelmente:

Imagina o digno par que eu seja capaz de conspirar com a Hespanha contra a independencia de Portugal?

O sr. Marquez de Vallada: - Não, senhor.

O Orador: - Ou parecia a s. exa. que nos queriamos afastar das nossas tradicionaes allianças, e procurar novos e criminosos convenios ao norte da Europa, com a Prussia por exemplo, offerecendo-lhe de mão beijada Portugal, para constituido o forte reino iberico podermos esmagar, em proveito seu, a França?

Pois um homem que, na sua obscuridade e modestia, começou a sua carreira litteraria escrevendo um livro, que é um brado energico em favor da independencia da sua patria, um protesto vehemente contra a propaganda iberica e em favor da terra que conta para sua gloria as tradições mais illustres, póde ser suspeito de machinar contra ella? Podia passar pela idéa de alguem que eu sonhasse alliar-me para tão hediondo procedimento com quem quer que fosse?!

O sr. Marquez de Vallada: - Explicou o sentido das suas palavras quando se reportára aos acontecimentos de 1870, e outras epochas, é ao ministerio do sr. duque de Saldanha, quando, dissera que desejava a alliança ingleza.

O Orador: - Eu tenho consagrado sempre muita amisade ao digno par, e espero em nome d'ella, que s. exa. diga bem claramente que não póde suspeitar de mim uma cousa que seria sempre uma aleivosia ignobil, porém muito mais tendo eu a honra de tomar parte nos conselhosdar corôa.

(Áparte do sr. marquez de Vallada, que se não ouviu.)

Mas então se s. exa. não receia que o governo, que presentemente gere os negocios publicos, ponha em perigo a independencia do paiz, porque motivo levantou umas poucas de vezes os seus clamores pedindo que conservassemos a actual dynastia?

Ha só outro meio de conspirar contra a dynastia, que é imaginar-nos s. exa. alliados com o partido republicano. A não ser que conspiremos com as nações estrangeiras, só podemos conspirar com o partido, republicano ou com o miguelista.

Era certamente esta a occasião de s. exa. esclarecer aquelles pontos negros, que descobriu no horisonte, para podermos saber aquillo de que somos accusados ou suspeitados, e fazermos penitencia publica se por nós foi prejudicada em alguma cousa a dynastia reinante, á qual queremos, pelo menos, tanto como o digno par.

Sr. presidente, sou eu a luva lançada á Inglaterra! Em que sou eu a luva lançada á Inglaterra?

Sabe o digno par que me parece pouco patriotico o seu procedimento? Tem porventura o digno par a consciencia de que está fazendo á accusação de um seu compatriota, não aos poderes publicos de Portugal, o que era licito más a uma nação estrangeira, por mais amiga que a considere?!

Sr. presidente, eu respeito muito e estimo todos os paizes, especialmente aquelles aquem mais devemos, e ainda especialmente aos que, por suas virtudes e serviços, se tornam mais benemeritos da humanidade; mas não reconheço em nenhum mais direito a sustentar as suas prerogativas e franquias do que ao meu, que acima de todos considero e prezo.

Alem d'isso, El-Rei escolheu-me para seu ministro, para tomar parte nos conselhos da corôa, e El-Rei de Portugal escolhe livremente, sem audiencia ou beneplacito de nenhuma nação estrangeira.

Os meus collegas, julgando-me digno da sua honrosa carmaradagem, é porque entenderam que eu não vinha estorvar-lhes a sua marcha politica, nem eu quereria trazer com

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a minha presença no ministerio um motivo de inquietação aos negocios publicos ou á marinha tradicional da politica do partido a que me honro de pertencer.

Por consequencia, eu estou garantido por aquelles que me acolheram a seu lado, e estou garantido pelo alto poder do estado, que me escolheu para ministro.

Pois eu não disse ao digno par, que, quando quaiquer se propõe a fazer uma historia, não deve ficar no prologo, devo chegar ao epilogo? Eu não li ao digno par um periodo do Jornal das colonias, em que me referia a uma resposta que o governo dictára ou insinuára a um jornal do seu partido, resposta que eu acatára pela fé que tinha no patriotismo do governo que eu apoiava tambem?

(Interrupção do sr. marquez de Vallada, que não se ouviu.)

O Orador: - Muito obrigado, muitissimo obrigado. Quando escrevi aquelles artigos não tinha responsabilidade alguma politica. Disse o que entendia, estava no pleno uso do meu direito. O governo de então, tendo rasões para não dar credito á minha prevenção, continuou no seu caminho e avisou me de que era eu que estava em erro. Estava tambem no seu direito. Acceitei a sua competencia, visto que eu tinha duvidas, e elle devia saber. Acho que ficámos quites.

E demais, eu pedi na camara dos senhores deputados que se fizesse um inquerito pela secretaria da marinha sobre os assumptos coloniaes a que me tenho referido, inquerito que se está continuando ainda.

Ora, um homem que procede assim, póde ser porventura uma luva lançada á Inglaterra? Creio que s. exa. me faz n'isto muitissima honra, mas não repara que está amesquinhando a nação que pretende lisonjear, e que se porventura nos ouvir ha de julgar-nos a ambos com a serenidade de bom juiz. É provavel que n'este momento nos não ouça nem veja, porque tem muitissimo em que empregar a sua attenção.

No tempo em que o governo regenerador era poder, no tempo em que escrevi esse artigo, qus tanto escandalisou os brios patrioticos do digno par, disse e escrevi que acceitava o veredictum do governo. Disse isto quando não era ministro, quande não podia parecer que pressão alguma actuasse sobre a manifestação das minhas opiniões. Contente-se o digno par com isso, que eu nada mais tenho que lhe dizer.

Perguntou-me o digno par se effectivamente houve da parte da Inglaterra intuitos de estorvar o nosso andamento no ultramar? Respondi-lhe que estava ha vinte e quatro ou vinte e cinco dias no ministerio, e que não tinha encontrado ainda estorvo algum da parte d'aquella potencia. S. exa. disse-me que se referia a tempo mais antigo. O digno par, que tantas vezes faz comprimentos a v. exa., não se lembra de que é a v. exa. que está a dirigir esta pergunta.

Pois não é certo que v. exa. foi presidente do conselho desde a ultima, saída do governo regenerador até á minha entrada aqui? Se hovesse algumas d'essas tentativas, que s. exa. apodou de criminosas, quer da Inglaterra, quer da França, quer da Allemanha, a respeito dos nossos direitos, não acredita ao menos o digno par, que o nobre presidente do conselho de ministros, que então era, e o meu antecessor, o sr. Mello Gouveia, haviam de ter repellido com toda a força e energia do seu patriotismo essas aggressões, viessem ellas d'onde viessem?

Não quero mal a nação alguma, porém acima de tudo quero bem ao meu paiz, a este reino antigo, pequeno, mas nobilissimo, que se chama Portugal.

A minha declaração está feita: emquanto tiver a honra de ser ministro da marinha, eu e o governo a que me honro de estar associado havemos de repellir efficazmente quaesquer affrontas eu offensas aos nossos direitos.

Ha n'isto porventura offensa ao respeito que devemos ás outras potencias, e; portanto, áquella que tem sido a nossa mais antiga alliada?

Creio que nunca passou pelo espirito do digno par, que eu intentasse dar ordens á marinha de Portugal, para ir bloqueiar os portos da Inglaterra!...

Então porque é que o digno par se afflige tanto de me ver aqui sentado, a mim que desejo que me respeitem os direitos da nação que, como ministro, tenho tambem a honra de representar?

Quando se tratasse de desaggravar essa honra, que espero não será desacatada por ninguem, então nem mesmo o digno par quereria que se medisse a altura de muralhas, o numero de soldados, a lotação dos navios, o calibre de artilheria.

(Áparte do sr. marpuez de Vallada.)

É possivel que eu fosse um pouco mais transigente; mas não! não o seria por uma rasão muito simples - porque, quem se não respeita a si, não tem direito a que outros o respeitem.

Por tudo isto eu pedia a s. exa. que, em beneficio da nossa honra e dignidade, não estivesse constantemente a chamar a attenção da Inglaterra, que tem muito em que se occupar, para manter animosidade contra quem só deseja cuidar seriamente no muitissimo trabalho que lhe incumbe pelo destino que Sua Magestade houve por bem dar-lhe convidando-o para seu ministro.

Sr. presidente, eu não desejo de modo nenhum, com estas minhas considerações, nem de leve, melindrar o digno par, a quem realmente sou affeiçoado; mas peço a s. exa. um favor, e é que me accuse todos os dias dos erros que involuntariamente hei de praticar, e que de certo hão de ser muitos; mas de nenhum modo me accuse nem de falta de patriotismo, nem de falta de lealdade para com o Rei e para com a nação, porque eu não podia, (conheço-me perfeitamente), acceitar de bom animo uma similhante accusação.

Agora, sr. presidente, que passou este assomo em favor da minha dignidade, que sempre hei de resalvar, vou ainda dar algumas respostas ao digno par sobre o que é propriamente questão de ultramar. Eu peço a s. exa. desculpa de não o acompanhar em todas as suas digressões, quando por muitas vezes se referiu a pontos de administração e politica interna, porque a respeito d'elles não era especialmente a mim que s. exa. se devia dirigir.

Sr. presidente, fallou s. exa. a respeito da sua administração de Braga, e fallou n'ella umas poucas de vazes. Nada d'isto é commigo. Apresentou tambem, e leu o digno par um telegramma que o offendia. A que vem isto? Eu admirei-me, com tudo, de que s. exa. referisse nomes proprios de pessoas ausentes, o tanto mais que o fez para os citar desfavoravelmente. Não conheço o homem que s. exa. diz ser regenerador, e tor sido capitão de ladrões!

Como regenerador, que me honro de ser, permitta-me v. exa. que eu proteste contra este procedimento do digno par, lamentando que o nome de um ausente fosse aqui apresentado com tamanho desfavor.

Sr. presidente, eu já disse que os assumptos, a que s. exa. se referiu na sua digressão, não são da minha competencia, e por isso vou fallar nas cousas do ultramar o mais resumidamente possivel, porque eu creio que o sr. conde de Cavalleiros deseja entrar n'esta interpellação, e estou desejoso de o ouvir.

Sr. presidente, fallou o digno par, creio eu, na pressa com que quizemos entrar no poder, e fez-me arguições por eu não lhe responder cabalmente sobre não sei que assumpto, dizendo que nós tinhamos tido pressa de lançar fóra dos conselhos da corôa o sr. marquez d'Avila e de Bolama, e que por isso não tinhamos conversado antecipadamente sobre os negocios do estado. Eu peço perdão; mas creio que não comprehendi bem o que disse o digno par.

Quando eu respondi na outra sessão ao digno par, disse que ía expender em breves palavras o plano que o governo tinha ácerca do ultramar, e que o modo pratico de o realisar, as imnudencias, os detalhes, se me deixam dizer assim, dependiam da conferencia com os meus collegas; por

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consequencia na idéa fundamental d'esse plano estava de accordo o governo.

Assim, pois, eu fallava em geral da administração do ultramar de accordo com o governo, e não podia vir aqui fallar em meu nome, e de um plano meu desconhecido aos meus collegas.

Agora não percebo como o digno par queria que eu tivesse conversado com os meus collegas e preparado as minhas propostas de lei antes de entrar para o ministerio, e quando nem sequer podia prever quem havia de fazer parte do gabinete.

(Interrupção do sr. marquez de Vallada que se não ouviu )

Perdão; como queria s. exa. que eu o soubesse?

Supponha que eu lhe dizia que tinha combinado com os, hoje, meus collegas sobre os planos do gabinete antes d'elle estar organisado!

Que não diriam então, acima do que já dizem, os nossos adversarios?

Haviam, de dizer o mais ainda provar com isso, que nós tanto contavamos entrar para o ministerio, que já tinhamos preparado os nossos projectos.

A verdade é que, quando eu fui convidado pelo sr. Fontes, foi muito depois da crise decidida.

Por consequencia, antes da formação do ministerio, já vê o digno par que não podia tratar de propostas relativas aos negocios do ultramar.

Disse s. exa. tambem, a proposito não sei de que, que nós ha muito tempo somos considerados esbanjadores, e dizemos que o povo póde e deve pagar mais.

Pois ainda isto dura, sr. presidente!

E disse muito bem, porque a verdade é a que provavam os factos. O povo pagou mais e viu o resultado benefico dos seus sacrificios.

Ha essa grande differença entre nós e os nossos adversarios, é que nós não lisongeâmos o povo, dizemos-lhe a verdade.

Depois perguntára-me o digno par se eu queria companhias, ou se tencionava contrahir algum emprestimo, avisando-me logo de que não votaria 5 réis, e fallando em nome da camara dos pares, para eu ficar sabendo que d'ella nada tinha a esperar.

Para que me perguntou então s. exa. o que tencionava eu fazer e em relação ao ultramar, se me cerceava todos os meios necessarios para realisar as minhas idéas?

Se o digno par visse que o governo vinha pedir cousas rasoaveis, necessarias e uteis, de certo que se não negaria a votal-as, apesar da má vontade com que me annunciou o contrario.

Sr. presidente, já que fallei de companhias, devo dizer, que vi o digno par, com a sua muita illustração, historiar-nos o que se tem passado com todas as companhias organisadas na Europa, acabando por condemnal-as.

Eu, quando na ultima sessão me referi a companhias, disse a v. exa. e á camara, que tinha receio de entrar n'esse caminho, porque as companhias têem quasi sempre dado maus resultados.

E quando ellas têem causado tantos estorvos a nações como a Inglaterra, a nós poderiam causar-nos muitos mais.

Em todo o caso, o que eu julgo desde já necessario é colonisar.

O que farei a este respeito não sei; mas o meu pensamento é chamar da India para a Africa oriental alguns colonos, que espero venham a ser o nucleo de uma grande população que nos falta, de uma progressiva industria que ha de ser extremamente remuneradora.

Fallando a respeito da India, já disse que conto com dois elementos, que nos podem prestar grande auxilio. Em primeiro logar a colonisação, e em segundo a força publica, de que espero tirar grande proveito.

Esqueceu-me dizer, e lembrou-me depois uma reflexão do digno par, as vantagens que nos póde dar é ensino religioso na nossa Africa Oriental.

A India ha de dar padres, não só para o ensino religioso, mas talvez tambem para ensinar as primeiras letras aos analphabetos.

Os meus antecessores organisaram commissões de obras publicas, e deram-lhes instrucções para edificar igrejas, cujos planos e orçamentos estão feitos, e de certo não podia o governo portuguez, o governo de um paiz eminentemente religioso, essencialmente christão, deixar de attender ás necessidades espirituaes d'aquelles povos.

Ainda mais: nós temos uma escola em Goa, que já nos tem dado para a Africa medicos excellentes, e ha de continuar a dal-os; tambem d'elles conto aproveitar-me na minha sonhada colonisação.

Quanto aos navios, eu já disse ao digno par que tem a gente de que precisam, pois tem as guarnições completas. O que está, porém, atrazado é o recrutamento; e eu já disse tambem a s. exa., que tinha officiado ao sr. ministro do reino para activar as operações do recrutamento, o que se tem feito por modo, que dentro em pouco se poderão dar as baixas aos que tem servido por mais do tempo.

O digno par perguntou pelas estatisticas do ultramar: assevero a s. exa., e creio que o digno par não duvidará da minha palavra (Apoiado.), que um dos primeiros officios circulares que se expediram para o ultramar, foi a ordenar que ali se façam as estatisticas e o recenseamento da população até onde se possam fazer.

Não me lisonjeio de que possam vir perfeitos, mas poderão successivamente ir attingindo a perfeição que se deseja.

Os intuitos do digno par estão, creio eu, satisfeitos.

Tenho por agora concluido.

O sr. Marquez de Vallada: - Declarou que nos seus precedentes discursos não fizera insinuações ao sr. ministro da marinha, nem lhe pedia responsabilidade de actos que não são seus; o seu desejo é que Portugal não tenha uma politica ingleza, franceza, ou prussiana, mas sim uma politica verdadeiramente nacional.

Reportando-se de novo ao ultramar, disse admirar-se que as guarnições do ultramar ainda estivessem compostas de degradados, entendendo que tal systema devia acabar; e tambem que o sr. ministro nada dissera em relação ás colonias agricolas a que elle orador se reportára; e significou o desejo de que s. exa. apresente a relação das escolas em os nossos dominios ultramarinos; assim como desejava saber se estava completa a guarnisação de todos os navios de guerra, e o estado dos contingentes para o exercito do ultramar.

O sr. Ministro da Marinha: - Estou tomando nota para responder ao digno par.

O Orador: - Alludindo aos dignos pares que tinham pedido a palavra para tomar parte na sua interpellação, declarou aguardar as observações de s. exas. para continuar no assumpto.

O sr. Conde de Cavalleiros: - A interpellação que acaba de verificar-se, tem-se tornado tão vasta, tão grande, tão geral, que eu, pygmeo e insignificante como sou, sinto medo de entrar n'ella.

Ha bastantes annos que deixei de fazer interpellações. Não creio n'ellas. Gosto de conversar com os srs. ministros, gosto de chamar a sua attenção para os negocios publicos, e especialmente para aquelles em que vejo que é de conveniencia publica avivar a lembrança de s. exas., mas não tenho a mais pequena presumpção nem desejo de lhes dirigir interpellações.

Eu não estava prevenido pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, não sabia do objecto de que ia tratar-se, quando ao entrar outro dia n'esta casa vi que se achava presente o nobre ministro da marinha, e pedi a palavra com idéa de invocar a sua attenção para um ponto de utilidade publica e administração; mas depois, não querendo interromper a

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interpellação do sr. marquez de Vallada, pedi que em seguimento me fosse dada a palavra; estou, por consequencia, separado, nada tenho com o que se discute.

Eu preferia ouvir primeiramente o sr. conde do Casal Ribeiro, mas farei a diligencia para dizer em poucas palavras o que, se me permittem, tenho a expor.

Sr. presidente, no anno passado, no mez de março, estava n'aquellas cadeiras um digno caracter, e meu amigo, o sr. ministro da marinha de então; lembrei a s. exa. a execução da lei de 22 de fevereiro de 1876, que reforma o processo do recrutamento para a marinha, fazendo-o todo como se fosse para o exercito de terra, e tirando das praças escolhidas as que tivessem tendencias para a marinha, ou fossem educadas no litoral.

Lembrei mais ao sr. ministro que, visto não haver meio de se poder fazer um recrutamento sufficiente para a marinha, se chamassem dos corpos do exercito as praças que quizessem passar a servir ali.

Segundo me consta, appareceram talvez duzentas, e mais appareceriam se continuasse o mesmo systema.

Mas a questão não está só em termos guarnições de navios; está em saber se temos os navios de que precisâmos. Querer colonias sem marinha, é o mesmo que querer uma terra sem estradas, sem vapor, sem meio algum de communicação. Não póde ser.

Os unicos meios de conservarmos as nossas possessões, e de lhes darmos desenvolvimento, são tres: o primeiro, é ter juizo, e isto é preciso para tudo na vida; o segundo, é ter dinheiro; o terceiro, é ter marinha.

Juizo sobra em s. exas.; todos reconhecem a sua alta intelligencia; os srs. ministros são capacidades de primeira ordem, homens em tudo admiraveis, e tão admiraveis, que em todo o partido regenerador não ha outros. São seis esses homens, e d'aqui não passa o crisol quando se quer apurar o partido regenerador.

Acabem aquelles seis homens, e morre o partido regenerador.

Se esses seis homens, que eu respeito e de quem sou amigo, tiverem um dia a mania de não voltarem ao ministerio, morreria o partido regenerador, ou então mandarão chamar v. exa. para caír n'outra, em que talvez venha a caír (Riso.), e depois de o apoiarem e o serviço feito, v. exa. retira-se, e volta-se á primeira fórma.

Sr. presidente, agora, quanto ao dinheiro, come o ha de haver com um deficit permanente, que augmenta, e com 14:000 contos de réis de divida fluctuante de quatro em quatro annos!

Eu pergunto se este systema de governar não nos leva á bancarota?

Appliquem s. exas. este systema de administração a suas casas, vivam de emprestimos, paguem os juros d'elles com outros emprestimos, e digam me se não hão acabar por pedir esmola.

Por consequencia se não ha dinheiro, de que serve o illustre ministro estar a architectar grandes obras para as colonias, e imaginar a sua civilisação e engrandecimento?

Não serve de nada, desde o momento que não ha meios.

Supponhamos agora que temos os meios.

Onde está a marinha?

Pois um corpo de marinheiros, ao qual se deve cinco mil e tantas praças, póde funccionar?

Não póde, ou então ha de haver a crueldade de estarem perto de trezentas praças em serviço com o seu tempo vencido!...

Eu vou contar a este respeito um grande acto de barbaridade, que espero ha de commover o coração magnanimo do sr. ministro da marinha.

Mais de trezentas praças, que acabaram o seu tempo, estão cruelmente obrigadas a servir, estando quasi em carcere privado, emquanto que individuos poderosos fogem a pagar o tributo de sangue, livram os seus filhos do serviço militar, e ao passo que estes contam com a impunidade, está-se vendo, por outro lado, que os desgraçados marinheiros, que acabaram o tempo de serviço, são forçados a continuar n'elle, e se desertam, desesperados de verem tão grande injustiça, são condemnados.

Um marujo, que era voluntario, e que tinha acabado o seu tempo de serviço, desertou.

Sabe v. exa. o que lhe aconteceu?

Foi condemnado a quatro annos de trabalhos publicos para Moçambique! Trago aqui o nome d'elle, que vou dizer ao sr. ministro da marinha, esperando que s. exa. invocará a granda joia da prerogativa real, que é a faculdade de perdoar, porque se alguem merece perdão é este desgraçado. A justiça é bem manifesta. Ao passo que os soldados de um troço de tropa arrancaram das espadas sem ordem dos seus superiores para espancarem e acutilarem os cidadãos portuguezes, como eu referi ultimamente ao sr. ministro da guerra, quando alludi ao que aconteceu com os soldados da municipal que acutilaram o povo, e que ainda estão impunes, já lá vão onze mezes; o desgraçado marinheiro é condemnado a quatro annos de trabalhos publicos, porque acabado o seu tempo de serviço não póde supportar mais a oppressão que se lhe fazia, e desertou, embora até ali tivesse cumprido o seu dever. Não houve com elle misericordia. Se Deus não a tivesse mais comnosco, os homens publicos passavam todos pelo inferno.

«Gregorio do Nascimento, voluntario, e tendo acabado o tempo de serviço, foi condemnado como desertor a quatro annos de serviço em Moçambique.»

Voluntario, cumpriu o preceito da lei, pagou o tributo de sangue, serviu bem talvez, e porque n'um momento de allucinação fugiu é condemnado! Venha o poder moderador salvar as nossas faltas.

O nobre ministro sabe que ha mais de duzentos requerimentos, a pedir baixa, de homens que estão n'estas circumstancias.

Quem nos diz a nós que o desespero não levará mais algum a desertar? E quem será o culpado d'isto? Não sei. Só peço a s. exa. uma cousa, e peço-lh'a em honra dos seus collegas, em honra de si mesmo: - Ou a lei de 22 de fevereiro de 1876 é boa ou não é: se é, cumpram-n'a; se não é, venham pedir ao parlamento que a derrogue. Mas o que não se póde admittir é que o poder executivo derogue leis, que as esconda, que as supprima dois annos. Ha um regulamento feito, que me dizem que está embaraçado na engrenage das secretarias! Se o poder burocratico chega a ponto de prender a acção dos srs. ministros, escangalhem essa engrenage.

O sr. Mello Gouveia prometteu annuir a este meu pedido; infelizmente não póde cumprir; espero que não succederá agora o mesmo com o sr. Thomás Ribeiro.

Termino as minhs reflexões, porque não estou em estado de continuar.

O sr. Presidente: - Pouco falta para dar a hora; acham-se inscriptos os srs. conde do Casal Ribeiro e marquez de Sabugosa.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Tenho a dizer apenas duas palavras, e quas: só para dar rasão de mim e do impulso que me levou a pedir a palavra, começando por uma explicação ao digno par o sr. marquez de Vallada.

Pareceu suppor o digno par, que eu pretendia recusar-lhe licença para dirigir quaesquer perguntas ao governo. Não me pertence dar nem negar licença ao digno par para fazer as perguntas que quizer; se me pertencesse, dar-lh'a-ía amplissima; seria o caso de applicar o «hanc veniam petimusque damusque vicissim».

Se me pertencesse de certo a concedia sempre, para ter muitas vezes o gosto de ouvir discretear o digno par sobre todos os assumptos da administração, tratar da politica exterior e da politica interior; e, como actualmente, consumir duas largas sessões, tendo-nos sempre entretidos com a facundia e elegancia da sua palavra, fazendo-nos viajar pela

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Africa e pela India, por Inglaterra e pela Prussia, demorando-nos em Villa Verde e descaindo no Brazil.

Temos gasto duas sessões, senão util, agradavelmente, porque é sempre agradavel ouvir a palavra sonora, branda e facil de quem muito bem sabe usar d'ella.

Não seria, portanto, eu quem negasse a licença, pois importaria negar um prazer a mim proprio e aos meus collegas. Similhante barbaridade não commettia.

Era outro o meu fim, era fazer um pedido ao sr. ministro da marinha; e agora explicarei a rasão por que pedi a palavra.

Depois das largas digressões do digno par, pude agora perceber, a final, embora outros mais perspicazes o percebessem mais cedo qual era o fim da interpellação tão pomposamente annunciada.

Importava menos, ou eram simples incidentes, conhecer quaes os intuitos do sr. ministro da marinha sobre a administração colonial; quaes os seus planos de governação dos nossos vastos dominios do ultramar, ou indagar qualquer facto que se tivesse dado com relação aos interesses das nossas possessões.

O que avultava, o que era de magna importancia, o capital proveito era saber se o sr. ministro da marinha renegava ou deixava de renegar certas opiniões que um escriptor, que não conheço, que ouvi dizer ser o sr. Thomás Ribeiro, escrevêra em tempos sob o pseudonzmo de «Thomé de Diu».

Era essa a vantagem grande que devia saír d'este ovo de oiro, d'este maravilhoso cosmorama em que vimos per-passar tantas individualidades contemporaneas, avultando o homem de Villa Verde, e apercebendo se as figuras do sr. de Bismarck e do dr. Teixeira.

O tudo era saber se o sr. ministro da marinha mantinha ou renegava alguma phrase de «Thomé de Diu!»

Pois o meu fim, pedindo a palavra, é apenas instar com o sr. ministro da marinha que não responda mais sobre este ponto.

O nobre ministro não precisa dos meus conselhos, e menos ainda de quem lhe sirva de lingua, porque lingua tem elle, e lingua de prata, como ha pouco ainda mostrou; mas tem tambem o bom senso preciso para saber o que deve dizer n'aquelle logar.

Já o illustre ministro disse o bastante, nem de mais, nem de menos; não precisa nem deve ir mais longe, porque então poderia acontecer que tivesse de mentir á sua consciencia, ou de faltar á reserva que lhe impõe a sua posição como ministro da corôa.

Sr. presidente, eu não sou ministro, estou fóra de todas as responsabilidades que dá aquelle logar, e por isso posso não interpretar as opiniões do nobre ministro, mas expor as minhas individuaes; posso affirmar ao digno par que haverá muito quem acredite que a tradicional alliança ingleza é precisa, e a queira manter, e tambem acredite ao mesmo tempo que para mantermos a independencia do paiz é preciso mais alguma cousa do que confiar n'essa alliança.

A historia contemporanea está mostrando que mal vae ás nações que fiarem a sua existencia e a sua integridade unicamente a quaesquer alliados, sem cuidar de organisar os seus proprios elementos de defeza.

Póde haver quem acceite a nossa alliança tradicional, com a Inglaterra sem comtudo sei constante admirador da sua politica externa em todas as eventualidades. Ha tambem alliados da Inglaterra que podem ter tido rasão alguma vez de não estarem plenamente satisfeitos com a politica d'esse paiz a seu respeito. Que o diga a Dinamarca; que o diga agora á Turquia.

A Inglaterra é um paiz bastante grande e de grandes habitos de liberdade, para poder ouvir a verdade a grandes e pequenos, e não guiar o seu procedimento por despeitos infantis.

Não sei se o sr. ministro da marinha pensará d'este modo, se houve algum Thomé de Diu que assim o pensasse ou não. O que eu entendo é que n'este momento e n'este logar não deve responder mais do que respondeu.

Houve um homem que se sentou n'essa cadeira que v. exa. hoje occupa, um distincto portuguez, um homem verdadeira e sinceramente patriota, embora não precisasse estar a cada momento a fallar d'esse patriotismo, porque isto de patriotismo é, deve ser, para todos (permittam-me a expressão, visto que fallamos de cousas inglezas) um truismo.

Esse homem, esse patriota, que se chamou conde do Lavradio, conversando intimamente com um estadista inglez muito notavel, não duvidou dizer lhe «A Inglaterra póde ter alliados, mas não póde ter amigos, porque os entysica»; e disse estas palavras referindo-se justamente ás nossas questões coloniaes.

E cuida o digno par, que o conde do Lavradio perdeu na alta estima em que era tido em Londres, e no exercicio do seu cargo, pelo seu caracter e pela sua intelligencia? Não, senhores, o estadista inglez apertou-lhe a mão, e se não reconheceu a justiça da queixa asperamente formulada, respeitou os sentimentos que a dictavam.

Somos alliados da Inglaterra, queremos continuar a sel-o, mas podemos desconhecer por isso que muitas vezes temos sido mal apreciados, e injustamente tratados?

Será preciso folhear os archivos do ministerio dos negocios estrangeiros, para se saber essa verdade?

Não se levantou de novo, em epocha recente, a questão de Lourenço Marques? Esqueceu já a do Zaire! Será necessario relembrar, quantas vezes foram mal apreciados os nossos esforços em questões de escravatura, nas quaes, com o maior desinteresse, fomos na vanguarda dos abolicionistas?

Sr. presidente, póde-se admirar a Inglaterra, na sua politica interna, póde se admirar aquelle grande paiz, servindo-me da phrase moderna, na sua evolução social politica e pacifica dentro das suas tradições, que sempre tem sabido manter, e póde-se reconhecer ao mesmo tempo que na sua politica externa ha por vezes traços de exagerado egoismo nacional.

Está é a minha opinião, e posso manifestal-a como qualquer Thomé de Diu manifesta a sua. A Inglaterra é demasiadamente grande para a poder ouvir sem enfado, como o estadista inglez ouviu a opinião do conde de Lavradio continuando a apertar-lhe a mão.

Nos paizes de liberdade não agrada a lisonja cortezã, nem a lisonja servil para com as nações ou os individuos foi nunca prova de estima.

A que vem, pois, todas estas apprehensões que se têem manifestado aqui?

Eu, pela minha parte, requeiro ao sr. ministro, e peço-lhe que não diga mais do que já tem dito sobre esse particular. Disse o que devia dizer, o que precisava dizer; mas o que elle não podia dizer, o que elle não podia manifestar pelas reservas que aquelle logar lhe impõe, folgo eu, sr. presidente, de o dizer por minha propria conta á camara. Pela sua parte creio que nada mais terá a acrescentar, porque o que disse basta, e disse-o muito bem.

O sr. Presidente: - Deu a hora.

Não póde haver sessão senão no sabbado, e a ordem do dia será a continuação da interpellação do digno par, o sr. marquez de Vallada, ao sr. ministro da marinha; a eleição da commissão de inquerito proposta pelo sr. Carlos Bento para estudar as causas da crise commercial de 1876, e os meios de evitar, a repetição de crises analogas; e a discussão da proposta do sr. marquez de Vallada, para que seja nomeada uma commissão de inquerito, a fim de examinar o estado em que se encontram as misericordias e hospitaes do reino.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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Dignos pares presentes na sessão de 26 de fevereiro de 1878

Exmos. srs. Marquez de Avila e de Bolama; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Braga; Condes, de Bomfim, de Cabral, do Cazal Ribeiro, de Cavalleiros, do Farrobo, de Linhares, da Louzã, da Ribeira Grande, de Rio Maior; Viscondes, dos Olivaes, de Portocarrero, da Silva Carvalho, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior, da Praia; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Barreiros, Mártens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Franzini, Fontes Pereira de Mello, Pinto Bastos.

Discurso do sr. visconde de Chancelleiros, que devia ser publicado na integra em a sessão de 6 de fevereiro de 1878, a paginas 37.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu não quero por fórma alguma que o sr. presidente do conselho attribua a menos generosidade da minha parte, ou a uma rasão de menos deferencia pessoal para com s. exa. o não tomar a palavra n'esta conjunctura, repetindo agora o que, em parte, em outra sessão tive já occasião de dizer.

Entrei na camara e vi que o digno par o sr. marquez de Sabugosa usava da palavra, apresentando varias considerações sobre a constituição do novo gabinete e sobre a constitucionalidade d'esse acto.

V. exa. e a camara lembram-se de certo de uma discussão em que tomei parte em uma das sessões do anno anterior, e lembro este facto, não pela importancia das idéas que então sustentei, mas porque essa sessão foi a ultima, creio eu, em que vimos n'esta casa o governo demissionario.

Não estando então presente o actual presidente do conselho, dirigi-me ao seu collega o sr. Serpa, pedindo-lhe explicações sobre o modo por que o governo, a que s. exa. tinha pertencido, se demittira, e perguntei-lhe se antes da demissão haviam pedido o adiamento, e, se havendo-o pedido, lhe havia sido recusado; o sr. Serpa respondeu-me categoricamente que não.

Affirmei n'essa occasião o que pensava sobre a crise a que me referira, e declarei sentir não haver estado presente ás ultimas sessões, porque teria formulado uma moção de ordem, procurando conhecer a rasão constitucional da demissão do gabinete presidido pelo sr. Fontes, e da constituição d'aquelle a que o sr. marquez d'Avila presidia.

Sr. presidente, lamento profunda e sinceramente que estejamos praticando o systema constitucional como o estamos praticando presentemente.

Não é um facto isolado, é uma serie successiva de factos, que fatalmente nos leva a crer, que tão descurados andam hoje por parte dos mais importantes homens da nossa politica, d'aquelles que mais affeiçoados estão ás lutas da tribuna e de governo, as regras e a boa pratica do regimen parlamentar, que invertidos os principios d'elle, causa já quasi mais estranheza que elles se façam lembrados, do que surpreza o vel-os infringidos.

Pede em março o sr. Fontes, sendo presidente do conselho de ministros, a sua demissão e a do ministerio a que presidia, concede-lh'a El-Rei.

Pergunta-se qual é a rasão justificativa d'este facto?

Porque se demitte um ministerio, acompanhado em ambas as casas do parlamento por uma grande maioria?

Porque estavam doentes dois ministros!

Oh! senhores, pois não é para casos d'estes, se por outra fórma se lhes não póde prover de remedio, que a constituição dá ao poder moderador a faculdade de adiar o parlamento?

E pediu-se esse adiamento?

Explicitamente me foi já respondido n'esta camara que não se pedira. Mas foi ouvida a maioria, foi consultada a maioria?

Ninguem o sabia, ninguem o perguntou; não, perguntei-o eu n'esta casa, e ninguem me respondeu; declarou, porém, agora em uma das passadas sessões o sr. presidente do conselho, na camara dos senhores deputados, que resolvêra demittir se, e que não ouvira a maioria, que não consultára a maioria, com cujo concurso e apoio s. exa. governava!

Oh! com que bem fundada rasão eu declarei já n'esta camara que, se estivesse filiado no partido a que o illustre presidente do conselho preside, dado este facto, eu no dia immediato deixaria de pertencer a tal partido!

Sr. presidente, o facto a que me estou referindo, e do qual o sr. Fontes assumiu toda a responsabilidade, depois da declaração a que me refiro, e que exclusivamente o attribue á sua iniciativa, esse facto foi o ponto de partida de uma serie de outros factos tumultuosos, que não só alteram a pratica regular do systema constitucional, mas que contribuiram tambem para perturbar as relações de partido e sobresaltar o espirito publico.

Quando o sr. Fontes pediu a sua demissão em março do anno passado, El-Rei houve por bem chamar á presidencia do conselho de ministros o sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Formou-se então uma situação, que o publico definiu de situação de transição.

Era uma situação presidida por um homem distincto, que não era chefe de partido, que não representava nem a maioria, nem a opposição, por isso mesmo que não era chefe de nenhum dos partidos fortemente representados no parlamento.

Se bem que o nobre marquez estivesse á altura das difficuldades da situação, pelas suas elevadas qualidades de homem d'estado, é todavia certo que lhe faltava o ponto de apoie, que apenas podem dar os partidos, cujos membros pela solidariedade de interesses e de idéas se agrupam em torno do governo que as representa, dando-lhe a força de opinião e a rasão constitucional para poder governar.

Era justo pois suppor, e era até logico esperar, que perante o parlamento esse governo encontraria, se não as difficuldades de um conflicto immediato com uma opposição forte, pelo menos aquella embaraçosa posição que lhe podia resultar de um acolhimento reservado, embora benevolo. Não succedeu, porém, assim. O ministerio foi recebido de braços abertos pela opposição e pela maioria, e nem sequer a opposição, ciosa das suas prerogativas, procurou dizer ao paiz: que se não alternava com ella o poder, e que se preteriam contra ella as indicações parlamentares.

Com pasmo e assombro meu, confesso-o, se deu este facto; assombro e pasmo igual ao que senti vendo a indifferença da maioria perante o acto do seu chefe, demittindo-se do poder sem a haver consultado.

Temos, pois, que os dois partidos, historico e reformista, que hoje constituem um só partido, como ainda ha pouco acaba de affirmar o digno par o sr. conde de Cavalleiros, resolveram apoiar o novo gabinete, surprehendido de certo, e lisonjeado tambem, de haver merecido a manifestação quasi unanime de todos os membros da camara popular. Apresentando-so depois perante esta camara foi acolhido e saudado com as mesmas manifestações de apoio e sympathia.

Eu proprio, dias depois, vindo aqui, lh'a signifiquei igualmente, lembrado das relações de boa camaradagem que eu havia tido com quasi todos dos seus membros, no ministerio de que ha poucos annos eu tinha tido a honra de fazer parte.

Proseguiram os trabalhos parlamentares, estabelecida a mesma harmonia entre o governo e as camaras.

Fecharam-se estas, e no periodo do interregno parlamen-

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tar, apenas um facto veiu inculcar ao paiz que lavrava a dissidencia de opinião no seio do gabinete.

Abertas de novo as camaras começa a discussão sobre a resposta ao discurso da corôa, e accordam todos os partidos na idéa de a votarem como um comprimento dirigido á pessoa do Rei, esperando pela discussão das propostas de lei do governo para definirem a sua posição politica perante elle.

É n'esta conjunctura, immediatamente em seguida á votação á resposta ao discurso da corôa, que é apresentada uma moção de censura ao governo, por um dos raros deputados que se haviam pronunciado abertamente contra; elle. A ninguem surprehendeu este acto, derivado da iniciativa de um deputado que francamente, desde o principio, se declarára em aberta opposição com o gabinete.

Surprehenderia, porém, o ver, se com effeito ainda ha rasão para surprezas, depois de tantas e tão repetidas infracções dos principios e das praxes constitucionaes, surprehenderia, repito, devia susprehender a todos, o ver desencadeadas contra o governo, sem acto nenhum parlamentar seu, tão assanhadas as iras de quem o havia apoiado, e de quem havia promettido determinar ainda o seu voto pela apreciação das suas medidas.

Perdia-se então a imaginação em conjecturas. Que a moção era de opposição, sabiam-no todos; se a maioria a votava, associando-se á responsabilidade politica do deputado que creára difficuldades ao ultimo governo que ella apoiára, é o que nem todos poderiam acreditar, e ainda o que bem poucos teriam direito a esperar.

Refiro-me a um facto conhecido e sabido. A situação presidida pelo sr. Fontes lutou nos ultimos tempos com difficuldades creadas por amigos seus, n'esta e na outra casa do parlamento. Votou-se, porém, a moção; foi votada por uma grande maioria, depois de violentos e eloquentes discursos contra o governo, sem que em todos elles se encontre, creio eu, no meio de tanta referencia historica, de tão repetidas allusões á fraqueza do governo, uma só allusão sequer, á mais evidente rasão d'essa fraqueza, á saída do sr. Carlos Bento do ministerio da fazenda! Entre tantas flores oratorias, ninguem formulou a pergunta: - Porque saíu do ministerio o sr. ministro da fazenda? - Sou eu o primeiro a perguntal-o, e talvez devesse ser o ultimo, por ser dos primeiros a sabel-o.

Lembro á camara que a saída d'aquelle cavalheiro, do ministerio, coincide com a epocha em que a iniciativa desordenada do sr. ministro, das obras publicas. Começou a crear difficuldades ao governo, coincide com a publicação, de umas certas portarias desconchavadas, com que o ex-ministro das obras publicas procurava entreter os ocios da engenheria portugueza, a que estava presidindo, e que estava desconsiderando tambem.

Votou-se, porém, a moção e votado ella determinou-se á crise. Para a resolver foi encarregado o sr. Fontes Pereira de Mello de formar o novo gabinete, e, formado elle sob a presidencia de s. exa., vimos, perante as duas casas, do parlamento, o mesmo governo que mezes antes se havia demittido sem rasão conhecida!

A isto chamou ha pouco o digno par, o sr. marquez de Sabugosa, e com rasão, uma restauração, e embora o sr. presidente do conselho cite factos, que eu não aprecio agora, e que de certo não auctorisam a infracção dos principios constitucionais e das praxes parlamentares, embora s. exa. queira abonar esta restauração com outras restaurações, o facto é que o novo gabinete constitue uma restauração completa do antigo gabinente a que s. exa. presidiu.

Cabe a s. exa. a responsabilidade d'ella e eu quereria, antes que, a não houvesse tomado. Sobejam ao illustre ministro as qualidades superiores de um perfeito homem d'estado, sobra-lhe talento e conhecimento pratico dos homens e das cousas (e hão é isto um cumprimento banal da minha parte, é a verdadeira expressão do que penso e do que sinto) para que se possa suppor um momento que o illustre ministro deixasse de ver, que com esta perfeita restauração: ministerial, s. exa. ia ferir susceptibilidades, partidarias, ia levantar suspeitas de governo pessoal, o que nas condições em que temos constituidos os artidos politicos importava pelo menos um facto grave, o de sobresaltar, o espirito publico com a discussão de actos, que o espirito da constituição, e mesmo a letra d'ella, põe fóra da discussão, perturbando assim, a harmonia regular das funcções politicas no exercicio do systema, parlamentar, como ha pouco muito bem disse o digno par o sr. conde de Cavalleiros.

E tão longe, sr. presidente, levou, o sr. pressente do conselho o espirito, da restauração, que até, trouxe ao seio do novo governo o sr. Barjona de Freitas, que aliás, tambem sob pretexto de doença, havia anteriormente saído do ministerio para entrar n'uma repartição publica, sendo ainda agraciado depois pelo poder moderador com a nomeação de membro d'esta casa.

Em vista d'estes, factos, diga-me v. exa. se o paiz não devia ficar, permitta-se-me a expressão, intrigado com a solucão d'esta crise?

E, quando digo o paiz, não me refiro ao paiz official, nem ao que se deixa influenciar pelas suggestões dos partidos, ou que determina a sua opinião pela opinião dos jornaes, digo o paiz que não faz politica, mas que infelizmente a não percebe tambem. Antes, porém, a percebesse.

No regimen constitucional estas mudanças successivas de ministerios sem rasão, não digo já real, mas nem mesmo apparente que as justifique, não só são uma rasão de suspeita para todos nós, mas levam tambem o paiz a crer, que não é, nem a luta de principios, nem a divergencia de idéas, mas o jogo das paixões pequenas, e o conflicto de interesses pessoaes, que determinam as crises, e que influem na reslução d'ellas.

Já assim o pensou escreveu com geral applauso, mr. de Laveley, em um artigo proficientemente escripto, sobre a falta, de partidos politicos em Italia. A orjdem de considerações que este publicista apresenta cabem, e elle mesmo o confessa, tanto á Italia como á Hespanha e a Portugal.

Senhores, o regimen constitucional, é um regimen de publicidade. Os factos politicos devem não só ser conhecidos do paiz mas interpretados e comprehendidos por elle. Estamos diante do paiz, não para que o paiz não veja apenas, mas para que nos ouça e nos entenda. Não é, expressão de falsa rhetorica a phrase: scena politica, estamos como n'um palco; diante do publico, que é o paiz. No fundo da scena ha bastiddores, mas para limitar e contornar o espaço, apenas, e, nunca para que detrás d'elle se engendrem episodios que intervenham na acção principal do drama que se representa na scena.

É exactamente como nos theatros: quem vive, vive; vê-se que falla e que vive; quem morre, morre, vê-se caír, se não tem, como o imperador romano a verdade de querer morrer de pé; mas este ministerio em março, não caíu nem morreu, sumiu-se pelo alçapão, que o jogo da scena no regimen constitucional não permitte que se deixe aberto. E não só se sumiu pelo alçapão, subiu de novo á scena, entrando por elle, e com a circumstancia aggravante de trazer comsigo o sr. Thomás Ribeiro, personagem estranho á acção do drama, que não tinha ali papel creado, e cujo entrada no ministerio denuncia para mim umas certas hesitações de que aliás os factros dão testemunho.

Foi convidado o sr. Tomhás Ribeiro para entrar no ministerio; havia-o sido antes o sr. Dias Ferreira. Prevaleceu com a recusa d'este cavalheiro a idéa de restaurar completo com o antigo governo, convidou-se então o sr. Borjona.

Não nos illudamos, porém, todas as indicações parlamentares eram a favor do sr. Dias Ferreira. Não se havia associado á sua idéa e á sua politica a maioria que votára a moçção?

Sr. presidente, a solução da crise póde não ter sido inconstitucional, e creio em rigor que o não foi, visto que o

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governo tem maioria em ambos as casas do parlamento, mas foi impolitica. Devem-se-lhe estas exaltações do espirito partidario, que perturbam as condições do nosso regimen politico, e que dão aos partidos, aliás já affeitos ás lutas do systema parlamentar, os impetos fogosos que facilmente degeneram em demasias de palavras censuraveis e censuradas.

Eu sei que de todos os tempos houve nas opposições essas demasias de palavra, e mesmo, na occasião a que o nobre presidente do conselho se referiu ha pouco com insistencia, quando as situações politicas se creavam e modificavam apenas com os elementos de um só partido politico, quando o grupo a que s. exa. pertence esteve afastado do poder durante annos successivos, mesmo então houve demasias de palavra. Póde não tel-as tido o sr. presidente de conselho de ministros, creio mesmo que as não teve, e que acceitou, com a complacencia que lhe inspirava o respeito pelo exercicio de attribuiçues, que não discutia, os factos a que se referiu; mas se s. exa. assim procedeu, outros, e tambem estadistas de grande elevação de espirito e de grande competencia, procederam de outro modo. Nem todos fizemos o mesmo; e eu proprio me lembro de ouvir a phrase de que em Portugal havia dois reis - dois como em Sião, e de gostar de a ouvir.

(Á parte do sr. marquez de Valladas.)

É verdade; a allusão era dirigida ao sr. duque de Loulé. A opposição suspeitou s. exa. de querer constituir um governo pessoal. Era infundada a suspeita, mas infelizmente nós estamos em um paiz de suspeitas.

E porque o estâmos, é que insisto em dizer e repito, que acho altamente inconveniente aggravar essas suspeitas com factos que não encontrem uma explicação plausivel. Oxalá que tudo se podesse restaurar, exclamou o sr. presidente de conselho. É verdade, e oxalá que nunca se tentasse restaurar aquillo cuja restauração se não justifica, e n'este caso estão estas restaurações de ministerios, cuja formação não é uma perfeita resultante do jogo regular do nosso mechanismo constitucional.

Sr. presidente, jurando nas palavras dos homens publicos mais auctorisados d'esta terra, eu vejo que as condições do nosso paiz são relativamente vantajosas; confiando nas promessas de todos os governos deviamos ver de ha muito equilibrada no orçamento a receita com a despeza, e adiantada a nossa regeneração economica; mas em vez d'isso o que vemos?

Um deficit permanente, uma administração desorganisada, é liquidadas, como já aqui se disse, as prosperidades de cinco annos por dois grandes emprestimos para a consolidação da divida fluctuante.

Se eu agora interrompesse este discurso, discurso não, estas considerações (não se fazem discursos achando-se a camara na frieza em que está); se eu interrompesse estas considerações e intercalasse n'ellas um parenthesis pedindo ao sr. presidente do conselho que me dissesse, em um áparte que fosse, que reformas legou ao paiz no largo periodo da sua ultima administração, bem embaraçado se encontraria s. exa. para me responder, a não ser com a concisa resposta: «tratei de armar o exercito».

Pois bem. S. exa. tem nas suas altas faculdades recursos de iniciativa para muito mais. Porque o não fez? Porque as desgraçadas condições em que temos estabelecida a nossa politica tolhem a acção de todo o governo.

E é esta tambem a rasão do deficit, e nunca o cansado aphorismo «dae-me boa politica e dar-vos-hei boas finanças», teve mais justa applicação e mais completa justificação que n'este paiz.

Isto para o deficit nas finanças, e para todos os deficits.

Eu li ainda ante-hontem, não me lembro em que jornal, que em um dos ultimos dias foram sujeitos á inspecção treze recrutas, dos quaes foram approvados creio que seis.

Ha poucos dias tambem outro jornal censurava a reintegração em certo districto de um governador civil, sob cujo governo a percentagem do contingente militar dos recrutas apurados havia sido pequenissima, e citava com louvor a gerencia do governador civil demittido, indicando a proporção entre os recrutas apurados e os inspeccionados. Não-me lembro qual era nos termos precisos a proporção dada, mas posso assegurar á camara que, acceite ainda esta proporção, fica sobejamente provado que somos um paiz que não presta para nada.

Se a percentagem é a que as estatisticas devem accusar, é certo e seguro que a parte da população que devemos suppor cheia de vida e de força está invalida. E porque? Porque a politica a faz doente, porque cria lesões que não estão na tabella. É ella a causa tambem d'este deficit.

Lembro-me agora, porque prende com este assumpto, de perguntar ao governo se tenciona apresentar ao parlamento um projecto de reforma de lei de recrutamento, do qual tivemos idéa por o haver aqui citado, com referencia ás suas disposições, o digno par, o sr. Barros e Sá, em uma das passadas sessões.

Pareceu-me bom o projecto, e com a maior parte das suas disposições concordo eu.

Desejo, pois, que o sr. presidente do conselho, que vejo tomar apontamentos sobre o que eu estou dizendo, me declare se tenciona apresentar, ainda n'esta sessão, esse projecto, aliás tão instantemente reclamado.

Não direi que elle satisfaça cabalmente as minhas idéas, porque eu entendo que emquanto não entregarmos ás localidades a questão do recrutamento, nada se fará.

Eu confio mais no espirito de justiça das localidades, e na fiscalisação que sobre a execução das disposições da lei hão de exercer os interessados, do que na acção de todos esses corpos constituidos pela lei lie 27 de julho de 1855.

Os factos fallam mais alto que todas e quaesquer considerações que eu possa apresentar a tal respeito.

Sr. presidente, eu não estou a fazer um discurso de opposição, nem a fazer zumbaias ao governo, nem tão pouco a fazer profissão de fé politica. Simplesmente digo que se a rasão de deficit, se a rasão da desorganisação da nossa administração está nas condições da politica que temos e que fazemos, que por interesse dos homens publicos, e por interesse do paiz, devemos mudar de rumo e fazer outra politica.

Para isso a primeira das condições é procurar crear partidos, e não, procurar dissolvel-os.

E é tentar dissolvel-os, o attrahir e chamar a si, sob o pretexto de que o serviço publico assim o pede, sem distincção de cores politicas, o concurso dos homens importantes das diversas facções, aquelles que, pela auctoridade da sua palavra, do seu conselho e do seu nome, maior importancia poderiam ter nos gremios politicos em que se achavam filiados.

Eu não sou historico, mas se o fosse, se pertencesse áquelle partido, teria, debaixo d'este ponto de vista, alguma rasão para estar lisonjeado da deferencia do sr. presidente do conselho por aquelle partido, mas preferiria que não lhe houvesse merecido tantas provas de consideração.

Se os partidos são uma necessidade no systema constitucional, conservemol-os distinctos, firmes nos seus principios e definidas as suas raias.

Pretender supprimil-os invocando a tolerancia póde ser calculo politico, mais que generosidade politica. Nem d'ella têem necessidade os partidos.

Cada partido governa com as suas idéas e com os seus homens.

Espera a conjunctura de governo quando a opinião lh'a cria, e não o recebe, nem por merce do acaso, nem por deferencia de favor. No regimen constitucional alternam-se os governos, não por satisfazer as ambições do partido, mas por uma necessidade do systema. E perante elle é tão condemnavel o querer o governo por impaciencia de ambição, como conserval-o por insistencia de capricho. Uma e outra conduzem a perturbações e conflictos que são graves, sem-

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pre, mesmo quando não sejam senão conflictos de paixões nas lutas, da imprensa e da tribuna. É o que estamos vendo, eo que eu sinto que vejamos; não porque esse facto, importe um perigo para o systema, mas porque cria difficuldades na pratica d'elle. Eu não julgo assoberbada a prerogativa real, ou affrontada a, dignidade da corôa pelos impetos da exaltação que certos factos provocam. A corôa tem por si a força que lhe dá o systema e lhe trazem as tradições que estão bem vivas na memoria do paiz;

Não remontando mais longe, basta lembrar que esta dynastia tão casada está com as nossas instituições liberaes, que foi, não ha ainda meio seculo, um seu representante quem, a troco de sacrificios heroicos, as implantou no paiz.

Sobre a corôa de El-Rei D. Luiz reflecte ainda o brilho d'aquella aureola de popularidade que lhe trouxe aquelle adorado e respeitado soberano, a cuja memoria todos prestâmos o culto do mais entranhado respeito e da mais profunda saudade, e que, se morreu cedo para o paiz, teve tempo ainda assim de cercar a instituição que representava do prestigio que lhe não faltaria hoje, quando mesmo as qualidades pessoaes de El-Rei D. Luiz não fossem o que são. A camara sabe que não sou palaciano, e que fallo com convicção. Quando a minha consciencia me impozesse o dever de dizer o contrario, dil-o-ía franca e lealmente.

Sr. presidente, quando o governo se apresentou perante as camaras, formularam-se algumas perguntas, que é de estylo dirigir a todos os ministerios, e a que todos respondem nas phrases consagradas pelo uso para taes perguntas. Se eu houvesse estado presente n'essa occasião, não pediria ao governo, nem a reforma da lei eleitoral nas bases que foi ultimamente proposta, e que poucas garantias ainda assim podem dar ao paiz, de uma verdadeira representação nacional, nem a reforma da camara dos pares nas condições propostas pelo meu honrado collega o sr. conde de Casal Ribeiro, que sinto não ver presente, reforma que aliás me parece, por assim dizer, anodina; mas invocando o patriotismo dos illustres ministros, pedir-lhes-ía que trabalhassem quanto possivel, que envidassem todos os seus esforços e toda a sua boa vontade e energia para que a questão eleitoral se resolvesse de modo que o paiz podesse ter, quanto coubesse nos limites da educação constitucional do nosso povo, uma verdadeira e genuina representação parlamentar.

A minha consciencia de homem publico e de membro do parlamento, revolta-se contra o facto de que infelizmente não ha relação nenhuma de affinidade proxima entre o parlamento e o paiz. Esta minha asserção não póde surprehender ninguem.

Todos sabemos em que condições se exerce o suffragio popular. A maior parte dos eleitores, quasi todos elles, pelo menos nas assembléas ruraes, não só não conhecem a importancia do mandato que pela eleição constituem, mas até ignoram quasi sempre as condições do individuo sobre quem essa eleição recae. Vão á uma arrebanhados pela influencia da auctoridade, ou são levados lá, ainda que mais raras vezes, pelas influencias locaes. A consciencia do voto e a liberdade do voto são uma perfeita mentira, e eu pergunto se da mentira e da burla póde saír a verdade? Não póde.

Não desejo alongar as minhas considerações sobre este ponto. Tenho uma certa ordem de idéas com relação á questão eleitoral, que não quero apresentar senão em tempo opportuno, e que agora não teriam cabimento; por isso apenas me limitarei ao que disse, e muito folgaria de saber se o illustre presidente do conselho de ministros tencionava ainda n'esta sessão discutir o projecto de reforma da lei eleitoral.

(Interrupção.)

Sim, senhor, e ministerio passado apresentou a reforma da lei eleitoral, é conhecido e sabido que a apresentou, mas se o governo actual não quizesse que ella fosse discutida, é claro que o não seria.

Folgo, porém, com o saber que o governo está na idéa de a fazer discutir ainda n'esta sessão, creio que se por ella não obtemos uma perfeita reforma, melhoramos pelo menos a circumscripção eleitoral, que é deploravel.

A lei eleitoral deve ser accommodada á educação constitucional que o paiz tem, e sob esse ponta de vista a eleição indirecta com circulos, de um só deputado e mais de um eleitor por freguezias, daria talvez uma representação mais perfeita, ao paiz; mas sr. presidente não estou fazendo uma profissão, de fé, politica, nem é agora a conjuctura propria para o fazer.

Direi apenas, que as leis que não correspondem nos seus resultados ao fim que por ellas propomos conseguir, podem ser a expressão dos principios theoricos da sciencia, mas valem pouco como condições de governo. E n'este caso está a lei eleitoral que temos. É pois necessario, e é o que eu tenho a pedir ao sr. presidente do conselho e o que eu confio da sua iniciativa, ou que trabalhemos para reformar a lei e o systema, ou de apparelhar para ella o paiz, illustrando-o, e desaffrontando a uma de todas aspressões.

(Pausa.)

Esta pausa não tem por fim chamar a attenção da camara para o que estou dizendo, nem tão pouco dar ao sr. presidente do conselho tempo para reflectir sobre o que vae responder. No discurso não deve haver pausas, como no governo se não devem dar interrupções. Hesitava porém em prolongar estas considerações, ás quaes vou pôr ponto, resumindo em termos mais precisos a idéa que as inspirou. O meu fim foi protestar contra o modo por que estamos praticando o systema representativo.

Com esse intuito e com o mesmo fim usei da palavra a unica vez que compareci na camara na passada sessão, lamentando o modo por que este mesmo governo se demittira em março. Não podia pois deixar de tomar a palavra, vindo aqui, e encontrando hoje levantada a mesma questão pelo digno par o sr. marquez de Sabugosa.

Sinto não ter estado presente á primeira sessão em que aqui se apresentou este ministerio. Pedir-lhe-ía desde logo a responsabilidade pelo acto da sua demissão em março passado, acto que importou como consequencia d'elle todos os factos que ultimamente se deram, e que eu sinceramente deploro que se tenham dado. Oxalá que elles não tenham o alcance e importancia que eu lhes attribuo; creio, porém, convictamente, que nem com elles se robustece a fé partidaria, nem o prestigio das instituições, nem a força do governo; nem tão pouco com a pratica de taes actos levâmos o paiz á convicção de que os governos se alternam no poder por conveniencia publica, mas, e pelo contrario, o levâmos a crer, que n'esta successão de ministerios, sem rasão constitucional que as explique e que as justifique, têem mais influencia os caprichos de ambição pessoal e de vaidade pessoal, e talvez mesmo tem mais influencia tambem a força do acaso, que a força dos principios. É por isso que estas situações, se têem pelo seu lado o apoio dos poderes constituidos, lhes falta entretanto o apoio moral do paiz.

O paiz não se póde interessar pela politica que não comprehende, e não póde comprehender que em março caísse, sem conflicto parlamentar, uma situação, que resurge depois sem rasão constitucional.

Os srs. ministros podem achar isto muito plausivel, o paiz, porém, é que de certo o não entende assim.

Sr. presidente, é possivel que eu me illuda, é possivel que esta apreciação pouco lisonjeira dos factos que se estão dando, resulte d'este abatimento moral a que são sujeitos os espiritos sombrios e tristonhos como o meu, e como o do digno par o sr. conde de Cavalleiros.

É possivel, e creio que é esse o conceito e opinião que devemos merecer áquelles cujo espirito se extasia e enthusiasma perante os mesmos factos. Se assim é tanto melhor. Oxalá que eu me engane quando digo e affirmo que o paiz tem o sentimento negativo da indifferença, que o tem na politica e na religião, o que é um mal, porque não é com

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a indifferenca politica, que aliás se comprehende e se explica pelos factos que se estão dando, que o paiz se associa por um movimento forte de opinião á politica que deve viver com elle e por elle.

É preciso pois despertar a attenção do paiz, chamal-a e attrahil-a para os negocios publicos.

Emquanto não fizermos isto, havemos de ver quebrada nas mãos a melhor arma, a unica de que nos poderemos servir, para emprehender os altos commettimentos da civilisação e do progresso.

Sr. presidente, tenho estado fóra da politica militante, e se venho aqui é trazido por esta convicção profunda e sincera. Nem, se a não tivesse, me resolveria a pôr de lado interesses creados, e a contrariar habitos contrahidos, e a vir aqui e dizer: para politica com este intuito, para politica que trate de praticar o systema liberal como elle é, e de governar para o paiz e pelo paiz, estou eu prompto, e presto ao governo que o fizer, ou ao partido que tentar fazel-o, todo o apoio que lhe podér prestar.

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