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N.º 16
Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa
Secretarios — os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Marino João Franzini
Leitura e approvação da acta. — Toma posse do seu logar na camara o digno par eleito o sr. Oliveira Monteiro. — O sr. ministro dos negocios estrangeiros manda para a mesa o diploma de par por eleição, o sr. Carlos Testa.— O digno par o sr. conde de Castro faz o elogio do ultimo livro do conselheiro Clemente José dos Santos, e envia para a mesa duas propostas.— O sr. presidenta do conselho, em nome do governo, associa-se ás intenções e justos encómios do par antecedente. — O sr. Hintze Ribeiro enaltece por seu turno aquelle mesmo livro, e os serviços e qualidades do seu auctor, e manda para a mesa um parecer relativo aos diplomas de dois pares eleitos por Angra do Heroismo. — O digno par o sr. Miguel Osorio declara, não ter podido comparecer ás sessões. — O sr. Candido de Moraes manda para a mesa um projecto de lei.— O sr. Adriano Machado manda uma nota de interpellação. — Primeira parte da ordem do dia: discussão do parecer n.° 47. Corre o escrutinio por espheras e é approvado. — Segunda parte da ordem do dia: discussão da resposta ao discurso da corôa. —Usam da palavra sobre este assumpto os dignos pares os srs. conde de Alte e D. João Chrysostomo de Amorim Pessoa, aos quaes responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros, ficando ainda com a palavra reservada. — Levanta-se a sessão, designa-se a immediata e a respectiva ordem do dia.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou, aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros.)
O sr. Presidente: — Convido o digno par o sr. Franzini a vir occupar o logar de secretario.
Acha-se nos corredores da camara o digno par eleito o sr. Oliveira Monteiro.
Convido os dignos pares os srs. Adriano Machado e José Joaquim de Castro a introduzirem s. exa. na sala.
Introduzido na sala, s. exa. prestou juramento e tomou assento.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes: — Mando para a mesa o diploma do digno par eleito, o sr. Carlos Testa.
Foi á commissão respectiva.
O sr. Conde de Castro: — Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem, porque desejo mandar para a mesa duas propostas.
A camara sabe que dois membros, e dos mais conspicuos, da commissão de fazenda, os srs. conde de Valbom e conde do Casal Ribeiro, tiveram de se ausentar do reino, no desempenho das suas funcções officiaes no estrangeiro, e por este motivo a mesma commissão de fazenda, julgando conveniente reforçar o numero dos seus membros, me encarregou de pedir á camara que lhe sejam aggregados mais alguns dignos pares.
De mais acresce que em breve deverão sei remettidos a esta camara, os projectos do sr. ministro da fazenda, e a commissão terá então de se occupar de assumptos muito importantes
Por todas estas rasões, e obedecendo ao encargo que me foi confiado pela commissão de fazenda, mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
N’esta proposta teve a commissão em vista attender á relação que deve haver entre os membros da maioria e minoria, achando-se esta portanto representada entre os membros que eu proponho que sejam aggregados.
Desejo ainda chamar a attenção da camara para um outro assumpto, a proposito do qual vou tambem mandar para a mesa uma proposta.
Em uma das ultimas sessões o nosso illustrado collega, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, offereceu á camara e enviou para a mesa, em nome do seu auctor, a obra ultima mente publicada pelo sr. conselheiro Clemente José dos Santos, e que se intitula Estatisticas e biographias parlamentares. Escuso de encarecer este trabalho, porque não o faria melhor do que o fez o digno par o sr. Aguiar. Direi só que é uma obra de grande merecimento e utilidade, para ser consultada por todos os membros d’esta e da outra casa do parlamento. Nesta convicção vou mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Resolvendo a camara approvar a minha proposta, não digo que de uma recompensa condigna do insano trabalho que aquelle cavalheiro havia de ter para publicar o seu livro, nem creio que o sr. Clemente José dos Santos precise d’esse estimulo para continuar n’essa ordem de trabalhos, de grande interesse publico. Quem, como o sr. conselheiro Clemente publicou já alguns volumes de uma obra igualmente interessante e de mais largo folgo, como é a sua obra intitulada Documentos para a historia das côrtes geraes da nação portugueza, onde se acham compendiados todos os acontecimentos Decorridos desde 1820 até 1827; quem, como s. exa., entregue a um tão improbo trabalho, acaba de publicar o livro a que agora me refiro, não carece de certo de estimulo. Entretanto, parece-me justo que, da parte d’esta camara, se lhe de uma prova de estima e de apreço pelo grande serviço que acaba de prestar, ao paiz.
A grande obra, a que alludi, e de que o sr. Clemente publicou já tres volumes e de que em breve publicará o quarto, é um valioso repositorio, não só de factos parlamentares, como tambem de factos historicos, que deverão ser um grande subsidio para quem quizer escrever a nossa historia parlamentar, ou mesmo a historia geral do paiz, durante o periodo constitucional.
Sr. presidente, devo declarar mais que, fazendo esta proposta, julguei indispensavel introduzir-lhe uma segunda parte, na qual indico o modo como me parece que a cagara deve proceder para legalisar esta despeza. A lei de 20 de junho de 1866 no artigo 1.° determina que nenhuma despeza poderá ser ordenada por cada uma das camaras legislativas ou pelas suas respectivas mesas, senão em virtude de uma lei. Portanto, sendo esta despeza opportunamente inserida no orçamento rectificado, ficará cumprida a disposição da referida lei,
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Mando, pois, para a mesa as duas propostas e peço a urgencia.
Leram-se na mesa as propostas do sr. conde de Castro, que foram approvadas e são do teor seguinte:
Propostas
Proponho que sejam adquiridos por esta camara, para serem distribuidos pelos dignos pares, 200 exemplares da importante obra do conselheiro Clemente José dos Santos, intitulada Estatisticas e biographias parlamentares, e proponho mais que, em cumprimento do disposto na lei de 20 de junho de 1866, se faça inserir a despeza correspondente no orçamento rectificado. = Conde de Castro.
Proponho que fiquem aggregados á commissão de fazenda os dignos pares conde de Magalhães, Henrique de Macedo, Francisco de Albuquerque e visconde de Bivar. = Conde de Castro.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): — Sr. presidente, eu levanto-me para, em meu nome e no do governo, me associar a esta proposta, e faço minhas, se mo permittem, as palavras de merecido louvor proferidas hoje pelo sr. conde de Castro e na sessão passada pelo sr. Aguiar. É effectivAmente uma valiosa acquisição para esta camara a obra do sr. Clemente.
(S. exa. não reviu.}
O sr. Hintze Ribeiro (o orador não reviu): — Sr. presidente, n’este assumpto tambem muito espontaneamente me associo aos oradores que acabam de fallar. Todos que conhecem os trabalhos do sr. Clemente José dos Santos, deste infatigavel obreiro, sabem quanto elle tem concorrido para a vulgarisação dos documentos parlamentares. A sua memoria é um fiel e vastissimo repositorio de tudo quanto se tem passado no parlamento portuguez. Os livros publicados por Clemente José dos Santos fazem-lhe honra e fornecem valiosos subsidios a todos que se interessam pelos trabalhos de estatistica ou pretendam escrever circumstanciadamente a historia do nosso constitucionalismo. Por isso a acquisição de 200 exemplares da sua ultima e tão importante obra, sendo uma escassa recompensa para o auctor, é todavia para nós de uma grande utilidade, e se todos por este meio tanto quinhoâmos no frncto do seu tra-trabalho, tambem por elle vamos prestar ao menos uma testemunho de reconhecimento ao genio laborioso e distinctissimas qualidades d’aquelle cavalheiro. (Apoiados.)
Eu, pela minha parte, mais uma vez me associo ao apreço em que todos nós temos o sr. Clemente. Os seus trabalhos são um precioso elemento de instrucção, não só para a actualidade, como tambem para as gerações futuras, contribuem para melhorar as instituições e constituem um serviço verdadeiramente patriotico.
Aproveito a circumstancia de ter, a palavra, a fim de mandar para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes, referente aos diplomas de dois dignos pares electivos.
O sr. Miguel Osorio Cabral e Castro: — Sr. presidente, pedi a palavra para declarar que não tenho comparido nesta camara por justos motivos, para mim muito afflictivos. Diligenciarei daqui em diante ser assiduo, e a camara bem sabe que eu não costumo faltar aos meus deveres.
O sr. João Candido de Moraes: — Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa um projecto de lei; peço a v. exa. que faça com que elle siga os tramites do estylo.
Leu-se na mesa e e do teor seguinte:
Projecto de lei n.° 3
Artigo 1.° É abolida a pena de morte nos crimes militares em tempo de paz.
Art. 2.° Nos casos em que, segundo a legislação penal militar, é applicavel a pena de morte será esta substituida pela imnmediata na escala da penalidade.
Art. 3.°.Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 25 de maio de 1887. = João Candido de Moraes = Adriano Machado. = Pinheiro Borges.
As commissões de guerra e de legislação.
O sr. Adriano Machado: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da justiça, sobre o conflicto entre o sr. bispo conde e a faculdade de theologia da universidade de Coimbra.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Nota de interpellação
Peço que seja prevenido o sr. ministro da justiça de que preciso interpellar s. exa. ácerca do conflicto entre o sr. bispo conde e a faculdade de theologia.
Sala das sessões da camara dos dignos pares, em 25 de maio de 1887. = Adriano Machado.
Mandou-se expedir.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vae entra-se na primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 47.
Leu-se na mesa o parecer n.º 47, que é do teor seguinte:
PARECER N.° 47
Senhores. — A vossa primeira commissão de verificação de poderes examinou com a devida attenção o diploma e mais documentos enviados a esta camara pelo par eleito pelo collegio districtal do Funchal, o cidadão Pedro Maria Gonçalves de Freitas; e
Attendendo a que por esta commissão já foi julgada valida, em vista do respectivo processo, a eleição a que no dia 30 de março d’este anno se procedeu no referido collegio districtal;
Considerando que do mesmo processo se mostra que um dos dois pares eleitos fôra o cidadão Pedro Maria Gonçalves de Freitas, que obteve a unanimidade de votos dós vinte eleitores presentes;
Considerando que pelas certidões juntas sob os n.ºs 5 e 6 se reconhece estar o par eleito comprehendido na categoria 4.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, e que os demais documentos provam que é cidadão portuguez, com mais de trinta e cinco annos de idade, e que está no goso dos seus direitos civis e politicos; e
Visto ter apresentado o seu diploma em fórma legal:
É a vossa commissão de parecer que o par eleito Pedro Maria Gonçalves de Freitas seja admittido a prestar juramento e a tomar assento n’esta camara.
Sala da commissão em 20 de maio de 1887. = Mexia Salema = José Joaquim de Castro = Hintze Ribeiro = Conde de Castro, relator.
Illmo. e exmo. sr. — Tenho a honra e satisfação de passar ás mãos de v. exa. a inclusa copia da acta da sessão de hoje, deste collegio districtal, pela qual v. exa. se dignará ver que foi eleito par do reino.
Deus guarde a v. exa. Sala das sessões do collegio districtal do Funchal, aos 30 de março de 1887. — Illmo. e exmo. sr. conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas. = O presidente do collegio districtal, Visconde do Ribeiro Real.
Acta da sessão do collegio districtal do Funchal para a eleição de dois pares do reino
Aos 30 dias do mez de março de 1887, pelas dez horas da manhã, na sala das sessões do collegio districtal, ao palacio de S. Lourenço estando presentes todos os dele-
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gados effectivos a este collegio districtal, com excepção do dr. José Antonio de Almada, delegado effectivo pelo municipio do Funchal, e de Antonio Luiz Rodrigues de Gouveia, delegado effectivo pelo municipio de Machico, os quaes ambos fizeram as participações a que se refere o artigo 24.° da lei de 24 de julho de 1885, achando-se presentes os cidadãos. Arsenio Alves da Silva, delegado supplente mais votado pelo municipio do Funchal, e João Antonio Alvares da Côrte, delegado supplente mais votado pelo municipio de Machico, se constituiu a mesa na conformidade do disposto no artigo 38.° da citada lei.
Pelo presidente foi apresentada a lista a que se refere o artigo 36.° da mesma lei, e por ella se fez a chamada dos eleitores, votando todos por escrutinio secreto, e votando tambem dois dos deputados eleitos que se achavam presentes e devidamente inscriptos na lista, os srs. conego Feliciano João Teixeira e dr. Manuel José Vieira, não votando os outros deputados eleitos, os srs. dr. Fidelio de Freitas Branco e cónego Alfredo César de Oliveira, por se não acharem no districto.
Em seguida, e visto terem votado todos os eleitores, não teve logar a meia hora de espera, procedendo-se em acto continuo ao apuramento dos votos, publicando-se immediatamente, por edital, os nomes dos pares eleitos, que foram o conselheiro Thomás Nunes da Serra e Moura, com 20 votos, e o conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas, com 20 votos; e a estes outorgam os eleitores que formam este collegio districtal os poderes necessarios para que, reunidos com os outros pares do reino, façam, dentro, dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.
E para constar se escreveu está acta, que vae ser assignada por todos os vogaes da mesa, e della se tirarão as copias para terem o destino marcado no artigo 44.° da já mencionada lei.
E eu, Antonio Silvino de Macedo, secretario da mesa, a escrevi e vou assignar com os demais vogaes. (Assignados) Visconde de Ribeiro Real — João Barbosa de Matos e Camara — Francisco Eduardo Henriques = Joaquim Ricardo da .Trindade e Vasconcellos — Antonio Silvino de Macedo, secretario.
Está conforme com o original. = Visconde do Ribeiro Real = João Barbosa de Matos e Camara = Francisco Eduardo Henriques = Joaquim Ricardo da Trindade Vasconcellos = Antonio Silvino de Macedo.
N.° 1
O presbytero Filippe José Nunes, cónego honorario e cura collado na sé cathedral do Funchal, ilha da Madeira, etc.
Certifico in verbo sacerdotis, auctorisado pelo exmo. e revmo. prelado diocesano, que no livro 34.° dos baptisados nesta santa sé, a fl. 141 v., se encontra o termo seguinte:
«Em os 21 dias do mez de junho de 1836, eu, o padre Antonio Joaquim Jardim, vigario e cura d’esta cathedral e freguezia da Sé, fiz os exorcismes e puz os santos óleos a Pedro, que nasceu no dia 15 de abril proximo passado, e que foi baptisado em casa, por moléstia, pelo vigario de Ponta. Delgada, Manuel Joaquim de Carvalho; foi padrinho José Joaquim de Feitas e Abreu, que este termo commigo assigna. Declaro que esta creança é filho legitimo do capitão Antonio Joaquim Freitas e D. Eulalia Candida de Freitas, naturaes da freguezia de Ponta Delgada, e moradores actualmente nesta, na rua do Ribeirinho, de que fiz este termo. — O vigario cura, Antonio Joaquim Jardim — José Joaquim de Freitas e Abreu Pela madrinha, Joaquim Pedro Castelbranco.»
É tudo o que contém o dito termo, que aqui fielmente transcrevi do original, a que me refiro.
Pia da sé cathedral do Funchal, 31 da março de 1887. = O conego cura, Filippe José Nunes. = (Segue-se o reconhecimento.
N.° 2
Exmo. sr. administrador do concelho do Funchal. — Diz Pedro Maria Gonçalves de Freitas, do conselho de Sua Magestade, director da alfandega do Funchal, que precisa que v. exa. lhe certifique se o supplicante está no goso dos seus direitos civis e politicos. P. a v. exa. que lhe defira. = Pedro Maria Gonçalves de Freitas. — E. R. M.cê
Antonio Caetano Aragão, administrador substituto, em serviço, do concelho do Funchal, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc.
Attesto que é bem notorio nesta cidade, que o exmo. conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas se acha no goso dos seus direitos civis e politicos.
Funchal, aos 31 de março de 1887. = Antonio Caetano Aragão. = (Segue o reconhecimento.)
N.°3
Illmo. e exmo. sr. presidente da camara do Funchal. — Diz Pedro Maria Gonçalves de Freitas, do conselho de Sua Magestade, director da alfandega do Funchal, que precisa que v. exa. lhe mande passar por certidão a sua inscripção no recenseamento eleitoral de 1886. — P. a v. exa. lhe defira. — E. R. M.ce = P. M. Gonçalves de Freitas.
Passe do que constar. — Funchal, 31 de março de 1887. = Visconde do Ribeiro Leal.
João de Sant’Anna e Vasconcellos, secretario da camara municipal da cidade do Funchal, etc.
Certifico que a fl. 38 do recenseamento dos eleitores e elegiveis da freguezia de S. Pedro deste concelho do Funchal, no anno de. 1886, se acha o supplicante inscripto da maneira seguinte: Pedro Maria Gonçalves de Freitas, rendimento provado, 500$000 réis; qualificação litteraria, secundaria; emprego, advogado; estado, casado; residencia, Angustias; idade, cincoenta e cinco annos; cargos para que é elegivel, deputado, districtaes, municipaes e parochiaes.
Secretaria da camara municipal do Funchal, aos 31 de março de 1887. — João de Sant’Anna e Vasconcellos, secretario da camara, fiz escrever e assigno. = João de Sant’Anna e Vasconcellos (Segue-se o reconhecimento.)
N.° 4
Diz Pedro Maria Gonçalves de Freitas, casado, director da alfandega do Funchal, natural da freguezia da Sé, & morador na freguezia de S. Pedro, d’esta cidade, filho de Antonio Joaquim Gonçalves de Freitas e de D. Eulalia Candida de Freitas, que precisa certidão de registo criminal, com respeito ao supplicante. — P. ao meritissimo sr. juiz de direito da comarca do Funchal que lhe defira.— E. R. M.ce = P. M. Gonçalves de Freitas.
Passe estando nos termos. — Funchal, 1 de abril de 1887. = Araujo.
Comarca do Funchal. — Certificado. — Certifico que dos boletins archivados no registo criminal d’esta comarca do Funchal, nada consta contra o requerente, Pedro Maria Gonçalves de Freitas, filho de Antonio Joaquim Gonçalves de Freitas e de D. Eulalia Candida de Freitas, natural da freguezia da Sé.
Registo criminal da comarca, do Funchal, 1 de abril de
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1887. = 0 escrivão encarregadodo registo, João Antonio de Almada = (Segue-se o reconhecimento.)
N.° 5
Illmo. E exmo. sr. - Diz o conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas que, para mostrar onde lhe convier, precisa que v. exa. lhe mande passar por certidão o que constar nos registos da secretaria da camara dos senhores deputados da nação portugueza relativamente ás legislaturas a que o supplicante pertenceu como deputado, e ás sessões legislativas a que assistiu; pelo que pede se digne deferir-lhe como requer. — E. R. M.ce
Lisboa, 13 de março de 1887. = Pelo supplicante, Roberto Augusto da Costa Campos.
Passe. — Em 15 de março de 1887. = Jayme Moniz.
Certifico que das actas e outros documentos existentes na archivo da primeira repartição da direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados consta que o requerente Pedro Maria Gonçalves de Freitas foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes:
Para a legislatura que teve principio em 30 de julho de 1860 e findou por dissolução em 14 de janeiro de 1868; havendo durado a primeira sessão de 30 de julho a 7 de setembro e de 5 de novembro a 26 de dezembro do mesmo anno de 1865, a segunda de 2 de janeiro a 16 de junho de 1866, a terceira de 2 de janeiro a 27 de junho de 1867, e a quarta de 2 a 14 de janeiro de 1868.
Para a legislatura que teve principio em 15 de abril de 1868 e findou por dissolução, em 23 de janeiro de 1869, havendo durado- a primeira sessão de 15 de abril a 15 de julho de 1868, funccionando depois a camara de 29 de julho a 28 de agosto, e a segunda de 2 a 23 de janeiro de 1869.
E finalmente para a legislatura que teve principio em 15 de dezembro de 1884 e findou, por dissolução, em 7 de janeiro de 1887, havendo durado a primeira sessão de. 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, a segunda de 2 de janeiro a 11 de julho de 1885, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1886 reunindo a camara extraordinariamente em 9 de setembro para o juramento de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos como regente na ausencia de Sua Magestade El-Rei, e a quarta de 2 a 7 de janeiro de 1887.
Certifico mais que na legislatura que teve principio em 30 de julho de 1865 e. findou por dissolução em 14 de janeiro de 1868 o requerente prestou juramento e tomou assento na camara em sessão de 28 do novembro de 1865 e exerceu o mandato n’esta sessão bem como em todas as outras sessões legislativas mencionadas n’esta certidão, com excepção das seguintes:
De 2 a 14 de janeiro de 1868; de 2 a 23 de janeiro de 1869 e de 2 a 7 de janeiro de 1887.
Outrosim certifico que na legislatura que teve principio em 15 de abril de 1868 e findou em 23 de janeiro de 1869 o requerente, havendo sido eleito pelo circulo de Sotavento de Cabo Verde, continuou a representar este circulo na subsequente legislatura que teve principio em 26 de abril de 1869 e findou em 20 de janeiro de 1870, mas não exerceu o mandato nas sessões legislativas de que constou a referida legislatura.
E para constar se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.
Direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, primeira repartição, terceira secção, em 17 de março de 1887. = José Marcellino de Almeida Bessa.
N.° 6
Senhor. — Pedro Maria Gonçalves de Freitas deseja que &e4hV passe por certidão se lhe foi pago o subsidio como deputado pelo circulo de Sotavento de Cabo Verde na sessão ordinaria da camara dos senhores deputados, do mez de janeiro de 1868 portanto: — P. a Vossa Magestade haja por bem assim o mandar. — Lisboa, 13 de maio de 1887. = Pelo supplicante, Roberto Augusto da Costa Campos. = E. R. M.ce
Passe do que constar, não havendo inconveniente. — Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, em 13 de maio de 1887. = Francisco Costa, director geral.
Certifico, em virtude do despacho retro, que do livro 15 dos assentamentos dos empregados da provincia de Cabo Verde, existente na repartição de contabilidade do ultramar, a fl. 61, consta que pelo cofre d’este ministerio foi abonada ao supplicante, Pedro Maria Gonçalves de Freitas a quantia de 47$600 réis, importancia do subsidio como deputado relativo ao mez de janeiro de 1868.
E para constar fiz passar a presente certidão, que vae por mim assim assignada e sellada com o sêllo das armas teaes que serve n’esta secretaria d’estado.
Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, em 13 de maio de 1887. = Pelo chefe da repartição, João Thaumaturgo Junqueira.
Pagou de emolumentos e respectivo addicional a quantia de 530 réis, como consta da guia n.° 327 do corrente anno.
Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar. Data ut supra. = Eduardo Clington.
O sr. Presidente: — Como nenhum digno par pede a palavra vae notar-se.
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: — Convido os dignos pares os srs. Giusmão e Candido de Moraes, para servirem de escrutinadores.
Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna da aprovação 38 espheras brancas contra 5 pretas.
O sr. Presidente: — Está, pois, approvado o parecer n.º 47.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na segunda parte da ordem do dia, que é a resposta ao discurso da corôa.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Dignos pares do reino e srs. Deputados da nação portugueza- No desempenho de um dever constitucional venho hoje inaugurar os trabalhos da nova legislatura. É grato para o meu animo o approximar-me dos representantes do paiz, porquanto n’esse facto se manifesta a alliança subsistente entre a corôa e a nação.
Com as potencias estrangeiras continuâmos mantendo e estreitando os laços da mais sincea cordealidade, por muitas vezes manifestada recentemente nas relações dire-
Senhor. – Uma das mais agradaveis impressões, recebida pela camara dos pares do reino, na sessão real de abertura das côrtes geraes, foi ouvir Vossa Magestade declarar que é grato ao seu animo approximar-se dos representantes do paiz, e cumprir como chefe do estado este dever constitucional. Alliança subsistente, que encerra o penhor mais seguro da liberdade e da ordem, garantia da justa aspiração do povo portuguez a conservar intactas as suas patrioticas instituições.
Affirma o discurso da corôa que continuam inalteraveis as boas relações com as potencias estrangeiras, e a camara dos pares folga com a noticia da sincera cordialidade, ma-
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ctas dos soberanos e chefes do estado com a minha pessoa e a minha familia, e ainda na negociação de importantes convenções, que tendem a definir com maior exacção e a firmar em garantias internacionaes o nosso dilatado dominio colonial.
Obedecem a este intuito os convenios negociados entre o meu governo e os do Imperio da Allemanha e da Republica Francesa, e bem assim o accordo ha pouco firmado com o de Sua Magestade o Imperador da China. Por effeito deste ultimo ficaram assentes as bases do tratado, que deverá finalmente regular as relações amigaveis subsistentes ha mais de tres seculos entre Portugal e aquelle imperio.
Uma concordata celebrada com a Santa Sé regulou e definiu por seu lado, nos termos da de 21 de fevereiro de 1857, o exercicio do direito do padroado da corôa de Portugal nas Indias Orientaes; e a circumscripção das dioceses, ultimada por esse pacto, permittiu já, após uma tão dilatada interrupção, prover de prelados portuguezes as dioceses de Cochim, Damão e Meliapor.
Por motivo da demarcação definitiva de fronteiras na provincia de Moçambique levantou-se ha pouco com Sua Alteza o Sultão de Zanzibar um conflicto, durante o qual se affirmaram mais uma vez os brios da marinha de guerra portugueza, e que deu em resultado a occupação pelas nossas forças militares da parte norte da bahia de Tungué. Esse conflicto achate hoje felizmente em via de solução pacifica, no terreno de negociações directas, que em breve praso devem encetar-se entre os commissarios de Portugal e Zanzibar.
Aprouve á Providencia Divina abençoar o enlace do Principe Real, meu muito amado filho, com o nascimento do Principe da Beira, penhor da manutenção da dynastia e das instituições, que ella symbolisa. O jubilo, com- que esse acontecimento foi saudado pelo paiz, captivando a minha gratidão, mais uma vez veiu accentuar a reciprocidade de affectos, que prendem o povo portuguez á dynastia nacional.
Com geral socego se verificaram ha pouco em todo o reino os actos eleitoraes, a que foi mister proceder por effeito da dissolução, realisada em janeiro, da parte electiva da camara dos dignos pares e da camara dos senhores deputados.
Cumprir-vos-ha apreciar opportunamente a importancia e urgencia de algumas providencias extraordinarias, que o meu governo entendeu dever decretar no intervallo das sessões legislativas. A fim de o relevar da responsabilidade em que incorreu por similhante facto, ser-vos-ha apresentada a conveniente proposta de lei.
Por igual serão submettidas.ao vosso exame outras propostas tendentes a modificar o processo de eleição dos dignos pares, bem como a melhorar a instrucçao superior e os serviços de policia e beneficencia publica. A reforma da legislação commercial e do processo criminal, a reorga
nifestada na convivencia directa de Vossa Magestade com os soberanos de outros paizes e nas convenções internacionaes, celebradas no interregno parlamentar, estreitando-se por esta fórma os laços de mutua amisade, que unem, felizmente, o monarcha portuguez aos chefes dos outros estados.
As tradições gloriosas da nossa historia, e os nossos direitos seculares a um dilatado dominio colonial, provocam as sympathias da Europa civilisada, traduzindo-se na definição mais exacta, e no reconhecimento das fronteiras das nossas vastas possessões.
A camara, correspondendo a tão elevados sentimentos, ha de examinar, com a circumspeccão devida, os convénios negociados entre o governo de Vossa Magestade e os do Imperio da Allemanha e da Republica Franceza, bem assim o accordo, firmado com Sua Magestade o Imperador da China, confiando que se provará, pelo conhecimento das respectivas actas internacionaes, e pelos mais documentos, fornecidos pelo governo, que foram mantidos com a firmeza necessaria, que não exclue a prudencia, os sagrados direitos e interesses da nação portugueza.
Dignou-se Vossa Magestade informar-nos que a concordata,, assignada em 23 de junho do anno ultimo; com a Santa Sé, definiu os direitos do padroado nas Indias Orientaes, já regulados pela concordata de 21 de fevereiro de 1807, é que por este facto foram providas de prelados portuguezes as dioceses de Cochim, Damão e Meliapor. A resolução d’esta questão, que importa aos interesses espirituaes e temporaes de milhares de almas, sujeitas ao padroado, era um acto de dignidade nacional, e a camara folgará de reconhecer que este documento diplomatico veiu, como diz o embaixador extraordinario de Vossa Magestade, junto do Summo Pontifice, exaltar com justiça o nome portuguez.
Tendo se levantado um conflicto a proposito da demarcação de fronteiras na provincia de Moçambique com Sua Alteza o Sultão de Zanzibar, mais uma vez foram affirmados o patriotismo e brio da marinha portugueza. A camara dos pares louva as valentes tripulações dos nossos vasos de guerra, e confia que as negociações não findarão sem que fique plenamente garantido o esforços dos nossos bravos soldados.
Os membros d’esta camara congratulam-se, com o mais entranhado amor pela dynastia constitucional, pelo fausto nascimento do Principe da Beira, abençoando a Providencia Divina o feliz enlace do Principe Real com a virtuosissima Princeza D. Amelia. A independencia e liberdade da patria estão intimamente ligadas á continuação no throno da casa real de Bragança, e a fidelidade de tres Reis constitucionaes ao pacto jurado faz crer que o futuro ha de corresponder. ao passado e presente, e que a monarchia continuará a assignalar a sua existencia de gloriosos e brilhantes reinados.
A eleição da camara dos deputados, e da parte electiva da camara dos pares, a que teve de se proceder, em virtude da ultima dissolução, verificou-se, affirma-o Vossa Magestade, com geral socego. A camara dos pares folga com esta declaração por ser este acto o mais importante e grave, que são chamados a desempenhar os povos livres.
No intervallo das sessões foram decretadas algumas providencias de caracter legislativo. A camara examinará, escrupulosamente, quando lhe for apresentada pelo governo a proposta de lei, relevando-o da responsabilidade incorrida, os motivos extraordinarios e as rasões de conveniencia publica, que o aconselharam a praticar estes actos.
Annuncia Vossa Magestade que será submettida á approvação do poder legislativo uma proposta tendente a modificar o systema da eleição da parte electiva d’esta camara. Tornar mais genuina e perfeita a eleição dos pares do reino é principio salutar, que a todos agrada; o governo
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nisação dos serviços judiciaes, a modificação da lei do recrutamento, base primordial para a constituição da força publica, e ainda outras propostas complementares da ultima organisação do exercito, deverão igualmente constituir assumpto das vossas deliberações.
Pelo ministerio das obras publicas vos serão apresentar das providencias tendentes a accelerar, sem aggravamento dos encargos actuaes do estado, a conclusão da rede da viação ordinaria, a fomentar a agricultura e a industria, a regular as relações entre o capital e o trabalho. A melhor organisação da fazenda colonial, pelo desenvolvimento das receitas provinciaes e mais severa fiscalisação dos dinheiros publicos, constituo outro problema, que reclamará a vossa mais seria attenção.
Mantem-se alto o credito do estado, e a desafogada situação economica dos mercados nacionaes e estrangeiros:, tem-se reflectido de um modo auspicioso, quer no espontaneo e avultado crescimento das receitas publicas, quer nas condições eminentemente favoraveis com que têem podido realisar-se as operações do thesouro.
Consolidar essa situação, organisando um orçamento que constitua a expressão exacta do estado da fazenda publica, e no qual a despeza ordinaria, abrangendo a totalidade das verbas que como taes devam ser classificadas, seja saldada pelos recursos ordinarios, e a extraordinaria se reduza, ao que for strictamente indispensavel, tal é o plano a que o meu governo subordinou a coordenação do orçamento geral do estado. Para tanto conseguir, sem recorrer a novos impostos, ser-vos-hão apresentadas pelo ministro respectivo propostas reformando as pautas, fazendo variar a incidencia e alterando os processos de lançamento e arrecadação dos impostos existentes, ou ainda adiando o pagamento de encargos avultados, por effeito de uma operação ligada á reforma da circulação fiduciaria, problema do mais vasto alcance economico e financeiro.
Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
Largo campo fica assim franqueado, á vossa, actividade.
de Vossa Magestade, no relatorio do projecto, ha de, certamente, indicar os defeitos da lei actual e os alvitres, que entende conveniente considerar. A camara dos pares estudará detidamente a questão, que muito a interessa, mantendo, com o concurso do governo, os principios de liberdade e ordem, que ella justamente representa.
A instrucção superior e os serviços de policia são assumptos dignos de chamar a attenção dos corpos co-legisladores. A beneficencia publica, afirmada desde as mais remotas epochas como apanagio constante dos Soberanos e Rainhas portuguezas, e praticada entre nós desde o paço até á cabana do pobre, merece com rasão a sympathia illustrada do governo de Vossa Magestade, e a camara dos pares ha de coadjuvar quaesquer providencias, tendentes a bem desenvolver as manifestações da caridade.
As reformas de legislação commercial e do processo criminal, a reorganisação dos serviços judiciaes, a, modificação da lei do recrutamento, todas as propostas complementares da ultima organisação do exercito, que o governo promette apresentar á approvação das côrtes, serão examinadas com a attenção, que reclamam tão graves assumptos.
A camara dos pares ouviu com prazer a declaração que o governo tenciona concluir a rede de viação ordinaria, sem aggravamento dos encargos actuaes do estado. É indispensavel, Senhor, que este facto se realise, e, embora seja uma verdade que não é possivel hoje caminhar, sem dar satisfação ao progresso dos melhoramentos materiaes, certo é que os recursos orçamentaes têem limites imperiosos, que sem imprudencia não podem, nem devem ser excedidos. A agricultura e a industria, principaes factores da riqueza publica, merecem a maior solicitude dos poderes publicos, e a camara espera que o governo de Vossa Magestade, compenetrado da urgencia da questão, apresentará todas as propostas necessarias para acudir á crise, que enluta alguns ramos da producção e mais particularmente a agricultura nacional.
Diz Vossa Magestade que a organisação da fazenda colonial é um problema, que tem brevemente de ser submettido á consideração das côrtes. A camara regista esta declaração; as colonias, como toda a administração publica, não podem desenvolver-se e melhorar sem a mais severa fiscalisação das receitas provinciaes.
A camara sentiu profunda satisfação ao ver affirmado por Vossa Magestade que o credito do estado se mantem alto, e desafogada a situação economica dos mercados nacionaes; mas para isto continuar cumpre que todos os poderes publicos envidem os seus esforços, que ao augmento constante das receitas publicas não corresponda, infelizmente, o aggravamento do deficit, e que pelo contrario as novas receitas sirvam de elemento precioso para o ambicionado, até hoje não conseguido, equilibrio do orçamento.
O problema é difficil; mas deve e póde obter solução satisfactoria, e a camara espera que seja sufficiente para a sua realisação traduzir em facto o principio consignado n’estas palavras: «oppor resistencia tenaz aos impetos irreflectidos, que sacrificam a segurança do futuro á immediata satisfação de todas as necessidades presentes».
A camara examinará com a maior attenção as propostas de fazenda indispensaveis para organisar um orçamento, que constitua a expressão exacta do estado da fazenda publica, reconhecendo, tambem, a conveniencia de não se exceder as forças economicas do contribuinte.
Reformar as pautas, variar a incidencia e os processos do lançamento e arrecadação dos impostos existentes, e regular convenientemente a circulação fiduciaria são vastos problemas que, sendo satisfatoriamente resolvidos, podem contribuir de modo efficaz para a solução da questão financeira.
Senhor, a camara dos pares, conscia dos seus deveres, promette cooperar com a sua actividade para que os esforços os altos poderes do estado, obtenham fecundo e prog-
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Possa esta ser fecunda em resultados que avigorem o organismo social, exaltando e engrandecendo a nação. A prudencia nas deliberações, a apreciação conscienciosa e patriotica dos assumptos sujeitos ao vosso exame, terão alem de tudo o valor do exemplo partindo de alto. Cumprindo um dever para com a patria, dareis por essa fórma novo brilho á grave missão de legislar.
Está aberta a sessão.
Pero resultado, avigorando e engrandecendo a patria, que a todos cumpre servir e amar. A felicidade da nação e a approvação de Vossa Magestade serão para nós estimulo e a melhor das recompensas.
João de Andrade Corvo.
Conde do Casal Ribeiro.
Marquez de Rio Maior, relator.
O sr. Conde de Alte: — Eu voto o projecto de resposta ao discurso da corôa como homenagem de respeito e comprimento ao nosso soberano e de certo não teria perdido a palavra se o § 5.° do projecto se não referisse á concordata assignada em 23 de junho de 1886 com a Santa Sé, e ser ella, diz o projecto, nos mesmos termos da concordata de 1857.
Talvez fosse melhor tratar esta questão por meio de uma interpellação; mas os acontecimentos na Índia succedem-se com uma tal rapidez, que eu julgo do meu dever, n’esta primeira occasião que se me offerece, apresentar algumas considerações á camara, e ver se é possivel concorrer para a salvação de milhares de almas que existem n’aquellas paragens.
Sr. presidente, eu não venho fazer politica nem opposição ao governo, de quem sou amigo. É mais alto o meu proposito.
Quando se trata de questões religiosas, de que póde depender o socego e bem estar dos povos da Índia e a salvação de milhares de almas, parece-me que sé deve afastar da discussão toda a dissidencia politica, toda a animosidade partidaria, e concorrermos todos para o fim de achar os meios de acalmar a agitação e levar a paz e tranquillidade espiritual ás christandades do oriente, como outrora lhes levámos a luz do Evangelho e a civilisação.
É isto, sr. presidente, o que sempre tem praticado a camara dos dignos pares.
A camara de certo se lembra que em abril de 1885 o digno par e meu amigo o sr. Costa Lobo fez uma interpellação com relação ao nosso padroado do oriente. Elle não era então amigo do governo, mas entendeu que devia dar-lhe força para tratar vantajosamente com a Santa Sé. N’essa occasião o meu excellente amigo, o digno par Barros e Sá, que muito sinto não ver, presente, e ainda mais pelo motivo que é, proferiu n’esta camara um tão substancioso, eloquente e erudito discurso, que se póde considerar um verdadeiro acontecimento.
Sinto muito que s. exa. ainda não publicasse o seu discurso, que é um livro para todos terem sobre a banca do trabalho e ser consultado.
Em 20 de março de 1886 tambem julguei eu do meu dever fazer uma interpellação sobre o mesmo assumpto. Já n’essa occasião se achavam nas cadeiras do governo os homens que ali se sentam, e de certo a minha interpellação não teve em vista fazer-lhes opposição, mas sim dar-lhes força, visto que então se tratava de negociar com a Santa Sé uma nova concordata.
Sr. presidente, tratando d’esta questão, eu não posso deixar de me referir aos documentos publicados no Livro branco.
(Leu.)
O actual governo, entrando para o poder em 20 de fevereiro, o primeiro despacho do nobre ministro dos negocios estrangeiros para o nosso embaixador em Roma é datado do 1.° de maio. No intervallo apparecem, é verdade, quatro telegrammas de s. exa.; o primeiro tem a data de 6 de março, e n’elle approva o sr. ministro dos negocios estrangeiros os actos do embaixador.
Esse telegramma é do teor seguinte:
«O conselho de ministros tomou hontem conhecimento de todas as phases e progresso da negociação. Applaude louva zelo e patriotismo de v. exa.; entende que lhe cumpre envidar os maiores esforços para manutenção no padroado de todas as igrejas a elle pertencentes e deseja termo quanto possivel rapido da negociação.»
N’um segundo despacho telegraphico com data de 19 de março diz s. exa.:
«Governo informado da contraproposta de Sua Santidade, mantém as instrucções previamente dadas a v. exa. A perda de qualquer das christandades que se conservaram fieis, feriria aqui a opinião, annullando vantagens religiosas e politicas da concordata. Por modo algum podemos perder missões de Calcuttá, nem mesmo Ceylão, desattendendo representações d’aquellas christandades, e só em caso extremo concordariamos no alvitre. (Carta 14.)
«Muito menos acceitariamos que a Santa Sé retirasse agora as concessões solemnemente offerecidas e acceitas sobre direito nosso de apresentação. Isto mesmo affirmei aqui sempre ao nuncio.
«A interpellação na camara dos pares sobre o padroado, anteriormente annunciada, verifica-se ámanhã.
«Fio da elevação do animo de Sua Santidade, e esforços de v. exa., que se não inutilisará agora negociação tão laboriosa.»
Ha ainda um terceiro despacho do nobre ministro, com a data de 31 de março, que diz:
«Chamo sua attenção para representações instantes dos catholicos de Ceylão. Empregue maxima diligencia em os conservar no padroado. O seu sacrificio, nocivo para catholicismo, produziria em Portugal e Ceylão impressão dolorosa.»
Parece que o sr. ministro era propheta.
Ha finalmente um quarto telegramma, datado de 30 de abril, que diz:
«Governo approva generalidade da proposta da Santa Sé; nos promenores tenho, porem, graves duvidas, sobre que não posso deixar de pedir esclarecimentos.»
Sr. presidente, eu não posso louvar tão grande modestia, da parte do nobre ministro em não publicar no Livro branco nenhum dos seus despachos que necessariamente dirigiu ao nosso embaixador, desde que tomou posse do seu ministerio, até ao 1.° de maio.
A publicação d’esses despachos, desenvolvendo as sensatas idéas dos quatro telegrammas, alem de elucidar muito a questão, daria novo realce á subida intelligencia do nobre ministro e ao seu patriotismo. Sinto profundamente esta omissão, pois que a publicação d’esses despachos seria de grande proveito e utilidade para apreciar esta importante questão.
Na verdade, o primeiro despacho do sr. ministro dos negocios estrangeiros não deixou nada a desejar. S. exa. previne todos os casos, reconhece todas as necessidades, indica tudo aquillo de que se não póde prescindir.
Parece que um genio maléfico pairava sobre o nosso malfadado paiz, para que os esforços de s. exa. ficassem em grande parte sem resultado.
A este despacho a Santa Sé respondeu pouco satisfactoriamente, e o nobre ministro dos negocios estrangeiros julgou do seu dever fazer novas instancias, a fim de que o projecto de concordata apresentado pela Santa Sé fosse modificado. Essas instancias, porém, não foram attendidas.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros, de quem me
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honro de ser amigo, e amigo até por herança, porque fui amigo e muito intimo de seu honrado e respeitabilissimo pae, pugnando não só pelos direitos de Portugal, mas pelas conveniencias religiosas, queimou até os ultimos cartuchos, mas não quiz fazer uso da reserva.
Ainda nas vesperas da assignatura da concordata s. exa. mandava para Roma este telegramma:
«Lisboa, 20 de junho de 1886. — Embaixador de Portugal em Roma. — Empregue a maxima diligencia para conseguir praso de um anno. Quando repute impossivel conseguil-o, acceite praso marcado pelo Papa.»
Este despacho teve no mesmo dia a seguinte resposta:
- «Impossivel nova instancia. Quarta feira 23, assignarei concordata».
Mais tarde é assignada a concordata.
Como disse, o sr. ministro dos negocios estrangeiros queimou até o ultimo cartucho, fazendo valer o direito que n’esta questão assistia a Portugal, e as- vantagens religiosas que deviam resultar para as christandades da India.
Mas, sr. presidente, o facto estava consummado, a concordata estava assignada, publicada e ratificada.
Vamos agora aos annexos.
Tantas foram as instancias e representações das christandades que, pela concordatas eram excluidas da jurisdicção do padroado, tão instantes as representações do arcebispo de Goa e do governador geral da India, que o nobre ministro da negocios estrangeiros se considerou obrigado a pedir á Santa Sé que algumas modificações fossem feita no sentido já indicado. Achando-se em Lisboa o embaixador, s. exa. dirigiu-se por uma nota ao nuncio apostolico em Lisboa, que não tardou em dar communicação a Roma.
A primeira resposta da Santa Sé não foi satisfactoria. Muitas vezes acontece isto nos negocios com a Santa Sé, até mesmo nas dispensas matrimoniaes.
Eu vou apresentar um facto que a este respeito succedeu commigo.
Quando eu era ministro de Portugal em Roma, recebi um pedido de uma familia, de uma nobilissima familia de Lisboa, com quem tenho muitas relações sociaes, para que me interessasse pela concessão de dispensa para um de seus filhos casar com uma sobrinha. Fiz seguir o negocio pé]a via ordinaria e não foi concedida. Fiz juntar mais documentos, nova recusa, a final pedi uma audiencia a Sua Santidade.
Ponderei ao Santo Padre os interesses de familia que se ligavam á realisação d’esse consorcio, e Sua Santidade concedeu. Está presente um digno par, chefe actual d’essa nobre familia, p sr. duque de Palmella, a dispensa era para o sr. marquez de Monfalim casar com sua sobrinha, a senhora condessa de Terena.
Com relação á concordata, tem succedido cousa similhante.
Á nota do sr. ministro dos negocios estrangeiros respondeu a Santa Sé recusando, depois houve algumas modificações e já dizia pensaremos. Esperamos pelo regresso cio embaixador.
Por fim foram concedidas algumas igrejas, e com novas representações ainda se obtiveram mais, mas não basta.
Quanto a Ceylão tambem o nobre ministro pedia para que se tratasse de conservar as igrejas que estavam sob a sua jurisdicção; mas não sei que fatalidade houve que fez com que não fossem incluidas.
Sinto muito isto, mas creia o nobre ministro que eu não estou fazendo opposição aos actos de s. exa., pelo contrario, eu estou fallando como amigo e á boa paz.
Tomára eu que s. exa. podesse fazer tudo quanto eu vou pedir-lhe!
Dizia eu que sentia que nada se tivesse podido fazer com relação a Ceylão, apesar de todas as diligencias que se fizeram para conseguir a sua conservação dentro da jurisdicção do nosso padroado, e sinto-o porque ali é que mais perigam, as almas daquellas christandades.
Eu peço desculpa á camara do desalinhado das minhas considerações, mas eu tenho tantas cousas diversas a dizer sobre este assumpto, que trato ha trinta annos, que não posso seguir methodo nenhum na minha exposição.
Vamos agora aos annexos:
Com respeito á conservação de Ceylão, dizia o sr. ministro dos negocios estrangeiros ao nosso embaixador em Roma, no seu despacho de 20 de novembro:
«Faça todas as diligencias possiveis para obter as modificações pedidas pelo governo.»
Pesava a s. exa. que as christandades de Ceylão, sempre fieis ao padroado, tivessem sido d’elle excluidas na concordata.
Finalmente, as cousas em Ceylão têem-se tornado por tal forma graves, que eu, como já disse, não esperei pelo. ensejo de uma interpellação para tratar d’esta questão.
Peço licença á camara para ler a carta que recebi pela penultima. mala, dirigida pela commissão defensora dos direitos do padroado em Ceylão.
Essa leitura fará bem ver á camara o estado dos animos em Ceylão; diz a carta:
«Não cessámos de pedir a Deus e a sua Mae Santissima para moverem o coração de El-Rei, dos seus ministros e do Santo Padre para que nos concedam o mais ardente desejo de nossas almas, e pedimos até que se humilhem aos pés de Sua Magestade, do governo, do nuncio apostolico e de quaesquer outras pessoas influentes, para que attendam os nossos clamores, não deixem uma pedra só sem ser movida,
«A propaganda faz tudo o que póde para nos levar á sua jurisdicção, para depois nos vexar e perseguir. O excitamento aqui cresce de aia a dia. No seu desespero e abandono religioso em que se acham, pediram padres a Goa, mas nenhum tem vindo, nem mesmo resposta do sr. arcebispo.
«Os padroadistas estão resolvidos a chamar em seu auxilio o patriarcha de Babylonia e pedir-lhe que mande para Ceylão o bispo Mellus eu qualquer outro. Nós, porem, temos exercido toda a nossa influencia para que suspendam por ora de pôr em pratica essa resolução, observando-lhes que é nosso dever esperar pelo resultado da missão do nosso delegado em Lisboa., que esperámos seja favoravel, e que talvez em breve nos chegue um telegramma com a feliz noticia. Emfim conseguimos socegal-os e prometteram esperar.
a Façam todo é possivel para mover o bondoso coração de Sua Magestade a Rainha; pois que o Papa não se fará surdo a seus pedidos, e nós transmitiremos a nossos filhos o nome de Sua Magestade com a maior veneração, como a nossa salvadora.»
Veja v. exa., sr. presidente, veja a camara, saiba o paiz inteiro como a 2:600 leguas de distancia é apreciado e invocado o augusto nome e o bondoso coração de Sua Magestade a "Rainha, consoladora dos desconsolados, como lhe chamam essas christandades na sua linguagem singela, mas sincera e convicta de que as suas preces, os seus clamores hão de ser escutados e attendidos.
A isto, sr. presidente, o que tenho a pedir ao governo é que se interesse efficazmente por aquellas christandades.
Para se ver como a religião catholica está arraigada n’esses corações, vou ler um artigo que se encontra n’um jornal inglez de Bombaim, o Anglo Lusitano, de 28 de abril de 1876, chegado hoje, e que procurarei traduzir com a maior fidelidade.
«Noticias de Ceylão. — Os christãos do padroado, pelas circumstancias em que se acham de falta de padres, foram obrigados a fazer serviços leigos durante a semana santa do modo seguinte:
«Domingo de ramos: Uma palma, que tinha, sido benta no anno anterior, foi collocada no altar, e um dos assistentes leu as orações proprias do dia, cantando-se alternadamente no côro, á noite houve a Via sacra.
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«Quinta feira santa: De manhã foi ornado o altar com imagens representando a ceia do Senhor, e de tarde houve jantar a doze pobres servido pela commissão defensora, e foram distribuidas esmolas a familias pobres. Á noite praticaram-se outras devoções, cantando-se as lamentações.
Sexta feira santa: De manhã houve a devoção da Via sacra em inglez, e resou-se a paixão, e á noite houve a representação da crucificação de Nosso Senhor, e foi lido um apropriado sermão tirado do livro dos sermões do veneravel padre Jacome Gonçalves.
«Sabbado de alleluia: Devoções de manha e o rosario á noite.
«Domingo de Paschoa: Começou o serviço religioso á cinco horas da manhã, conforme o costume. Depois de varias orações, a imagem da Ressurreição foi conduzida em procissão, e a bandeira portugueza esteve içada todo o dia na torre da igreja.
«Posto que tudo isto pareça extraordinario, o facto é que teve logar não se podendo fazer de outro modo. Necessitas non habet legem.»
Sr. presidente, é possivel continuar este estado de cousas?
Continua o mesmo jornal: «Visto que estou tratando do assumpto, contarei um facto que teve logar na cathedral propagandista, com grande escandalo da communidade singaleza.
«Na quinta feira santa á noite varios christãos começaram, segundo o costume, a cantar na igreja lamentações em singalez do livro do padre Gonçalves.
«Um dos padres da missão approximou-se d’elles, e prohibiu-lhes de cantarem aquellas lamentações, pois que o livro não tinha o imprimatur do ordinario do logar.
«Este procedimento levantou grande disturbio, que teria graves consequencias, se homens serios e conspicuos não tivessem intervindo com a sua auctoridade.»
Aqui tem v. exa. qual é a animosidade entre os propagandistas e os padrodistas.
Lembra-me agora um facto acontecido ha alguns annos em Bombaim.
A auctoridade britannica queria mudar para fóra da cidade os cemiterios que existiam então no interior, e destinou tal porção de terreno para os catholicos, tal para os protestantes, etc.
Pois o vigario apostolico propagandista de Bombaim fez uma representação á auctoridade, pedindo que destinasse um logar separado para os christãos da propaganda, porque não queria estar na perigosa vizinhança dos padrodistas!
Um jornal de Bombaim, commentando este facto, escreveu que o vigario apostolico parecia ter medo dos padrodistas, não só emquanto vivos, mas até depois de mortos.
As igrejas de Ceylão estão todas fechadas, e com tanto cuidado são guardadas, que até lhes põem sellos quando saem de lá, com receio de que os propagandistas lhes arrombem as portas e se apossem d’ellas, como tem acontecido.
Devo tambem ponderar que os christãos sujeitos ao padroado em Ceylão não são 3:500, como se tem dito.
Creio que esta cifra é tirada do Annuario de Goa, de 1885.
Mas eu tenho aqui um mappa enviado d’aquella ilha, com referencia a fevereiro d’este anno, e que nos dá 5:200 catholicos sujeitos ao padroado, em quatro igrejas e vinte uma capellas.
N’este mappa vem mencionados os nomes das, igrejas e capellas e numero de christãos de cada uma, cujo total pefraz o numero 5:200, como disse.
Descreve tambem o valor, das igrejas e capellas, que é de 97:000 rupias, o valor das propriedades pertencentes ás missões, que é de 39:000 rupias, o rendimento annual d’essas propriedades 3:600 rupias, e a quantia que subscrevem os freguezes, que sobe a 18:000 rupias annualmente. Cada igreja tem duas escolas, uma para rapazes e outra para meninas.
Ha outra circumstancia, que eu espero que o nobre ministro fará valei* perante a Santa Sé, pois que muito interessa á religião.
O Summo Pontifice não concedeu que estes 5:200 christãos continuassem na jurisdicção do padroado, mas seguramente ninguem poderá evitar que elles se dirijam ao patriarcha de Babylonia a pedir-lhe um bispo, e logo que o obtenham, o que de certo se não fará esperar muito, é quasi certo que, não só os 5:200 jurisdiccionados do padroado, mas ainda grande numero dos que estão sujeitos á propaganda se passarão; pois é sabido que apenas monsenhor Agliardi chegou a Ceylão, grande numero de christãos sujeitos á propaganda lhe pediram para passarem á jurisdicção do padroado.
Quando, pois, o patriarcha de Babylonia mandar um bispo para Ceylão a pedido dos padroadistas, grande numero de christãos da propaganda se passará, e desse modo perde Portugal os seus 5:200 christãos, a propaganda muitos mais e a religião tudo.
É pois evidente que a conservação das christandades de Ceylão na jurisdicção do padroado seria, não só um acto de justiça, mas de alta politica e conveniencia religiosa.
Estou convencido de que se o Summo Pontifice, tão profundo politico e tão justo em todos os seus actos, tivesse conhecimento perfeito de todos estes factos, não deixaria, passar nem mais um dia sem procurar evitar tantas desgraças.
Estou intimamente convencido que o Santo Padre ignora tudo, e é em virtude d’esta ignorancia que nós temos a lastimar tantos horrores.
Pediram-se ainda, com viva instancia algumas modificações na circumscripção rio varado dó Poonah, uma d’ellas foi a igreja de Nossa Senhora da Conceição e a escola an-nexa, creada em memoria do sr. arcebispo Ornellas; creio que não houve difficuldade n’esta concessão, mas os manejos da propaganda, contrariando sempre as nossas justas reclamações, conseguiram que sómente fossem entregues a igreja e a escola, excluindo as tres capellas filiaes que lhe pertenciam, pois tinham sido edificadas pelos freguezes para sua comodidade, é que eram por elles mantida.
Consta-me que o nobre ministro dos negocios estrangeiros, apenas soube deste facto, reclamou logo para Roma e é de esperar que em breve sejam restituidas as tres capellas.
Quanto á igreja de Mahableshwar, não sei se foi incluida na reclamação, mas o facto é que o reverendo arcebispo de Goa mandou ordem para que fosse entregue á propaganda, e effectivamente foi entregue no dia 2o de abril ultimo, e sabe v. exa., sr. presidente, quantos freguezes residentes tem essa igreja, quarenta e cinco, todos pobres e illitteratos, por isso não resistiram, como se fez em outras partes.
Ainda não ha dois annos que essa igreja foi reedificada á custa dos portuguezes, que estimavam a sua posse por estar situada na montanha mais elevada, que se considera a Cintra de Bombaim, e para onde vae residir no verão toda a aristocracia de Bombaim, o governador, etc.
O reverendo arcebispo de Goa tambem mandou ordem para que a igreja de Satará fosse entregue á propaganda, mas os freguezes fecharam as portas, e não a entregaram.
Em Hyderabard succedeu outro tanto, mas o bispo propagandista monsenhor Caprotté, lançou a excommunhão aos jadroadistas. A igreja de Sholapoor está igualmente fechada. O bispo de Poonah, ultimamente nomeado, conta apenas uns 6:000 christãos na sua diocese. Na verdade não tem rasão de ser, e aqui convem notar que a Santa Sé, creando a sua gerarchia ecclesiastica na India, elevou a sete arcebispados e quatorze bispados, mas para nenhuma d’essas dioceses creou cabidos, ao passo que nos obriga a crear
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cabidos, erigir cathedraes e seminarios para as dioceses que nos deixou.
Não se presuma que eu, nas considerações que estou submettendo á apreciação da camara, tenho o intento de dizer que o nobre ministro dos negocios estrangeiros não empregou todos os esforços para manter os nossos direitos e para rehaver a posse d’aquillo que nos pertencia, mas a verdade é que as suas diligencias não foram coroadas de bom exito; a quem se deverá esse desastre?
É pois certo, sr. presidente, que, por mais desejo que haja, não se póde ter confiança, não direi no Santo Padre, porque Sua Santidade tem sempre desejo de acertar, mas ha propaganda, que tem sido sempre a nossa figadal inimiga.
Em prova d’isto seja-me permittido referir um facto que frisa bem o rancor que a propaganda nos tem constantemente mostrado.
Quando em 1862 se celebrou a canonisação dos santos martyres do Japão, a Senhora Infanta D. Izabel Maria foi a Roma, fez-me a honra de se alojar na casa da legação. O sacro collegio e todas as auctoridades ecclesiasticas foram logo comprimentar Sua Alteza, mas o cardeal Bernabo, que era o perfeito da propaganda, não teve igual attenção para com aquella augusta Princeza, a quem o Santo Padre Papa Pio IX fez os maiores obséquios e distincções.
Parece-me ter mostrado á camara o estado em que se acham as christandades do oriente e a urgente necessidades de dar-lhe prompto remedio, a fim de evitar a perda de tantas almas.
Eu tenho aqui mais apontamentos; mas não desejo cansar a camara e talvez ainda tenha de pedir a palavra, por isso vou terminar.
Eu espero que o nobre ministro dos negocios estrangeiros, por honra sua e bem da religião, não deixará de continuar no interesse da santa causa por que tão habilmente tem pugnado, de elevar as justas representações das christandades do oriente aos sagrados pés do illustre Pontifice Leão XIII e estou certo que ellas serão attendidas e despachadas.
Diz-se que s. exa. se compromettera a não fazer mais pedidos á Santa Sé! Isso não póde ser. Eu vejo que a nota do cardeal secretario d’estado, annunciando ao nosso embaixador, que Sua Santidade havia feito as concessões pedidas pelo governo portuguez, depois da ratificação da concordata, nem uma só palavra deixa ver a idéa de compromettimento de não fazer novos pedidos. No Livro branco não se encontra um só documento que auctorise o nosso embaixador a fazer tal promessa; portanto, o periodo que se encontra na nota do nosso embaixador, e que diz assim: «O abaixo assignado, reconhecendo quanto na mesma nota é ponderado e disposto, acceita-a em todas as suas disposições, e com ellas inteiramente se conforma, em virtude das suas instrucções, ficando por este modo totalmente terminadas as solicitações feitas pelo governo de Sua Magestade Fidelissima» não póde ter esse sentido, nem podem as palavras que mais accentuei, referir-se senão ás modificações pedidas e concedidas pelo nosso embaixador em Roma. Não ousaria de certo tomar um tal compromettimento sem expressa auctorisação do governo.
Portanto é evidente que tal compromettimento não foi pedido, nem auctorisado, nem feito.
Continue, pois, não me canso de o repetir, o nobre ministro dos negocios estrangeiros, por honra sua, por honra do governo, por honra do paiz, e mais do que tudo, pela salvação de tantos milhares de almas, a envidar todos os esforços para que estas pequenas concessões, que ainda são indispensavieis para socego daquellas christandades, sejam concedidas pela Santa Sé e s. exa. será abençoado e reconhecido pelos povos da India, especialmente por Ceylão como seu magnanimo salvador. (Apoiados.}
Tenho dito.
(Q orador foi comprimentado por muitos dignos, pares.)
O sr. Arcebispo de Braga (Resignatario): — São difficeis, sr. presidente, são extremamente difficeis as, circumstancias em que me acho tendo de fallar em presença desta camara, tão respeitavel e por mim sempre tão respeitada, e da qual por diversos e ponderosos motivos ha muito tempo tenho estado afastado, Sr. presidente, a minha idade quasi octogenaria tem produzido os seus naturaes effeitos; a minha intelligencia acha-se enfraquecida, a minha vontade, esta faculdade que tanta importancia tem na vida do homem, tem perdido a sua força, e a sua firmeza; e a minha memoria já não é tão prompta nem tào6fiel, como n’outros tempos fôra, e agora era necessario, para tratar um objecto de tanta consideração, como é a concordata de 1886.
Objecto complexo, objecto delicado, objecto melindroso para todo o bom christão, melindrosissimo para o sacerdote e para o bispo catholico; sim, sr. presidente, melindrosissimo para o bispo catholico. Mas deverei, eu porventura guardar, silencio sobre esta materia como tenho guardado profundamente sobre outras, que particularmente me dizem respeito?
Não.
Sr. presidente, eu não venho aqui hoje accusar ninguem, não venho mesmo accusar o ministerio porque não sou politico, não venho senão, informar esta camara do que VI e observei, e de tudo o que sei a respeito da concordata de 1857.
Antes porém, sr.. presidente, permitta-me a camara que eu faça uma breve declaração do que sou e do que devo ser.
Sou um bispo catholico. E a camara sabe a rasão porque eu faço esta declaração; sou um bispo catholico, sem adjectivo, não sou cismontano nem ultramontano, não pertenço a sociedade alguma secreta, nem tambem á companhia de Jesus. Sou catholico e nada mais, catholico e nada menos.
Não milito em partido algum politico, porque entendi sempre que a politica partidaria não era propria do sacerdote, e muito principalmente do parocho e do bispo. Eu não censuro ninguem; mas esta é a minha opinião.
Segundo o meu modo de pensar o padre não deve ser partidario, não deve ter politica partidaria, deve ter apenas a politica nacional, e essa tenho-a eu.
Respeito a liberdade de opinião dos outros, mas tambem desejo que a minha seja respeitada.
Sr. presidente, sou portuguez de lei, portuguez d’antes quebrar que torcer. Eis-aqui o que sou e o que devo ser. É quando na minha consciencia, n’este fôro, como diz um escriptor celebre e illustre, n’este fôro que é o recesso, o adito onde se guardam os thesouros das crenças, n’este fôro da consciencia que é onde se conserva e mantem accesso o fogo sagrado da fé, que serve de Unitivo e consolação aos que soffrem, e onde não chega nem a espada do vencedor, nem o despotismo da tyrannia, nem a calumnia villa dos homens ingratos, nem a intriga insidiosa do traidor; n’este fôro da consciencia, que é o tribunal supremo, que não admitte appellação nem aggravo, e onde o homem é accusador, testemunha e juiz de si proprio, quanto n’este fôro, n’este recesso, n’este tribunal, considero o que tenho soffrido por ser portuguez, digo como disse o poeta: Oh! quanto é suave o soffrer pela patria, quanto é doce o morrer por ella!
Quam suave pro patria pati
Quam dulce pro patria mori.
Mas, sr. presidente, eu ainda não expuz todos os motivos que me determinaram a fallar n’esta materia, eu que não tenho seguido, como já disse, as discussões desta camara, por ponderosas rasões, e que appareço hoje aqui, quasi, como de novo.
Em primeiro logar, direi que a concordata não é um dogma, é um contrato que foi discutido, que póde discutir-se, e que está em discussão.
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SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1887 241
Era segundo logar, tendo eu residido nas Indias orientaes, e tendo percorrido todo ou quasi todo o territorio do padroado portuguez, desde Bombaim, a Calcutá, visitando por mais de uma vez as suas igrejas, e até a propria ilha de Ceylão onde recebi as maiores provas de deferencia, eu não podia deixar de fallar n’esta occasião, sem ficar com um grande escrupulo na minha consciencia, sobretudo depois de ter publicado uma pequena obra, na qual dizia que emquanto os meus labios podessem fallar e a minha penna podesse escrever, eu não deixaria nunca de defender o real padroado. E venho hoje cumprir essa promessa.
Sr. presidente, em uma das theses, que em 1850 offereci á discussão na universidade de. Coimbra, para complemento da minha habilitação litteraria, affirmava eu, que os portuguezes em todas as suas conquistas tiveram por fim principal a propagação da fé a dilatação da igreja catholica. E são tantas as provas que a favor d’esta verdade se encontram na historia, que seria difficil, senão impossivel impugnal-a com vantagem. A Santa Sé em todos os tempos, e ainda hoje, tem dado nas suas bulias e rescriptos testemunho authentico do que. affirmei.
Sim, sr. presidente. Os portuguezes nas suas conquistas tiveram sempre em vista a propagação da fé e a dilatação da igreja catholica. Esta é a verdade e a minha convicção.
A Santa Sé tem sempre affirmado que os portuguezes fizeram grandes serviços em todas as Indias, orientaes e ainda fóra d’ellas, e que foram elles os primeiros que levaram a essas longiquas regiões a semente da palavra de Deus.
Permitta-me a camara que algumas vezes me sirva dos termos do, Evangelho que é por excellencia o livro do homem christão, e aqui todos nós somos christãos. (Apoiados.)
A semente da palavra de Deus foi lançada á terra pelos missionarios portuguezes, porque é necessario dizer-se que os primeiros e verdadeiros propagandistas foram os portuguezes. Foram os frades franciscanos, os primeiros missionarios que appareceram na India. Disse eu, que a semente da palavra de Deus lançada sobre a terra produziu resultados admiraveis, resultados que póde dizer-se quasi milagrosos.
A messe era grande e abundantissima, mas os operarios eram poucos, porque Portugal tinha de os repartir pelas suas conquistas da Africa e da America.
N’estas circumstancias o governo portuguez recorreu a Roma, e Roma mandou-lhe dois ou tres missionarios. Um adoeceu e em logar desse veiu pôr disposição da Providencia Divina o mais famoso, o mais conhecido, o. modelo mais perfeito do missionario, o exemplar mais digno de imitação S. Francisco Xavier. E só assim póde explicar-se este facto.
E quem ha, sr. presidente, que possa negar os serviços feitos ao padroado, á nação portugueza por S. Francisco Xavier? (Apoiados.) Elle era hespanhol e pertencia á Companhia de Jesus, não obstante isto foi sempre fiel e prestou grandes serviços ao governo portuguez; (Apoiados.) e todos os portuguezes catholicos ainda hoje lhe prestam o culto fervoroso que elle merece, e. a igreja lhe tem decretado.
Todos os portuguezes e eu com elles em nossas orações imploramos o seu auxilio, na presença de Deus a favor de uma obra em que elle teve uma grande parte, a melhor parte, cuja gloria jamais lhe poderá ser roubada. Mas S. Francisco Xavier morreu! Os homens grandes e extraordinarios que são a honra e gloria da especie humana, como elle, são rarissimos, e só apparecem de seculo em seculo, quando Deus na sua sabedoria infinita os julga necessarios para conseguir os fins que se propoz na creação do mundo.
A camara sabe isto melhor do que eu. De politica sei pouco, nem desejo mesmo saber muito.
As nações, sr. presidente, são como os individuos; têem o seu principio, o seu desenvolvimento, a sua virilidade e a sua decadencia.
Á nação portugueza succedeu isto mesmo, e diversas causas produziram a sua decadencia, e por ultimo o ominoso governo hespanhol, quasi, que nos fez perder todas as nossas possessões.
As ordens religiosas que ainda lá se conservavam continuaram na pregação da doutrina christã e administração dos sacramentos da igreja catholica e fizeram um grande e incontestavel serviço á igreja e ao padroado portuguez no oriente. Quem poderá desconhecer ou negar esta verdade?
Se não fossem as ordens religiosas, quem teria conservado a crença catholica nas christandades das Indias orientaes, quando a heresia de mão armada se apossou d’ellas?
E eu, sr. presidente, n’esta camara e nesta occasião devo dizer tudo. A minha opinião é já conhecida, mas infelizmente a calumnia algumas vezes a tem desfigurado.
A extincção das ordens religiosas no continente foi um mal, mas nas colonias, principalmente as da Asia, foi um erro politico. (Apoiados.)
Foi d’ahi que proveiu a guerra mais forte e mais desastrosa da propaganda contra o nosso padroado.
Quando, pela primeira vez, a propaganda invadiu o real padroado, tudo protestou; a inquisição, o cabido, e até o proprio arcebispo de Goa.
Porém, depois da extincção das ordens religiosas, começou a côrte de Roma a mandar aos seus vigarios apostolicos que não prestassem obediencia ao primaz do oriente. Primaz do oriente!! Titulo glorioso que o arcebispo de Goa já não usa, e que eu tanto me honro de ter possuido e de ter levado alçada a cruz metropolitana de Goa desde Bombaim até Calcutá.
Verdade é, gosa agora do titulo de patriarcha... mas é patriarcha ad honorem.
Pela extincção das ordens religiosas começou a guerra ao padroado em Ceylão, Madure, Bombaim, Quilon, Madrasta e Calcutá.
Veiu a concordata de 1807 restabelecer a paz, e então os christãos não pediram nada a Roma. Hoje está acesa a guerra, e ella continuará, porque já não é a guerra de padre contra padre, ha de ser a guerra de um bispo contra outro bispo.
Dada esta explicação, que julgo sufficiente para a illustração da camara, entro na analyse succinta da concordata de 1886.
Em primeiro logar esta concordata não está no espirito nem na letra da concordata de 1857. Na de 1857 não se marcava o territorio que devia pertencer ao real padroado nem o que havia de pertencer aos vigarios apostolicos; estes tinham uma porção de fieis, e os bispos do padroado outra.
As dioceses não se achavam demarcadas, e eu mesmo não quiz demarcai-as, para conservar sempre intacto o direito de Portugal, de accordo com a Santa Sé, poder demarcar o territorio d’essas dioceses.
O territorio circumscreve-se, as pessoas recenseam-se.
A concordata de 1886 fez um recenseamento até certo ponto exacto, mas quanto á circumscrição foi muito imperfeita, imperfeitissima, e não acabou com a guerra, guerra terrivel e desastrosa que ha de durar ainda por muito tempo, porque a Índia não é como qualquer nação, como Portugal, Hespanha, ou qualquer outro paiz, onde a religião, por assim dizer, é uma só.
A Índia não é assim.
Os seus habitantes professam um grande numero de seitas religiosas cujos sectarios vivem misturados uns com os outros nas mesmas das e até nas mesmas casas, não pertencendo ao mesmo pastor.
Agora, pergunto eu, a concordata de 1886 attende a isto?
Não. Estabelece que taes e taes christandades pertençam a taes e taes igrejas.
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242 DIARIO BA CAMARA DOS DIGNOS PARES no REINO
Essaschristandades estão todas misturadas, como já disse, e até na mesma rua, e na mesma casa. D’esta mistura resultam varios inconvenientes e a este respeito citarei um facto muito frequente.
Um casamento não póde ser feito, desde o concilio de Trento, se não com a assistencia do respectivo parocho ou com licença deste. Não se observando este preceito, o casamento é nullo. Ora a maioria dós membros de varias christandades não vem á igreja senão quando recebem o sacramento do baptismo ou querem celebrar os seus casamentos e os padres aproveitam esta occasião para lhes pedirem os benesses, que na fórma do costume lhes são devidos, e muitos christãos vão casar a uma ou1 outra igreja, segundo mais lhes convem.
Eu peço á camara licença para lhe contar factos, porque os factos convencem mais que as palavras, (Apoiados..)
Como ía dizendo, aquelles povos raramente vão à igreja, e só para os fins que acabei de indicar, aproveitando os padres a occasião dos casamentos para os examinar em doutrina christã. Elles não respondem, porque a não sabem, e então o padre manda-os embora e diz-lhe que só os receberá em matrimonio quando souberem a doutrina.
Cuida a camara que elles voltam?
Infelizmente não.
E sabem v. exas. como elles casam?
Dirigem-se a maior parte das vezes a um padre da propaganda, o qual sem proclames, sem o exame da doutrina christã, e sem escrupulos, mas a troco de algumas rupias, assiste ao casamento.
Isto é um facto frequente em quasi todas aquellas christandades.
Em uma das freguezias de Salsete, nos estados de Goa, ha uma especie de tribu, chamada dos Cherumbins, que não obstante todas as diligencias que até agora se têem feito, ainda não perderam o antigo costume de não irem á igreja senão por occasião do seu casamento, ou baptismo de seus filhos. E como vivem perto da fronteira ingleza, quando o parocho d’aquella freguezia exige para o casamento delles o exame de doutrina christã, que segundo a constituição do bispado, seria muito facil e resumido, recusam-se ra esse exame e procedem como acabámos de referir á camara. Julguei conveniente a bem da religião e da disciplina da igreja proceder contra elles, declarando p casamento nullo e impondo-lhes a pena de censura, e este meu modo de proceder produziu bom resultado.
Mas, sr. presidente, não é só este o mal da concordata de 1886, ha ainda outro que eu julgo maior.
Quanto a mim a concordata de 1886 acabou com toda, a esperança do nosso padroado.
Os nossos missionarios não vêem diante de si um futuro muito agradavel.
A concordata de 1886 fez o mesmo que Deus disse ao mar: não poderás passar d’estes limites.
Os nossos missionarios ficaram sem acção, sem poderem, trabalhar, é se o podem fazer é só n’uma parte muito diminuta do antigo territorio do padroado.
A concordata de 1886 veiu inscrever no magestoso edificio do padroado a mesma legenda que o Dante collocou. nas portas do Inferno: Voi ch’intrati, lasciate agni speranza
Para os missionarios portuguezes já não ha esperança. A concordata de 1886 roubou-lhes essa idéa tão lisonjeira, como consoladora.
Ora, sr. presidente, este modo de proceder traz comsigo ainda um mal maior, segundo a minha maneira de pensar, mal de que a Santa Sé já tem sido tambem victima.
A concordata de 1886 justifica o systema dos factos consummados.
Qual é o titulo pelo qual os missionarios da propaganda hão de ficar de posse das nossas igrejas?
O titulo.. . são os factos consummados.
Qual a rasão por que nos tiram o que nos pertence?
Allegam que nós não sabemos administrar!
Tambem contra a Sé apostolica, desgraçadamente, se allegou o mesmo motivo.
Parece-me, sr. presidente, que a concordata de 1886, alem dos defeitos que eu tenho indicado, ainda tem outros, como o que diz respeito á nova circumscripção,
E a proposito de circumscripção, direi a v. exa. e á camara, que sinto, que não se tenha publicado a bulla da novissima circumscripção das dioceses do continente.
Ainda, mas para outro fim, hei de requerer que ella seja publicada.
Sr. presidente, uma diocese não é outra cousa mais do que a circumscripção de um territorio, dentro do qual o prelado exerce a sua jurisdicção ordinaria. Ora, eu já disse que a concordata de 1836 não fez esta circumscripção como deveria ser feita, e portanto não tem uma certa canonicidade.
Nós temos um bispo de Damão com residencia em Bombaim, e a propaganda tem ahi tambem um bispo.
Quer dizer dois bispos na mesma cidade, frente a; frente, dois rivaes necessariamente, duas jurisdicções distinctas, o que é muito prejudicial para o bem da Igrejae socego d’aquelles povos. As luctas hão de succeder-se.
Quanto eu não soffri por não querer quebrar o statu que estabelecido na concordata de 1857; de quantas calumnias não fui eu victima!!
Portanto, a concordata de 1886 não tem uma certa canonicidade, e não trato, de uma verdadeira circumscripção, porque não marca exactamente os limites das dioceses das duas jurisdicções.
Na concordata de 1886 marcam-se limites muito estreitos para o padroado portuguez, mas para os vigarios apostolicos nem uma só palavra a tal respeito. A concordata apresenta pois a igualdade que deveria apresentar? Parece-me que não.
Os vicariatos apostolicos não têem circumscripção, pelo menos, não a vejo na concordata; ficam, portanto, senhores de todo o territorio.
A concordata, em geral, é humilhante para o padroado, e muito principalmente para o clero de Goa, logo, é deshonrosa para Portugal. (Apoiados.) N’esta questão não faço politica, porque todos nós somos portuguezes e todos devemos zelar os direitos e glorias que nos legaram os nossos antepassados. (Muitos apoiados.}
Digo que a concordata é deshonrosa o demonstrarei que o é, segundo eu entendo.
Qual foi a terra importante que nos deixaram? Foi Bombaim? Não, Foi Madrasta? Foi Ceylão? Foi Calcuttá? Não e não.
Os nossos missionarios, diz-se, são uns miseraveis, não sabem fallar inglez; só os que faliam este idioma é que são verdadeiros missionarios. Os dá propaganda, que vem da Italia, da Baviera, da Bélgica, da Irlanda, de toda a parte, esses sabem fallar inglez, esses são" uns grandes missionarios.
Na verdade, a propaganda tem homens muito capazes, não o nego; mas como estão elles collocados? Estão acaso nas missões onde os povos precisam mais doutrinação, é onde com mais trabalho se administram os Sacramentos? Não, porque ignoram a lingua do paiz. E o homem que vae em certa idade para o Indostão, não a aprende, poderá lel-a, mas não a póde fallar. As populações mais civilisadas, as mais commerciaes, e ricas, onde ha os. meios necessarios para o esplendor do culto e o estabelecimento de orphanilatos e outros institutos de beneficencia e de instrucção, esses ficaram para a propaganda, cujos missionarios, segundo dizem, sabem a lingua ingleza e têem uma civilisação mais adiantada!
Para estes a estima, a consideração e o proveito da vinha e da seara, que os nossos missionarios sem saberem a lingua ingleza? plantaram desbravando a terra, onde a semente da palavra de Deus foi lançada, e Deus prodigiosamente abençoou.
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E esta exclusão das grandes populações tão claramente parcial, e odiosa, será uma honra ou uma humilhação para o padroado portuguez e o seu clero?
Póde acaso um paiz que presa o seu nome e as suas tradições gloriosas approvar como honrosa uma tal circumscripção, sem que se sinta offendido nos seus brios, no seu pundunor de nação civilisada, christã, catholica e independente?
A camara julgará. (Vozes: — Muito bem.)
Disse eu que o homem que vae em certa idade para o Indostão, poderá aprender o idioma desse paiz, porem não o poderá fallar correctamente. A este proposito citarei um facto succedido com o meu antecessor em Goa, o sr. D. Fr. Manuel de S. Gualdino, que tendo sido nomeado bispo de Nankim, foi transferido para Macau e mais tarde foi arcebispo de Goa.
Persuadia-se elle, que sabia fallar as linguas do Oriente, o industani e o concani, e n’essa persuasão, andando a confirmar em certa igreja, fez uma predica, como é costume o bispo fazer, antes de ministrar o sacramento da confirmação.
Resultou d’isso o povo desatar ás gargalhadas, e sair pela porta fóra, porque elle não pronunciara duas ou tres palavras como se devia pronunciar.
Riu-se o povo da inépcia do prelado, e não quiz mais ouvir à predica.
O conhecimento da lingua ingleza é necessario especialmente aos bispos, aos vigarios geraes, aos priores das missões, por isso que têem de entender-se com a nação ingleza, nação que nos tem respeitado sempre, e concedido as mais terminantes provas da sua consideração. (Muitos apoiados.}
Eu estabeleci uma aula de lingua ingleza no seminario de Rachol, e mandei que fosse ensinada em Madrasta e Calcuttá; mas quanto ao ensino das linguas indigenas, é impossivel fazer-se, porque são muitas.
Ha uma lingua geral no Indostão chamada industani, porque é costume carregar-se na ultima syllaba dos vocábulos, assim como Calcuttá, Daccá, etc., porem em Goa falla-se o concani, ao norte de Goa falla-se o niaratha e o concani, ao sul o canarim e o malabar, em Madrasta o thamuly em Ceylão o shingalá; em Calcuttá outro dialecto, e assim nas mais provincias do Indostão.
Succede exactamente como na Grecia. A lingua grega é uma só, mas tem differentes dialectos.
Por isto já se vê quanto seria difficil o conhecimento de toda esstas linguas ou de todos estes dialectos.
Em Portugal creio que não ha curso de lingua hespanhola; eu pelo menos não tenho conhecimento de que em Portugal exista lyceu onde se ensine o hespanhol; mas a verdade é que no nosso paiz, todos, mais on menos, comprehendem o idioma da nação vizinha.
Como ía dizendo, sr. presidente, no Indostão ha uma lingua cornaram, mas cada provincia tem o seu dialecto especial que se aprende com facilidade.
O que é preciso é ensinar-se latim, porque é a lingua da igreja, e porque os compendios estão hoje escriptos em latim.
O padre, que não sabe latim, não é digno de exercer a profissão sacerdotal.
Teem sido. accusados os missionarios de Goa de não saberem cousa alguma, e escriptores houve, cujos nomes não cito, que affirmaram, que esses missionarios eram despresiveis pela maneira porque se apresentavam.
Sabe v. exa. sr. presidente, a rasão d’isto? É que o governo portuguez dava-lhe insignificantes congruas. Os missionarios mais prestimosos recusavam-se a ir para aquellas paragens porque diziam que não estavam dispostos a morrer de fome.
O seminario dos jesuitas em Bombaim é um edificio magestoso, tão grande, pelo menos na apparencia, como o palacio da Ajuda. É um edificio famoso, com tadas as
commodidades e como não existe outro em todo o Indostão e os nossos seminarios de Rachol e Madrasta, não offerecem talvez essas commodidades mas não são certamente inferiores, no ensino das sciencias ecclesiasticas e preparatorias.
E digo isto para se fazer o confronto entre as circumstancias de uns e outros.
Os que diziam, que aquelles missionarios eram despreziveis, só porque os julgavam na apparencia, estavam em completo erro, porque a verdade é que nos nossos estados de Goa ha homens notavelmente intelligentes. Deus parece que deitou intelligencia ás mãos cheias sobre os filhos de Goa.
O sr. marquez de Sá da Bandeira, então ministro da marinha, por occasião de eu lhe participar que tinha feito uma reforma nos estudos do seminario de Goa, mandou-me dizer que a reforma estava bem feita, mas que lhe faltava a cadeira de introducção aos tres reinos da natureza.
Eu respondi a s. exa.: Isso é muito bom, mas aqui não ha livros nem ha mestres, e se s. exa. quer mandar- mestres, livros, instrumentos, apparelhos, e os modelos que são necessarios para á illustração dos alumnos, eu mando abrir a aula; todavia lembro a s. exa., que para se fazer um soldado bastam apenas tres mezes, mas que são precisos seis annos para eu fazer um padre.
O sr. marquez de Sá da Bandeira, que era um homem cuja intelligencia era igual ao seu incontestavel patriotismo, não insistiu mais na sua observação.
Sr. presidente. A concordata de 1886 não é complemento da concordata de 1857, como o governo pretende.
Na concordata de 1857, dizia-se assim: «á proporção que as vacaturas occorrerem, e se for provendo as igrejas, os missionarios da propaganda fide, entregarão essas igrejas.
Agora essa esperança caducou inteiramente.
Dizia a concordata de 1857, que as igrejas fizessem os seus inventarios.
Agora, pela nova concordata, não se manda fazer inventario, agora diz-se que haverá uma compensação.
Mas como ha de ser feita essa compensação?
Será feita só d’aquellas igrejas que actualmente passaram de nós para elles, ou d’elles para nós? Ou será feita d’aquellas igrejas que elles têem tomado ha largos annos para cá?
Reconhecido o direito de reversão, então deverá reverter tudo.
A propaganda não póde possuir a maior parte das igrejas que tem, porque foram feitas pelos portuguezes, e portanto eram nossas. (Apoiados.}
A camara desculpará o calor que tomo nesta discussão, porque a expressão da idéa não póde trair os sentimentos do coração. (Vozes: — Muito bem.) Ex abundantia cordis, os loquitur.
As igrejas que a propaganda tem, que foram nossas em outros tempos, venham para nós. É este o effeito do principio da reversão. (Apoiados.}
O artigo 2.° da concordata de 1886, estabelece que o arcebispo de Goa presida os concilios provinciaes de todas as Indias orientaes.
Ora,- estas provincias não podem ser senão as provindas ecclesiasticas, isto é, a reunião do arcebispo com os bispos seus suffraganeos.
Eu não sei ainda se a Santa Seja declarou, quaos os arcebispados que ficara no Indostão. Sei que o arcebispo de Varapoly ficará provavelmente onde está. Sei que em Madrasta ha uma grande população christã, e portanto será necessario fundar ali um arcebispado; sei que o vigario apostolico de Calcuttá tem o titulo de arcebispo, e muito provavelmente ali se instituirá um outro arcebispado porque Calcuttá é a capital de toda a Índia ingleza.
Agora digo eu.
Quando o arcebispo de Calcuttá tiver de vir ao concilio difficilmente o poderá fazer, porque de Calcuitá a Goa são pelo menos 700 leguas maritimas,
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Isto quer dizer que o patriarcha ad honorem das Indias nunca ou difficilmente presidirá os fallados concilips provinciaes.
Precisava elle para ter esta presidencia receber o titulo de patriarcha ad honorem? Não. Elle podia presidir a esses concilios como arcebispo de Goa, pois que elle era o primaz, e o primaz prevalece a todos os arcebispos.
Este glorioso titulo de primaz foi mudado para patriarcha, muito de proposito, porque a propaganda, por escripto e de palavras, tem sempre affirmado que o arcebispo de Goa não é primaz do Oriente e não é mais que um bispo como qualquer outro.
Mais ainda.
Sr. presidente, o meu espirito é assaltado de uma duvida. Do nosso padroado na China resta-nos o bispado de Macau, e pela nova concordata de 1886 este bispado não está incluido na provincia ecclesiastica de Goa.
Agora pergunto eu, a que provincia ecclesiastica pertence hoje Macau?
Confesso que não sei responder, ou teria certamente de dizer que deverá pertencer a uma provincia da propaganda, porque na nova concordata está consignado que os suffraganeos do arcebispo de Goa serão os bispos de Damão, Cochim e S. Thomé de Meliapor.
E então Macau a quem fica sujeito, de quem será suffraganeo?
Não se sabe: Macau ficou isolado. O bispo de Macau ou ha de ser suffraganeo da propaganda, ou ha de ficar sujeito immediatamente á Sé Apostolica e ser d’ella como um vigario, ou pertencer a alguma das metropoles ecclesiasticas de Portugal, ou então a concordata ha de ser aclarada n’este ponto. Não vejo outro modo de sair d’este grande embaraço. (Apoiados.)
Outra duvida. E não repare a camara n’esta minha insistencia, porque é a verdade, a historia e a rasão que me auctorisam a isto.
Não sei bem o motivo porque ao bispo de Damão se deu tambem o titulo de Cranganor.
Em outro tempo, quando se extinguia ou se transferia a séde de uma diocese, o bispo, alem do novo titulo, conservava tambem o da diocese extincta ou transferida; assim procedeu a Sé Apostolica com os bispos de Angola e do Congo e de Bragança e Miranda. De Cranganor é que o bispo de Damão não devia ter o titulo, porque Cranganor fica distante e separado de Damão algumas duzias de leguas, devendo por isso antes pertencer a Cochim.
Mas creia v. exa. sr. presidente que se o bispo de Cochim ficasse tambem com o titulo de Cranganor, nem um só dos fieies de Cranganor ía para a propaganda. Esta é a verdade tal como se apresenta ao meu espirito.
Mas, sr. presidente, nem todos podem saber tudo. Não ha tantos homens encyclopedicos como á primeira visita parece, porque a sciencia tem espalhado muito os seus ramos frondosos, e os homens encyclopedicos acabaram.
Ha especialistas, taes como canonistas, jurisperitos, medicos, chimicos, astrónomos, etc. Cada um competente na sua especialidade, e são estes os homens que devem ser consultados em materias da sua competencia. Mas na negociação da concordata de 1886 não se attendeu a esta regra de prudencia. Entendeu-se que todos estão habilitados para tudo.
E o resultado foi este.
Eu tenho estado a cansar a camara com estas minhas reflexões.
Vozes: — Não cansa, falle, falle.
O Orador: — Mas do coração lhe peço desculpa, porque eu não podia deixar de vir aqui e n’este logar fazer estas reflexões, embora muito succintas, porque para entrar na rigorosa apreciação da nova concordata, não o poderia fazer nos estreitos limites de um discurso parlamentar, seria ou antes será necessario escrever um livro.
Mas permitta-me ainda a camara que eu diga algumas palavras a respeito de Ceylão, porque a gratidão é para mim um dever, sagrado, e seria ingrato se não fizesse uma commemoração especial de Ceylão.
Ceylão é uma formosa ilha, cujo mar é de perolas, os campos de café e canella, e os montes de pedras preciosas como diz Bluteau.
Esta ilha é fertilissima, e importante no seu commercio, e tão importante que o governo inglez a não sugeitou ao governador geral de Calcuttá. Ceylão corresponde-se directamente com ò governo da metropole, tem sellos de correio, que lhe são privativos, e um orçamento proprio da sua receita e despeza, e só está sugeita, e directamente ao governo de Sua Magestade Britannica.
Tres vezes sr. presidente, tres vezes á jurisdicção do padroado tem sido introduzida em Ceylão, e é por isso que os cyngaleses teem dado tantas provas de indignação, e se queixam amargamente de Portugal os ter abandonado; e tão grande é a sua indignação que elles vão para a heresia, que é o perigo e a perda da salvação das suas almas, se os não conservarem sugeitos ao padroado portuguez.
Quando a Santa Sé for informada d’este perigo, ha de necessariamente abrir as suas portas, porque o successor de S. Pedro, é o vigario e o representante de Christo na terra. Pulsate et aperietur vobis.
Se o governo se revestir de uma certa auctoridade é força, que eu procuro e desejo dar-lhe, com estas minhas reflexões, ainda que breves e desalinhadas, Roma ha de ceder, porque o Santo Padre, successor de S. Pedro, é, como já disse, o representante de Christo na terra; e Christo disse: Petite et accepietis.
Na minha visita a Ceylão reconheci que aquella ilha era importantissima, e tão importante que ainda hoje sinto que o grande Affonso de Albuquerque não tivesse estabelecido ali a capital do imperio Indo-luso, porque se o tivesse feito, ainda hoje estariamos, de posse d’essa ilha.
Ceylão é riquissima como já disse, quasi do tamanho de Portugal, e com uma configuração approximadamente a mesma; tem uma producção abundantissima e dois portos que se defendem facilmente.
A sua riqueza é tal, que quando alguem se admirava que não cultivassem o arroz, diziam: Para que? Se temos para vender pedras preciosas, perolas, café, canella e pau precioso, como é oeébano!!!
Sr. presidente, como ia dizendo, fui a Ceylão; e quando cheguei a essa ilha, fui brilhantemente recebido em triumpho, e acompanhado até pelos proprios propagandistas!!!
Entrado na igreja da missão portugueza, e desde esse dia, não foi necessario que o superior da missão despendesse commigo cousa alguma. O meu sustento era fornecido por differentes familias que habitavam aquella ilha.
Celebrei missa de assistencia em Ceylão, mas, sr. presidente, não posso deixar de confessar, que me cairam as lagrimas dos olhos, quando ouvi pregar um sermão em lingua portugueza, ainda que, usando-se de palavras antigas, como, por exemplo, dizendo, em logar de fallar papiar. Que saudosa e alegre sensação eu não experimentei, e que entranhado affecto aquelles povos não têem a Portugal!!!
Sr. presidente, devo confessar que recebi os maiores obséquios d’aquelles povos, e até dos que estão sujeitos á jurisdicção da propaganda.
Quero, porém, contar á camara um facto, que mostra à intolerancia de alguns prelados da propaganda: Em toda a parte aonde fui, urnas vezes fui eu o primeiro a comprimental-os, outras vezes foram elles que vieram comprimentar-me. Isto deu-se até com o celebre Fenely, que tão inimigo foi do padroado e da nação portugueza, que chegou até á ousadia de chamar rei de copas ao chorado Rei D. Pedro V!!!
Mas vamos a Ceylão, e ao tal facto a que eu ia referir-me.
Ali recebi eu uma carta do vigario apostolico, mostrando o seu desejo de avistar-se commigo,
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SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1887 245
Entendi que devia annuir, e respondi dizendo-lhe que o esperava na minha residencia, e indicando a hora.
Dei parte disto aos meus christãos, e elles julgaram que estava toda a lucta acabada, e eu mesmo assim o julguei, porque a Santa Sé não é inimiga da verdade, mas muitas vezes é mal informada.
Dei pois parte aos meus christãos de que com a propaganda a lucta deveria acabar e que era necessario viver em paz, e recommendei que fizessem ao vigario apostolico todos os obsequios devidos á sua categoria. Chegada a hora indicada, apresentou-se-me um homem vestido á moda do paiz, portador de uma carta do vigario apostolico. Li a carta, em que elle me dizia que estando eu na residencia de um padre excomungada, não podia vir visitar-me!! E isto, sr. presidente, quando eu tinha vindo de Roma, e o breve Multa praedare se achava abrogado e sem effeito!!!
Aqui tem a camara, como procedia o vigario apostolico. E sabem v. exas., qual foi a desforra que disto se tomou? Foi os christãos conviáarem-me para ir ministrar o chrisma na igreja de Negombe, e não foram só os da minha jurisdicção, foram tambem os da propaganda. Receberam-me elles com arcos triumphaes não só de flores, mas de fructos, adiante de mim marchava uma especie de tropa dando tiros de arcabuz, e soltando grande hurrahs, indo eu n’uma carruagem descoberta, e para todos imaginarem que me levavam em triumpho, os que iam junto d’ella collocavam as mãos cobertas de anneis de brilhantes e pedraria nos lados da carruagem!
E perguntando eu porque assim faziam, responderam que era para significar que a carruagem era por elles conduzida.
Que prestigio não gosa ainda Portugal naquellas longiquas terras, que perdemos, e em que pretendemos agora apagar até os ultimos vestigios do nosso predominio!
Poderia citar á camara muitos factos, mas citarei sómente mais dois, e pungiram elles bem amargamente o meu coração de prelado catholico.
Em Colombo ha uma irmandade rica, chamada de Nossa Senhora das Dores, e sujeita á jurisdicção da propaganda. Por occasião da minha visita, essa irmandade veiu ter commigo e disse-me: «Nós estamos dispostos a passar para o padroado, sob a vossa jurisdicção; quereis receber-nos?»
E eu respondi-lhes: «Não, porque com isso deixaria de cumprir a concordata de 1857, que manda manter o statu quo o desastrosissimo statu quo que eu me via obrigado a manter para não ser accusado de ter deixado de cumprir uma clausula da concordata, e motivar um breve de suspensão.
Essa irmandade pediu então licença ao bispo da propaganda para eu poder entrar na sua igreja; e quer a camara saber a resposta d’elle?
Não só mandou expressamente que se me fechasse a igreja, e que até nem o sino tocasse!
Quando eu estive em Cochim vieram ter commigo algumas pessoas das mais importantes da localidade, homeas de certa illustração, e disseram-me: «Nós não podemos ir á igreja, porque somos protestantes; mas já fomos catholicos».
— Porque abjuraram? lhes perguntei.
— Porque a isso fomos obrigados pelas violencias e extorsões dos padres, me responderam, e não nos achamos com coragem para novamente pertencermos á Santa Madre Igreja.
No dia seguinte o bispo mandou-me comprimentar, pedindo-me desculpa de não vir pessoalmente a Cochim porque não podia ir lá nem saír do sitio em que estava residindo.
Pareceu-me estranha esta desculpa e tratei de informar-me se era exacta, vindo então a saber que taes tinham sido as extorsões e violencias por elle praticadas contra aquelles povos, que estes o haviam chamado aos tribunaes, tendo-se visto na necessidade de se sentar no banco dos réus.
E desde então nunca mais o bispo saiu dá sua residencia.
E quando mais tarde eu o fui visitar e conheci, devo dizer que me pareceu que elle era homem intelligente é pacifico.
Sr. presidente, uma das arguições que nos faziam, e com que se pretendia affrontar o padroado, era que os nossos missionarios eram ignorantes. Essa arguição já se não faz; e era calumniosa, porque na verdade os nossos padres de Goa têem a illustração precisa para doutrinarem os povos e ministrarem os sacramentos.
Os homens de saber são raros e é sempre muito para apreciar e desejar que os padres sejam illustrados, porque são elles os mestres e guias dos povos.
Não cansarei por mais tempo á camara, e se for necessario, peço a v. exa. me reserve a palavra, caso necessite fazer mais algumas observações.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares de ambos os lados da camara, e pelo sr. ministro da guerra.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): — Sr. presidente, levantando-me para responder ao digno par que acaba de usar da palavra, farei toda a diligencia para que nem um só momento deixe de me conter no respeito que devo a s. exa., não só na sua qualidade de membro d’esta casa, mas tambem como prelado venerando e respeitado por todos os portuguezes e como sacerdote que teve a gloria de presidir ás duas sés mais illustres do reino, de Braga e de Goa, e que foi successivamente primaz do Oriente e primaz das Hespanhas.
Sr. presidente, em todas as considerações que vou fazer, eu hei de procurar obedecer a esse sentimento de respeito que tenho pelo prelado; mas como ministro da coroa, e mais do que nenhum dos meus collegas, porque tenho a minha assignatura ligada á concordata que s. exa. n’este momento acaba de criticar perante esta camara, como ministro da coroa, repito, não posso deixar de levantar algumas phrases proferidas por s. exa., fazendo ver o modo como o governo encarou essa concordata, e a rasão porque entende tor prestado um serviço importante ao paiz, submettendo-a á sancção real, e procedendo em seguida á sua ratificação.
Disse s. exa. que a ultima concordata era deshonrosa para Portugal!
Sr. presidente, deshonrosa para Portugal era a situação humilhante que s. exa. descreveu n’uma memoria sobre o padroado que" foi pôr mim e pelos ministros meus antecessores constantemente consultada.
Deshonrosa e humilhante para a corôa portugueza era a situação que s. exa. descreveu quando dizia:
«Por que rasão plausivel havia de ser tirada na concordata de 21 de fevereiro, ao arcebispo de Goa, a sua jurisdicção metropolitana nos bispados suffraganeos do padroado portuguez no oriente?
«Foi assim mais decoroso para Portugal, e mais util ao Padroado, que o primaz do oriente ficasse reduzido, fora dos estados de Goa, a um simples delegado, e delegado extraordinario do Papa para tal jurisdicção, na sua propria provincia ecclesiastica?
«Não é hoje bem manifesto e reconhecido este erro cardeal d’aquella concordata?
«O Santissimo Padre concedeu aquella delegação, precisamente por seis annos, depois por tres annos, e agora, quando esta segunda acabar, por quantos mais será ella concedida? E se o Santissimo Padre não a prorogar?
«Teremos novas desordens, novos escandalos, novo scisma, na phrase dos adversarios do padroado? Deus affaste para longe só esta idéa, quanto mais a existencia do facto, que não só é possivel, mas parece mesmo provavel? E se o Santissimo Padre não a prorogar?»
Pois não estará aqui a defeza dos actos do governo?
Não veiu a ultima concordata pôr um termo ao estado
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246 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
humilhante em que se encontrava o arcebispo de Goa, que tinha sempre suspensa sobre a sua cabeça a espada de Damocles, da recusa de uma nova prorogação para os poderes extraordinarios que lhe eram delegados?
Assim me parece.
Esta era a situação.
S. exa. conheceu-lhe bem as amarguras, e são de s. exa. as palavras que eu vou ler á camara.
«Aquelles que, nos seus accessos de fôfo patriotismo, tanto se empenham na execução da concordata, conhecem que ella é inexequivel, e, como não querem padroado, procuram, pedem continuamente a execução de um tratado que se não póde comprir, para fazerem opposição a quem governa e deseja salvar esta gloriosa instituição, e tambem para darem escandalo e armarem á popularidade. D
Mas, não fica por aqui.
S. exa. analysando o artigo 15.° da concordata, dizia o seguinte.
«O artigo 15.° é o mais nocivo de todos os artigos da, concordata na sua ultima parte, porque indirectamente tirou ao primaz do oriente a sua jurisdicção metropolitica, e o reduziu a um simples bispo sem territorio canonicamente delimitado.
«Este artigo l5.° da concordata de 21 de fevereiro, que deu occasião ao § 2.° das notas reversaes de 10 de setembro de 1859, é certamente, repetimos, o mais funesto á existencia do padroado, e um dos maiores erros que se commetteram n’aquelle tão nocivo tratado, que com toda a urgencia deve ser emendado, se ainda é tempo de o emendar. O prelado que for para Goa, vigorando este artigo, viverá sempre opprimido e desconceituado, tanto aos olhes dos nossos christãos, como dos da propaganda. A delegação da jurisdicção concedida pela Santa Sé será sempre como um espectro, que lhe tolherá uma grande parte da sua acção no exercicio do seu ministerio sagrado.»
Esta era então a opinião de s. exa.
E diz s. exa. que a concordata de 1886 é deshonrosa para Portugal?
Será deshonrosa para Portugal a concordata de 1886, que assegura de um modo definitivo o exercicio da jurisdicção do arcebispo de Goa nas dioceses que nos ficam hoje mantidas em condições de todo o ponto dignas e decorosas?
Quer a camara que eu lhe diga? Parece-me que o digno par, a quem respondo, foi menos justo, quando apreciou as condições em que ficaram essas dioceses. Disse s. exa. que ellas se achavam constituidas apenas por alguns grupos de igrejas ou christandades dispersas. É profundamente inexacta esta maneira de apreciar a circumscripção que se acaba de fazer.
Se percorrermos o mappa da India, veremos que os districtos enormes que constituem a area de cada uma d’estas dioceses, estão perfeitamente determinados; e se a falta de canonicidade, a falta de obediencia aos preceitos canonicos, a que s. exa. alludiu, consiste apenas em não, se marcar geographicamente a area onde ellas funccionam, parece-me que ainda ha n’isso um equivoco absoluto e completo, porque eu posso marcar na carta da Índia quaes as regiões e quaes os districtos que constituem. a arca de cada uma destas dioceses.
Será por outro lado pequena a sua população catholica?
Na diocese de Goa é de 270:000 almas.
A diocese de Damão fica tendo 50:000 almas; e n’essa diocese se comprehende a cidade presidencial de Bombaim.
A diocese de Cochim tem 70:000 almas. A de Meliapor, 50:000...
O sr. Arcebispo de Braga (Resignatario): — Se o nobre ministro me dá licença, far-lhe-hei uma pergunta.
Diz a concordata que ficará pertencendo ao padroado o monte de S. Thomé de Meliapor. Convem distinguir que ha duas igrejas n’aquelle monte; ambas são importantes; uma edificada no sitio onde foi o martyrio de S. Thomé, e outra onde o sepultaram.
Ambas pertencem á jurisdicção do padroado.
Esta segunda igreja tem para a sua conservação um legado, conhecido por legado de João do Monte.
O governo inglez quiz estabelecer em volta deste monte um acampamento e algumas fortificações durante a guerra chamada dos sipaes; mas disse ao superior da missão portugueza: Precisâmos d’este terreno, a missão quer cedel-o?
O superior respondeu! Cedemos.
Avaliou-se o terreno, e o governo britannico paga hoje umas tantas rupias por mez para a missão.
Depois precisou tambem o governo inglez da casa do parocho, situada na eminencia do monte e fez nova proposta.
«Precisamos, disseram, elles, collocar aqui um telegrapho e arvorar a nossa bandeira; dêem-nos essa casa, que nós lhe faremos outra.» E fizeram-na, obrigando-se tambem a pagar uma outra prestação mensal.
De sorte que a igreja do monte de S. Thomé é importantissima para a diocese de Meliapor, porque não só tem o legado de João do Monte que o governo inglez administra, mas tambem as pensões que o governo inglez lhe paga e que constituem os rendimentos proprios da missão, os quaes são repartidos por outros missionarios.
E ambas estas igrejas ficaram pertencendo, á diocese de Meliapor?
O Orador: — Sr. presidente, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã, porque já deu a hora.
O sr. Presidente: — A seguinte sessão será ámanhã, e continua a mesma ordem do dia.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 25 de maio de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquez de Vallada; arcebispo de Braga (resignatario); condes, de Alte, de Castro, de Magalhães, de Paraty, do Bomfim; viscondes, da Arriaga, da Azarujinba, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de S. Januario, de Moreira de Rey, barão de Salgueiro; Ornellas, Agostinho Lourenço, Adriano Machado, Braamcamp Freire, Aguiar, Silva e Cunha, Couto Monteiro, Senna, Oliveira Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Pinheiro. Borges, Hintze Ribeiro, .Francisco Cunha, Costa e Silva, Antunes Guerreiro, Ressano Garcia, Barros Gomes, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Melicio, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Baptista de Andrade, Bandeira Coelho, José Luciano, Castro, Teixeira de. Queiroz, Lobo d’Avila, Ponte e Horta, Silva Amado, Raposo .do Amaral, Sá Carneiro, Mexia Salema, Slvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Villas Boas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Cabral de Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Serra e Moura, Barreiros Arrobas.