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N.º 16

SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - 0 sr. D. Luiz da Camara Leme refere-se a uma noticia, publicada pela Independencia belga, a proposito do nosso litigio com d Inglaterra. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. conde de Linhares faz algumas ponderações, e manda para a mesa uma nota de interpellação. - O digno par Vasconcellos Gusmão justifica as suas faltas ás sessões, bem como as do sr. barão de Almeida Santos. - Continua o incidente sobre a lei dos cereaes, respondendo o digno par Barros Gomes ao sr. visconde de Moreira de Rey. Replica este digno par ao sr. Barros Gomes. - O sr. conde da Arriaga propõe se consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até findar este incidente. A camara approva. - Tem a palavra o digno par o sr. Luciano de Castro - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Alternam se mais uma vez no uso da palavra estes dois oradores. - O digno par Costa Lobo manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos. Expedido. - O sr. visconde de Moreira de Rey propõe que fique auctorisado o sr. presidente a nomear a commissão de inquerito agricola, devendo ella ser constituida de cinco ou de sete membros. - Resposta do sr. presidente. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e trinta e cinco minutos da tardo, achando-se presentes 26 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, enviando as notas que lhe haviam sido pedidas para satisfazer ao digno par o sr. Firmino João Lopes.

Para a secretaria.

Officio da associação commercial do Porto, enviando dez exemplares do relatorio da mesma direcção, referente ao anno de 18S9.

Para distribuir pelas commissões da camara.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.}

O sr. Presidente: - Estes documentos vão ser remettidos ao digno par o sr. Ferreira Lopes.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra, para tratar de um negocio urgente, quando estiver qualquer membro do governo.

O sr. Presidente: - Está presente o sr. ministro da fazenda.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - N'esse caso chamo a attenção do nobre ministro da fazenda para as considerações que muito succintamente vou apresentar.

Sr. presidente, eu fiquei vivamente impressionado com um artigo que li na Independencia belga a respeito das nossas delicadas questões africanas.

A Independencia belga, como a camara muito bem sabe, é um jornal que gosa na Europa de grandes creditos, porque as noticias que dá são sempre baseadas em informações fidedignas.

O assumpto de que trata o artigo é gravissimo.

Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. Hintze Ribeiro, que é o ministro mais competente para poder socegar me nas apprehensões que tenho pela leitura do artigo que vem na Independencia belga, do dia 2 do corrente, artigo que vou ler á camara, remettendo-o depois ao sr. ministro da fazenda, que é possivel não ter conhecimento d'elle.

Diz a Independencia belga:

"A questão da divisão territorial do leste africano uno é a unica que se debate; está estreitamente ligada com as dos territorios da região do Chire e do Zambeze, ou antes do lago Nyassa que Portugal cedeu á Allemanha, e cuja sessão é declarada nulla e sem valor pela Inglaterra pelo facto d'esta potencia contestar a soberania portugueza n'aquella região.

"Sabe-se que, se a Inglaterra dá uma importancia excepcional a estes territorios sul africanos, é porque pensa em ligar por uma faxa territorial, não interrompida, as suas possessões do Cabo da Boa Esperança com as suas possessões no leste africano, e que toda a potencia estrangeira, Portugal ou Allemanha, estabelecida sobre o lago Nyassa, impediria a realisação d'este sonho dourado.

"Segundo as nossas informações fidedignas, a Allemanha continua a sustentar a validade do tratado pelo qual lhe foram cedidos os territorios sul africanos de que se traia, e este ponto é destinado a representar um papel importante nas negociações para a divisão dos territorios leste africanos.

Por este artigo já vê a camara que em todo este negocio ha um mysterio, porque se falla de tratados e de cedencia de territorio portuguez.

Eu nutro a esperança de que esta noticia não é verdadeira.

Mas como a Independencia belga é um jornal muito auctorisado e o assumpto é importantissimo, desejo que o governo de algumas explicações á camara a este respeito.

Por emquanto nada mais direi, e no caso do nobre ministro da fazenda não estar habilitado a responder-me, peço a s. exa. se digne communicar ao seu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, estas minhas observações, a fim de que s. exa. venha a esta camara dar explicações categoricas sobre o assumpto a que acabo de me referir.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, eu não pude comprehender bem o ponto que tantas apprehensões suggeriu no animo do digno par. Pareceu-me, todavia, que s. exa. leu um artigo, era que se falla da cedencia de terrenos á Allemanha. Se esta cedencia tem connexão com o tratado celebrado em tempo com aquella potencia, apenas poderei dizer, que, de tudo o que ha a tal respeito, já a camara tem conhecimento, e que nenhum outro tratado se fez com a Allemanha desde que este ministerio subiu ao poder.

Parece-me, portanto, ter havido equivoco da parte do digno par.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. D. Luiz da camara Leme:-Se v. exa. me permitte, eu acrescentarei que muitas pessoas, que têem lido o referido artigo, se impressionaram deveras com o que aqui se assegura. No emtanto, eu espero que isto seja

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devido a informações pouco exactas, mas desejava que o governo prestasse alguns esclarecimentos, que podessem socegar o espirito publico.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Se o digno par fica satisfeito com o que La pouco acabei de dizer, não tenho duvida de repetir, que não deve haver desassocego, por isso que nada mais ha a este respeito, senão aquillo de que a camara já tem conhecimento.

O sr. Conde de Linhares: - Vira ha pouco cos corredores da camara o sr. ministro da marinha, a quem desejava fazer algumas perguntas; porém, como agora o não vae presente na sala, vae dirigil-as ao sr. ministro da fazenda, certo de que s. exa. não terá duvida em communical-as áquelle seu collega.

Ninguem levará a mal este seu proceder, porque ninguem ousará suppor que elle será capaz de valer-se da sua posição para fazer politica.

Acha indispensavel que desde já se comecem a construir machinas a vapor no arsenal da marinha, pois que, assim como já começámos a construcção de navios, assim tambem conviria muito que construissemos as respectivas machinas.

Refere-se á da canhoneira Zambeze, entre nós feita e cuja primeira experiencia, se porventura não deu os resultados que se esperavam, todavia na segunda deu-os o mais satisfactorios possivel.

Crê, pois, que no nosso arsenal da marinha se poderão construir machinas em boas condições, consoante já se fabricaram navios.

Por isso deseja saber se o sr. ministro da marinha está resolvido a dar as suas ordens n'este sentido.

Pondera no entanto que não é de opinião que se construam machinas para grandes navios, senão para pequenas canhoneiras, machinas que deverão tomar por modelo a da Zambeze, attento que o d'esta lhe parece o melhor systema a seguir.

Se bem seja notorio que não faz parte da maioria du camara, comtudo repete seria incapaz de envolver a politica em questões d'esta natureza.

Manda para a mesa uma nota de interpellação.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

Leu se na mesa a seguinte:

Nota de interpellação

Desejo interpellar o exmo. sr. ministro da marinha sobre a necessidade de construir machinas a vapor no arsenal da marinha, para os nossos navios de guerra e nomeadamente para a nova canhoneira que se acha no estaleiro actualmente.

Sala das sessões, 6 de junho de 1890. = Conde de Linhares, par do reino.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - É simplesmente para declarar ao digno par que com muito gosto transmitirei ao meu collega da marinha as suas observações.

O sr. Gusmão: - O sr. barão do Almeida Santos encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que, por incommodo de saude, desde segunda feira, faltou ás sessões; e eu aproveito a occasião para declarar tambem que pelo mesmo motivo faltei á ultima sessão.

Leu-se na mesa a nota de interpelação do digno par sr. conde de Linhares.

O sr. Presidente: - A nota do digno par vae ser enviada ao sr. ministro da marinha, e será dada para ordem do dia logo que o sr. ministro se dê por habilitado a responder.

Antes de entrarmos na ordem do dia, temos de tratar de um assumpto que se refere á questão dos trigos.

Estão inscriptos os sra. José Luciano de Castro e Barros Gomes; mas não se acha presente o sr. José Luciano.

Quer o sr. Barros Gomes usar da palavra?

(Signal de assentimento do sr. Barros Gomes.)

Tem v. exa. a palavra.

O sr. Barros Gomes: - Pondera que o sr. visconde do Moreira de Rey fizera á camara, na sessão anterior, uma larga narração de todas as peripecias pelas quaes passára uma operação da venda do seu trigo; mas estando essa transacção em vésperas de se realisar vantajosamente, felicita o digno par, por vir a effectuar a venda do seu trigo em condições que muitos lavradores invejariam para a venda dos seus generos.

(O sr. visconde de Moreira de Rey pede a palavra.)

Nota que o digno par pediu a palavra, sem que todavia lhe desse motivo a fazei o, pois que o que dissera, significava tão sómente que s. exa. tem interesses importantes n'esta questão e com os de s. exa. estão os interesses de todos os lavradores.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Apoiado! Essa é que é a questão.

O Orador: - Confirma então o que já dissera, para que o sr. visconde não visse nas suas palavras a minima intenção desagradavel para com s. exa., ainda que, se ao contrario disto procedesse, sobrada rasão lhe dera o digno par para o fazer, não só pelas largas cenouras que lhe irrogára aos seus actos, como ministro, mas ainda pela maneira agressiva e injusta como s. exa. tratara os membros da commissão que elaborou o regulamento do mercado central de cereaes. Assim, vê-se na necessidade de os defender, e não porque s. exas. o não saibam por si proprios fazer, mus por nem todos terem assento n'aquella camara.

Ora, dizendo o digno par que elles haviam assignado de cruz esse regulamento, e que a essa com missão havia sido imposto por elle, quando ministro, um relator, offende a respeitabilidade de nomes taes como o dos srs. marquez de Rio Maior, José Maria dos Santos, Simões Margiochi, visconde de Coruche, Estevão de Oliveira e outros.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Protesta haver affirmado que tinham sido chamados simplesmente por causa das suas assignaturas os membros do conselho do mercado central. Quanto, porém, a commissão, responde que defenda muito embora s. exa. os actos d'ella e não as pessoas, por isso que elle atacára actos e não pessoas.

O Orador: - Passa então a defender o que mais directamente lhe diz respeito e declara que nada impozera a uma commissão composta de cavalheiros tão respeitaveis, que de certo não acceitariam imposições de ninguem, e que ella escolhêra livremente o seu relator, e o escolhido fôra um funccionario publico dignissimo.

Enrende que n'este negocio a quentão fiscal devia ser attendida, por ser de summa importancia para a agricultura, visto como, se o elemento fiscal fosse desprezado, pela raia se introduziram uma enorme quantidade de trigo hespanhol, e d'este modo seriam frustrados os beneficios que a lei tinha em vista proporcionar á agricultura nacional.

Não o apavora o receio pela accusação a que o digno par na sessão anterior se referira e que lhe não podia ser feita n'aquella casa. Sem ser jurisconsulto, e sómente ajudado da sua experiencia parlamentar e da necessidade de estar ao corrente das diversas praxes que lhe são relativas, deve saber que a accusação havia de ser formulada na outra casa do parlamento.

O que o digno par podia fazer era tomar a iniciativa de um lei de responsabilidade ministerial.

Exalça depois os serviços e merecimentos do relator da commissão, o sr. Mattozo Santos, allegando que não podia deixar de erguer a sua voz em defeza d'elle, ponderado que o sr. visconde de Moreira de Rey injustamente o atacára.

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Mais uma vez protesta que atacára actos e não pessoas.

O Orador: - Redargue-lhe que a seu tempo tratará dos actos.

Vae primeiramente referir se ás attribuições do conselho do mercado central, a cujo proposito, durante oito mezes que esteve no ministerio da fazenda, se vira obrigado a tomar varias providencias, visto que nenhuma instituição nasce perfeita, (Apoiados.) e antes todas, quer politicas, administrativas ou fiscaes, soffrem na pratica modificações tão importantes, que ás vezes alteram radicalmente o systema primitivo, por a experiencia diaria demonstrar aquillo que os estudos preliminares nunca haviam previsto. (Apoiados.)

Não póde deixar de louvar muito o sr. Marianno de Carvalho, pelo grande serviço que prestou ao paiz, organisando o mercado central ou uma bolsa de cereaes, segundo o mechanismo ou estructura das que existem no estrangeiro.

Não obstante, é o primeiro a reconhecer defeitos na organisação do mercado central; mas parece-lhe que esses defeitos não foram em verdade a causa de não conseguir o sr. visconde de Moreira de Rey a realisação do negocio que s. exa. tinha em mente.

Espera que o actual sr. ministro da fazenda cujo talento não contesta, remodelará os serviços do mercado central, de maneira que se corrijam todas as suas imperfeições, devendo ficar na dependencia do ministerio das obras publicas tudo o que a elle respeita, salvo o que se refere á parte fiscal.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado!

O Orador: - Passa em seguida a justificar o regulamento, fazendo largas ponderações a fim de demonstrar que n'elle se attendeu ao pensamento da lei e que os interesses da agricultura foram respeitados.

Declara que o sr. visconde do Moreira de Rey, mandando a sua proposta para o mercado, na qual pedia o preço de 60 réis por cada kilogramma do seu trigo, se porventura tivesse seguido os trabalhos da commissão, teria evidentemente reconhecido que essa commissão, em face do regulamento, interpretara devidamente a lei, determinando que o preço medio do trigo, na hypothese de attingir aos seus limites, havia de estar sujeito á taxa marcada pela tabella para as differentes qualidades d'esse genero.

Estranha que o br. visconde de Moreira de Rey dissesse que n'essa tabella era o raciocinio substituido pela álgebra, quando elle, orador, estava na persuasão de que a algebra era um meio analytico de ajudar o raciocinio e conseguir-se com mais facilidade qualquer resultado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Observa-lhe que o que menos comprehendera pelas formulas algébricas, perfeitamente havia comprehendido pelas algibeiras.

O Orador: - Continuando, pondera que o sr. visconde de Moreira de Rey labora n'um equivoco ao imaginar que a lei só permitte a introducção de cereaes estrangeiros, quando o trigo nacional exceda o preço de 60 réis por kilogramma, e a fim de comprovar esta asserção passa a ler varios artigos do regulamento, confrontando-os com as disposições da lei. Não obstante, conclue por affirmar que o actual sr. ministro da fazenda póde e deve aperfeiçoar o mercado central de productos agricolas, mas nunca extinguil-o.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Agradece muito a benevolencia que o sr. visconde de Moreira de Rey dissera estar disposto a usar para com os seus actos, como ministro que foi dos negocios estrangeiros e da fazenda, mas que só lh'a quer e acceita para com ella se honrar nas suas relações particulares, não a desejando e até declinando-a, como homem publico. Como tal, o seu desejo é que tão só e imparcialmente lhe julguem os seus actos, E se quanto ao exame d'elles, na discussão da questão internacional, convem era qualquer demora, é por altas rasões da conveniencia que ha em não prejudicar negociações ainda pendentes. (Apoiados.)

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachyqraphicas.)

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada e por isso vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, eu estava inscripto e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se ella permitte que se prosiga n'este incidente.

Consultada a camara, assim se resolveu.

O sr. José Luciano de Castro: - Como a camara resolveu que se continue na discussão d'este assumpto, lembro a v. exa., sr. presidente, que eu tinha pedido a palavra sobre elle na ultima sessão.

O sr. Presidente: - Já hoje disse que tinha v. exa. a palavra; mas v. exa. não estava presente.

O sr. José Luciano de Castro: - Então tenha v. exa. a bondade de me inscrever novamente.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Allega que quando trouxera á camara esta questão, cuidara muito em estudar os factos, em ler attentamente os artigos da lei e do regulamento e em vir premunido dos necessarios e respectivos documentos.

Sobre isto abstivera se de fazer referencias a pessoaes limitando-se tão sómente a tratar dos actos em que ellas intervieram. D'este modo, censurando os actos, não se deduz que implicitamente censurasse as pessoas que os praticaram, attento reconhecer que em materia criminal é preciso que ao facto incriminado corresponda a intenção criminosa de quem o pratica.

Assim, nas referencias por si feitas ao sr. Barros Gomes, mais de uma vez dissera que tinha a s. exa. por absolutamente innocente, quanto aos resultados provindos das disposições do regulamento e ao modo como este fôra interpretado e executado no mercado central de productos agricolas.

Declara ter o defeito de fallar com uma certa vehemencia, de chamar ás cousas pelos seus nomes, mas quando se queixa, busca demonstrar a rasão da sua queixa e a verdade que afirma.

Tal foi sempre o seu systema, o de ser claro, sem a minima restricção, mas tambem sem a possibilidade da menor referencia disfarçada ou intenção maliciosa. Não lhe serve esse caminho, senão a outros que o exploram. Mas quando para comsigo o usem, talvez percam logo a vontade de proseguir n'elle.

Não sabe fazer allusões, nem insinuações; insiste em que diz claro o que tom a dizer, como aquelle que tem a consciencia da sua justiça e da responsabilidade do que diz, e segundo foi sempre o distinctivo d'este paiz emquanto houve portuguezes.

Admira-se de que, sendo esta a norma do seu procedimento, venha agora o sr. Barros Gomes, e antes de s. exa. já um jornal, dizer-lhe: "O sr. visconde de Moreira de Rey falla na camara dos pares, porque pretendo vender o seu trigo a 60 réis o kilogramma".

E acrescenta o sr. Barros Gomes: "Mas vendendo o sr. visconde o seu trigo a 58 réis, ainda faz uma operação tão feliz, tão lucrativa, que lhe deve dirigir as suas congratulações".

Está certo de que lhe é licito pedir pelo seu trigo o preço que muito bem entender, sem ter que dar satisfações a nenhum particular, nem ao paiz de que faz parte.

O paiz só tem o direito de cobrar-lhe o imposto pelos rendimentos da sua propriedade, da sua lavoura; mas nenhum para lhe dictar leis sobre o preço pelo qual deve vender o seu trigo.

Mas se alguem, quem quer que seja, imaginar que trata

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d'esta questão no intuito de vender o seu trigo, quando é certo que n'ella se interessa por todos os lavradores, appareça e falle-lhe, que lh'o dará; e se o sr. Barros Gomes lhe quer o seu trigo, dar-lh'o-ha desde este momento; continuando, porém, a empregar os mesmos, senão maiores esforços, para que todos os agricultores possam vender o trigo por um preço remunerativo, a fim de habilitar aquelles que representam a maior fonte da riqueza nacional a continuar a contribuir para as despezas publicas e tambem para a boa ordem social.

Alguem pensará que a ruina da classe mais importante do paiz é uma cousa indifferente aos interesses da patria?

Porventura aquelles que se assustam com greves, com manifestações de operarios e artistas, pensaram já alguma vez na possibilidade dos desastres que resultariam, se por acaso se não podesse realisar o trabalho dos operarios agricolas, que constituem a maior parte da nação?

Se não pensaram, pensem, e depressa reconhecerão que devem ter todo o cuidado em não prejudicar nenhuma classe, mas muito menos a de aquelles que se entregam aos trabalhos da lavoura, de onde para todos tiram a quotidiana subsistencia.

Sabe perfeitamente que as allusões e reticencias do sr. Barros Gomes são um simples meio oratorio, a que se soccorre quem não sabe o que ha de responder a justas accusações.

Permitta-se-lhe que discorde do sr. Barros Gomes, ao affirmar-lhe s. exa. que 58 réis é um preço muito remunerador para o seu trigo, e que o de 60 réis é extraordinario; porém, sendo assim, qual a rasão por que fixaram na lei esse preço extraordinario?

Demais, n'uma lei, que foi redigida por accordo de diversas classes importantes?!

Declara á camara e ao paiz que, entre as diversas classes, existe uma que, por ser nova, não deixa de ser considerada a mais importante: é a classe dos moageiros.

Lembra que houve lucta de interesses, travada na imprensa, no parlamento e entre os que têem a seu cargo a direcção dos negocios publicos, e que em presença d'essa lucta o governo transacto propozera nos ultimos dias da anterior sessão o conciliarem-se as diversas classes, e que n'esse intuito o sr. José Luciano de Castro, chefe do gabinete de então, offerecera á consideração dos delegados da associação da agricultura o texto da lei de 15 de julho de 1889.

Sem embargo de ser opinião do sr. Luciano de Castro que o projecto resolveria todas as difficuldades, elle, orador, desde logo antevira e dissera que, longe de as resolver, antes as aggravaria, e que só n'elle vira um expediente improficuo para resolver a questão.

Mas desde que fôra promulgada a lei, todo o paiz tinha obrigação de a cumprir, e todos os lavradores, a quem ella assegurava protecção ou beneficio, tinham incontestavel direito de contar com a realisação d'esse beneficio, o qual estava no preço de 60 réis por kilogramma de trigo.

Estranha que o regulamento buscasse falsificar a lei substituindo á palavra peso, consignada n'ella, a de medida, e ao termo exceder o de attingir. Pois tem por bem claro que para exceder 60 réis, é preciso que se passe alem d'esta quantia, e, para attingir, basta apenas que &e chegue a esta cifra.

Abstem-se de classificar actos de similhante innovação!

Tambem a lei diz que para o agricultor obter o preço do seu trigo, basta que o mande para o mercado central; mas o regulamento altera a lei e declara que o mercado central é nas fabricas de moagens. Quer dizer, onde a lei não faz distincções, nem descontos de especie alguma, o regulamento estabelece clausulas em beneficio das fabricas de moagem e em detrimento dos lavradores, que a propria lei quiz favorecer?!

Por estas e outras considerações que o orador ainda fez é que insta para com o governo a fim de se constituir uma commissão de inquerito.

Contesta depois que pela raia o trigo se preste a contrabando, pelo seu volume, peso e distancia, e se concorda com o sr. Barros Gomes em que o mercado central não pudesse desde logo nascer perfeito; comtudo adverte-lhe que era possivel fazer-se com que não viesse ao inundo aleijado de todo, e antes um pouco melhorado, sem que por este facto houvesse muito que agradecer a quem o inventou.

Mas já que ao monos não nasceu assim, convem em que é indispensavel melhoral-o, e, para conseguil-o, desde já torna a liberdade de lembrar ao sr. ministro da fazenda que a primeira cousa a fazer é não deixar de pé nada da organisação actual do mercado central de productos agricolas.

Condemna os armazens alfandegados, pela enormissima despeza que traziam ao paiz e porque o pessoal aduaneiro n'elles empregado faria falta á fiscalisação de outros serviços de grande importancia e rendimento.

(O discurso do orador será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde da Arriaga (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até findar este incidente.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. José Luciano de Castro: - Entra n'este debate, porque a elle o chamara o sr. visconde de Moreira de Rey.

Acceita toda e qualquer responsabilidade que lhe possa advir de ter tomado uma iniciativa assas activa e directa na elaboração da lei de 15 de julho de 1889, ácerca dos cereaes.

O governo a que tivera a honra de presidir aceitara essa, lei, não como uma solução perfeita da questão cerealifera, senão como uma providencia um tanto satisfactoria para a agricultura nacional.

Ao sr. visconde de Moreira de Rey attribue em grande parte a responsabilidade dos defeitos que s. exa. notou, pela precipitação como fôra elaborada a lei, porquanto a camara se deve recordar das insistencias do digno par em que se votasse qualquer lei que d'esse satisfação aos interesses dos agricultores, ao que o orador então observára que talvez não houvesse tempo de passar essa lei n'aquella sessão legislativa, respondendo-lhe o sr. visconde de Moreira de Rey que tinha a certeza de estarem de accordo todos os partidos em acceitar qualquer alvitre que desse uma prompta solução á questão, e que, assim, lhe parecia que este assumpto &e podia resolver até mesmo n'uma só sessão.

Ouvindo isto, agarrara logo, como se costuma dizer, a occasião pelos cabellos, e dissera ao digno par que por sua parte estava tambem disposto a concorrer para que a lei Fosse votada.

Comtudo, é dever seu confessar que quando fizera essa decifração estava persuadido de que o parlamento não acceitaria, para resolver a questão, uma proposta do digno par, tão repugnante se lhe afigurara ella, em vista dos principios economicos que professava.

Portanto, grande fôra o sen espanto quando viu que essa proposta era acceita pelos principaes representantes da agricultura, na camara! Tremeu então, porque chegára a receiar que fosse votada pela maioria parlamentar e convertida em lei, porque não queria para si a responsabilidade d'ella.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - É bom saber-se isso.

O Orador: - Declara que não acceitava a responsabilidade de ser elle proprio o unico importador e vendedor de cereaes.

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O unico vendedor, não.

O Orador: - Explica a sua asserção e diz que pelo projecto do congresso agricola só o governo podia importar cereaes, e, n'este caso, ficava-lhe a responsabilidade de ser o unico.

Proseguindo, allega que ao ser acceita a referida proposta pelos principaes representantes da apicultura, pensára então em alterar ou modificar o projecto que o sr. Barros Gomes trouxera á camara dos senhores deputados, de maneira que achasse uma solução qualquer, que não fosse a do sr. visconde de Moreira de Rey. Mas visto que s. exa. apoia o ministerio actual, lembra-lhe que é occasião para empenhar todos os seus esforços e influencia, para que elle acceite a sua proposta e a traga ao parlamento. Mas desde já vaticina que s. exa. nada conseguirá.

O sr. Viscone de Moreira de Rey: - Objecta que a proposta da associação agricola não é como o orador a expoz, que elle não precisa de pedir ao governo que a acceite, mas que ha de propol-a e fazer a diligencia para que ella passe no parlamento.

Que é a seguinte essa proposta:

"Venderá trigo toda a gente que o tenha, e ninguem, o poderá importar, senão o governo."

O Orador: - Contrapõe lhe que ha um processo mais simples, e mais commodo para todos, consistindo em obrigar-se o governo por lei a pagar aos lavradores o trigo pelo preço que elles quizerem, sendo as differenças que d'ahi resultarem pagas pelo contribuinte.

Individua varias circumstancias que se deram e diligencias que fez para ser modificado e approvado o projecto que está hoje convertido era lei.

Passa depois a apreciar a argumentação do sr. visconde de Moreira de Rey, na qual, a seu ver, laborou s. exa. em mais de um equivoco.

D'este modo, admira-se de que o digno par partisse do principio de que uma das bases d'aquella lei era assegurar ao lavrador a venda do seu trigo ao preço de 60 réis o kilogramma, porque este preço não se fixou n'ella, senão para a hypothese de terem que ser abertos os portos aos cereaes estrangeiros.

Alem d'esta hypothese, outra ainda havia na lei, para a entrada d'esses cereaes, isto é, quando escasseassem os nacionaes, e foi n'esta que o sr. ministro da fazenda abriu os portos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Não, senhor.

O Orador: - Insiste em que assim fôra.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Allega então que o mercado informaára com menos exactidão o sr. ministro da fazenda.

O Orador: - Não crê que o mercado podesse informar o sr. ministro da fazenda com menos verdade; mas que em todo caso foram abertos os portos em rasão de não haver já trigo nacional, e d'aqui conclue que a critica do digno par, durante duas sessões, sobre este ponto, fôra absolutamente contraproducente.

Defende o partido progressista das arguições feitas por varios dignos pares, pelo facto de não ter elle feito nada era favor dos agricultores, e sustenta opinião opposta, em cujo abono enumera varias providencias tomadas por aquelle partido, entre as quaes cita o estabelecimento de uma fabrica de moagem e panificação, por couta do governo, com uma succursal no Porto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Pergunta em que estado se encontra a construção d'esse estabelecimento.

O Orador: - Responde que não sabe, mas que ultimamente no Diario do governo vira publicada uma nota que dizia haver-se gasto com a sua construcção uma somma importante.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Interrompe e garante que a industria particular, em menos tempo, teria concluido essa obra por menos dinheiro, emquanto que o edificio, a que o sr. Luciano de Castro se referia, segundo crê, ainda não tem alicerces.

O Orador: - Redargue que não lhe póde dar informações seguras ácerca do estado actual das obras d'esse edificio, mas que são fiscalisadas por uma commissão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Mas estamos á espera de ver alguma cousa.

O Orador: - Pergunta-lhe se porventura o quer tornar responsavel por não estarem concluidas essas obras.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Replica-lhe que até janeiro d'este anno a responsabilidade é de s. exa.

O Orador: - Acceita-a; mas reflecte que o sr. visconde de Moreira de Rey não póde provar que as obras não têem sido feitas com economia e acerto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Diz que se gasta dinheiro e as cousas não apparecem.

O Orador: - Mas o digno par que apoia o governo...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Apoiado!

O Orador: - S. exa. pôde, visto estar compromettido a apoiar o governo...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Replica-lhe que nunca se compromette, que o sr. Luciano de Castro póde muito bem responder por si e pelos seus correligionarios; mas que elle responde sómente por a proprio, e que apoia ou combate o governo quando quer, e que ás vezes faz ambas as cousas no mesmo dia.

O Orador: - Observa então que s. exa. póde exigir toda a responsabilidade do governo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Assegura que o governo está a encobrir tudo o que fez o ministerio transacto.

O Orador: - A isto responde o orador que se o sr. visconde tivesse lido o relatorio do sr. ministro da fazenda, de certo não faria tal affirmação.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu só agora descobri no orçamento rectificado a tal verba de caridade.

O Orador: - Objecta-lhe que d'essa verba só tem a responsabilidade quanto á sua promessa, e que se acaso soubesse que poderia resultar d'ella a obrigação de pagar, não 3:000$000 ou 4:000$000 réis, senão 40:000$000, os não pagaria.

O que promettera ficára sem execução, visto haver saido do ministerio, e os que lhe succederam não tinham obrigação de cumprir uma promessa sua meramente verbal.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Elles são sempre amaveis de mais!

O Orador: - Torna a recommendar o relatorio do sr. ministro da fazenda, para que o digno par deduza da sua leitura quanto o actual ministerio busca encobrir os actos do transacto.

E apoz algumas interrupções mais por parte do digno par, visconde de Moreira de Rey, e do sr. ministro da fazenda, continua a circumstanciar os beneficios á agricultura, feitos pelo partido progressista.

Então, a proposito da concessão á companhia vinicola do Porto, pergunta ao sr. ministro da fazenda se o governo está ou não disposto a desempenhar-se do compromisso que tomou perante a camara e o paiz sobre annullar a concessão feita, desde que chegasse ao poder.

Reporta-se de novo á questão dos cereaes, e parece-lhe que o caminho a seguir é cumprir a lei que está em começo de execução e que por isso ainda não póde ser totalmente apreciada nos seus resultados. Reformal-a já, não o julga acertado.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Diz que em resposta ao sr. Luciano de Castro se

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restringirá o mais possivel, para não fatigar a attenção da camara.

Não acompanhará por isso o digno par na critica geral que fez de quasi todas as medidas da iniciativa do governo a que presidiu s. exa., durante o ultimo tempo que geriu os negocios publicos.

Vae apenas tratar do que mais directamente lhe toca e precisa- de immediata resposta.

Perguntara-lhe s. exa. o que é que o governo faria com relação á companhia vinicola.

Responde que esta questão está dependente de uma resolução do tribunal arbitral, e que a obrigação do governo é aguardar a resposta d'este tribunal.

Tambem s. exa. se referira ao seu relatorio, allegando, em replica ao sr. visconde de Moreira de Rey, que n'elle não sómente se não occultavam os actos da situação transacta, mas que sobre isto se exaggeravam ou deturpavam intencionalmente.

A esta arguição tem a ponderar que nunca foi intento seu atacar injustamente ninguem e que opportunamente demonstrará que a situação da fazenda publica é ainda talvez mais grave do que a apreciação que d'ella fizera no seu relatorio.

Igualmente disse s. exa. que elle poderia informar qual o estado em que se acha a construcção de uma fabrica nacional de moagens.

Cumpre-lhe responder a esta observação, que quando entrou para o ministerio da fazenda encontrara dois contratos feitos com dois empreiteiros; um com referencia á construcção do edificio e outro relativamente ao machinismo. Que um d'esses contratos tivera elle que rescindir logo, e quanto ao outro, não poderá fazer o mesmo, porque o empreiteiro, não tendo feito deposito algum e não apresentando garantia de poder solver o debito, tinha recebido adiantamentos na importancia de 70:000$000 réis. ( Vozes: - Ouçam, ouçam.)

Tambem s. exa. se referiu á verba de caridade, sustentando que o governo actual podia não acceitar o compromisso que s. exa. tomara de pagar o excedente da verba subscripta, e que s. exa. proprio não teria tomado esse compromisso, se acaso imaginasse que esse excedente iria alem de 3:000$000 ou 4:000$000 réis.

A isto replica que era de presumir que por tão pequena somma, o sr. conde de Bournay, que tinha concorrido com uma verba importante para uma acção tão louvavel, não se privaria da satisfação de com mais alguma cousa a completar, cedendo a honra que d'ahi lhe provinha a favor do governo. (Apoiados.)

Por outro lado, não tendo o sr. José Luciano deixado despacho na secretaria, do compromisso que tomara em nome do estado, o governo actual vira-se na necessidade de exigir a publicação das cartas, que mostravam qual o compromisso que tomara a administração transacta.

D'essa publicação, já realisada, evidentemente se vê que o sr. José Luciano de Castro se tinha obrigado a pagar dos cofres publicos qualquer quantia que excedesse o producto da subscripção aberta, encarregando tambem o sr. conde de Bournay de fazer desempenhar as roupas de uso dos necessitados, devendo adiantar s. exa. para isso o dinheiro necessario.

Parece-lhe que ninguem fará áquelle cavalheiro a injuria de o suppor capaz de exigir mais do que gastára n'aquella conformidade. (Apoiados.)

A responsabilidade que, pois, cabe ao governo actual é a de manter o compromisso tomado pelo transacto.

Igualmente o sr. Luciano de Castro affirmou que se tinham aberto os portos aos cereaes estrangeiros, em virtude do disposto na segunda parte de um artigo da lei de 15 de julho de 1889, quando o sr. visconde de Moreira de Rey sustentava que era em vista do que preceitua a primeira parte d'esse mesmo artigo que elles se abriram. E d'aqui concluira o sr, Luciano de Castro que a rasão de se abrirem os portos não fôra por chegarem os nossos cereaes ao preço de 60 réis, argumentando o sr. visconde de Moreira de Rey que os portos se não deveriam ter aberto, porque, alem do seu trigo, havia ainda o de outros lavradores.

Ora os portos, diz o orador, abriram se por ambas estas rasões! E desenvolve e justifica esta asserção, lendo e commentando varios artigos da lei.

Com relação ao merendo central de productos agricolas, acha que a sua instituição não só é conveniente, senão indispensavel, mas que deve observar que o mercado central não fôra votado nem discutido no parlamento, mas apenas inventado por uma auctorisação respectiva ás alfandegas", com a qual, a seu ver, o mercado nada tem. Julga-o, pois, uma creação viciosa, porque se funda n'uma auctorisação que não lhe diz respeito, e que saíra naturalmente aleijada, pelo seu defeito de origem, sendo portanto illegal por não estar contida dentro d'aquella auctorisação.

Desde que tomara parte nos ultimos incidentes, com respeito á questão dos cereaes, reconhecera logo que a respectiva lei não sorvia para áquelle mercado, ou que este, como está, não a podia receber por ser impossivel que o mercado podesse prestar verdadeiros serviços.

Por isso acceita que seja nomeada uma commissão de inquerito agricola por aquella camara, a tini de estudar a reorganização do mercado, compromettendo-se o governo a ter sempre em vista estes dois principios: 1.°. que não possa haver elevação no preço do pão; 2.°, que ao trigo nacional seja assegurado o mercado.

(O discurso do orador será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Luciano de Castro: - Não deseja abusar da paciencia da camara, mas o sr. ministro da fazenda constituira-o na obrigação de responder-lhe.

De novo se refere á verba de beneficencia publica, inscripta no orçamento rectificado na importancia de réis 40:000$000, e declina de si toda a responsabilidade do pagamento d'ella, porque á apresentação official do sr. conde de Burnay não corresponde nenhum despacho seu. A sua promessa não chegou, pois, a realisar-se, porque antes d'isso saíra do ministerio.

É verdade que o sr. conde de Burnay lhe pedira uma carta, confirmando outra do sr. governador civil, na qual se dava essa auctorisação.

Mas essa auctorisação, com a sua saida do poder, caducára.

Succedeu-lhe era seguida o sr. Serpa, que teve conhecimento d'ella, mas que nada lhe perguntára a tal respeito.

Vê por uma carta publicada no Jornal do commerercio que s. exa. se informara ácerca d'este negocio, e que no dia 27 de janeiro o sr. conde de Buruay se dirigira a s. exa., dando-lhe parte de que se tinham commettido abusos no pagamento das cautelas de penhores, invocando a intervenção da policia para investigar d'esses abusos.

Por estes abusos e por uma promessa verbal, não realizada, é que não póde ser responsavel.

Se no ministerio houvesse permanecido, não só daria ao sr. governador civil as precisas instrucções para que a verba fosse debitada, mas tambem para que se tomassem as cautelas necessarias, a fim de não se abusar da concedida auctorisação.

Está comtudo intimamente convencido de que o sr. conde de Burnay procedera sobremodo cavalheirosamente, e que os desmandos que n'este negocio houve só procederam dos donos das casas de penhores e dos encarregados de resgatar as roupas.

Insiste em que toma responsabilidade d'essa auctorisação até ao momento em que saiu do ministerio.

Allude ao adiantamento da verba de 70:000$000 réis, para a construcção da fabrica nacional de moagem e panificação, e sustenta que taes adiantamentos sempre se fizeram.

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Apresenta exemplos d'isto mesmo, e pede ao sr. ministro da fazenda lhe mande á camara, não só os contratos a que s. exa. se referira, mas ainda as informações completas sobre o modo como têem corrido essas obras.

Quanto á declaração do mesmo sr. ministro, sobre o estado da fazenda publica ser ainda mais grave do que a descripção que d'ella faz no seu relatorio, parece-lhe que taes declarações poderão satisfazer instinctos partidarios, mas nunca poderão favorecer o paiz e augmentar o nosso credito.

O que dirão lá fóra os nossos credores, ao saberem que o sr. ministro assim se exprimira?

Não quer discutir agora o relatorio de s. exa., nem buscou provocar a sua discussão, mas apenas responder a um áparte do sr. visconde de Moreira de Rey.

Novamente faz varias considerações sobre o decreto que mandou abrir os portos aos cereaes estrangeiro, concluindo que estes foram abertos em consequencia de não haver já trigo nacional para occorrer ao consumo publico. Quanto á organisação do mercado central, que o sr. ministro da fazenda reputara illegal, admira-se de que, tendo s. exa. usado largamente da dictadura, não acabasse com elle.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu tinha pedido a palavra para um requerimento, com o fim de que a conclusão d'este incidente ficasse para amanhã; mas desisto de o formular em consequencia do que me estão particularmente observando.

O sr. Costa Lobo (para um requerimento}: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

É o pedido dos documentos a que se referiu o sr. José Luciano de Castro, que eu tomei a liberdade de redigir, sob a minha responsabilidade, e que é de accordo com o desejo que s. exa. manifestou quando estava fallando.

Leu se na mesa o seguinte requerimento:

Requerimento

Requeiro que, do governo, por via do ministerio da fazenda, sejam requisitados todos os documentos existentes n'aquelle ministerio, relativos á construcção da fabrica de moagem. = Costa Lobo.

A camara annuiu a que fosse expedido.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Escusa-se por a pugna parlamentar sobre este incidente se haver prolongado, mas que assim succedêra porque o sr. Luciano de Castro, fazendo a apologia dos seus actos no ministerio transacto, entendeu que, a par d'isso, podia recriminar e lançar responsabilidades ao governo actual.

Ouvíra fallar o sr. Barros Gomes, tambem ministro da situação passada, defendendo o seu procedimento era actos da sua gerencia, mas de modo o fizera que o não constituira na obrigação de lhe responder.

O contrario, porém, fizera o sr. Luciano de Castro e por isso não póde deixar de dizer alguma cousa.

S. exa., por fórma alguma, quer para si a responsabilidade do pagamento que tem de ser feito ao sr. conde de Burnay, para reembolsar este cavalheiro da somma que adiantou no resgate de penhores que o sr. Luciano de Castro o auctorisára a fazer por conta do thesouro.

Pois fique sabendo o sr. José Luciano de Castro (e não é esta a vez primeira que s. exa. ousa fazer no parlamento declarações similhantes) que, visto s. exa. não querer tomar essa responsabilidade, e como ha ainda quem tenha a coragem de tomar a responsabilidade dos seus proprios actos e dos alheios, o governo actual assume plenamente n'este caso a responsabilidade do desempenho de um compromisso que o seu antecessor contrahiu.

Dissera tambem o sr. Luciano de Castro que nunca imaginára que esse compromisso podesse redundar n'uma quantia tão avultada, mas apenas n'uns 3:000$000 ou 4:000$000 réis.

Como assim?

Pois se o resgate das roupas de cama, só por si, importou em 20:000$000 réis, o das roupas de vestuario havia então de custar apenas 3:000$000 ou 4:000$000 reis?!

Se o sr. José Luciano estava convencido, se tinha a consciencia da necessidade da se accudir ás familias pobres, evidentemente devia reconhecer que era diminuta aquella quantia; de contrario, então fóra melhor não dar nem 3, nem 4 réis.

Parece-lhe, pois, que s. exa. não anda n'este negocio com muita consciencia.

Mas agora não se trata de 40:000$000 réis, nem de 40 réis; trata-se de uma questão de principies, e por isso é que o governo actual toma por completo a responsabilidade a que já se referiu.

Comtudo, para outra vez, convirá muito que s. exa., ao sair do ministerio, quando haja praticado qualquer acto illegal, trate de legalisar a sua situação, lançando por escripto qualquer despacho indispensavel, a fim de não crear difficuldades aos seus successores.

Nenhum presidente do conselho podia dar a ordem verbal que s. exa. dou. (Apoiados.)

Quanto á construcção da fabrica nacional de moagem e panificação, allega que um dos motivos que têem retardado essa construcção, é a existencia de um contrato, por cuja virtude se fez um adiantamento de setenta e tantos contos de réis, sem que esse adiantamento tivesse garantia ou caução alguma, e que justamente por via d'este facto é que o governo não rescindiu o contrato com o empreiteiro.

Com isto não censura o contrato, mas a falta da execução das clausulas n'elle estipuladas, não tendo querido, repete, usar da faculdade de o rescindir, para não perder as quantias já adiantadas.

O sr. Barros Gomes: - Pedindo licença, para interromper o orador, pondera-lhe que não é bom accusar ninguem sem provas ou documentos, e que o contrato a que se estava referindo fóra celebrado entre o sr. Marianno de Carvalho e o sr. Simon, de Strasburgo, e o sr. Vandertaelen, de Anvers, succedendo que este ultimo se suicidara e sendo este facto inesperado que impedira a conclusão da obra.

Relativamente á garantia, deve dizer que existe uma carta do sr. Ephrussi, e por ella se póde ver que o adiantamento estava hypothecado.

Assegura que o governo não procedera tão levianamente, como se poderia deprehender das palavras do sr. ministro da fazenda.

O Orador: - Declara que não fizera accusações a ninguem, mas que dissera e tornava a repetir que as obras do edificio referido estavam paradas, e, com referencia á garantia, disse que traria á camara uma copia da carta a que alludira o sr. Barros Gomes, e sobre isto, a consulta do procurador geral da corôa, a fim de por meio d'estes documentos se poder ver quanto importa garantir os interesses do estado, sob o ponto de vista de não se perder dinheiro.

Referentemente a haver dito que a situação da fazenda publica era ainda mais grave que a descripção que d'ella fizera no seu relatorio, que o dissera effectivamente sob o ponto de vista especial do equilibrio entre a receita e a despeza; mas que nem por isso se deveria colher d'estas palavras que fosse pessima.

Porém, se de facto, para melhorar o nosso estado financeiro era necessario faltar á verdade, n'caso caso, a si proprio reconhece como falto de condições para ser ministro da fazenda.

Tem pelo principal elemento de credito a verdade e a sinceridade des pessoas que administram.

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Ninguem se engana com falsidades, e as pessoas que têem interesses collocados em Portugal actualmente acompanhara o estado economico e politico do paiz, com todo o cuidado.

O que desejava era que o sr. Luciano de Castro levantasse opportunamente esta questão, a fim de ver qual dos dois tinha rasão, na certeza que elle, orador, provaria que a administração de s. exa. augmentou as despezas publicas de um modo como até hoje ninguem o fez e de que não ha memoria.

Vae agora defender-se das accusações que lhe fizera o sr. Luciano de Castro, sobre não acabar com o mercado central, visto a sua constituição ter sido illegal.

Dissera que aquelle mercado, antes do regulamento, era conveniente, e que hoje, depois d'elle, era indispensavel.

Carece, comtudo, de ser reformado, e a sua reforma está sendo muito pensada e estudada

Não sabe resolver difficuldades com a velocidade com que s. exas. as resolvem.

Deus evite que não faça este anno uma reforma, para a reformar no auno seguinte, como a s. exa. succedeu com a lei das licenças, com a lei dos alcoois, com a sellagem e ainda com esta questão dos cereaes.

Prefere ir do vagar, para caminhar mais seguro.

Continua depois a sustentar que a auctorisação, a que já alludira, nada tem com a organisação dos serviços d u mercado central, porque o terreiro do trigo nunca fôra dependencia da alfandega.

D'aqui a conclusão que tirara sobre a sua illegalidade.

(Tambem se publicará na integra, e em appendice a esta sessão este discurso do orador logo que s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Diz que se está muito longe da questão dos cercãos e que não fôra elle, orador, quem se desviara d'ella.

Passa a referir-se á construcção da fabrica nacional de moagens o insiste pela remessa á camara dos documentos, que mencionara o sr. ministro da fazenda, a fim de saber-se o que se contratou e quaes os motivos que occasionaram tanta demora n'essa construcção.

Ha dias, reportando-se á questão dos 40:000$000 réis, estando presente o sr. José Luciano de Castro, tivera o cuidado de fallar unicamente n'uma subscripção particular e n'um pagamento que se pretendia que o governo fizesse, sem porventura dizer se essa subscripção tinha sido promovida por um jornal, nem qual era o nome d'esse jornal, e tão pouco fizera allusão a pessoa alguma. Hoje, porém, vê que todos faliam de modo tal que a maneira de considerar a questão é pessoalmente, citando-se o nome de alguns individuos.

Declara que comsigo não se discute assim; para si, todos os homens são respeitaveis e mais que todos a caridade particular.

Não lhe tragam nomes, e mais tarde tratará devidamente esta questão.

Não obstante, desde já pergunta em que paiz regido pelo systema representativo se viu que a palavra do um ministro constitue divida do orçamento? Se tal doutrina triumphasse, seria caso para se ir aos templos fazer preces, porque se d'esta vez a quantia fica em 40:000$000 réis, na segunda experiencia ascenderá a 400:000$000 réis.

Conclue propondo que o sr. presidente fique auctorisado a nomear uma commissão, que será constituida de cinco ou sete membros, a fim de estudar e apresentar as medidas convenientes relativamente á questão agricola e á industria das moagens.

O sr. Presidente: - Convida o digno par a formular por escripto a sua proposta.

O Orador: - Replica ser ella tão simples que nem vale a pena de a reduzir a escripta.

(Igualmente se publicará na integra este discurso do digno par, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachyyraphicas.}

O sr. José Luciano de Castro: - Parece-me ser conveniente que o digno par mande a sua proposta para a, mesa, porque eu desejo saber o que voto.

O sr. Presidente: - Não sei mesmo se ha numero para se votar. Vou verificar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Então eu peço a v. exa. que a reserve para ámanhã.

O sr. Presidente: - Então fica a proposta reservada para ámanhã, antes da ordem do dia.

A primeira sessão é ámanhã, sendo a ordem do dia a continuação da discussão do parecer n.° 42, relativo á eleição de dois pares do reino pelo districto de Bragança.

Está Levantada a sessão.

Eram sete horas menos dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão do 6 de junho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquez da Praia e de Monforte; Condes, de Alte, d'Avila, da Arriaga, de Cabral, de Carnide, de Lagoaça, de Linhares, de Valbom e da Folgosa; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Condeixa, de Moreira, de Rey, de Paço de Arcos, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Valmor; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Montufar Barreiros, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Margiochi, Barros Gomes, Baima de Bastos, Holbeche, Coelho He Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Lourenço de Almeida. Azevedo, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro, Jeronymo Pimentel, Marçal Pacheco.

O redactor = Ulpio Veiga.

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